WILLIAM S. HART

abril 11, 2010

Desde os primórdios do Cinema, imersos na história e na lenda, os filmes de faroeste, por sua simplicidade e fotogenia e pelas emoções primárias e ingênuas que despertam, exercem imenso fascínio sobre o público.

Um vaqueiro galopando solitário pelos vales e pradarias; os ataques dos índios aos fortes e aos ranchos; o estouro da boiada e as perseguições eletrizantes; as brigas no tradicional saloon e os duelos entre xerife e pistoleiros nas ruas enlameadas e poeirentas; o extermínio brutal dos búfalos e a épica construção da ferrovia; a cavalaria chegando nos últimos instantes para salvar a caravana; os assaltos a bancos, trens e diligências; os massacres e os linchamentos; o bem e o mal em nítido confronto são visões excitantes por si mesmas, independentemente do enredo ou da cinestética.

Terra do Inferno

Além disso, houve sempre os mocinhos, cavaleiros andantes das planícies, que encarnavam nas telas a poesia da ação e ganharam, dos grandes cineastas, a sua alma e maior autenticidade.

Numa série de artigos vamos recordar os astros-cowboys “típicos”, reconhecidos facilmente pelos veteranos fãs do western, o gênero cinematográfico por excelência que, com toda a sua mística e encantamento, fez as delícias de muitas gerações.

William Surrey Hart nasceu em Newburgh, Nova York, a 6 de dezembro de 1864 (em algumas fontes, 1870), filho de James Howard Hart e Katherine Diedricht Hart. O pai viajou com a família pelos Estados de Illinois, Iowa, Minnesota, Wisconsin e Dakota, instalando maquinárias para moinhos. Nessas andanças pelo centro-oeste americano, o pequeno Bill conviveu com índios Minneconjou e Sioux e os poucos filhos de fazendeiros que viviam nos minúsculos povoados à beira dos rios. Ele aprendeu a cavalgar, nadar, tratar dos animais domésticos, lavrar a terra e a debulhar o milho.

Após certo tempo, voltaram todos para Newburgh, onde o jovem Hart frequentou a escola pública de West Farms, logo a abandonando para exercer sucessivamente os empregos de mensageiro de hotel e funcionário dos Correios.

Aos 23 anos, começou a estudar arte dramática, estreando nos palcos com a trupe de Daniel E. Dandmann. Nos anos seguintes integrou outras companhias, contracenando inclusive com Julia Arthur numa peça de Shakespeare.

Seus maiores êxitos na ribalta foram no papel de um “muscular e insolente” Messala em Ben-Hur, e depois como o vilão Cash Hawkins na versão teatral de The Squaw Man, “a primeira apresentação de um verdadeiro cowboy americano na Broadway”.

Numa turnê com a peça Trail of the Lonesome Pine, Hart assistiu a um filme de faroeste e descobriu que o Cinema era a sua vocação.

A chance chegou ao reencontrar Thomas Ince, antigo colega de teatro e companheiro de quarto, agora ocupando o cargo de supervisor da New York Motion Picture Company, sediada na Califórnia.

Ince colocou-o primeiramente como vilão em dois faroestes, His Hour of Manhood e Jim Cameron’s Wife, ambos de 1914 (Dir: Thomas Chatterton). No mesmo ano, deu-lhe o papel principal em The Bargain, dirigido por Reginald Barker, seguindo-se imediatamente On the Night Stag, igualmente sob direção de Barker.

As pré-estréias de The Bargain foram tão favoráveis que a New York Motion Picture preferiu vendê-lo à Famous Players, cuja subsidiária recém organizada, a Paramount, tinha grande capacidade de divulgação. Prevendo que Hart se tornaria astro, decidiram também guardar On the Night Stage nas prateleiras até que a Famous Players tornasse o nome do ator conhecido por todo o país.

Sem ainda ter percebido seu poder de atração sobre o público, Hart aceitou o salário de apenas 125 dólares semanais para funcionar como diretor e ator. Mudando-se para Los Angeles com sua idolatrada irmã, Mary Ellen, pôs-se a trabalhar com afinco nos estúdios de Santa Inez Canyon, conhecidos como Inceville.

Foram 18 faroestes de dois rolos e um de quatro rolos, O Lobo Ferido / The Darkening Trail para a New York Motion Picture até que, em setembro de 1915, Ince se uniu com Mack Sennett, Harry Aitken e D.W. Griffith e, juntos, fundaram a Triangle Film Corporation.

Twogunbill

Alto, forte, de olhos claros, rosto comprido e marmóreo, semblante taciturno, William Hart transmitia intensidade moral e dramática e encarnava as virtudes do homem do Oeste americano. Ele fazia questão de autenticidade na recriação dos ambientes. Queria fazer de seus filmes o equivalente cinematográfico das pinturas de Frederic Remington e as ilustrações de Charles Russell. As histórias de seus filmes eram simples, realistas, mas banhadas de sentimentalismo.

Hart desenvolveu e aperfeiçoou o tipo do “bom homem mau”, introduzido nas telas por G.M.Anderson (Broncho Billy), que, nos primeiros instantes da trama, começava mal-intencionado e depois se regenerava, praticando um gesto de bondade ou de nobreza pelo amor da mocinha ou por ter encontrado a fé na religião.

O toque romântico manifestava-se outras vezes na admiração que o herói despertava numa criança, na devotada afeição à irmã (reflexo da vida real) ou à memória dela, ou na amizade pelo seu cavalo malhado (Fritz), espécie de parceiro nas intrigas de seus filmes.

Com Ince na Triangle, Hart fez 17 faroestes de cinco rolos, destacando-se, neste período, Terra do Inferno / Hell’s Hinges / 1916 e Será Minha Escrava / The Aryan / 1916, dois clássicos da cena muda.

Será Minha Escrava

Hart começou então a sentir a popularidade, mas aparentemente não tinha noção dos lucros consideráveis que Ince vinha auferindo às custas de seu sucesso. Ele confiava na astúcia de Ince como realizador de espetáculos e homem de negócios e se sentia preso a ele por laços pessoais, recusando inclusive generosas ofertas de outros produtores, por lealdade ao amigo.

Hart foi com Ince para a Famous Player-Lasky em junho de 1917 e lá, finalmente,veio a receber um salário à altura do seu prestígio – 150 mil dólares por filme – repartindo ainda 35% dos rendimentos de cada filme com Ince que, na realidade, era “supervisor” apenas nominalmente.

William S. hart em açãoWilliam S. Hart e seu cavalo Fritz

Distribuídos pela Paramount-Artcraft, seguiram-se 25 filmes, muitos deles dirigidos por Lambert Hyllier, tendo Ince deixado a empresa após a 16ª produção. Nesta fase, salientam-se Meu Cavalo Malhado / The Narrow Trail / 1917, Afronta Injusta / Branding Broadway / 1918, Quero Morrer Lutando /The Toll Gate / 1920, Mãos Poderosas / The Testing Block / 1920 e Beijos que Torturam / Wild Bill Hickock / 1923.

Encantados com os filmes de Tom Mix, que já vinha subsituindo Hart como o astro do western número um, os chefões do estúdio, Zukor e Lasky, sugeriram uma mudança no critério de seleção das histórias.

Hart não cedeu à pressão e o fracasso comercial de Coragem, Crença e Afeições / Singer Jim McKee / 1924 acentuou o descontentamento mútuo. Hart então passou a funcionar com a United Artists, encerrando, com o épico O Rei do Deserto / Tumbleweeds / 1925 (Dir: King Baggott), o seu percurso cinematográfico.

williams hart , lamber hyllier

Sua última realização prenunciava os westerns “crepusculares” dos anos 60. Há uma cena no filme em que Don Carver, o vaqueiro interpretado por Hart, observa uma grande boiada sendo conduzida para fora das terras, que logo seriam oferecidas a todos os colonizadores. Ele tira seu chapéu e diz solenemente para os outros colegas: “Rapazes, é o fim do Oeste”. No final, vemos o tumbleweed (planta que se quebra e rola empurrada pelo vento), que simbolizava a mobilidade pessoal e a liberdade durante toda a narrativa, espetado em uma cerca de arame farpado.

Apesar da boa acolhida pelos críticos, a United não gostou do filme, tentou reduzir a metragem e se descuidou do lançamento. Hart recorreu à Justiça e ganhou a causa: mas o prejuízo já havia ocorrido.

aahart8william s. hart

Desencorajado, retirou-se das telas e só voltaria como convidado especial em Fazendo Fita / Show People / 1928 de King Vidor, tendo sido também objeto de dois Instantâneos de Hollywood / Screen Snapshots da Columbia.

Fora de cena, Hart treinou Johnny MacBrown e Robert Taylor respectivamente em O Vingador / 1920 e Gentil Tirano / 1940, versões de Billy the Kid, e vendeu a história O’Malley of the Mounted à Fox, para uma refilmagem com George O’Brien.

Escreveu também alguns livros, entre eles a autobiografia My Life East and West e, em 1939, quando O Rei do Deserto foi relançado pela Astor Pictures com música, efeitos sonoros e um prólogo de oito minutos, Hart, vestido de cowboy, surgiu em alguns planos, dirigindo-se aos espectadores de forma comovente, chorando ao se lembrar de seu famoso cavalo Fritz e lamentando o fato de que já estava muito velho para fazer westerns.

William S. Hart faleceu em Los Angeles a 23 de junho de 1946 aos 81 anos. Ele havia doado sua propriedade ao Los Angeles County, para servir como centro de recreação, justificando assim o ato generoso: “Enquanto estava fazendo filmes, os fãs me deram os seus níqueis e centavos. Quando partir para sempre, quero que fiquem com o meu lar”.

Poster

FILMOGRAFIA

Vou mencionar apenas os filmes exibidos no Brasil com os respectivos títulos em português (fruto de uma pesquisa realizada anos atrás com a colaboração de Gil de Azevedo Araújo): 1914: O CONVERTIDO / The Conversion pf Frosty Blake; SR. NINGUÉM / In the Sage Brush Country. 1915: BANDIDO REGENERADO / The Scourge of the Desert; CORAÇÃO DE BANDIDO / Mr. “Silent” Haskings; O FUGITIVO / The Taking of Luke McVane; UM FALSO AMIGO / The Man from Nowhere; O LOBO FERIDO / The Darkening Trail; O GARIMPEIRO / A Knight of the Trails; SUPREMA REVOLTA / The Disciple; PRÉLIO DE GIGANTES / Between Men. 1916: TERRA DO INFERNO / Hell’s Hinges

; SERÁS MINHAS ESCRAVA / The Aryan; VINDITA DE AMOR / The Primal Lure; O DEUS CATIVO / The Captive God; AURORA NOVA / The Dawn Maker; ALGEMAS DO PASSADO / The Return of Draw Egan; CORAÇÃO DE GUERREIRO / The Patriot; SATANÁS NA TERRA / The Devil’s Double; APÓSTOLO MODERNO / Truthful Tulliver; TERRA DE SANGUE / The Gun Fighter; RUMO NOVO / The Square Deal Man. 1917: O HOMEM DO DESERTO / The Desert Man; AMOR DE LOBO / Wolf Lowry; TRUNFO É PAU ou BRAÇO FORTE / The Cold Deck; MEU CAVALO MALHADO / The Narrow Trail; BRAÇO DE FERRO / The Silent Man. 1918: LOBOS DE ESTRADA ou MANIFESTAÇÃO DE FÔRÇA / Wolves of the Rail; VITÓRIA E DERROTA / Blue Blazes Rawden; EU ACIMA DE TUDO / Selfish Yates; A VITÓRIA DO SENHOR / Staking his Life; O INIMIGO AMADO / Shark Monroe; O HOMEM TIGRE / The Tiger Man;

A LEI DA COMPENSAÇÃO / Riddle Gawne; AFRONTA INJUSTA / Branding Broadway. 1919: O HOMEM DO POVO / Breed of Men; MINHA ADORAÇÃO / The Poppy Girl’s Husband; FADOS ADVERSOS / The Money Corral; JUSTO PRESTÍGIO / Square Deal Sanderson; MISSÃO DE VINGANÇA / Wagon Tracks; UM AMIGO PRECIOSO ou JOÃO DAS SAIAS / John Petticoats; AMIZADE INDISSOLÚVEL / Sand. 1920: QUERO MORRER LUTANDO / The Toll Gate; BATISMO DE FOGO / The Cradle of Courage; MÃOS PODEROSAS / The Testing Block; MARTÍRIO / O’ Malley of the Mounted. 1921: O APITO / The Whistle; O CORAJOSO / White Oak; MEU CAVALO FIEL / Travelin’on; O HOMEM DAS TRÊS PALAVRAS / Three Word Brand. 1923: BEIJOS QUE TORTURAM / Wild Bill Hickock. 1924: CORAGEM, CRENÇA E AFEIÇÕES / Singer Jim McKee. 1925: O REI DO DESERTO / Tumbleweeds.

3 Responses to “WILLIAM S. HART”

  1. O ditoso autor merece não só nossos agradecimentos por trazer a vida de um dos grandes astros do cinema, mas pelos raríssimos títulos em português, o que, aliás, é sempre um prazer extra em todos os artigos! Estes tumbleweeds nunca ficarão presos nas cercas de arame farpado!

  2. Obrigado Daniel. Os títulos em português são fruto de uma pesquisa feita com a colaboração de Gil de Azevedo Araujo, um grande fã de cinema já falecido. Nesta pesquisa colhemos muito material não só das revistas da época, arquivos das distribuidoras, etc. , mas também de filmografias de atores e atrizes do cinema mudo elaboradas por outros pesquisadores brasileiros como Danilo Diegues, Antonio Cardoso, Michel do Espirito Santo, etc.

  3. Tumbleweeds e Hell`s Hinges são ótimos filmes de William S. Hart. Só vi estes dois.

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