OS WESTERNS DE ANTHONY MANN

março 22, 2010

Conservando personagens e situações clássicas do western e dando-lhes um enfoque “adulto”, Anthony Mann manteve a integridade do gênero e, ao mesmo tempo, revitalizou-o. Foi no western que, unindo temas, estrutura e estilo, produziu suas obras mais pessoais.

Os cinco filmes que fez com James Stewart (Winchester 73 / Winchester 73 / 1950, E o Sangue Semeou a Terra / Bend of the River / 1952, O Preço de um Homem / The Naked Spur / 1953, Região do Ódio / The Far Country / 1954, Um Certo Capitão Lockhart / The Man from Laramie / 1955), criaram um novo tipo de herói que é um personagem próximo do mito e da tragédia grega e está, igualmente, no centro de outros grandes westerns de Mann (O Caminho do Diabo / Devil’s Doorway / 1950, Almas em Fúria / The Furies / 1950, O Tirano da Fronteira / The Last Frontier / 1956, O Homem dos Olhos Frios / The Tin Star / 1957 e O Homem do Oeste / Man of the West / 1958. É um sujeito comum, vulnerável, obcecado pelo passado e pelo desejo de vingança ou de redenção, cujo código moral não está de acordo com a sociedade. Apresenta geralmente muita similaridade com o vilão que vem a ser um reflexo dele mesmo. Tem a consciência de que vive num mundo violento e precisa preparar-se para enfrentá-lo. Não se deixa dominar pelos outros. Age com forte determinação e coragem, vencendo tremendos obstáculos – longas distâncias a serem percorridas, ambientes hostís, isolamento, os mais dilacerantes sentimentos físicos – , para conseguir atingir seus objetivos.

Outras características dos westerns de Mann são a simplicidade e a sensibilidade visual, aprendidas com um mestre inigualável. “O diretor que mais tenho estudado – meu diretor favorito – é John Ford. Em um só plano ele apresenta, mais rápido do que qualquer outro, o ambiente, o conteúdo, o personagem; Ford tem a maior concepção visual das coisas e eu acredito nisso. O choque de um só pequeno plano que possa fazer-nos entrever toda uma vida, todo um mundo, é muito mais importante do que o mais brilhante dos diálogos”.

Dentro deste conceito, a paisagem desempenha um papel crucial na obra de Mann, sendo sempre captada pelo cineasta, com alma de arquiteto ou geômetra, em magníficas composições plásticas. Ele sabe dar aos suntuosos panoramas um tratamento funcional, mantendo constante relação dramática entre exteriores e personagens. Como disse um crítico francês, a natureza em Mann é o contraponto das aventuras humanas.

Tal como em Flechas de Fogo / Broken Arrow / 1950, realizado por Delmer Daves no mesmo ano, porém lançado antes, O Caminho do Diabo foi corajosamente favorável à causa indígena, numa época em que era difícil assumir esta atitude no Cinema americano. Lance Poole (Robert Taylor), pele-vermelha da tribo soshone, condecorado por bravura durante a Guerra Civil, retorna à terra natal no Wyoming, onde enfrenta o ódio e a discriminação. Instigados por um oportunista (Louis Calhern), criadores de ovelhas pretendem desalojá-lo do seu rancho de criação de gado, travando-se uma luta feroz, ao fim da qual o índio, mortalmente ferido, se entrega às forças da cavalaria, convocadas para impor a ordem. Além da denúncia à injustiça social e ao preconceito, evidente inclusive no relacionamento do protagonista com uma advogada (Paula Raymond), há o conflito de identidade refletido nos trajes híbridos que ele usa. Todos esses aspectos foram expostos sem subterfúgios.

Apesar da intriga ser de fundo realista e transcorrer na maior parte em exteriores, Anthony Mann optou pelo estilo visual noir com composições – o funeral do velho chefe numa gruta iluminada pelos clarões das tochas, os enquadramentos na cena da provocação contra os índios no saloon – cuidadosamente preparadas numa fotografia contrastada.

A interpretação sóbria e eficicente de Robert Taylor, acentuando o caráter humano do personagem, a vivacidade das cenas de batalha – os índios atacando do alto das montanhas, arremessando bastões de dinamite nos toldos das carroças e pulando selvagemente dos cavalos para as costas dos adversários enquanto o rebanho é atropelado pelas explosões – são outros traços distintivos da obra de estréia do cineasta, no gênero com o qual sentiu, desde logo, a maior afinidade.

Almas em Fúria é um western freudiano sobre as relações entre a heroína, Vance Jeffords (Bárbara Stanwyck) e seu pai, T.C. Jeffords (Walter Huston), latifundiário do Novo México. Ao ser expulsa de casa, após ter desfigurado com uma tesoura o rosto da madrasta (Judith Anderson), que viera usurpar o lugar de Vance na imensa propriedade – simbolicamente denominada “As Fúrias” -, ela procura refúgio junto a um amigo de infância mexicano (Gilbert Roland); porém o pai cerca o reduto onde ele vive com a mãe e os irmãos e manda enforcar o rapaz. A filha jura então tomar a fazenda do velho, o que consegue, com a ajuda de um antigo pretendente, Rip Darrow (Wendell Corey), também interessado na vingança, por outros motivos. Reconhecendo a derrota, o pai faz as pazes com a filha, mas vem a ser morto pela mãe (Blanche Yurka), cuja morte havia ordenado.

A complexidade do roteiro, desenvolvido de modo fragmentário e indisciplinado, faz o filme parecer mais longo do que realmente é, porém Mann mantém a atmosfera dramática durante todo o desenrolar da narrativa. A tensão é realçada nos momentos de agressão à madrasta e do tiroteio no cerco à família dos mexicanos no alto do morro, fotografada com contrastes de claro-escuro e efeitos de silhueta. Mann teve um grande apoio do elenco, todo ele irrepreensível, destacando-se Walter Huston e Bárbara Stanwyck pela maior intensidade dos respectivos papéis, sendo particularmente notáveis as cenas íntimas entre ambos, quando se manifesta o complexo de Electra que domina a heroína.

Walter Huston e Barbara Stanwyck em Almas em Fúria

Winchester 73 começa no dia 4 de julho de 1873, em Dodge City. Lin MacAdam (James Stewart) encontra finalmente Dutch Henry (Stephen McNally), que vinha perseguindo há algum tempo. Porém, como o xerife local, o famoso Wyatt Earp (Will Geer) confisca todas as armas, o acerto de contas fica para uma outra oportunidade. Lin e Dutch participam de um concurso de tiro, cujo prêmio é uma Winchester 73, o fuzil mais aperfeiçoado da época, muito cobiçado no Oeste. Lin ganha a disputa, mas Dutch rouba-lhe a carabina e foge da cidade. Lin e o amigo High Spade (Millard Mitchell) vão atrás de Dutch, enquanto a Winchester passa sucessivamente de suas mãos para as de um traficante, Joe Lamont (John McIntire), um chefe indígena, Young Bull (Rock Hudson), um covarde, Steve Miller (Charles Drake) e um assaltante de bancos, Waco Johnny (Dan Duryea), voltando depois à posse de Dutch. Lin alcança Dutch e os dois se defrontam num duelo, revelando-se então que eram irmãos e Dutch havia matado o pai. A trama episódica e circular reúne, com virulência e autenticidade, todos os tipos tradicionais do gênero, ligando o destino dos numerosos participantes do drama e ensejando uma meditação sobre a violência – as pessoas que se apoderam da carabina de alto poder de destruição morrem, porque só a desejavam para matar. A violência é acentuada ainda pelo caráter trágico da relação familiar entre vilão e herói. Aquí, como em vários outros westerns de Mann, encontra-se um indivíduo amargurado e raivoso, movido pelo ódio.

Além do admirável plano-sequência inicial, destacam-se as cenas do torneio de tiro, do roubo da arma por Dutch e seus capangas, da morte de Joe Lamont escondido pelo gesto de Young Bull que se coloca diante da lua, do ataque dos índios, da primeira aparição de Waco Johnny e do tiroteio final na montanha rochosa, todas as imagens compostas com uma admirável perspicácia visual.

Anthony Mann e James Stewart na filmagem

James Stewart na cena do concurso de tiro em Winchester 73

No decorrer de E o Sangue Semeou a Terra, Glynn McLintock (James Stewart), guia de uma caravana de pioneiros, salva Emerson Cole (Arthur Kennedy) de ser enforcado como ladrão de cavalos, estabelecendo-se entre os dois uma estima recíproca. Glynn já havia passado por situação semelhante e, apesar de suas suspeitas, espera que Cole, como ele próprio, se regenere. Após um ataque de índios, o comboio alcança a primeira etapa, Portland, onde os colonos compram víveres que deverão ser entregues mais tarde.Um grupo de mineradores oferece cem mil dólares pelos mantimentos, mas Glynn respeita o direto dos colonos que, sem alimentação, não poderão suportar os rigores do inverno. Entretanto, Cole cede à tentação do dinheiro, desarma Glynn, deixando-o desamparado nas montanhas, e leva o carregamento. Enfrentando as maiores dificuldades, Glynn consegue seguir Cole a distância e, no momento propício, ataca-o, sucedendo uma feroz luta corpo a corpo às margens de um rio caudaloso.

Arthur Kennedy e James Stewart em E o Sangue Semeou a Terra
O roteiro entrelaça a aventura interior da busca de Glynn por uma nova identidade como um homem de bem – expondo o confronto entre sua honestidade resoluta e o cinismo realista de Cole – com o esforço épico dos pioneiros para chegarem até o local, onde se implantará a colônia agrícola, explicitando-se o tema do dever para com a coletividade. Mann acentua primeiro a afinidade dos caracteres de Glynn e Cole e depois os coloca em choque; Glynn quer rejeitar o passado compartilhado com Cole e vislumbra-se a “estrutura da ressonância” entre herói e vilão, fundamental na filmografia do diretor.

A ação transcorre quase que exclusivamente nos deslumbrantes cenários perto do rio Columbia e do monte Hood, no Oregon, fotografados com lirismo virgiliano. O ritmo da narrativa acompanha o deslocamento da longa fila das carroças e do rebanho através do amplo panorama , sendo porém continuamente avivado por cenas empolgantes, entre elas, a saída dos três companheiros do saloon (o terceiro, um jogador, interpretado por Rock Hudson) com as armas em punho e a expedição noturna de Glynn e Cole, com as facas nos dentes para atacar os índios, ambas admiravelmente dirigidas.

O Preço de um Homem inicia-se quando, disfarçado de xerife, Howard Kemp (James Stewart) caça o fora-da-lei Ben Vandergroat (Robert Ryan), visando a recompensa de cinco mil dólares, estipulada para a captura do bandido. Com o dinheiro, pretende reaver o rancho, do qual fora destituído por ocasião da Guerra Civil. Entretanto, é obrigado a aceitar a ajuda de Jesse Tate (Millard Mitchell), um velho garimpeiro e de Roy Anderson (Ralph Meeker), ex-militar de moralidade duvidosa, também interessado no prêmio. Os três conseguem prender Ben, que se refugiara no alto de um penhasco, na companhia de uma jovem órfã, Lina (Janet Leigh), filha de um ex-companheiro de assaltos. Durante a viagem até a cidade, semeada de incidentes, o malfeitor incita uma guerra de nervos entre seus guardiães, servindo-se de Lina para distrair a atenção de Kemp. Após uma tentativa frustrada de fuga, Bem convence Tate a soltá-lo, com a promessa de indicar-lhe o local de uma mina de ouro, mas, assim que se vê livre, mata-o sem piedade. Em seguida, Bem arma uma cilada para Kemp e Roy; porém, graças a Lina, que compreendera enfim o verdadeiro caráter do amigo, o plano fracassa. Abatido por Kemp, o corpo de Ben cai nas correntezas de um rio e, pensando na recompensa, Roy tenta resgatar o cadáver, sendo tragado pelas águas turbulentas. Kemp resgata o corpo, mas, diante das súplicas de Lina, o abandona. Com o apoio e o amor da jovem, constituirá uma nova vida, sem recorrer àquele dinheiro, causa de tantos crimes.

Robert Ryan, James Stewart, Janet Leigh, Millard Mitchell e Ralph Meeker  em O Preço de um Homem

O filme possui a simplicidade e o rigor de uma obra clássica, com a ação única passada num tempo e lugar determinados. Apenas cinco personagens, cujas relações e sentimentos são analisados diante dos exteriores do Colorado, magistralmente fotografados. É uma tragédia clássica em plena natureza e, ao mesmo tempo, um penetrante estudo da ambição humana, na qual estão presentes: a tendência usual do diretor de integrar o meio com os conflitos dos personagens e o tema, também recorrente, dos “irmãos inimigos” – Ben é oriundo da mesma cidade de Kemp, embora este se esforce por afastar qualquer familiaridade entre ambos – tratado pela primeira vez em Winchester 73.

No desfecho eletrizante, Kemp e Roy lutam à beira de uma correnteza, com o barulho dos golpes abafado pelo da água, cuja presença metafórica o enquadramento em câmera alta lembra constantemente. Só esta imagem bastaria para definir o estilo e pensamento de Mann, que procura sempre situar o transbordamento das paixões no esplendor sereno de um cenário natural.

Região do Ódio tem como personagens centrais o vaqueiro Jeff Webster (James Stewart) e o amigo Ben Tatum (Walter Brennan). Eles chegam com seu gado a Skagway, no Alasca, onde têm uma rixa com o “juiz” Gannon (John McIntire), que os manda prender e lhes confisca o rebanho. Pela intervenção de uma dona de saloon, Ronda Castle (Ruth Roman), os dois são libertados e, sem dinheiro, aceitam servir como guia no comboio de Ronda até Dawson, onde ela pretende abrir um novo estabelecimento. No meio do percurso, Jeff e Ben voltam a Skagway, recuperam o gado e, já em Dawson, resolvem explorar uma concessão aurífera para, com o lucro, adquirirem uma fazenda no Utah. Porém Gannon e seus asseclas vão atrapalhar os planos dos dois amigos.

Transferindo a ação do oeste americano para o Alasca, Mann expõe a dinâmica interação dos conceitos de individualismo e responsabilidade social. Obediente apenas à própria moral, Jeff a princípio não quer se envolver com os problemas dos outros e só saca do revólver ao ser pessoalmente atingido; porém, no final, compreende o valor da amizade sincera e elimina Gannon – num lance de grande astúcia – em favor da comunidade.

Fotografado com técnica apurada, no território nevado do Yukon, o filme explora mais uma vez, de maneira dialética, os personagens e a natureza grandiosa, fazendo-nos lembrar de um trecho da análise percuciente de André Bazin a respeito do senso do espaço natural por parte do diretor: “Na maioria dos westerns, e mesmo nos melhores, como os de Ford, por exemplo, a paisagem é um quadro expressionista, onde vêm se inscrever as trajetórias humanas. Em Anthony Mann é um meio.O próprio ar não se separa da terra e da água. Como Cézannne, que queria pintar o espaço aéreo, Anthony Mann faz com que a gente o sinta, não como um espaço geométrico, um vazio de horizonte a horizonte, mas como uma qualidade concreta do espaço. Quando a câmera faz um panorama, ela respira.”

Filmagem de Região do Ódio
Um Certo Capitão Lockhart apresenta um novo herói taciturno com ânsia implacável de vingança. O Capitão Will Lockhart (James Stewart) sai de Forte Laramie e chega a Coronado, em busca do responsável pela venda de armas aos apaches que massacraram seu irmão. Ali, entra em conflito com Alec Waggonman (Donald Crisp), poderoso proprietário de terras que, prestes a ficar completamente cego, pensa em dividir o imenso domínio territorial entre o filho legítimo, Dave (Alex Nicol), rapaz arrogante e impulsivo, e o filho de criação, Vic Hansbro (Arthur Kennedy) capataz da fazenda, encarregado de conter as desordens do “irmão”. Com a ajuda de Kate Canaday (Aline MacMahon), vizinha e rival de Alec, e após sofrer muita violência, Lockhart descobre o homem que procurava, ensejando os momentos culminantes no alto de uma colina.

Cathy O' Donnell e James Stewart em Um Certo Capitão Lockhart

A figura trágica do velho, de inspiração shakespereana, pois a analogia com o Rei Lear é evidente – Alec, cego, pensando em repartir o império, não percebe que é o filho adotivo quem mais o ama e pratica atos insensatos, provocando sua própria queda – dá enorme dramaticidade ao filme, que apresenta, sob o plano formal, uma inteligente utilização do CinemaScope.

Mann contradiz todas as hipóteses pessimistas levantadas por ocasião do advento deste formato, tais como a impossibilidade dos primeiros planos, a dificuldade dos movimentos de câmera e a morte da montagem. A seqüência brutal nas salinas, por exemplo, mostra os planos bem próximos do rosto de Lockhart, capturado no laço e arrastado por sobre as cinzas da fogueira, intercalado naturalmente com outras tomadas mais gerais. Todos os enquadramentos são sabiamente construídos, como, na cena do enterro, o desenho de um imenso triângulo, cujo vértice é constituído pela cabeça do assassino e, depois do funeral, a silhueta negra do ancião desesperado, que dá tiros a esmo.

Alex Nicol e James Stewart em Um Certo Capitão Lockhart

Em O Tirano da Fronteira, três caçadores, Jed Cooper (Victor Mature), Gus Gus (James Whitmore) e Mungo (Pat Hogan), roubados pelos índios, não têm outra alternativa senão a de servirem de batedores de uma guarnição do exército. Jed não se adapta á disciplina, nem aceita as intenções do novo comandante, Frank Marston (Robert Preston), militar ambicioso e arrivista que fora destacado para um forte tão distante por ter sacrificado inutilmente seus homens num combate durante a Guerra de Secessão. Com a idéia fixa da necessidade de uma vitória extraordinária, Marston não hesita em repetir o fato leviano, ordenando um ataque louco contra os índios que Jed em vão tenta impedir. Marston é um dos primeiros a morrer, mas Jed consegue salvar o resto da tropa.

Robert Preston, Victor Mature, Guy Madison e James Whitmore em O Tirano da Fronteira

Western rousseauniano, inspirando-se no episódio histórico, desmitificado, do General Custer, ao sublinhar a obstinação do comandante, tem como tema a crítica da civilização feita por um selvagem. Jed percebe logo que todos odeiam Marston, mas, quando resolve matá-lo, surpreende-se com o fato de que sua decisão encontrara a maior reprovação. Este homem primitivo e pitoresco – que oferece trutas à esposa (Anne Bancroft) do Coronel, para lhe provar a afeição – é um personagem original e recebeu de Victor Mature uma interpretação primorosa. Cada plano do filme parece ter sido minuciosamente trabalhado com vistas à tela larga e os movimentos de câmera, principalmente os de grua, atingem uma eficácia ophulsiana e suscitam uma real emoção estética.

No relato de O Homem dos Olhos Frios, Morg Hickmann (Henry Fonda), ex-homem da lei que, ressentido contra a sociedade por causa de um acontecimento no passado, se torna caçador de recompensas, trazendo para o xerife Ben Owens (Anthony Perkins) o corpo de um bandido e cobrando a recompensa. Ben é novato no ofício e, depois que Hickmann o tira de encrencas, os dois ficam amigos. O homem mais velho e experiente passa então a atuar como professor e conselheiro do rapaz, até que este adquire a confiança necessária para exercitar seu trabalho, dominando sozinho Bart Bogardus (Neville Brand), o maior desordeiro da cidade. Ao orientar o Xerife principiante, Hickmann se reeduca e a sua lassidão se transforma em ardor. Ben lhe permite recuperar o gosto de ser aquilo que era.

Concentrando-se m

Anthony Perkins e Henry Fonda em O Homem dos Olhos Frios

ais na caracterização dos personagens de Hickmann e Ben e na influência mútua entre os dois, Mann não se preocupa tanto com a paisagem, que é bastante rara, seca e árida, quase desolada, assim como a sua direção é a mais despojada possível. O que não impede de nascerem cenas excitantes como o assalto à diligência, o assassinato do médico (John McIntire) – descoberto morto dentro da charrete quando todos se preparavam para homenageá-lo -, a captura dos dois malfeitores (Lee Van Cleef, Peter Baldwyn) e a turba agitada por Borgadus querendo linchá-los, todas cenas forjadas com notável intuição cinematográfica.

O Homem do Oeste, último grande western de Anthony Mann, é uma súmula dos temas prediletos do diretor. Em Crosscut, Link Jones (Gary Cooper), é um aparentemente ingênuo e tímido fazendeiro, que toma o trem para Fort Worth, com a incumbência de contratar uma professora para a comunidade em que vive com a família. Descobrindo sua missão, o vigarista Sam Beasley (Arthur O’ Connell) planeja um golpe, apresentando-lhe uma cantora de saloon, Billie Ellis (Julie London) como professora. Entretanto, o trem é roubado e os três acabam caindo nas mãos dos bandidos, cujo líder, Dock Tobin (Lee J. Cobb), vem a ser tio de Link, que havia sido membro da quadrilha. Fazendo o tio pensar que voltara para prosseguir na via do crime, na qual o velho o introduzira, Link vai aos poucos eliminando cada um dos bandidos. Até o climax, surgem vários incidentes violentos, entre eles a morte de Sam e dois stripteases antológicos: um, da mulher, forçada a tirar a roupa na frente dos bandidos e de Link, imobilizado pela faca que um deles lhe aperta na garganta; outro, masculino, quando Link, para vingar a humilhação de Billie, espanca duramente o degenerado que a obrigara a despir-se e depois começa a arrancar, peça por peça, as vestes do adversário.

Gary Cooper em O Homem do Oeste

Todo o esforço do herói é para manter a condição humana que conquistou ao regenerar-se. Sabe que não pode se deixar corromper pelas forças do mal, encarnado pelo patriarca demente e, para se desprender de suas raízes, Link tem que matar “o pai” e os “primos”, usando os métodos cruéis que aprendera com eles. O próprio Tobin compreende que seu tempo já passou -daí o símbolo da cidade fantasma – e incita Link a executá-lo, estuprando a mulher que pensa pertencer ao sobrinho.
Como Cimarron / Cimarron / 1960 não é rigorosamente um western e sofreu várias mutilações, podemos dizer que, com esta obra-síntese, Anthony Mann encerrou sua trajetória no gênero, no qual se tornou, com a colaboração de excelentes roteiristas, um dos realizadores mais expressivos.

12 Responses to “OS WESTERNS DE ANTHONY MANN”

  1. ANTONIO CARLOS – EXCELENTE MATÉRIA! NOTA 10
    Aqui no nosso Cineclube eu sempre digo e afirmo;Nos anos 50 – era de ouro do gênero WESTERN – Anthony Mann foi o maior diretor. Nesta década Anthony Mann é imbatível! Quando fiz essa afirmação pela primeira vez os mais expertos no assunto torceram os seus narizes: Eles lembraram principalmente de John Ford, por causa de Rastros de Ódio que é de 1956, e disseram que Ford foi o maior diretor. Eu contra argumentei, esperem aí. Eu disse, nos anos 50, e não pelo conjunto da obra. Nos anos 50 John Ford dirigiu quatro (04) westerns, logo não poderia ser o maior. Os westerns que dirigiu são estes: Caravana de Bravos(1950);Rio Bravo(1950);Rastros de Ódio(1956) e Marcha de Herois(1959). Ao passo que Anthony Mann dirigiu, nada mais, nada menos, do que dez(10) WESTERNS. Todos nota 8 prá cima… Winchester ‘73(1950);Almas em Fúria(1950);Caminho do Diabo(1950);E O Sangue Semeou a Terra(1952);O Preço de Um Homem(1953);Região do Ódio(1954);Um Certo Capitão Lockhart(1955);O Tirano da Fronteira(1955);O Homem dos Olhos Frios(1957); e, O Homem do Oeste(1958). Completando eu disse:Se dermos notas aos westerns, apesar de Rastros de Ódio, Anthony Mann vai ganhar por boa margem. Digo mais: Acho que, nos anos 50, se fizermos uma análise fria e sem paixão, John Ford perde também para Budd Boetticher!
    Gostaria da sua opinião.

  2. Antonio Carlos: Como você deitou e rolou neste maravilhoso trabalho concernente ao grande Anthony Mann, permita-me mais uma vez voltar no tempo e no espaço e relembrar o grande western E O SANGUE SEMEOU A TERRA…
    Por volta de 1962, E O Sangue Semeou a Terra foi reprisado no Cine Art Palácio e circuito serrador, aqui em São Paulo- Capital. Era o tempo que eu saia de um cinema e entrava em outro.Isso quando não ficava horas e horas assistindo aos filmes várias vezes. Cheguei, ao cúmulo, de entrar no cinema às 10:00 horas da manhã e e sair às 20:00 horas da noite pode?
    Assisti várias vezes ao trailer que até hoje eu me lembro…
    O Narrador era o excelente Gaspar Coelho que além de narrar os trailers dos filmes da Universal também fazia as legendas.
    A narração é esta: E O Sangue Semeou a Terra. Protagonistas: James Stewart no papel de um intrépido guia; com Arthur Kennedy, cujo sorriso significava morte; Julia Adams cujo erro fora amar dois homens;com Rock Hudson que jogava para matar e nunca perdia. Um ano de intensivos preparativos. Dezenas de atores e tecnicos se descolocaram de Hollywood para região montanhosas do Oregon. Desafiando a aspereza do terreno, a neve e as torrentes geladas…

  3. publicou algum livro ?

  4. Concordo inteiramente com você, Edivaldo.

  5. Obrigado Edivaldo. Sempre que tiver informações interessantes a respeito de qualquer assunto relacionado com Cinema antigo, escreva. Você me fez lembrar do Gaspar Coelho. Jatobá e outros narradores dos bons tempos.

  6. Acesse no meu blog, “Sôbre o autor ” e veja os livros que já publiquei, incusive um sobre western: Publique-se a lenda: a História do Western.Um grande abraço.

  7. Belo artigo. Assim como a obra síntese de Anthony Mann, esta peça trata sua obra com a importância e dignidade que merece.

  8. Obrigado Augusto. Escreva mais, acho que seus comentários enriquecerão o meu blog.

  9. Caros amigos cinéfilos.
    Tenho 61 anos e quando era garoto ví um filme western em que um bandido queria roubar o gado dos vaqueiros.Então fez uma emboscada num desfiladeiro,onde pôs dinamite na parede do desfiladeiro e cobriu com um pano vermelho,para ficar visível e atirar de longe com a aproximação da boiada e causar um estouro.Eu não me lembro o nome nem nada do filme.Sei que era um filme colorido e tela grande. Puxa vida ! gostaria muito de rever esse filme. Se alguém souber do título me informe.Desde já meu agradecimento.

  10. Entrando no duelo Ford x Mann , de antemão eu sou Ford e mais dez. Mas se olharmos pela ótica apresentada pelo Martins.Eu estou de pleno acordo,realmente os anos cinquenta foram de Mann.
    Sds bang bang

  11. Mann fez 10 excelentes westerns nos anos cinquenta: O Caminho do Diabo / Devil’s Doorway, Winchester 73/ Winchester 73, Almas em Fúria / The Furies, E O Sangue Semeou a Terra / Bend of the River, O Preço de um Homem / Bend of the River, Região do Ódio / The Far Country, Um Certo Capitão Lockhart / The Man from Laramie,O Tirano da Fronteira / The Last Frontier, O Homem dos Olhos Frios / The Tin Star, O Homem do Oeste / Man of the West. Ninguém igualou esta marca de 10 excelentes westerns em uma década. Mas John Ford sem dúvida é o grande mestre, inclusive de Mann, que muito o admirava.

  12. Vou perguntar a alguns amigos meus de excelente memória.

Leave a Reply