ALBERT LEWIN

março 31, 2011

Cineasta estranho e singular, de sólida formação cultural e artística, Albert Lewin realizou apenas seis filmes entre 1942 e 1957, mas a sua importância não se limita a esta obra porque, de 1922 a 1939, ele esteve sempre relacionado com o cinema, primeiramente como leitor a serviço de Samuel Goldwyn, depois como roteirista na Metro-Goldwyn-Mayer e finalmente como produtor e braço direito de Irving Thalberg no mesmo estúdio. Nesta última função, o papel de Lewin foi considerável, influenciando em certas escolhas de Thalberg tanto no que se refere aos assuntos levados à tela como no que concerne a diretores e roteiristas.

Atuando sempre na sombra, Lewin foi um daqueles  homens de cinema cujo gosto e inteligência foram preponderantes na produção da MGM. Quando assumiu as funções de diretor, não foi por acaso que seus três primeiros filmes tivessem sido adaptações de Somerset Maugham, Oscar Wilde e Guy de Maupassant.

Albert Parsons Lewin nasceu em 23 de setembro de 1894 no Brooklyn, Nova York, Estados Unidos. Seu pai, Marcus Lewin e sua mãe Yetta Mindlin, pertenciam a uma família de emigrantes russos de origem judaica.

Em 1903, quando Albert tinha nove anos de idade, a família deixou o Brooklyn  e foi para Newark em New Jersey. Ele estudou na Barrister High School de Newark e, em 1915, se diplomou em literatura britânica na Universidade de Harvard, tornando-se membro da Harvard Poetry Society, fundada no mesmo ano. Convidado para cursar o doutorado em Harvard, Lewin preferiu aceitar  o cargo de professor do Departamento de Literatura Inglêsa na Universidade do Missouri.

Em Nova York, Lewin fez amizade com o poeta objetivista Charles Reznikoff, que seria um dos seus maiores amigos. Os laços artísticos que ligaram Lewin a Reznikoff, a mesma paixão pela poesia e a vontade de fugir às convenções intelectuais da época, esclarecem a formação e a personalidade do cineasta.

Foi igualmente nessa ocasião que Lewin conheceu o assistente social e filantropo Jacob Billikopf, com o qual trocaria em seguida uma importante correspondência até a morte deste em 1950.

Integrado cada vez mais na inteligentsia judaica americana, Lewin assina na Jewish Tribune críticas teatrais e cinematográficas em 1921 e 1922 e, nesta condição, se apaixona pelas pesquisas estéticas do expressionismo alemão. Graças a Billikopf, Lewin chegou à presença de Samuel Goldwyn. Foi o ponto de partida de sua carreira cinematográfica, apesar de Abraham Lehr, o executivo que o acolheu no estúdio, lhe ter dito: “Você nunca fará carreira no cinema. É muito culto para isso”.

Lewin começou trabalhando para Goldwyn em Nova York e depois em Hollywood e aproveitou a sua posição ao lado do famoso produtor, não somente para aconselhar este último nos seus diversos projetos, mas também para se iniciar nas diferentes engrenagens da máquina de produção de um grande estúdio.

Dalí em diante, Lewin se associou – em variadas funções – à realização de vários filmes. Ele foi inicialmente,  leitor  na produção de Os Três Solteirões / Three Wise Fools / 1923 de King Vidor e, nesta mesma época, participou da criação da Little Theater Films, uma fundação preocupada com a melhoria da qualidade artística dos filmes (os outros membros eram Curtis Melnitz, Paul Bern e os realizadores Ernest Lubitsch, Rex Ingram e Maurice Tourneur).

Em 1923, Lewin foi contratado por Louis B. Mayer. Ele trabalhou  – ainda como leitor – em Juiz e Réu / Name the Man / 1924 de Victor Seastrom e em seguida desenvolveu uma atividade de roteirista. Seu nome apareceu nos créditos de O Pão Nosso de Cada Dia / Bread / 1924 de Victor Schertzinger, produzido por Mayer; O Destino de um Flirt / The Fate of a Flirt / 1925 de Frank R. Strayer, produzido por Harry Cohn; Moças Ociosas / Ladies of Leisure / 1926 de Thomas Buckingham, produção da Columbia. Lewin foi inclusive o autor da história na qual se baseou este último filme. Sua cultura e originalidade eram muito apreciadas e lhe permitiram trabalhar para diferentes produtores.

O Pão Nosso de cada Dia marcou também o encontro de Lewin com Irving Thalberg, encontro que não começou sob os melhores auspícios. Deste primeiro – e ligeiro – antagonismo nasceriam entretanto uma profunda confiança, uma admiração verdadeira e uma grande amizade.

A Samuel Goldwyn Pictures acabaria sendo absorvida, juntamente com a Metro Pictures e  a Louis B. Mayer Pictures, pela Loew’s Inc. de Marcus Loew e Nicholas Schenck. Seria o nascimento da Metro-Goldwyn-Mayer em 17 de abril de 1924.

Albert Lewin entrou para a jovem MGM graças a dois amigos seus, Arthur M. Loew e David L. Loew, filhos de Marcus Loew, para ler romances, peças teatrais ou roteiros originais com vistas a uma possível adaptação para a tela. A cultura de Lewin lhe proporcionou um lugar privilegiado como assessor de Irving Thalberg, de quem ele se tornaria um dos colaboradores mais preciosos, juntamente com Paul Bern, que em pouco tempo passou a ocupar a chefia do Departamento de Roteiros.

Lewin foi assim levado a assistir as nove horas de projeção de Ouro e Maldição / Greed / 1923 de Erich von Stroheim, antes que o filme fosse remontado para poder ser exibido, experiência ao mesmo tempo apaixonante e frustrante como ele contou em 1967 a Patrick Brion – autor da biografia Albert Lewin – Un esthète à Hollywood (Bifi / Durante, 1997). Lewin viu logo que o filme de Stroheim não poderia ser exibido na sua versão integral, mas acrescentou que Stroheim deu um jeito de contar praticamente duas vezes situações idênticas, o que poderia ter permitido cortar o filme sem mutilá-lo.

O gôsto que Lewin manifestou pela literatura, fez com que ele participasse na elaboração de outros roteiros como Fraqueza de Hércules / Blarney / 1926, dirigido Marcel de Sano; Capacetes de Aço / Tin Hats / 1926 de Edward Sedgwick; Uma Viagem Acidentada / A Little Journey / 1927 de Robert Z. Leonard; Prestígio Social / Spring Fever / 1927 de Edward Sedgwick; Beleza Moral / Quality Street e A Atriz / The Actress / 1928, ambos de Sidney Franklyn.

Sob a direção de Irving Thalberg, Lewin tornou-se supervisor da produção de  vários filmes sem que seu nome aparecesse nos créditos e depois produziu, para a MGM: Só Ela Sabe / The Guardsman / 1931 de Sidney Franklin; A Mulher de Cabelos de Fogo / Read-Headed Woman / 1932 de Jack Conway ; Mares da China / China Seas / 1935 de Tay Garnett; O Grande Motim / Mutiny on the Bounty / 1935 de Frank Lloyd; Terra dos Deuses / The Good Earth / 1937 de Sidney Franklin.

Em 14 de setembro de 1936 Irving Thalberg morreu com a idade de 37 anos. Muito apegado a Thalberg para continuar na MGM, Lewin deixou o estúdio e foi para a Paramount, onde produziu: Confissão de Mulher / True Confession / 1937 de Wesley Ruggles; Lobos do Norte / Spawn of the North / 1938 de Henry Hathaway; Zaza / Zaza / 1939 de George Cukor.

Em 1940, Lewin se associou a David L. Loew e formou a Loew-Lewin Inc., que tinha David Loew como presidente, Lewin como vice-presidente e David Tannembaum como secretário geral e tesoureiro. O primeiro filme produzido pela Loew-Lewin foi  Náufragos / So Ends Our Night / 1941, dirigido por John Cromwell e baseado no romance Flotsam de Erich Maria Remarque. Infelizmente, após o ataque a Pearl Harbour, os numerosos projetos imaginados por Lewin entre eles Don Quixote, Moby Dick e  A Iliada – ficaram na gaveta.

Lewin aproveitou sua companhia produtora para passar à direção. Ele realizou seis filmes, em quinze anos, quatro dos quais eu reví recentemente e é sobre eles que vou falar (os outros dois, Saadia / Saadia / 1953 e O Ídolo Vivo /The Living Idol / 1957, são obras de menor importância na filmografia do diretor).

Os filmes de Lewin – com roteiros escritos por ele mesmo –  são notáveis por sua fascinação pelo estético e pelo esotérico bem como pelos seus protagonistas fora do comum – artistas e homens decadentes cujas obsessões sombrias os coloca em desacôrdo com o mundo convencional. Como lembraram Jean-Pierre Coursodon e Betrand Tavernier (50 Ans de Cinéma Américain, Nathan, 1991) seu tema essencial é a dificuldade de viver e de se realizar para um ser requintado  e ávido do absoluto enfrentando o universo materialista do qual é prisioneiro. Sua  maneira de filmar conjuga o estilo clássico de Hollywood com uma paixão pelos cenários exóticos e obras de arte extravagantes.

Um Gosto e Seis Vinténs / The Moon and Six Pence / 1942 é uma  adaptação do romance de Somerset Maugham (ele próprio livremente baseado na vida de Gauguin). Na sua estréia atrás das câmeras, Lewin aborda alguns temas que estarão presentes em todos os seus filmes como a oposição entre liberdade individual e preconceito social, a obstinação de um indivíduo que tenta se encontrar para alcançar a sua verdade e a procura de uma paz espiritual.

Charles Strickland (George Sanders) é um corretor da Bolsa de Valores bem instalado na vida, casado e pai de dois filhos, até que, subitamente, larga a família e parte para Paris, a fim de se tornar um pintor. Sua arte não é imediatamente reconhecida, mas nada o impede de continuar. Ele tem uma necessidade imperiosa de pintar. “Já lhe disse que tenho de pintar. É qualquer coisa mais forte do que eu. Quando um homem cai na água, tem de nadar, bem ou mal, não importa: precisa é salvar-se”.  Juntamente com essa inquietude artística e vital  Strikland se caracteriza por suas manifestações ferinas e incisivas, quase escandalosas para a mentalidade da época.

Tudo isto nos é relatado no filme por um personagem, Geoffrey Wolfe (Herbert Marshall), que vai acompanhando intermitentemente o percurso de Strikland, mesmo quando este sai de Paris e parte para o Taití (mostrado em sépia), onde finalmente encontra a tranquilidade para trabalhar, casa-se com uma nativa e morre vitimado pela lepra. Quando atingiu a genialidade na pintura, Strickland não procurou a posteridade, antes incumbiu a sua mulher nativa de incendiar as telas, privando a humanidade da contemplação e desfrute de seus quadros. Bastava-lhe a sua própria certeza. Pintara para atingir uma meta interior.

O filme de Lewin é um tanto verboso, mas tem excelentes desempenhos de George Sanders e Herbert Marshall, muita destreza no uso do retrospecto, inspirada partitura musical de Dmitri Tiomkin, esplêndida fotografia em preto-e-branco (de John F. Seitz) com uma iluminação que por vezes chega à beira do expressionismo e do surrealismo e apresenta uma curiosidade: nunca mostra as obras de Strickland até a derradeira sequência do incêndio, na qual vê-se em cores os quadros que as labaredas consomem.

O Retrato de Dorian Gray / The Picture of Dorian Gray / 1945 é uma adaptação do romance de Oscar Wilde passado na Inglaterra no final do século XIX.  Basil Hallward (Lowell Gilmore) pinta o retrato de um rapaz atraente e sedutor, Dorian Gray (Hurd Hatfield). Este fica encantado com o quadro, mas é alertado pelo amigo de Basil, Lord Henry (George Sanders) – um dândi amoral e cínico que se gaba de viver somente para o prazer – de que sua beleza não irá durar para sempre. Aterrorizado pela idéia da velhice e da feiúra, Dorian deseja pesarosamente em voz alta, que ele permaneça sempre jovem e a pintura é que envelheça no seu lugar. Dorian não percebe que seu desejo foi misteriosamente concedido e que sua vida mudaria para sempre. Ele adota as teorias hedonísticas de Lord Henry e continua eternamente jovem enquanto a sua imagem no quadro, a cada ato de depravação que comete, vai se modificando, até ficar com uma expressão de pura maldade.

Trata-se de uma variação hábil do tema exposto no Fausto de Goethe e do personagem mitológico Narciso. Lord Henry representa a figura diabólica e Dorian Gray é Fausto e também um reflexo do amor próprio.  O retrato simboliza a alma de Dorian. Lord Henry instiga Dorian a ter indulgência com um estilo de vida imoral, indiferente aos sentimentos das pessoas que seduz e depois rejeita.  O elemento sobrenatural se desenvolve em torno da misteriosa escultura do gato egípcio, diante da qual Dorian exprime seu desejo e nas transformações do quadro, que vai se tornando cada vez mais repulsivo.

Nota-se ainda nesta fábula moral o ingrediente extra da sexualidade. Entretanto, com exceção do episódio de Sybil Vane (a jovem cantora – interpretada por Angela Lansbury – que Dorian seduz e abandona, levando-a ao suicídio), nós não ficamos sabendo exatamente o que Dorian faz que é tão “imoral”. A cena mais aterrorizante ocorre no final, quando o retrato medonho revela a verdadeira natureza de Dorian e a elegante fotografia em preto-e-branco (Harry Stradling laureado com o Oscar) muda repentinamente para Technicolor, provocando um efeito assustador.

Lewin soube reconstituir magistralmente o clima da Inglaterra vitoriana, bloqueada pelos tabus morais e pela hipocrisia e preservar os epigramas irônicos e espirituosos de Oscar Wilde, como aquele que abre o filme e diz que Lord Henry “aperfeiçoou a arte aristocrática de não fazer absolutamente nada”. George Sanders está perfeito como Lord Henry, dizendo os diálogos com um sorriso afetado e malicioso, lendo Les Fleurs du Mal e asfixiando as borboletas.  Aliás, a literatura está presente ao longo de todo o filme. Tal como Pandora, O Retrato de Dorian Gray começa com  a citação de versos dos Rubayat de Omar Khayam.

Outra grande atuação é a de Angela Lansbury (reconhecida como uma indicação ao Oscar) como a ingênua Sybil Vane. Ela está especialmente boa na cena em que Dorian tenta convencê-la a passar a noite com ele. Com apenas um pequeno franzimento das sobrancelhas e uma única lágrima, Angela mostra como a felicidade, que Sybil pensou que tivesse encontrado, se despedaçou. Alguns críticos lamentaram a passividade com a qual Hurd Hatfield compôs o seu personagem. Outros acharam inesquecível aquela figura marmórea, quase inexpressiva. Porém, de fato, é difícil acreditar que ele estivesse sofrendo um tumulto interior. Nem quando a cena é reforçada emocionalmente pelo expressivo score de Herbert Stothart, que incorpora peças musicais de Chopin e outros compositores clássicos.

O Homem sem Coração / The Private Affairs of Bel Ami / 1947 é uma adaptação  do romance de Guy de Maupassant, cuja ação transcorre em Paris no século XIX.  O filme descreve, sem o menor compromisso, a personalidade de Georges Duroy (George Sanders), apelidado de Bel-Ami. Ele encontra na rua seu antigo camarada no serviço militar, Charles Forestier (John Carradine), que lhe arruma um emprego como jornalista num jornal de propriedade de Monsieur Walter (Hugo Haas). Apresentado à sociedade pela bela mulher de Forestier, Madeleine (Ann Dvorak), Duroy conhece a melhor amiga desta, Clotilde de Marelle (Angela Lansbury), viúva e mãe de uma menina chamada Laurine. Ele conhece também Norbert de Varenne (David Bond), um organista cego que toca na catedral de Notre Dame e sua esposa Marie, que é violinista. Com a ajuda de Madeleine, Duroy começa a escrever uma coluna intitulada “Echoes”, através da qual espera manipular os pilares sociais e financeiros de Paris. Ao mesmo tempo, Duroy e Clotilde se apaixonam. Uma noite porém, Clotilde fica sabendo que Duroy se envolveu com uma jovem dançarina do Folies Bergère, Rachel (Marie Wilson) e compreende que ele nunca lhe será fiel. Charles morre de tuberculose e Duroy casa-se com Madeleine. Ele diz a Clotilde que se trata de um casamento de conveniência e que sempre a amará. Mas Duroy logo acha vantajoso seduzir a esposa (Katherine Emery) de Monsieur Walter, que se apaixonara desesperadamente por ele e assedia Marie de Varenne (Frances Dee), que o rejeita. Duroy forja uma relação amorosa entre Madeleine e seu adversário mais feroz, Laroche-Mathieu (Warren William), para surpreendê-los em um falso adultério e pedir o divórcio dela, com o fim de cortejar Suzanne (Susan Douglas), a filha de Monsieur Walter, herdeira de uma fortuna. Para se casar com Suzanne, Duroy compra um título de nobreza e se torna doravante Georges Duroy de Cantel. Enfurecida, ao saber da noticia das bodas, Madame Walter avisa Philippe, o autêntico herdeiro dos Cantel. Este chama Duroy de ladrão e o desafia para um duelo. Duroy morre pronunciando o nome de Clotilde (O Código Hays impôs uma morte sem glória para o herói. No livro de Maupassant, Bel Ami casa-se com Suzanne e Madame Walter morre de desgosto).

Georges Duroy é um arrivista, que se vale de sua condição de conquistador de corações femininos, para ir subindo rapidamente os degraus da alta sociedade parisiense, a fim de se integrar num contexto, do qual só quer obter riqueza  e poder. Seus objetivos serão cumpridos com uma frieza e uma precisão quase matemática, pois Duroy é no fundo um profundo analista e crítico do meio em que vive.

O filme é uma sucessão de diferentes etapas da ascenção social de Bel Ami. George Sanders está particularmente notável neste papel de um indivíduo ambicioso e sem escrúpulos e o ator o interpreta com elegância e cinismo. Patrick Brion descreve assim o personagem: “Duroy lê Mademoiselle de Maupin; enxuga sua navalha cheia de espuma na carta de amor de uma de suas conquistas, Clotilde de Marelle; cantarola Auprès de ma blonde; vê uma de suas amantes – Madame Walter – prender seus cabelos num dos botões de sua jaqueta e morre apertando em sua mãos duas pequenas bonecas, verdadeiros símbolos desta “comédia humana” da qual ele foi o ator e a vítima”.

Os diálogos maravilhosos; a fotografia de Russel Metty (e John Mescall) o cuidado dedicado aos cenários; a reconstituição estilizada da Paris de 1880; a música assinada por Darius Milhaud; a idéia de comparar aquela sociedade, onde circulam sedutores, jornalistas, homens de negócios e políticos à imagem do “Petit Gignol”, que encerra o filme; a utilização do quadro La Tentation de Saint Antoine em Technicolor; e uma surpresa como aquela cena no qual Madeleine, ao saber do pedido de divórcio, coloca soberbamente sua aliança no copo de cerveja de Georges Duroy, também enriquecem artisticamente este drama naturalista belo e cruel.

A fim de provocar um movimento de curiosidade em torno do filme, Lewin organizou um concurso entre artistas contemporâneos de renome, destinado a encontrar a melhor representação de La tentation de saint Antoine (Flaubert). O tema do quadro no livro de Maupassant era Le Christ Marchant sur les Eaux, mas as autoridades do Código de Censura informaram-lhe que este tema seria inaceitável. A censura não permitia a representação do Cristo na tela. Ainda mais porque Maupassant usara a imagem do Cristo de uma maneira irônica, fazendo Jesus se parecer com Bel Ami. Quem ganhou o certame foi Max Ernst e é sua tela que aparece no filme; porém a pintura que Salvador Dali criou para o concurso, tornou-se célebre.

Em Pandora / Pandora and the Flying Dutchman / 1951, no pequeno porto de Esperanza na costa espanhola, em 1930, os pescadores trazem em suas redes dois cadáveres enlaçados. O arqueólogo britânico Geoffrey Fielding (Harold Warrender), que reconheceu o casal, conta a sua história, lembrando a frase de um escritor da Grécia antiga: “ A medida do amor é o que estamos dispostos a sacrificar por ele”. A jovem e linda cantora americana Pandora Reynolds (Ava Gardner) tem em torno dela uma pequena côrte de admiradores e de apaixonados, que fazem parte da população anglo-saxã e ociosa do porto. Um deles, Reggie Demarest (Marius Goring) pede Pandora em casamento. Após ser rejeitado, ele se envenena e morre declamando um de seus poemas. O corredor automobilista Stephen Cameron (Nigel Patrick) também quer se casar com Pandora. Querendo testar a profundidade de seu amor, Pandora lhe pergunta se ele sacrificaria seu bem mais precioso, a saber o seu carro de corrida, cuja construção lhe havia tomado dois anos.  Logo Stephen joga o precioso carro no mar. Pandora promete então esposá-lo no terceiro dia do nono mês do ano. Muito intrigada pela visão de um iate solitário ancorado na baía, Pandora interroga Geoffrey, que lhe conta a lenda do Holandês Errante, um capitão de navio do século XVII condenado a vagar sem destino sobre os mares até o fim dos tempos. De sete em sete anos ele era autorizado a ir à terra durante seis meses. Se numa dessas estadias descobrisse uma mulher disposta a sacrificar sua vida por amor a ele, a maldição terminaria e ele poderia morrer como qualquer outro ser humano. Pandora nada nua em direção ao iate. Ele parece vazio. Somente um homem se encontra a bordo, o holandês  Hendrick Van der Zee (James Mason), que está ocupado pintando uma tela representando uma alegoria do mito de Pandora. A Pandora do quadro se parece espantosamente com Pandora Reynolds.

Aí começa o drama fantástico e romântico, que combina inteligentemente o mito grego, a lenda do holandês errante (que inspirou Richard Wagner para compor o seu “Navio Fantasma”) e o ambiente da “Geração Perdida”.  Da conjunção desses três elementos resultou uma obra magnificada pela beleza perfeita da protagonista e pela fotografia deslumbrante em Technicolor de Jack Cardiff. Estes são o ponto alto do espetáculo. Como verdadeiro esteta, conhecido por sua extravagância, Lewin nos oferece um espetáculo visualmente suntuoso – misturando o barroco e o surreal – à altura de sua intriga.

Como Lewin declarou, “Era natural, para mim, tentar fazer um filme deliberadamente surrealista. Este desejo tomou forma para Pandora. O hábito que tinham os surrealistas de justapor imagens antigas e modernas, que é particularmente notável na obra de De Chirico e Paul Delvaux, sempre me perturbou. Encontrei no personagem do holandês errante, que havia sido condenado à viver durante vários séculos, um símbolo desta justaposição de épocas. Já falei do episódio no qual ele pinta um retrato de mulher que, nós descobrimos mais tarde, havia sido sua mulher, há centenas de anos”.

Entre outros episódios surrealistas do filme, podemos discernir a cena da corrida automobilística na praia: um bólido que passa a toda velocidade diante da estátua de uma deusa grega, erguida na areia. E o baile na praia, no curso da qual os homens de casaca dançam com as mulheres de maiô sob o som da música “You’re driving me crazy”, executada por um conjunto de jazz colocado, de uma maneira erótica, entre os fragmentos de estátuas antigas, tendo o mar como pano de fundo.

Infelizmente tenho que apontar alguns tropeços da direção: o andamento da narrativa é um pouco lento, faltando a movimentação febril que o enredo pedia; o filme perde muito tempo com certos incidentes (por exemplo, uma sequência prolongada na qual Stephen bate o recorde de velocidade) e com o longo retrospecto explicando a maldição de Hendrick; os vestidos e os penteados das mulheres não são de 1930, mas totalmente contemporâneos; o relacionamento entre os dois amantes é um tanto tépido. Entretanto, a originalidade do argumento sobre um amor que transcende a vida, a morte e o tempo, a cinematografia plasticamente requintada e a presença de Ava Gardner compensam essas deficiências.

Nos anos cinquenta, Lewin realizou seus dois últimos filmes e planejou múltiplos projetos, que não conseguiu concretizar. Em 1959, ele foi vítima de um ataque cardíaco, que o obrigou a renunciar à produção e à realização. Lewin mudou-se da Califórnia para Nova York, instalando-se nas imediações do Central Park, no meio de seus quadros (essencialmente surrealistas) e de seus objetos pré-colombianos.

No dia 9 de maio de 1968, Albert Lewin faleceu em virtude de uma pneumonia. Foi seu fiel amigo, Charles Reznikoff que pronunciou o elogio fúnebre.

2 Responses to “ALBERT LEWIN”

  1. Ótima síntese de “O Retrato de Dorian Gray”. Parabéns!

  2. Obrigado Napoleão. Preciso ter leitores cultos como você.

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