REX INGRAM

abril 11, 2011

Grande pictorialista do cinema mudo, ao lado de Maurice Tourneur, Herbert Brenon,  Fred Niblo e Clarence Brown, Rex Ingram foi um dos que mais ajudaram a impulsionar essa forma plástica nos estúdios hollywoodianos. Admirado por cineastas como Michael Powell, David Lean e Erich von Stroheim, que o reconheceu como “o maior diretor de cinema  do mundo”, Ingram teve seu nome incluído por Dore Schary, o substituto de Louis B. Mayer na MGM, entre os quatro artistas mais criativos nos primeiros anos da indústria fílmica juntamente com D.W. Griffith, Cecil B. DeMille e Stroheim. Ele era o segundo da lista, logo depois de Griffith.

Reginald Ingram Montgomery Hitchcock nasceu no dia 15 de janeiro de 1893 em Dublin, Irlanda, filho de um pastor. Em 1911, Ingram emigrou para os Estados Unidos. Enquanto estudava escultura na Yale University School of Art, foi apresentado por um colega a Charles Edison, filho do famoso inventor e industrial. Naturalmente a conversa girou em torno de filmes e Ingram teve vontade de se colocar à disposição do cinema nascente.

Ele arrumou emprego na Edison Pictures – cujos estúdios localizavam-se no Bronx em Nova York – exercendo várias funções, inclusive a de roteirista. Como Ingram era um rapaz bonito, que fotograva bem, foi aproveitado também como ator em alguns filmes. Quando trabalhava na Edison, ele conheceu Jack Mulhall, o futuro astro, e nos meados de 1914, os dois foram para a Vitagraph, onde o jovem irlandês continuou atuando como ator e fazendo o seu aprendizado da técnica e da linguagem cinematográficas.

Em 1915, Ingram já estava na Fox Film Corporation escrevendo roteiros e sonhando com a possibilidade de se tornar diretor. Ele chegou a ser indicado para dirigir um melodrama intitulado Yellow and White, porém suas idéias se chocaram com as dos altos executivos da empresa. No meio da filmagem, Ingram compreendeu que seu futuro estava em outro lugar e iniciou negociações com a Universal Film Manufacturing Company. Foi nesta companhia que ele, como diretor, deu os primeiros passos para subir a escada do sucesso.

Seus primeiros filmes realizados  na  empresa de Carl Laemmle foram The Great Problem / 1916 e Broken Fetters / 1916 (novo título da história sobre chineses que havia ocasionado a sua saída da Fox), ambos interpretados pela atriz Violet Mersereau. A esta altura, Laemmle decidiu transferir sua companhia dos estúdios de Fort Lee, New Jersey para Hollywood. Assim, Ingram partiu para a costa leste, onde estava o seu futuro. Em solo californiano, ele dirigiu: A Taça da Amargura / The Chalice of Sorrow / 1916, Black Orchids / 1916 (estes dois com a atriz Cleo Madison, que ele admirava), The Reward of the Faithless / 1917, The Pulse of Life / 1917, The Flower of Drum / 1917 e The Little Terror / 1917.

Dirigindo esses oito filmes, Ingram adquiriu uma experiência considerável do seu ofício. As resenhas cinematográficas contemporâneas referem-se constantemente à sua capacidade para criar um clima, uma atmosfera, o seu senso pictórico e os bons desempenhos que ele extraía de seus atores. Estas se tornariam as características permanentes de Ingram. Infelizmente, todos os negativos de seus primeiros filmes se perderam, porém os comentários críticos da época sugerem que, naquele tempo, Ingram já tinha individualidade e estilo e era de certo modo um diretor não convencional.

Mas, em 1917, ele foi despedido, porque expressou sua insatisfação com a maneira pela qual a produção de seus filmes estava sendo administrada. Não seria a única vez em que a sua franqueza lhe faria inimigos.

Após ter saído da Universal, Ingram foi contratado pela Peralta – W.W. Hodkinson Corporation, para fazer dois filmes com Henry B. Walthall, (um ator de certa estatura, que chamara a atenção como o “pequeno coronel” em O Nascimento de uma Nação / The Birth of a Nation / 1915 de D.W. Griffith): His Robe of Honor / 1917 e Humdrum Brown / 1918. Nesta ocasião, Ingram casou-se em 15 de março de 1917 com  a atriz Doris Pawn em Santa Ana, California. Pouco mais de um ano depois, a incompatibilidade de temperamentos os separou. Eles se divorciaram oficialmente no final de 1920.

Em 1918, Ingram alistou-se no U.S. Signal Corps Aviation Section, mas foi rejeitado, porque somente cidadãos americanos natos poderiam ser pilotos. Ele tentou então o Royal Canadian Flying Corps, onde prestou serviço apenas de outubro a dezembro de 1918.

A volta do Canadá foi muito penosa. Ele deixara a Royal Canadian Flying Corps muito doente e sem um tostão no bolso. Seu orgulho impediu que pedisse auxílio à sua família na Irlanda mas restavam alguns amigos. Elizabeth Waggoner, uma professora de arte, abrigou-o em sua residência e o diretor Allen Holubar convidou-o para realizar dois filmes na Universal: The Day She Paid / 1919 e Under Crimson Skies / 1919.

Pouco depois, Ingram procurou Richard Rowland, então gerente da Metro Picture Corporation e este o contratou para dirigir um filme chamado Ao Rugir da Tempestade / Shore Acres. Este primeiro filme para a Metro marcou um novo começo e o início de um período de fama e sucesso para Ingram.

O próximo projeto foi Um Escândalo na Academia / Hearts are Trumps / 1920 e, na sua execução, Ingram contou com o apoio de dois técnicos admiráveis, o fotógrafo John F. Seitz e o montador Grant Whytock, que integrariam a sua equipe durante vários anos. Na equipe estavam também a roteirista June Mathis, que teria grande importância na sua carreira e a atriz Alice Terry, com quem se casaria. Esses dois filmes de Ingram agradaram aos executivos da Metro e reforçaram a sua reputação Com o seu próximo filme, Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse / The Four Horsemen of the Apocalypse / 1921, ele chegaria ao topo da sua profissão e seria aclamado como um dos diretores mais importantes de Hollywood.

Entre de 1921 e 1932, Rex Ingram realizou ao todo 13 filmes: Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Eugenia Grandet / The Conquering Power / 1921, O Bom Caminho / Turn to the Right / 1923, O Prisioneiro do Castelo de Zenda / The Prisoner of Zenda / 1922, Frívolo Amor / Trifling Women / 1922, Apsará / Where the Pavements End / 1923, Scaramouche / Scaramouche / 1923 para a Metro Picture; O Árabe Aristocrata / The Arab / 1924, Mare Nostrum / Mare Nostrum / 1925, O Mágico / The Magician / 1926, Jardim de Alá / The Garden of Allah / 1927 para a Metro-Goldwyn;

As Três Paixões / The Three Passions / 1929 para a St. George’s Productions Ltd.; Baroud / 1932 (no qual Ingram fez o papel principal e demonstrou que era melhor diretor do que ator) para a Gaumont British Corporation.

Desses 13 filmes, eu ví Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Eugenia Grandet, O Prisioneiro do Castelo de Zenda, Scaramouche, Mare Nostrum, O Mágico e Baroud, mas só vou falar sobre os cinco primeiros, porque são os meus preferidos, deixando bem claro que os dois últimos têm muitas qualidades.

Em Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Julio Madariaga (Pomeroy Cannon), conhecido como Centauro, é um colonizador na Argentina e proprietário de várias fazendas. Ele tem duas filhas, Luisa (Bridgetta Clark), casada com um francês, Marcelo Desnoyers (Josef Swickard) e Elena (Mabel Van Buren), esposa de um alemão, Karl von Hartrott (Alan Hale), que educa seus filhos na tradição prussiana. Julio Desnoyers (Rudolph Valentino) filho do francês, é o neto favorito de Madariaga mas cresce numa vida libertina. Quando o velho morre, as duas famílias dividem sua fortuna e voltam para seus respectivos países.  Em Paris, Marcelo Desnoyers desenvolve uma mania de colecionar antiguidades e compra um castelo para guardar seus tesouros em Villeblanche, na margem do Marne. Seu filho, Julio, estabelece-se como pintor e uma de suas conquistas amorosas é Marguerite Laurier (Alice Terry), casada com um amigo de seu pai, Etienne Laurier (John Sainpolis). O segredo dos dois amantes é descoberto e um divórcio está prestes a se consumar, quando irrompe a Primeira Guerra Mundial. Etienne vai para a guerra e Julio permanece em Paris com Marguerite até que ela, numa crise de consciência, se alista como enfermeira. Num quarto acima do estúdio de Julio, Tchernoff (Nigel De Brulier), um místico russo, evoca a visão dos Cavaleiros do Apocalipse, que trazem a Conquista, a Fome, a Guerra e a Morte. Enquanto isso, Marcelo vai ao seu castelo e testemunha a destruição da aldeia pelas hordas de alemães, sendo obrigado a abrigar os conquistadores, entre os quais estão dois de seus sobrinhos Otto (Stuart Homes) e Heinrich (Henry Klaus) sob as ordens do Tenente-Coronel Von Richtosen (Wallace Beery). Julio finalmente resolve se alistar e reencontra Marguerite, que está cuidando de seu marido cego em Lourdes e decide ficar ao lado dele. Julio retorna à frente de batalha e é morto ao mesmo tempo em que, na Alemanha, a família germânica, chora a morte de seus filhos. Na cena final, Marcelo, sua filha Chichi (Virginia Warwick) e o namorado dela, René (Derrick Ghent) vão visitar o túmulo de Julio  e o Tchernoff os acompanha. Ajoelhado diante do túmulo, Marcelo pergunta a Tchernoff se ele conhecia Julio. O místico olha para o vasto mar de cruzes de madeira e responde que conhecia todos.

Baseado no romance de Vicente Blasco Ibanez, o filme tornou-se um empreendimento monumental: um milhão de dólares gastos, seis meses de filmagem, doze assistentes de diretores, quatorze cinegrafistas, milhares de figurantes.

Como chefe do departamento de roteiros da Metro, June Mathis persuadiu o então presidente da companhia, Richard Rowland,  a comprar os direitos da obra de Ibanez. June também convenceu o estúdio a usá-la como roteirista e a contratar Ingram como diretor.

Atendidos esses pedidos, ela insistiu em colocar um ator desconhecido no papel principal. June havia descoberto Rudolph Valentino numa pequena intervenção em Os Olhos da Juventude / Eyes of Youth / 1919 e seu instinto lhe disse que ele era um astro. Sua intuição resultou num dos filmes mais bem sucedidos de sua época,  que deu um lucro de quatro milhões de dólares e lançou o ator como “The Great Lover”, transformando-o num  grande ídolo da tela.

A direção de Ingram – que soube descrever com sensibilidade pictórica as ruas de Paris,  a entrada dos alemães na aldeia destruída de Villebranche, a histeria  e os terrores da guerra, os horrores do campo de batalha, o meio social, as visões do místico Tchernoff quando ele tem a visão apocalíptica e a cena final impressionante no cemitério de guerra militar com suas fileiras de cruzes brancas – complementada pela pungência das cenas de amor entre Valentino e Alice Terry e pela sutil fotografia de John F. Seitz, no mesmo nível das produções germânicas então muito apreciadas na América, deram ao filme uma qualidade extraordinária.

No enredo de Eugenia Grandet, M. Grandet (Ralph Lewis), um antigo toneleiro, conquistou durante a Revolução uma fortuna prodigiosa. Como é avarento, ele leva uma existência mesquinha em Samour, numa casa sombria, na companhia de sua mulher (Edna Demaurey), que ele tiraniza, de sua criada Nanon (Mary Hearn) e de sua filha Eugénie (Alice Terry). Modesta e submissa ao despotismo de seu pai, Eugénie é a herdeira mais rica do país e duas famílias, a dos Cruchot e a dos Grassins, estão em competição para obter sua mão para seus filhos respectivos, Bonfons Cruchot (George Atkinson) e Adolphe de Grassins (Ward Wing); porém a jovem, indiferente a tudo, vive reclusa e definha como uma flor privada de luz. M. Grandet recebe a visita de um sobrinho, cujo pai falido se suicidou. Eugénie é atraída por seu primo Charles (Rudolph Valentino), um elegante dândi parisiense; e seu amor, misturado com piedade, leva-a ao sacrifício: enquanto Grandet manobra para se apoderar do espólio de seu irmão, ela oferece a seu primo todas as suas economias, uma “dezena” de peças de ouro, que seu pai lhe dera uma a uma nos dias de seu aniversário. Assim Charles poderá partir para a Martinica, a fim de fazer fortuna e, no seu retorno, ele se casará com a prima. Ao saber que sua filha deu todo o seu ouro, Grandet intercepta as cartas de Charles para Eugénie e a tranca num quarto. Mas avisado pelo tabelião de que, em caso da morte de sua mulher, Eugénie poderia exigir a sua parte na sucessão, ele se reconcilia com ela. Mme. Grandet  morre após um longo martírio e Grandet consegue convencer Eugénie a renunciar a herança materna. Com a mente afetada pela morte da esposa em consequência de sua agressão, Grandet é obcecado por terríveis visões e acaba morrendo, esmagado por um cofre em forma de berço cheio de ouro, que caíra sobre ele. Eugénie está prestes a assinar um contrato de matrimônio com Bonfons quando, depois de uma longa ausência, Charles chega para se casar com ela.

Trata-se de uma adaptação bastante livre do romance de Honoré de Balzac, que tinha um final bem diferente: na obra literária, Eugénie recebe uma carta de Charles que, tendo enriquecido rapidamente, fez um casamento de intêresse. Eugénie se resigna a casar com um dos pretendentes, mas fica logo viúva e continua a viver sozinha, parcimoniosamente,  consagrando sua fortuna às obras de caridade.

Contando novamente com a colaboração de June Mathis, John F. Seitz, Grant Whytock e do par romântico Rudolph Valentino e Alice Terry, Ingram realizou outro filme plasticamente impecável e com belas cenas de amor. Porém é uma  história  intimista bem distante da linha espetacular do filme anterior.

A velha casa decadente e claustrofóbica de Grandet, com suas entradas e corredores estreitos, quartos escuros e tristes, sótãos e porões empoeirados (com o detalhe da aranha andando sobre as cartas roubadas), espelha a atmosfera deprimente e grotesca do lugar e o estado d’alma dos personagens.

Uma das cenas mais intensas da narrativa é a das alucinações de Grandet, na qual ele vê mãos esqueléticas saindo das paredes e o fantasma da sua falecida esposa, até ser esmagado pelo cofre.

Eu gosto muito da cena em que Charles chega à casa dos Grandet. As famílias de Grandet e dos pretendentes estão vestidas com roupas simples, a porta se abre, e surge Valentino com um terno muito bem cortado e um chapéu, carregando uma bengala magnífica. A tomada dura um certo tempo, para que o público possa contemplá-lo de alto a baixo e apreciar as suas vestimentas e a sua postura elegante.

Em O Prisioneiro do Castelo de Zenda, Rudolph Rassendyll (Lewis Stone) sabendo da próxima coroação de um parente, que é seu sósia, na Ruritânia, deixa sua casa na Inglaterra e vai caçar naquele país. Rudolph, o futuro rei (Lewis Stone) é um homem fraco e desregrado e planeja passar seus dias antes da coroação em Zenda, no chalé de caça de seu meio-irmão, o Grão-Duque “Black” Michael (Stuart Holmes), que cobiça o trono. Alí ele é drogado e Rasendyll, tendo entrado em cena sem querer, é persuadido pelos amigos do rei, Coronel Sapt (Robert Edeson) e Fritz von Tarlenheim (Malcolm McGregor), a personificá-lo na cerimônia, para frustrar o golpe de estado de “Black Michael”. No dia da coroação, Rassendyll conhece a Princesa Flavia (Alive Terry), a noiva do rei e os dois se apaixonam. O rei está prisioneiro no castelo de “Black” Michael em Zenda e quando Michael é avisado do embuste por sua agente, Antoinette de Mauban (Barbara La Marr), ele planeja, com seu seguidor Rupert of Hentzau (Ramon Samaniegos), assassinar Rassendyll. O casamento do rei e Flavia é anunciado, o atentado contra a vida de Rassendyll fracassa e o rei é resgatado. Porém Flavia e Rassendyll devem se separar, porque colocam seu senso de dever acima de sentimentos pessoais.

Para esta versão do romance de Anthony Hope (a terceira das sete adaptações da  do popular clássico de aventura), Ingram teve mais uma vez a colaboração preciosa de Seitz e Whytock e da atriz Alice Terry mas Valentino trocou a Metro pela Famous Players-Lasky e June Mathis  o acompanhou. Lewis Stone assumiu o papel principal duplo do rei e Rassendyll e Ingram, determinado a criar um novo astro, introduziu no elenco Ramon Samaniegos, que viu atuando em uma pantomima espanhola, The Royal Fandango, num pequeno teatro em Hollywood. Foi Novarro quem procurou Ingram e só depois de fazer três testes é que ele foi contratado. Ingram ficou impressionado com o rapaz e sentiu que encontrara um substituto para Valentino. Samaniegos fez um grande sucesso como o arrojado e charmoso vilão Rupert of Hentzau e se tornou o famoso Ramon Novarro dos filmes subsequentes de Ingram. Ele atingiria o auge de sua carreira como o protagonista de Ben-Hur, o super-espetáculo dirigido por Fred Niblo para a Metro-Goldwyn. Curiosamente, Ramon não despertara nenhuma atenção como extra em Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse. Ele era um dos jovens oficiais na cena em que uma mulher canta a Marselhêsa enrolada na bandeira bleu-blanc- rouge.


Drama romântico perfeito, O Prisioneiro do Castelo de Zenda combina a história de um amor condenado com aventura de capa-e-espada num reino imaginário. O espetáculo tem cenários faustosos, lutas de espadas excitantes, troca de identidades, auto-sacrifício idealista, intriga palaciana e foi cuidadosamente encenado por Ingram com o apoio de seus dois técnicos favoritos e de um elenco bem afinado. Evidentemente que não chega aos pés da versão de 1937, com Ronald Colman, porém seria injusto comparar a versão silenciosa com a sonora, porque são efetivamente dois meios de expressão diferentes. O filme de Ingram, deve ser apreciado de acordo com o tempo em que foi feito e, por ocasião de seu lançamento, obteve a aprovação da crítica e do público. Em 5 de novembro de 1921, durante a filmagem dessa produção, Ingram casou-se com Alice Terry.

A ação de Scaramouche transcorre no tempo da Revolução Francêsa. André-Louis Moreau (Ramon Novarro), estudante de direito, protesta por justiça, quando seu amigo eclesiástico e revolucionário Philippe de Vilmorin (Otto Matiesen) é morto num duelo injusto pelo Marquês de La Tour d’Azyr (Lewis Stone). André promete vingança e se refugia no meio de um bando de artistas itinerantes, interpretando no palco o papel de Scaramouche. Ele está apaixonado por Aline de Kerkadiou (Alice Terry), filha de seu padrinho, Quintin Kerkadiou (Lloyd Ingraham). Ela, porém, sente-se atraída pelo marquês e André fica noivo de Climène (Edith Allen), filha do diretor da companhia de teatro ambulante,  Challefau Binet (James Marcus). Climène, como o rapaz descobre, vem a ser amante do marquês. Aline também fica sabendo sobre este relacionamento e percebe que ama André, agora deputado na Assembléia Nacional e exímio espadachim. André começa a matar em duelo alguns deputados da nobreza, para provocar uma reação do marquês. Eles finalmente ficam frente à frente numa luta de espadas, porém André, embora tendo levado vantagem, poupa a vida de seu oponente. Enquanto isso,  o povo, atiçado por Danton (George Siegmann), desfila armado pelas ruas. Aline e a condessa Thérèse de Plougastel (Julia Swayne Gordon), sendo aristocratas, correm grave perigo. André fica sabendo que o marquês é na realidade seu pai e sua mãe a condessa Thérèse. O marquês se reconcilia com o filho e decide enfrentar a turba, morrendo corajosamente. Alice, André e sua mãe são detidos na saída de Paris, mas André consegue convencer os revolucionários a deixá-los partir.

O romance de Rafael Sabatini já continha os ingredientes básicos para um grande sucesso popular e Ingram – ainda com Seitz e Whytock – soube transportá-lo para a tela de maneira magnífica. O filme reflete realisticamente um período histórico particularmente dramático, possui grande beleza visual nos figurinos, nos cenários e na composição das cenas e é interpretado por um elenco brilhante, no qual sobressaem Lewis Stone e Ramon Novarro. Stone está maravilhoso no papel do aristocrata cínico e impiedoso e Novarro perfeito no jovem indignado com a injustiça, que se torna um orador eloquente.

A reconstituição da época é muito bem feita, destacando-se as imagens da aldeia e do castelo de Gravillac, a praça de Rennes onde André discursa para o povo em frente de uma estátua equestre e se dá  a repressão da cavalaria, o luxuoso teatro no qual se representa a peça Figaro-Scaramouche e André do tablado avista no camarote o marquês, Aline e a condessa, o ambiente superlotado da Assembléia Nacional, os salões da nobreza ricamente decorados, o duelo entre André e o marquês sob o arco fotogênico e, finalmente, o movimento do povo enfurecido que o marquês, debilitado, enfrenta sem temor.

Alguns primeiríssimos planos cuidadosamente escolhidos, desde a face marcada pela varíola de Robespierre ao rosto lindo como uma porcelana-da-china de Alice Terry, desempenham um papel tão importante na criação da atmosfera quanto o vestuário autêntico e os  cenários impressionantes.

Por todos esses predicados, Scaramouche talvez seja o melhor filme de Ingram e, se o apreciarmos tendo em vista a época em que foi feito, podemos dizer que ele é tão bom quanto a versão de 1952 com Stewart Granger.

A história de Mare Nostrum foi baseada no romance de Vicente Blasco Ibanez sobre amor e espionagem durante a Primeira Guerra Mundial. O Capitão Ulysses Ferragut (Antonio Moreno), último de uma família de homens do mar de Barcelona e proprietário do navio Mare Nostrum, apaixona-se por Freya Talberg (Alice Faye), uma bela mulher que trabalha para os alemães. Ele é induzido a ajudar a abastecer os submarinos germânicos no Mediterrâneo. Quando seu filho é morto num navio torpedeado por um desses submarinos, ele jura vingança e perde a vida destruindo o inimigo. Freya é traída pela sua própria organização e é executada pelos francêses como espiã. O tema místico subsidiário mostra Freya simbolizando a deusa Amphitrite, reunida com Ulysses na morte.

Em 1924, Ingram estava desgostoso com Hollywood. Após várias batalhas com o chefe do estúdio da MGM, Louis B. Mayer, ele insistiu que todos os seus filmes para esta empresa fossem anunciados como lançamentos da “Metro-Goldwyn”, recusando terminantemente que Mayer fosse creditado. No mesmo ano, ele saiu de Hollywood, para filmar O Árabe Aristocrata com Ramon Novarro e Alice Terry em Nice na França.

Para Mare Nostrum, ele comprou o estúdio La Victorine em Nice por cinco milhões de dólares (e depois cedeu o espaço para a MGM por um aluguel bem alto). Na biografia Rex Ingram – Master of the Silent Cinema (Le Giornate del Cinema Muto / BFI, 1993), o autor, Liam O’Leary narra as condições que Ingram encontrou durante a filmagem. Os telhados de vidro de La Victorine eram muito quentes durante o dia e muito frios à noite, quando a maioria das cenas era rodada. O sistema de iluminação era precário e levou algum tempo para que os técnicos francêses, italianos e americanos se entrosassem. Os laboratórios francêses mostraram-se insatisfatórios. O equipamento dos estúdios apresentavam defeitos e foram necessários muitos retakes.  Os custos de produção eram altos, porque incluíam os gastos com a modernização do estúdio. As dificuldades de linguagem por parte da equipe atrasava a produção. Quanto aos figurantes, não havia problema, porque os emigrados russos em Nice, inclusive duques e príncipes, ficaram contentes em conseguir algum meio de subsistência. Enquanto isso, a produção de Ben-Hur estava chegando ao fim em Roma. Ingram visitou a Itália, retornando com uma quantidade de geradores e refletores e com muitos técnicos. O bom relacionamento de Ingram com o exército e o governo francês permitiu-lhe obter homens e dois submarinos para as cenas marítimas,  que constituíam uma parte importante do filme. Além das complicadas cenas submarinas, a produção requereu locações em três países – França, Espanha e Itália.

O filme levou quinze meses para ser feito e a montagem foi uma tarefa imensa, pois a quantidade enorme de material filmado exigia um eliminação drástica. Tal como Ouro e Maldição / Greed / 1925 de Stroheim, sequências inteiras e episódios subsidiários foram extirpados. Mas, mesmo encurtado, o espetáculo obteve um triunfo crítico. Herman Weinberg descreveu- o como “um poema de amor ao Mediterrâneo, uma história trágica de um destino inflexível contada em imagens de grande beleza”. A execução de Freya pelo pelotão de fuzilamento francês na madrugada é uma das cenas mais comoventes que Ingram realizou. Outras imagens marcantes foram a da deusa Amphitrite cavalgando num delfim sobre as ondas, observada por Netuno de uma rocha; os amantes afogados, unindo-se para sempre no fundo do mar e, finalmente,  o encontro dos dois, ainda vivos, em frente a um aquário contendo um polvo gigantesco, que foi o progenitor daquela cena em A Dama de Shanghai / Lady from Shanghai / 1948 quando os personagens de Rita Hayworth e Orson Welles, também estão diante de um aquário,  desta vez cheio de peixes predatórios.

Em maio de 1934, depois da filmagem de Baroud, Ingram deu adeus a Nice e voltou para os Estados Unidos. Ele nunca gostou realmente dos “talkies” e havia perdido o interesse pela realização de filmes. Sentia dificuldade em se adaptar à nova técnica, que punha em questão todas as suas concepções, notadamente rejeitando para o segundo plano as preocupações puramente visuais. Em 1942,  soube que a Paramount iria filmar For Whom the Bell Tolls de Hemingway e se interessou pelo projeto, mas como estava afastado da profissão há dez anos, os executivos da companhia acharam que o risco era muito grande.

Em 1947, Ingram visitou parentes e amigos em Londres e depois viajou por outros países. Quando retornou a Hollywood, estava muito magro e abatido. Os médicos recomendaram-lhe repouso por causa de sua hipertensão. Ele havia sofrido dois ataques do coração em Tânger e Sevilha.

Em 21 de julho de 1950, Rex Ingram morreu de hemorragia cerebral. Seu corpo foi cremado e o funeral teve lugar no Forest Lawn Memorial Park Cemetery em Glendale, California. Tinha 57 anos.

4 Responses to “REX INGRAM”

  1. Magnífico artigo, sobre um dos mais interessantes realizadores do período silencioso. Tendo visto alguns dos filmes comentados, as imagens se sobressaem da memória durante a leitura, o que confirma o enorme talento e senso visual de Ingram, um genuíno autor, pois seus filmes tinham características próprias que os faziam serem logo reconhecidos como fruto do realizador. No campo pessoal, Ingram merece todo respeito por ter desafiado o maior dos moguls de Hollywood. Não considero a rechonchuda Alice Terry um nome marcante da época, mas nos filmes de Ingram ela nunca esteve tão bela.

  2. Daniel, obrigado pelo comentário demonstrando a sua cultura cinematográfica invulgar.

  3. inacreditavel a riqueza de detalhes e da pesquisa em TODOS os post deste blog. Tive o prazer de ler tres livros do Sr. e posso dizer que com eles, e com acessos recorentes ao seu blog, aprendi muito sobre cinema. Muito mesmo.
    A paixao do senhor por esta arte alem de ser comovente, desperta em mim uma grande inspiracao.
    Obrigado.

  4. Obrigado Gabriel. Elogios como o seu me fazem continuar nesta minha modesta contribuição para o melhor conhecimento do cinema clássico no Brasil.

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