ANITA PAGE

abril 4, 2010

Na minha vida de fã de cinema não tenho feito outra coisa senão procurar filmes dos anos 20 a 50, que ainda não conheço, pois me interesso sobretudo pelo cinema clássico dos Estados Unidos, França e Inglaterra. Tendo nascido em 1938 e depois com a ajuda do dvd, de muitos amigos e colecionadores daquí e do estrangeiro, conseguí ver boa parte da produção americana, francesa e inglesa daquela época. Porém a todo momento surge mais uma obra que não tinha assistido.

Anita Page

Meses atrás recebí cinco desses filmes: Enquanto a Cidade Dorme / While the City Sleeps / 1928 (Dir: Jack Conway), Asas Gloriosas / Flying Fleet / 1929 (Dir: George Hill), Enfermeiras de Guerra / War Nurse / 1930 (Dir: Edgar Selwyn), Injustiça / Night Court / 1932 (Dir: W.S.Van Dyke) e Almas de Arranha-Céus / Skyscraper Souls / 1932 (Dir: Edgar Selwyn). Na mesma ocasião, chegou Broadway Melody / Broadway Melody / 1929 (Dir: Harry Beaumont) em ótima cópia apresentada pela Warner.

Por coincidência, todos esses filmes, dos quais gostei muito, eram com Anita Page, a estrelinha loura de olhos azuis que brilhou em Hollywood nos primeiros anos do Cinema Falado.

Nessa época Anita estava recebendo dez mil cartas de fãs por semana, perdendo apenas para Greta Garbo em popularidade epistolar – um admirador particularmente obsessivo era Benito Mussolini, que lhe mandara diversas propostas de casamento. O compositor Nacio Herb Brown, marido de Anita por alguns meses em 1934, dedicou-lhe a canção “You Were Meant For Me”, que foi cantada para ela por Conrad Nagel em Hollywood Revue / The Hollywood Revue of 1929 / 1929.

De descendência espanhola, Anita Evelyn Pomares (1910-2008) nasceu em Flushing, Nova York, filha de um engenheiro eletricista. A estrela do cinema silencioso Betty Bronson era vizinha da família e Anita fez sua estréia como figurante em um filme de Bronson, Os Mil Beijos da Cinderella / A Kiss for Cinderella / 1926.

Posteriormente, Anita estudou dança com Martha Graham e trabalhou como modelo, antes de ingressar numa companhia de cinema independente de propriedade de Harry T. Thaw, o magnata que havia sido réu numa famosa ação criminal, vinte anos atrás, quando ele matou o amante de sua esposa, a corista Evelyn Nesbitt. Anita viajou com Thaw e sua companhia para Hollywood, mas o filme que fizeram nunca foi lançado.

Anita Page e William Haines em O Turuna da Marinha

Anita Page e Ramon Novarro em Asas Gloriosas

Anita voltou para Nova York e, com a ajuda de Bronson, conseguiu que suas fotografias fossem vistas pelos principais agentes de Hollywood. A MGM deu-lhe um contrato e o nome de Anita Page. Seu primeiro sucesso foi ao lado de William Haines (Dom Piratão / Telling the World / 1928) com quem estaria de novo em O Turuna da Marinha / Navy Blues / 1929. Pelo comentário do resenhista da revista Cinearte a respeito de Dom Piratão percebemos que Anita já começou abafando: “William Haines teve a mais encantadora heroína do mundo – Anita Page, que estreou neste filme”.

No seu próximo compromisso, Filhas Modernas ou Garotas Modernas / Our Dancing Daughters / 1928, um dos três filmes nos quais contracenou com Joan Crawford, Anita chamou a atenção como a garota que rouba o namorado de Joan. Este desempenho fez com que o estúdio a colocasse ao lado de dois de seus maiores astros, Lon Chaney em Enquanto a Cidade Dorme e Ramon Novarro em Asas Gloriosas. Enquanto a Cidade Dorme trouxe Lon Chaney de “cara limpa” como um detetive irlandês veterano da polícia que protege uma jovem (Anita Page) envolvida com gângsteres; Asas Gloriosas, gira em torno de dois amigos, pilotos da Aviação Naval (Ramon Novarro, Ralph Graves), que se apaixonam pela mesma garota (Anita Page), ocorrendo a rivalidade entre ambos. No primeiro filme, Anita causou o seu primeiro grande impacto na tela, situando-se no mesmo plano que Chaney em termos de interpretação. No segundo, apenas mostrou sua beleza e graciosidade, pois o verdadeiro trunfo do espetáculo eram as impressionantes seqüências de fotografia aérea.

Lon Chaney e Anita Page em Enquanto a Cidade Dorme

Dorothy Sebastian, Joan Crawford e Anita Page em Garotas Modernas

Seu papel em Broadway Melody como Queenie, cujo número de vaudeville com a irmã (Bessie Love) é ameaçado quando ambas se apaixonam pelo mesmo homem, é o mais lembrado pelo público. Este filme, o primeiro falado exibido no Brasil, foi uma surpresa agradável, pois eu esperava um daqueles musicais chatérrimos do início do som.

Bessie Love e Anita Page em Broadway Melody

Anita esteve com Joan Crawford novamente em Donzelas de Hoje / Our Modern Maidens / 1929 e Noivas Ingênuas / Our Blushing Brides / 1930; com Buster Keaton em O Jeca de Hollywood / Free and Easy / 1930 e Ruas de Nova York / Sidewalks of New York / 1931; com John Gilbert em O Destino de um Cavalheiro / Gentleman’s Fate / 1931; com Robert Montgomery em Tentação do Luxo / The Easiest Way / 1931, etc. Em seguida a MGM começou a emprestá-la para companhias de porte menor como a Universal e a Columbia e outras ainda mais modestas como Invincible ou Chesterfield, retendo-a apenas para filmes que eles chamavam de programmers (produções de orçamento médio que podiam substituir tanto um filme A como um filme B na programação dos cinemas).

Anita participou de três ótimos programmers, que estão entre esses que eu recebi: Enfermeiras de Guerra / War Nurse / 1930, Injustiça / Night Court / 1932 e Almas de Arranha-Céus / 1932.

Warren William e Maureen O' Sullivan em Almas de Arranha-Céus

Enfermeiras de Guerra e Almas de Arranha-Céus revelaram um diretor até então desconhecido por mim, Edgar Selwyn. O primeiro filme ilustra os horrores da Primeira Guerra Mundial, celebrando as enfermeiras militares. Anita tem um desempenho louvável como a enfermeira inocente que se entrega a um aviador e depois sofre uma amarga desilusão. O segundo é um pre code (filme realizado antes da criação do Código de Auto-Censura de Hollywood) com múltiplas tramas bastante ousadas, que se entrecruzam harmoniosamente num gigantesco arranha-céu. Alí, Dave Dwight, empresário astuto e sem escrupúlos (interpretado admiravelmente por Warren William) manipula a cotação das ações e trai suas amantes na ambição de controlar o edifício de cem andares. Anita é Jennie LeGrande, uma garota que dorme com qualquer homem por dinheiro, um papel pequeno, pois a atriz principal é Maureen O’ Sullivan.

Fiquei tão entusiasmado com Edgar Selwyn, que recorrí logo aos meus fornecedores e eles me mandaram: O Pecado de Madelon Claudet / The Sin of Madelon Claudet / 1931, Lição ao Mundo / Men Must Fight / 1933, Voltando ao Passado / Turn Back the Clock / 1933, Pela Vida de um Homem / Penthouse / 1933 e O Mistério de Mr. X / The Mystery of Mr. X / 1934, todos aprovados com louvor por este insaciável amante de cinema que lhes fala. Com esses filmes preenchí uma lacuna na minha educação cinematográfica.

Injustiça, outro pre code, mostra um juiz corrupto (Walter Huston) que manda prender por prostituição a mulher (Anita Page) de um chofer de taxi (Phillips Holmes), porque ela acidentalmente tivera acesso ao extrato bancário do magistrado. O juiz depois manda seqüestrar o chofer, até que acontece um final surpreendente, muito bem armado pelo competente W.S. Van Dyke.

Walter Huston e Anita Page em Injustiça

Quando seu contrato expirou em 1933, Anita anunciou seu afastamento das câmeras aos 23 anos de idade. Numa entrevista concedida anos depois ao autor Scott Feinberg, Anita admitiu que a verdadeira causa de sua “aposentadoria” foi o assédio que sofreu por parte de Irving Thalberg. Indignado pela recusa de Anita em ceder aos seus avanços, Thalberg, apoiado por Louis B. Mayer, convenceu os chefes dos outros estúdios a fechar suas portas para a atriz.

Em 1937 Anita casou-se com um oficial da Marinha, Herschel House e só voltaria às telas em 1996, aparecendo em filmes de horror de baixa qualidade. Ela estaria em dificuldades financeiras aos 86 anos de idade ou teve saudade dos seus dias de glória?

6 Responses to “ANITA PAGE”

  1. Fiquei encantado com sua apreciacao da carreira de Anita Page que, com efeito foi um furor no cinema da virada silencioso/falado.
    Mais que tudo, sua paixao pelo cinema me comoveu. Quanmdo estiver no Rio, gostaria de conhece-la. Nao e todo dia que a gente encontra uma tao avida e cognescente procura pela luz que vem das telas, quase uma religiao…

  2. Prezado Canosa. Conheço você de nome, um grande fã e conhecedor profundo de cinema, excelente programador aquí e no exterior. Tenho certeza que nos divertiremos muito relembrando os grandes astros e estrelas do passado, os clássicos, etc. Um forte abraço.

  3. Eu conheci a Anita Page ha uns 10 anos. Fui na casa dela em South Pasadena quando eu estava trabalhando na minha biografia do Ramon Novarro. Ela tinha sofrido dois derrames, e a memoria estava completamente acabada.
    (foto aqui: http://www.altfg.com/blog/actors/anita-page-allan-ellenberger-part-ii/

    Mas uma pequena correcao no otimo artigo. Essa historia de 10,000 cartas por semana eu duvido que seja verdade. Isso era coisa tipica dos estudios da epoca.

    Outro exemplo: Em 1923, Novarro estava ganhando $1,000 por semana. Um otimo salario (hoje seria uns $20,000 ou por ai). Mas a Metro anunciou que eram $10,000.

    Ate hoje voce vai encontrar a cifra falsa em relatos sobre o ator. (Eu li os contratos dele; foi como vi que a publicidade era so isso — publicidade).

    Quanto ao Thalberg ter forca para fechar as portas dos outros estudios — dificil. Ele nem teve forca para se manter como segundo-em-comando na MGM. Depois do enfarte foi reduzido a produtor “comum” e ainda teve o David O. Selznick como competicao.

    No inicioi dos anos 30, a coisa estava preta para quase todo mundo. E a Anita Page nao era considerada box office.

    Novamente, parabens pelo otimo artigo. E sempre bom ver alguem que curte este pessoal de decadas passadas.

  4. Prezado André. Com relação ao número de cartas recebidas por Anita e à “vingança” de Thalberg, colhí informações na imprensa americana. Mas suas dúvidas são pertinentes: não podemos confiar em tudo que diziam os publicistas dos estúdios nem mesmo no que diziam os artistas nas suas entrevistas.Gostei muito de seu livro sobre Ramon Novarro.Volte sempre.

  5. Amei seu blog, adoro cinema e pesquiso muito divas do cinema classico. Seu blog me ajudou muito. Veja tb o meu trabalho, eu colorizo todas as fotos de divas do cinema classico. Adoraria vc como seguidor. Bjs

  6. Obrigado Malu. Vou dar uma olhada no seu blog.

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