MICHAEL POWELL

dezembro 5, 2010

Notável contador de histórias e estilista visual, com tendência para o cinema fantasista e sempre voltado para a experimentação de novas técnicas ou temas inusitados, que fecunda com prodigiosa imaginação, virtuosismo profissional e um senso apurado de espetáculo, Michael Powell realizou filmes bastante pessoais e impossíveis de serem esquecidos.

Neste tributo ao grande cineasta vou abordar apenas a fase mais expressiva de sua carreira, lembrando os filmes produzidos entre The Edge of the World e A Tortura do Medo / Peeping Tom, destacando, obviamente, a sua colaboração com o roteirista Emeric Pressburger.

Michael Latham Powell (1905 – 1990) nasceu em Bekesbourne, perto de Canterbury, no Condado de Kent, Inglaterra, estudou no Dulwich College em Londres e, desde cedo, manifestou entusiasmo pelo Cinema.

Em 1921, seu pai – nessa ocasião hoteleiro em Chantilly, no Norte da França – conheceu o diretor francês Léonce Perret e lhe pediu que testasse o filho como ator. “Eu era muito tímido. Naturalmente, não sou ator, nunca fui. Não sabia nada. O estúdio, as iluminações, tudo me assombrava. Meu pai, percebendo isso, entrou em cena e representou ao meu lado. Ao terminarmos, Perret disse: ‘udo bem, cortem! Monsieur Powell pai obteve o contrato’. Meu pai caiu na gargalhada e convidou todo mundo para almoçar. Este foi o fim de minha carreira como ator”.

Em 1925, por intermédio de dois amigos de seu pai, Fred Bacos e John Daumery, produtores de Mare Nostrum / Mare Nostrum, o filme que o diretor americano Rex Ingram, estava fazendo no estúdios de La Victorine em Nice, Powell acabou conhecendo outros membros da equipe, entre eles, Harry Lachman, responsável pela fotografia de cena. Lachman contratou-o como seu assistente. Nos três anos seguintes, o jovem experimentou a maioria das funções existentes no estúdio de Ingram e aprendeu muito sobre o processo de filmagem. Entre 1927 e 1928, ele fêz o papel de um turista inglês, Cícero Baedecker Symp, em uma série de comédias curtas intitulada Riviera Ravels – Travelaughs.

De volta à Inglaterra em 1928, Powell conseguiu emprego como leitor do departamento de roteiros da British International Pictures nos estúdios de Elstree e subsequentemente o de fotógrafo de cena no filme Champagne (na TV) / Champagne de Alfred Hitchcock. Powell continuou como fotógrafo de cena de Hitchcock e colaborou no roteiro do primeiro filme falado do grande diretor, Chantagem e Confissão (na TV) / Blackmail / 1929 – Powell foi quem teve a idéia da perseguição final no Museu Britânico.

Depois de montar A Knight in London / 1928 (Dir: Lupu Pick) e escrever os scripts de Caste / 1930 (Dir: Campbell Gullan) e 77 Park Lane / 1930 (Dir: Albert de Courville), Powell finalmente teve a chance de dirigir Two Crowded Hours / 1931, o primeiro dos 23 filmes, entre quota-quickies e produções modestas, que ele realizou, principalmente em parceria com o produtor Jerome Jackson, até se unir a Joe Rock, americano oriundo do vaudeville, que se tornou produtor na Inglaterra. Powell dirigiu The Man Behind the Mask / 1936 para Joe Roc e este, em seguida, financiou um projeto do diretor: The Edge of the World.

Abro um parêntesis, para explicar que os quota quickies surgiram, quando o Cinematograph Act de 1927 impôs a produção e a distribuição de um número mínimo de filmes nacionais. As companhias americanas então abriram filiais na Inglaterra e produziram filmes de orçamento barato com artistas ingleses, mas a seu proveito. Assegurando uma quantidade de produção suficiente para o preenchimento da cota mínima, propiciavam a importação dos filmes americanos.

Edge of the World / 1937 foi o primeiro filme inteiramente pessoal de Michael Powell, inspirado no fato verídico da evacuação de St. Kilda em 1930. Um casal de turistas (Michael Powell e sua companheira na vida real, Frankie Reidy) chega de iate à ilha de Hirta ao largo da costa escocesa. Andrew Gray (Niall MacGinnis), originário do local, os acompanha e recorda o passado. No retrospecto, vemos como, sem meios de subsistência, alguns habitantes de uma família liderada por James Gray (Finlay Curie), pensam em partir enquanto outros, reunidos em torno de Peter Manson (John Laurie), permanecem ligados ao lugar e às suas tradições. Entre estes está Andrew, filho de Gray, que se opõe a Robbie (Eric Berry), filho de Manson, numa competição cujo resultado deveria determinar a escolha da população: a escalada de um penhasco durante a qual Robbie morre acidentalmente. No meio da trama, surge uma história de amor entre Andrew e Ruth (Belle Chrystall), a irmã de Robbie.

Influenciado por Man of Aran / 1934 de Robert Flaherty, o filme encanta antes de tudo pela sua beleza plástica e pelo seu frescor naturalista. Ví o filme recentemente na magnífica copia restaurada, lançada em dvd pelo BFI (British Film Institute), e fiquei encantado. A filmagem ocorreu na ilha de Foula, porque não foi permitida a filmagem em St. Kilda, mas a paisagem das duas ilhas é muito parecida: a costa inóspita, mar sempre agitado, vento constante, ausência de qualquer abrigo, rochedos íngremes, pouca vegetação, enfim, um ambiente muito fotogênico, esplendidamente fotografado por Ernest Palmer, Skeets Kelly e Monty Berman.

Todas as cenas do filme são belas, destacando-se: a morte de Robbie, quando a velha que aparece sempre impassível, se levanta; o enterro de Robbie, com a câmera baixa focalizando os enlutados que passam pelas flores sob o som de uma música encantadora, cantada por um coro feminino; a cena do pai abraçando a filha, compreendendo que ela ama Andrew e o corte para o bebê; a adoração do bebê pela mãe e pelas mulheres da ilha, com os close-ups da criança entrecortados com as velhas tricotando enquanto se ouve uma canção delicada; o baile comunitário, animado pelo instrumentos de corda, seguido da cena em que a câmera acompanha Finlay Curie segurando a lanterna e dando uns passinhos de dança; a cena que mostra os dois avós reconciliados e a silhueta de Ruth contemplando o crepúsculo; a seqüência da tempestade, na qual o mau tempo é refletido em majestosas imagens ameaçadoras da paisagem terrestre e marítima; aquele momento em que Lourie, que ficara sozinho na ilha, caminha pelas brumas com cordas na mão, seguido pelo cachorrinho, até que ele escala o rochedo e cai no mar, explicando a frase simbólica, “Gone Over”, que vemos no início do filme.

No meu julgamento, The Edge of the World é a obra-prima de Michael Powell, uma elegia pungente à morte de uma comunidade, caracterizada por uma história dramática muito bem narrada e uma contemplação mística da paisagem. Foi uma grande estréia de diretor que, em certas tomadas, nos lembra o cinema de John Ford.

Alexander Korda, dono da London Films, adorou o espetáculo e, numa primeira entrevista, disse ao jovem diretor: “Gostaria que você se juntasse a nós aqui em Denham. É um bom estúdio, um dos melhores do mundo, mas precisamos de diretores que saibam contar uma história com simplicidade e eficiência e também sejam capazes de realizar um filme dentro do orçamento previsto”. Powell respondeu que ele não havia feito outra coisa nos últimos sete anos. Korda ofereceu-lhe um contrato de um ano, estipulando o salário de 60 libras por semana.

O primeiro filme de Powell para a London Films foi O Espia Submarino / The Spy in Black / 1939, que recebeu no Brasil um outro título em português numa reprise, Submarino 29. Durante a Primeira Guerra Mundial, o comandante de um submarino alemão, Capitão Ernst Hardt (Conrad Veidt), infiltra-se na base naval inglesa em Scapa Flow, sem saber que seu contato havia sido descoberto e substituído por uma agente britânica, a professora de uma escola local (Valerie Hobson). Notabilizado por sua atmosfera sinistra e hábil combinação de humor e suspense, esse drama de espionagem, assinala o início da frutífera parceria de Michael Powell com Emeric Pressburger, roteirista húngaro refugiado da Alemanha nazista.

O Espia Submarino constituiu-se num êxito surpreendente e Korda apressou-se em reunir, não somente a dupla Powell-Pressburger como também os dois astros, Veidt e Robson, numa aventura de guerra mais atual, Nas Sombras da Noite / Contraband / 1940. O Capitão Andersen (Conrad Veidt), comandante de um navio mercante dinamarquês é acusado de contrabando. A atitude misteriosa de uma bela passageira, Mrs. Sorensen (Valerie Hobson), envolve-o numa trama, ao fim da qual eles conseguem desmantelar uma rede de espiões nazistas baseada em restaurantes e cabarés no coração de Londres.

O filme se compara aos thrillers de Hitchcock no período inglês, tanto no que diz respeito às relações cáusticas entre os dois protagonistas como no desencadeamento de achados cinematográficos como, por exemplo, a perseguição numa cidade às escuras durante o blecaute e o tiroteio final no escuro num depósito abarrotado de bustos de mármore branco de Neville Chamberlain, que são satiricamente espatifados pelas balas, ambas as seqüências iluminadas com muita competência por Freddie Young.

Ainda em 1939, Powell dividira a direção com Brian Desmond Hurst, Adrian Brunel e Alexander Korda no filme de propaganda semi-documentário e sentimental, O Leão tem Asas / The Lion has Wings, que Korda, num gesto patriótico, realizou com Merle Oberon e Ralph Richardson nos papéis principais. Por meio de tomadas de arquivo e algumas cenas filmadas com os artistas, o filme faz um paralelo entre a vida pacífica na Inglaterra e a agressividade da Alemanha nazista e o esforço da nação britânica para construir sua defesa.

Powell compartilhou novamente a direção (com Ludwig Berger, Tim Whelan) em O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad. Este conto das Mil e Uma Noites repleto de aventura e fantasia romântica, já fora levado à tela de maneira magistral em 1924 por Raoul Walsh com Douglas Fairbanks; mas a versão de Korda também é excelente, não só pelo cuidado técnico-plástico – Oscar para fotografia em cores (George Périnal), efeitos especiais (Lawrence Butler / Jack Whitney), direção de arte em cores (Vincent Korda) – como pela magnífica partitura de Miklos Rozsa e felicidade na escolha do elenco, em que se destacam John Justin (o rei destronado Ahmad), June Duprez (a Princesa), Sabu (Abu, o jovem ladrão), Conrad Veidt (o inesquecível Grão-Vizir Jaffar), Rex Ingram (o gênio negro) e Miles Maleson (o Sultão).

Devido à guerra, Korda teve que desistir da idéia de filmar exteriores no Egito e na Arábia, transportando sua equipe para os Estados Unidos, onde Zoltan Korda e William Cameron Menzies, creditados como produtores associados, dirigiram as cenas finais no Grand Canyon.

Os efeitos especiais, tais como o gênio enorme saindo de uma garrafa, a luta contra uma aranha gigantesca, o tapete voador e o cavalo alado, são tão cativantes e convincentes quanto qualquer trabalho digital contemporâneo. A atmosfera das histórias orientais é realçada pelo Technicolor, que sublinha o luxo dos figurinos, a suntuosidade dos castelos e o mundo mágico e exótico descoberto pelo ladrãozinho das ruas de Bagdad.

Todo esse esplendor visual, composto por cenários e cores incríveis, de uma beleza que pertence totalmente à estética de Michael Powell, pode ser apreciado no maravilhoso dvd da Criterion, um deleite para o público de qualquer idade.

Depois de dirigir um short de cinco minutos, An American’s Letter to His Mother / 1941 (nele se ouvia a voz de John Gieguld lendo a carta autêntica de um piloto morto em combate, publicada postumamente no jornal The Times), Powell continuou sua ligação com Pressburger em Invasão de Bárbaros / 49th Parallel / 1941, filme realizado sob os auspícios do Ministério da Informação, dentro do esquema de uma campanha diplomática para convencer os americanos a entrarem na guerra.

Um submarino alemão é afundado na costa do Canadá e a tripulação sobrevivente atravessa o país, tentando chegar na América ainda neutra. Eles se confrontam com indivíduos ou coletividades de diferentes etnias ou origens, mas todos resistentes aos argumentos nazistas propostos pelos alemães. O grupo pouco a pouco vai se desagregando e somente o fanático Tenente Hirth (Eric Portman) alcança a fronteira. Quando está chegando aos Estados Unidos, Hirth se defronta com um soldado canadense desertor (Raymond Massey), que o obriga a recuar para o território hostil à Alemanha.

Emeric Pressbuger ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original e o filme alcançou os seus objetivos, valorizado pela fotografia de Freddie Young (tomadas espetaculares em locação da paisagem canadense), a montagem de David Lean e a presença, nos diversos episódios, de um punhado de grandes atores como Leslie Howard, Laurence Olivier, Anton Wallbrook, Raymond Massey, Eric Portman.

No curso de uma conversa entre o nazista Hirth e o caçador franco-canadense (Laurence Olivier), na qual eles discutem suas diferentes ideologias, o caçador diz: “Eu conheço minha Bíblia. E isto é o bastante para mim”. Hirth responde, colocando sua mão sobre um exemplar de Mein Kampf de Hitler, que ele estava citando: “Esta é a Bíblia”. Como comentou Michael Powell na sua absorvente autobiografia, A Life in Movies (Faber and Faber, 2000), “a profunda sinceridade religiosa, tal como interpretada por Eric Portman nesta cena, é realmente assustadora”.

Numa outra cena, Hirth fala sobre Hitler para a comunidade pacífica dos huteritas (seita protestante de origem austríaca). Ele faz este apelo: “Irmãos! Alemães!” e no climax do seu discurso, levanta a voz para dizer ”Heil Hitler”. Seus quatro companheiros levantam-se e fazem a saudação nazista. Mas o líder da comunidade (Anton Wallbrook), começa a sua resposta, exclamando com grande emoção: “Não, nós não somos seus irmãos!”. A interpretação de Wollbrook é comovente pelo seu fervor, pela sua veemência.

Quando Hirth e seu único companheiro remanescente se encontram na floresta com o esteta e antropólogo Philip Armstrong Scott (Leslie Howard), em cuja tenda estão quadros de Picasso e Matisse, o inglês culto fala sobre a Montanha Mágica de Thomas Mann e a obra de Ernst Hemingway, mas os alemães chamam os ingleses de “completamente podres” e “degenerados”. Scott retruca, chamando os alemães de “gângsteres, arrogantes e estúpidos”. Os alemães retaliam, despedaçando os quadros de Scott. O projeto ideológico do filme é bem claro: nazismo contrastado repetidamente com democracia.

No ano seguinte, a dupla Powell / Pressburger fez outro filme de guerra, E Um Avião Não Regressou / … One of Our Aircraft is Missing. Seis aviadores britânicos caem de pára-quedas sobre o solo da Holanda e ali são socorridos pelos membros da Resistência, que os protegem dos ocupantes nazistas e os ajudam a retornar à Inglaterra. Realizado num estilo naturalista, sem nenhuma música, o filme é uma primorosa descrição da vida cotidiana sob o jugo alemão e do patriotismo do povo holandês.

Antes da história começar, a câmera apresenta cada membro da tripulação e a tarefa que lhes cabe, com o nome do ator que interpreta  tal e tal personagem, superimposto no filme: Hugh Burden, piloto e capitão da aeronave; Eric Portman, co-piloto; Hugh Williams, navegador, Emrys Jones, operador de rádio; Bernard Miles, Godfrey Tearle, artilheiros. No decorrer da trama, três mulheres corajosas têm uma participação decisiva na ajuda aos fugitivos: a professora da aldeia (Pamela Brown) que interroga impiedosamente os aviadores, desconfiada de que não são ingleses; a filha do prefeito local (Joyce Redman), que os guia na fuga; e a falsa simpatizante dos alemães (Googie Withers), que esconde os aviadores na sua casa no pequeno porto, até que possam escapar à noite.

O tema da integridade do grupo, do trabalho em conjunto, é enfatizado em várias cenas como, por exemplo, quando, quase no final do filme, o membro mais idoso da tripulação é alvejado e fica gravemente ferido. A essa altura da narrativa, deixá-lo para trás é simplesmente impensável: “Não podemos fazer isto”, diz um dos seus colegas, “Nós somos uma só equipe”.

A atenção de Powell para o detalhe contribui muito em termos de autenticidade. Os artilheiros se arrastando pela fuselagem para alcançar suas posições e a dificuldade dos homens para pular de pára-quedas no avião atingido, mostram o perigo e a excitação de voar em tempo de guerra.

Foi na ocasião da filmagem de E Um Avião Não Regressou, que Powell e Pressburger formaram sua própria companhia de produção, The Archers, e a sua “verdadeira parceria” começou, sucedendo-se 13 filmes. Neles, repartindo os encargos de direção e roteiro, os dois deram provas eloquentes de uma inventividade constante e poderosa expressão criadora.

The Archers e outras companhias produtoras independentes – Cineguild (David Lean, Anthony Havelock-Allan, Ronald Neame, John Bryan), Individual Pictures (Launder e Gilliat), Wessex Films (Ian Dalrymple) – eram financiadas pela Rank Organization, através de um consórcio, Independent Producer. A liberdade que J. Arthur Rank dava aos seus realizadores, foi responsável pelo enorme prestígio obtido pelo Cinema Inglês até a extinção do consórcio em 1948.

Em 1943, The Archers produziu The Silver Fleet (Dir: Vernon C. Sewell e Gordon Wellesley), mais uma celebração da resistência holandesa com Ralph Richardson, Goggie Withers e Esmond Knight nos papéis principais. Powell e Pressburger foram apenas produtores. Eles voltariam a atuar novamente juntos na direção e roteiro no filme The Life and Death of Colonel Blimp, inaugurando um período artisticamente fértil, que vai de 1943 a 1951.

Inspirado num personagem simbólico do caricaturista político David Low, o filme é uma sátira amável e sentimental, relatando a vida e a carreira de Clive Candy (Roger Livesey, depois de cogitado Laurence Olivier), protótipo do militar reacionário e ranzinza, sua cavalheiresca rivalidade com um oficial prussiano, Theo Kretschmar-Schuldorff (Anton Walbrook) e a sua procura do ideal feminino, ao longo dos anos, através de três mulheres – Edith / Barbara / “Johnny” (Deborah Kerr, em papel triplo em substituição a Wendy Hiller que ficou grávida e não pôde fazer o papel), estranhamente parecidas.

Certo de que o filme prejudicaria a moral do exército em tempo de guerra, pois além de ridicularizar um antiquado “soldado cavalheiro”, ele mostrava um alemão simpático, o Primeiro-Ministro Winston Churchill, tentou interromper a produção e, depois, impedir a sua exportação. No entanto, sua originalidade na estrutura narrativa; elegância formal (fotografia em Technicolor de Georges Périnal; direção de arte de Alfred Junge, iniciando proveitosa colaboração com Powell-Pressburger); e o brilhante desempenho do trio principal de atores, foram reconhecidos pelos críticos. Pressburger, sempre o considerou como o seu filme preferido.

Após The Volunteer / 1943, filme de recrutamento de 46 minutos, com Ralph Richardson no papel dele mesmo, contando como seu camareiro de teatro se tornou um bravo aviador, Powell e Pressburger ofereceram ao público um espetáculo curioso, A Canterbury Tale / 1944.

Três viajantes, o soldado americano Bob Johnson (John Sweet), que na vida civil era carpinteiro numa cidade dp Oregon; Alison Smith (Sheila Sim), a jovem mobilizada para assumir o trabalho de fazendeiros que foram convocados para a frente de batalha (Sheila Sim); e o soldado inglês Peter Gibbs (Dennis Price) que, antes de se alistar, exercia o emprego de organista de cinema, chegam à aldeia de Chillingbourne perto de Canterbury, efetivamente governada pelo magistrado local, Thomas Colpeper (Eric Portman).

Cada um dos jovens havia sofrido alguma espécie de perda. O noivo de Allison foi dado como desaparecido em combate, a namorada de Bob parou de escrever cartas para ele e Peter teve que abandonar as ambições musicais de sua juventude. Allison torna-se a vítima mais recente do “Homem da Cola”, que ataca moças jogando cola nos seus cabelos. Ao que tudo indica, Colpeper e o “Homem da Cola” são a mesma pessoa e ficamos sabendo porque ele pratica esses atos de agressão. Colpeper ensina história para os soldados estacionados nas imediações e tem receio de que as moças desviem a atenção dos rapazes, impedindo-os de apreciar suas aulas sobre o significado da Inglaterra rural, seus valores espirituais e as suas tradições, que devem ser defendidas.

Inspirado na obra de Chaucer do século quatorze, o filme é estruturado em torno da idéia da peregrinação dos três jovens a Canterbury para receber uma Graça divina. Através da intervenção sobrenatural de Colpeper, cada qual recebe a sua benção. Por exemplo, o organista realiza seu desejo de tocar música séria na Catedral de Canterbury. A cena em que Peter executa no grande órgão da catedral “Onward Christian Soldiers” na cerimônia de despedida de seu regimento e o som dos sinos abafa o hino, encerra a estranha narrativa.

Na época de seu lançamento, os críticos elogiaram a esplêndida fotografia da paisagem campestre, captada pelas lentes de Erwin Hiller, mas o espetáculo não foi bem compreendido. Somente 33 anos mais tarde, na retrospectiva Powell-Pressburger, organizada pelo British Film Institute em 1977, A Canterbury Tale foi reconhecido como um dos filmes mais originais, iconoclásticos e divertidos do Cinema Inglês.

Simples e lírico, I Know Where I’m Going / 1945 defende a tese, sempre válida, de que  amor  e paixão importam mais do que riqueza e status.

Joan Webster (Wendy Hilller), sabe para onde está indo. Ela sempre soube, desde que, ainda bebê, rastejava pelo assoalho. Agora, pensando na sua segurança, vai se casar com seu patrão, um rico industrial, viúvo, e com idade para ser seu pai. Joan parte para a remota  ilha de Kiloran, no norte da Escócia, onde o casamento vai se realizar. Durante a viagem, uma tempestade a impede de chegar ao seu destino e ela fica numa comunidade de pescadores nas proximidades. O ambiente, os costumes, os moradores do local e, sobretudo, o encontro com um jovem proprietário de terras arruinado Torquil MacNeil (Roger Livesey), sobre o qual pesa uma maldição de família, mudam os planos da jovem.

Mais importante do que os detalhes da intriga é a humanidade, os personagens cuidadosamente retratados, o amor pelo mar, pela terra e um modo de vida, e a grande beleza visual, mais uma vez providenciada por Erwin Hiller. Este talentosíssimo cinegrafista capta admiravelmente, com seu estilo Expressionista – que pode ser rastreado desde o seu começo de carreira na Alemanha – cada nuança da tormenta que se aproxima, da neblina matinal, da luz do sol batendo nas montanhas e as silhuetas rígidas dos homens contrastadas com a bruma ou as ondas agitadas do mar.

Com esse encantamento plástico e sua bela mensagem, I Know Where I’m Going é uma pérola preciosa na filmografia de Powell-Pressburger.

Feito sob encomenda do Ministério da Informação, para revitalizar as relações anglo-americanas, deterioradas no final da guerra, Neste Mundo e no Outro / A Matter of Life and Death / 1945 é outro filme estranho e invulgar da dupla Powell-Pressburger.]

O piloto da R.A.F., Peter David Carter (David Niven), num bombardeiro em chamas, grita pelo rádio suas últimas palavras de aflição e June (Kim Hunter), uma jovem americana do Corpo Militar Feminino, as ouve. Salvo miraculosamente, Peter encontra June, e os dois se apaixonam: mas, vítima de alucinações, ele tem que ser operado no cérebro. Entrementes, no Outro Mundo, as coisas se agitam. O piloto deveria ter morrido, não fosse uma falha do mensageiro encarregado de conduzi-lo ao Paraíso. Diante disso, o condutor n° 71 (Marius Goring), aristocrata francês guilhotinado no tempo da Revolução Francesa, é enviado à Terra para perto do ferido. Durante a cirurgia, Peter comparece diante de um tribunal celeste onde, por causa de seu amor por June, será acusado por Abraham Farlan (Raymond Massey) e defendido pelo seu médico Dr. Frank Reeves (Roger Livesey), que falecera. Na realidade, tudo se passa no espírito de Carter, que luta para sobreviver – uma visão subjetiva de um pesadelo.

Fantasia filosófica ou, como o descrevem seus autores, “brincadeira estratosférica”, com engenhosas invenções de mise-en-scène (os dois planos da ação, a Terra e o Céu, diferençados pela utilização da cor – as cenas terrestres em Technicolor e as celestes em camafeu azulado por um tratamento monocromático); câmera no lugar do olho do piloto na sala de operação e a mancha polimorfa para mostrar os efeitos da anestesia; congelamento da imagem no jogo de pingue-pongue; filme andando de trás para frente; fusões inesperadas; escadaria surrealista e espalhafatosa para o Paraíso; e alguns instantes pitorescos (o rádio trazendo o foxtrote para o ambiente), poéticos (a lágrima de June recolhida numa flor, para servir de prova diante do júri do Além; e satíricos (alusões à Inglaterra e aos Estados Unidos, aos seus costumes e à sua mentalidade), construídos com o auxílio de uma equipe homogênea, na qual se destacam Jack Cardiff (fotografia), Alfred Junge (direção de arte), Allan Gray (música) e Hein Heckroth (figurinos) – o filme fascina e diverte. Era o favorito de Michael Powell.

Com um argumento absorvente, baseado num romance de Rumer Godden, Narciso Negro / Black Narcisus / 1947 é a obra mais impressionante de Powell / Pressburger, sob o aspecto pictórico.

Um grupo de freiras, comandado pela irmã Clodagh (Deborah Kerr) é encarregado de instalar uma escola e um hospital no pico de uma montanha do Himalaia, no palácio Mopu – sede de um antigo harém – que lhes fôra doado pelo General local, Toda Raí (Esmond Knight). Apesar da ajuda do agente britânico local, Mr. Dean (David Farrar), logo surgem as dificuldades. O vento, a natureza, o ambiente exótico e sensual – a linda indiana Kanchi (Jean Simmons) cortejada pelo jovem Rai (Sabu), sobrinho do General – influem irresistivelmente sobre o comportamento das freiras. Após a morte de uma delas – a histérica irmã Ruth (Kathleen Byron), que manifestara um desejo obsessivo por Mr. Dean e, rejeitada, tentara matar, por ciúme, a madre superiora, as religiosas deixam o lugar, admitindo o fracasso da missão.

Disciplinando com segurança o trabalho dos técnicos – Oscar para Jack Cardiff (fotografia em cores) e Alfred Junge (direção de arte em cores) – Powell dotou esse drama psicológico sobre o velho conflito entre o sagrado e o profano de um esplendor visual empolgante e criou cenas de notável intuição cinematográfica. Assim é, por exemplo, o longo episódio do desvario da irmã Ruth, quase sem diálogos; a tentativa de matar a irmã Clodagh na torre do sino e a queda de seu corpo na folhagem, assustando os pássaros;  o desenlace, com os pingos de chuva caindo sobre as enormes folhas verdes e, pouco a pouco, aumentando de intensidade, enquanto a pequena caravana de religiosas desce a encosta, fugindo daquela atmosfera inadequada para seu objetivo.

O cenário indiano foi todo recriado nos jardins subtropicais de Leonardslee em Horsham, West Sussex e no estúdio de Pinewood. Powell achava que, neste filme, a atmosfera era tudo e ele e sua equipe técnica tinham que controlá-la inteiramente. Vento, altitude, a beleza do cenário – tudo tinha que estar sob rígido controle. Os cenários básicos – o templo / convento de Mopu e a aldeia nativa debaixo dele – foram construídos em tamanho natural, com o panorama dos vales e montanhas pintados em telas e depois fotografado por trás dos atores por meio de transparências.

Estrondoso sucesso de público e de crítica, Os Sapatinhos Vermelhos / The Red Shoes / 1948 havia sido planejado antes da guerra, quando Pressburger escreveu um roteiro a pedido de Alexander Korda com vistas ao aproveitamento de sua esposa, a atriz Merle Oberon. Arquivado o projeto, dez anos depois, Powell e Pressburger adquiriram os direitos de filmagem e resolveram reativar o projeto, usando o balé para criar uma alegoria sobre a incompatibilidade entre “vida” e “arte”.

Uma jovem bailarina ambiciosa, Victoria Page (Moira Shearer), entra para uma companhia de balé internacionalmente famosa, colocando-se sob as ordens do tirânico diretor artístico, Boris Lermontov (Anton Walbrook). Lermontov dá ao jovem compositor Julian Craster (Marius Goring) a chance de compor a música para um novo balé e oferece a Vicky o papel principal, a fim de impulsionar sua carreira. Mas quando Vicky e Julian se apaixonam e se casam, Lermontov despede Julian por deslealdade. Vicky tem que escolher entre o homem que ama e a dança – que é o seu sangue vital.

A vida imita a arte e os sapatinhos vermelhos, que não deixam a bailarina parar de dançar, espelham os conflitos interiores da bailarina e, finalmente, a sua morte. Livremente transposto de um conto de Hans Christian Andersen, o tema se renova e ganha formas insuspeitadas nesse filme revolucionário, que conjuga música, balé e cinema com alto poder de síntese e percepção fílmica.

Graças à coesão e brilhantismo de todos os setores técnicos – música, Brian Easdale; direção de arte em cores / decoração, Hein Heckroth / Arthur Lawson; fotografia, Jack Cardiff; coreografia, Robert Helpmann, as duas primeiras categorias premiadas com o Oscar -, o fantástico se une ao real num turbilhão de cores, simbolicamente aproveitadas e a paixão dos artistas por sua arte passa num clima mágico para os espectadores.

Pouco antes de Os Sapatinhos Vermelhos, Powell e Pressbuger, através de sua companhia The Archers, produziram O Fim do Rio / The End of the River / 1947, dirigido por Derek Twist com Sabu, Bibi Ferreira e Esmond Knight na frente do elenco. Era a clássica história da vida de um homem transcorrendo em sintonia com o curso do rio, no caso, o Amazonas. A nossa Bibi fazia o papel de Teresa, a mulher de Sabu no filme (em uma cena ela canta com muita graciosidade “Trepa no Coqueiro”) e Esmond Knight interpretava o vilão. Powell disse que Derek (que fôra seu montador em The Edge of the World), como diretor, fez um filme chato, embora fôsse difícil fazer um filme chato, tendo como pano de fundo o rio Amazonas.

Rodado inteiramente em preto e branco, The Small Back Room / 1949 gira em torno de Sammy Rice (David Farrar), cientista que trabalha num laboratório secreto em Londres durante a Segunda Guerra Mundial. Sammy está angustiado, porque acha que a pesquisa científica militar vem sendo mal conduzida. Seu arrogante patrão, R.B.Waring (Jack Hawkins) está mais interessado em vender uma nova arma ainda não testada do que na vida dos homens que terão de usá-las. Por outro lado, Sammy sofre dores intensas no seu pé artificial. Os remédios que lhe receitaram foram ineficazes, levando-o a recorrer ao álcool como analgésico. Sua namorada, Susan (Kathleen Byron) tenta libertá-lo de seu complexo de inferioridade e de seu comportamento auto-destrutivo, mas acaba rompendo com ele. Sammy é convocado pelo Capitão Stuart (Michael Gough) à Chesil Bank em Dorset, para desativar duas bombas, colocadas pelos nazistas como armadilhas, que não haviam explodido. Stuart tenta desativar a primeira bomba e é morto. Sammy consegue desativar a segunda. Após este ato de bravura, ele recobra a confiança em si mesmo e o amor de Susan.

Estudo psicológico de um homem em crise, narrado num estilo visual dominado por sombras e interiores claustrofóbicos, o filme tem um clima noir de pesadelo e paranóia, não faltando um delírio expressionista do herói, quando Sammy vê a garrafa de uísque aumentar de tamanho e, contorcido pelo medo, imagina que está sendo atacado por ela. O ambiente sombrio se alterna com cenários naturais desolados como aquela praia pedregosa onde Sammy, após alguns minutos de profundo suspense, consegue desativar a bomba, forjando um clímax primoroso.

The Small Back Room marcou o retorno de Powell e Pressburger para o seu antigo produtor, Alexander Korda, e o abandono do logo The Archers, que foi substituído pela frase “A Michael Powell and Emeric Pressburger Production”.

Entusiasmado com Narciso Negro e Os Sapatinhos Vermelhos, David O. Selznick quis que Powell e Pressburger trabalhassem para ele num filme com sua futura esposa, Jennifer Jones, e acertou com Korda a co-produção de Coração Indômito / Gone to Earth / 1950.   Entretanto, Selznick desentendeu-se com o diretor e emergiram em certo sentido, dois filmes: a versão original de Powell e a americana (intitulada The Wild Heart), parcialmente refilmada por Rouben Mamoulian e com uma introdução narrada por Joseph Cotten.

A jovem Hazel Woodus (Jennifer Jones) é uma “filha da natureza”, que vive em Shropshire no final do século dezenove, na companhia do pai (Esmond Knight), um cego tocador de harpa, e obcecada pelas superstições folclóricas de sua falecida mãe. Ela deixa-se seduzir por Jack Reddin (David Farrar), o dono das terras, após ter casado com o pastor, Edward Marston (Cyril Cusack). No desfecho, depois de ter sido difamada na aldeia, Hazel morre num acidente durante uma caçada, ao tentar salvar uma raposa de estimação.

Este melodrama, impregnado de um lirismo sereno, funciona bem com o apoio da magnífica fotografia em cores de Christopher Challis, doravante o colaborador mais assíduo de Powell. Challis capta com sensibilidade os vales e os ventos de Dropshire, verdadeiros personagens ao lado da heroína, interpretada por Jennifer Jones com muita convicção.

Powell classifica As Aventuras do Pimpinela Escarlate / The Elusive Pimpernel / 1950 como um “desastre”, provavelmente porque envolveu a interferência de Samuel Goldwyn, co-produtor junto com Korda. O diretor já não desejava fazer o filme por se tratar de uma refilmagem e, ao aceitar o encargo, pretendeu, em vão, transformar o romance da Baronesa D’Orczy num musical. Todavia, o resultado, data venia, não foi ruim. O filme tem mais dinamismo do que a versão de 1935 com Leslie Howard, boa utilização do Technicolor (numa cena, um personagem espirra numa caixinha de rapé aberta e a tela se enche de manchas coloridas), cenários quase sempre suntuosos (Hein Heckroth), contando ainda com um elenco irrepreensível: David Niven (Sir Percy Blakeney), Margaret Leighton (Lady Marguerite Blakeney), Cyril Cusack (Chauvelin), Jack Hawkins (Prince of Wales).

Baseado na ópera de Offenbach, Os Contos de Hoffmann / The Tales of Hoffmann / 1951 usa os mesmos bailarinos – Moira Shearer, Robert Helpmann, Ludmilla Tcherina, Leonide Massine – de Os Sapatinhos Vermelhos.

Numa taverna, Hoffmann (Robert Rousenville) narra aos estudantes três aventuras passadas, nas quais perdeu a mulher amada: a boneca Olympia (Moira Shearer), a cortesã Giuletta (Ludmilla Tcherina) e a tísica Antonia (Ann Ayars). A mesma desventura se repetirá com Stella (Moira Shearer), a bailarina por quem está atualmente apaixonado.

Para compor esses episódios (o de Antonia não veio na cópia exibida no Brasil), com as vozes dos bailarinos dubladas por verdadeiros cantores de ópera, Powell não teve tanta inspiração cinematográfica, mas imprimiu-lhes sofisticação e excentricidade, obtendo resultados assombrosos na direção de arte (Hein Heckroth) e na fotografia em cores (Christopher Challis). Numa reavaliação, alguém considerou o filme, “um casamento fantasmagórico entre o cinema e opera”.

O filme – que arrancou um elogio de Josef Von Sternberg (“É difícil esquecer o trabalho de câmera e os efeitos de Os Contos de Hoffmann”) – ganhou um prêmio no Festival de Cannes.

Depois de Os Contos de Hoffmann, Powell fez, sozinho, The Sorcerer’s Apprentice / 1955, um curta-metragem para a Fox, promovendo o CinemaScope  e, em seguida, ele e Pressburger realizaram mais três filmes convencionais, mas equilibrados: Oh … Rosalinda!! / 1955 (transposição da opereta Die Fledermaus de Johann Strauss para a Viena do após guerra com Anthony Quayle, Anton Walbrook, Dennis Price, Ludmilla Tcherina, Michael Redgrave, Mel Ferrer); A Batalha do Rio de Prata / The Battle of the River Plate / 1956 ( episódio do encouraçado alemão Graf Spee durante a Segunda Guerra Mundial com Peter Finch, Anthony Quayle, John Gregson, Ian Hunter, Bernad Lee); e Perigo nas Sombras / Ill Met by Moonlight / 1957 (seqüestro de um oficial alemão (Marius Goring) na Ilha de Creta por oficiais britânicos (Dirk Bogarde, David Oxley) e resistentes gregos)

Separado de Pressburger e sonhando talvez com o sucesso de Os Sapatinhos Vermelhos, Powell filmou, em co-produção com a Suevia Films-Cesário Gonsalez, Luna de Miel / Honeymoon / 1959, abordando um tema parecido. O filme não foi exibido no Brasil.

No curso de uma viagem de lua-de-mel na Espanha, uma célebre bailarina, Anna (Ludmilla Tcherina), sacrifica sua vocação, para salvar seu casamento com Kit (Anthony Steel), um professor australiano. Este fio condutor permite a apresentação de belas vistas turísticas e alguns balés, dois deles – El Amor Brujo de Manuel de Falla e Los Amantes de Teruel de Mikis Theodorakis – com muitos figurantes e impecáveis execuções por parte de Ludmilla e dos bailarinos espanhóis Antonio e Rosita Segovia. A produção recebeu um prêmio no Festival de Cannes.

Em 1960, quando nada mais se esperava dele, Powell surpreendeu com A Tortura do Medo / Peeping Tom, filme insólito e moderno, atacado na época do lançamento como revoltante e mórbido e hoje venerado como um culto.

No excelente roteiro freudiano de Leo Marks, um assistente de câmera que trabalha numa pequena produtora de filmes e também como fotógrafo de uma agência de notícias, Mark Lewis (Carl Bohm), traumatizado pelo pai (Michael Powel), que se servia dele quando menino para experiências psicológicas de resistência ao medo, torna-se um maníaco homicida e usa o próprio instrumento de trabalho, a câmera (ou, mais específicamente, a ponta afiada de uma das pernas do seu tripé), para assassinar mulheres, filmando ao mesmo tempo a expressão de terror estampada em seus rostos no momento do crime. Uma das mulheres assassinadas era uma figurante, Vivian (Moira Shearer), que ele atraiu à noite para o estúdio. Mark faz amizade com a inquilina de uma moradora de seu prédio, Helen (Anna Massey) e esta, colocando em funcionamento o projetor do psicopata, acaba descobrindo o seu segredo. A polícia chega a tempo de impedir mais uma morte e Mark se suicida, registrando a própria agonia, tal como fazia com as suas vítimas.

Powell reflete sobre as relações entre o voyeurismo, a perversão e o ato de fazer cinema, identificando-se com o protagonista e se compadecendo dele. Powell declarou: “Filme de horror? Não. Filme de compaixão…Um filme muito terno, quase romântico”. Mark é uma eterna vítima, cujos crimes são gritos de raiva contra seu pai e sua madrasta e, ao mesmo tempo, um ensaio patético para a sua morte.

A tensão é habilmente mantida em todo o desenvolvimento da intriga e por uma cor sombria de tonalidades que demonstram uma preocupação de originalidade. As cenas de terror são breves e a angústia latente provém mais do ambiente geral do filme, o que é, a nosso ver, uma qualidade. A fotografia esplêndida de Otto Haller, a expressiva partitura de Brian Easdale e o uso versátil do som dão uma força incontestável às elocubrações do cineasta.

Na era do vídeo, e depois do dvd, os filmes de Michael Powell continuam a serem vistos e apreciados, tendo passado pelo grande teste, que é o teste do tempo.

One Response to “MICHAEL POWELL”

  1. Antonio Carlos, nunca tinha visto um trabalho tão bem feito a respeito do inglês Michael Powell – uma beleza!
    A primeira vez que fui a um cinema eu era criança; e o filme foi o excelente LADRÃO DE BAGDAD. E mesmo não sabendo ler, já que o filme era legendado, nunca saiu da minha memória…
    PARABÉNS PELO EXCELENTE TRABALHO!

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