GRANDES COMPOSITORES DO CINEMA CLÁSSICO DE HOLLYWOOD II

setembro 1, 2012

O nome de Erich Wolfgang Korngold (1897-1957) está indelevelmente associado com a época de ouro  – comumente considerada como sendo o período de meados dos anos trinta ao final dos anos quarenta –  da música de filmes em Hollywood, tendo trabalhado oficialmente em apenas dezenove filmes como compositor de cinema.

Antes de conquistar a fama na Terra do Cinema, Korngold desfrutou de uma notável reputação internacional, primeiro como criança prodígio e depois, como pianista, regente e compositor consagrado na Europa.

Ele nasceu em Brünn na Moravia (hoje conhecida como Brno, República Checa) e, a partir dos quatro anos de idade, cresceu na cidade de Viena, onde seu pai, Dr. Julius Korngold, assumiu a posição de crítico musical do jornal Neue Freie Press. Aos cinco anos de idade o menino já tocava com adultos peças de piano para quatro mãos e, aos onze anos, escreveu um balé-pantomima, Der Schneemann (O homem de neve) que estreou na presença do imperador austríaco Franz Josef.

Depois de ouvir o adolescente tocar, Gustav Mahler proclamou-o um gênio e indicou o professor Alexander von Zemlinsky como seu mentor. Quando , mais tarde, foi apresentado a Richard Strauss, este exclamou: “É espantoso que essas composições sejam obra de um menino”. Tudo o que Korngold compunha era publicado e representado – música de câmera, peças de concerto, canções, óperas.

Ele tinha dezesseis anos, quando escreveu suas duas primeiras óperas, Der Ring des Polycrates (O anel de Policrates) e Violanta e vinte e três anos, na época de Die tote Stadt (A cidade morta), sua ópera de maior sucesso. Em 1919, Korngold providenciou música incidental para uma produção teatral vienense de Much Ado About Nothing de Shakespeare e, em 1923, iniciou uma parceria com Max Reinhardt, encenando operetas com a música de Johann Strauss (filho), entre elas, Die Fledermaus.

Em 1934, Korngold foi para Hollywood a pedido de Max Reinhardt, que já estava trabalhando nos Estados Unidos, a fim de adaptar a música de Mendelssohn para a versão cinematográfica da peça de Shakespeare, A Midsummer’s Night Dream, produzida pela Warner Bros. e intitulada no Brasil, Sonho de Uma Noite de Verão.Terminado seu compromisso na Warner Bros., ele retornou a Viena, mas outros convites levaram-no novamente para Hollywood um ano depois. Seu primeiro score original foi para Noite Triunfal / Give Us This Night / 1936, musical da Paramount estrelado por Gladys Swarthout e Jan Kiepura. O filme fracassou e a experiência não trouxe nada de positivo para o compositor; entretanto, durante a sua sonorização, Jack Warner e Michael Curtiz lhe pediram para escrever o fundo musical de Capitão Blood / Captain Blood, com Errol Flynn no seu primeiro papel principal. Os resultados foram além do esperado pelos executivos da Warner e eles ofereceram a Korngold um contrato de longa duração.

Um fator que contribuiu para o sucesso de Korngold foi o prestígio do qual ele gozava como gênio mundialmente reconhecido no âmbito da música clássica. Por causa disso, ele pôde fazer uma série de exigências normalmente impossíveis até para músicos da estatura de Max Steiner (que trabalhava no mesmo estúdio na mesma época  e já havia recebido um Oscar da Academia), tais como escrever o score de apenas dois filmes por ano, recusar qualquer filme que lhe desagradasse, ter seu nome sempre colocado em destaque nos créditos, etc.

Além disso, Korngold não cedeu os direitos autorais de sua música para o estúdio, o que facilitou a incorporação de algum material de suas trilhas em seus concertos. Por exemplo, o concerto de violoncelo diegético composto para o filme Que o Céu a Condene / Deception / 1946 – regido por mímica pelo ator Paul Henreid com o auxílio dos braços de dois violoncelistas segurando seu instrumento através de mangas falsas -, que foi simultaneamente ampliado pelo mesmo compositor como o Concerto  em Dó maior para Violoncelo, opus 37.

Tal como a de Steiner, a música de filme de Korngold seguia as convenções que estavam se tornando bem estabelecidas: ela cultivava um romantismo baseado em um motivo condutor (que Korngold descrevia como “sinfônico”) como orientação para uma narrativa fundamental e a música quase sempre era subordinada à primazia da imagem visual e ao diálogo. Korngold acreditava que  música de filme era essencialmente lírica sem o canto. Ele dizia: “Vejo os filmes como óperas não cantadas” .

Korngold conquistou o Oscar pela música de Adversidade / Anthony Adverse / 1936 (todavia recebido pelo chefe do Departamento Musical da Warner, Leo Forbstein, de acordo com o regulamento então vigente da Academia) e As Aventuras de Robin Hood / The Adventures of Robin Hood / 1938. Para o épico histórico, Adversidade, Korngold escreveu um score longo e complexo em uma escala positivamente Wagneriana, chegando mais perto da ópera do que em qualquer outro score de sua autoria. Ele tinha particular simpatia pelo tema do filme – a luta de um órfão contra a adversidade e as vicissitudes da vida – e  enfrentou o desafio de compor  uma das músicas mais suntuosas de seu catálogo. A partitura expõe um aspecto inovador da sua escrita musical: a colocação da música abaixo das vozes dos atores, a fim de evitar qualquer conflito entre eles. Isto, juntamente com um instinto para o contraponto, que lhe permitia evitar interromper o fluxo do diálogo e da ação, são dois dos seus legados duradouros para a arte  de compor para o cinema.

A princípio, Korngold relutou em fazer o score de As Aventuras de Robin Hood, alegando que a produção o deixaria “artisticamente completamente insatisfeito” porque não tinha nenhuma afinidade com o filme e, portanto, não poderia produzir música para ele. Conforme ele disse: “Sou um músico do coração, de paixões e psicologia. Não sou um ilustrador de um filme noventa por cento de ação”. O projeto, que Korngold eventualmente aceitou devido o agravamento do clima político em Viena, que ameaçava sua existência futura na Europa como judeu, resultou em outro magnífico fundo musical, que lhe deu o seu segundo prêmio da Academia. Trata-se, sem dúvida, de um dos melhores scores jamais escritos para o cinema. O tema de abertura e a música incidental são ao mesmo tempo clássicos, excitantes e multifacetados. Eles desempenham um papel considerável na movimentação da história  e na  enfatização  da ação,  do perigo, da solenidade e até de momentos cômicos. Como observou Mervyn Cooke (A History of Film Music, Cambridge University Press, 2008), Korngold não procurou captar o espírito da época: o estilo musical de Aventuras de Robin Hood é totalmente anacronístico com relação à intriga, ouvindo-se inclusive uma valsa vienense fin-de-siècle acompanhando uma cena de banquete medieval. O clímax final, que envolve pouco diálogo, permitiu que Korngold fizesse o que ele fazia de melhor: compor um poema sinfônico Straussiano em miniatura, solidamente elaborado, que sustenta primorosamente a ação, sem perder a continuidade (e ao mesmo tempo consegue incorporar fanfarras diegéticas).

Korngold ficou célebre pelos seus scores grandiloquentes para série de filmes de aventuras históricas com Errol Flynn, que incluía, além de Capitão Blood / 1935, e As Aventuras de Robin Hood / The Adventures of Robin Hood / 1938: Meu Reino por um Amor / The Private Lives of Elizabeth and Essex / 1939 e O Gavião do Mar / The Sea Hawk / 1940, todos dirigidos por Michael Curtiz.

Em Capitão Blood, pressionado pelo tempo (deram-lhe apenas três semanas  para escrever todo o score), Korngold foi obrigado a usar a música preexistente de Liszt, razão pela qual ele próprio insistiu para que seu nome saísse nos créditos como arranjador e não como compositor.

Em Meu Reino por um Amor, Korngold  elaborou notáveis construções musicais desde uma fanfarra ricamente desenvolvida até as passagens mais calmas descrevendo o amor, o ciúme e a traição que envolvem  a Rainha (Bette Davis) e seu pretenso consorte (Errol Flynn) na côrte.

Em O Gavião do Mar, ele mostrou sua compreensão de que a música podia criar sensações físicas não necessariamente visíveis na tela, tais como a força do vento e o movimento dos remos da embarcação e usou um conjunto de instrumentos de percussão exóticos  para os segmentos do filme passados no Panamá.

Entre os outros grandes scores de Korngold destacam-se os de: O Príncipe e o Mendigo / The Prince and the Pauper / 1937, Outra Aurora / Another Dawn / 1937, Juarez / Juarez / 1939, O Lobo do Mar / The Sea Wolf / 1941, Em Cada Coração um Pecado / King’s Row / 1942, De Amor também se Morre / The Constant Nymph / 1943, Um Passo Além da Vida / Between Two Worlds / 1944, principalmente estes três últimos.

O tema principal de fanfarra de Em Cada Coração um Pecado é uma melodia sublime, que se adapta perfeitamente ao poema “Invictus”, que conclui o filme. Porém o score é mais do que um tema; mantendo-se fiel às suas raízes vienenses, Korngold compôs uma torrente de material temático maravilhosa e empolgante, que acompanha a paixão, a tragédia e os desejos dos personagens da pequena cidade do centro oeste americano.

O fundo musical de Korngold para De Amor Também se Morre é tão emocionante quanto o fundo de Em Cada Coração um Pecado. Como supostamente ele vai se desenvolver durante o  desenrolar do filme,  apenas ouvimos  sugestões  do tema principal nos créditos de abertura e nos interlúdios românticos entre a jovem Tessa (Joan Fontaine) e Lewis, o compositor que ela adora (Charles Boyer). Quando Lewis e sua esposa  Florence  (Alexis Smith) chegam no camarote do teatro para a grande estréia do concerto de Lewis, a música irrompe com todo vigor. O poema sinfônico (“Tomorrow”) para contralto, côro feminino e orquestra é  simplesmente lindíssimo.

O melancólico e misterioso score de Um Passo Além da Vida, Korngold é uma das criações mais pessoais e profundamente emotiva do compositor, por ter sido escrito na ocasião do falecimento de seu amigo e mentor Max Reinhardt. O tema da morte e da vida depois da morte – sobre pessoas mortas em um bombardeio em Londres que despertam a bordo de um navio estranho, antes de partirem para o outro mundo – foi assim uma preocupação imediata para Korngold e esta reflexão sombria transparece na sua música.

O derradeiro trabalho de Korngold no cinema – depois de contribuir com partituras para Devoção / Devotion / 1946, Escravo de uma Paixão / Of Human Bondage / 1946, Que o Céu a Condene / Deception / 1946 e Quero-te Junto a Mim / Escape Me Never / 1947  – foi como supervisor dos arranjos da música de Richard Wagner no filme Chama Imortal / Magic Fire / 1955, cinebiografia do célebre compositor, produzida pela Republic.

Miklós Rózsa (1907 – 1995), nasceu em Budapest, quando a cidade fazia parte do Império Austro-Húngaro, filho de uma pianista e de um industrial abastado. A família costumava passar o verão em Nagylócz, sua propriedade ao norte do país, onde Rozsa se interessou pela música folclórica, que exerceria influência sobre o estilo do compositor. Ele iniciou seu estudo do violino, viola e piano aos cinco anos de idade; três anos depois, fez sua primeira aparição em público, tocando um movimento do Concerto nº 5 de Mozart (vestido como a criança prodígio austríaca) e regendo uma orquestra infantil para a execução da Kindersinfonie de Haydn. No colégio, ele foi eleito presidente da Sociedade Franz Liszt, e irritou os diretores da escola, organizando concertos de “música moderna” (ou seja, as obras de Bela Bartók e Zoltan Kodály).

Apesar da insistência de seus pais para que estudasse química, Rozsa, com a ajuda de um musicólogo alemão, Hermann Gräbner, se inscreveu no Landeskonservatorium der Musik zu Leipzig, uma das escolas mais respeitadas da Europa. A performance de Rozsa, interpretando o seu Quinteto para Piano, opus 2, despertou o interesse do grande organista Karl Straube, então Diretor do Côro da Thomaskirche (Igreja de São Tomás); Straube apresentou o jovem aos editores Breitkopf e Härtel, que imprimiram a primeira de suas peças, Trio para Cordas, opus 1 e o referido Quinteto.

Após ter obtido o seu diploma em 1929, Rozsa permaneceu em Leipzig por algum tempo e, após um concerto de sua música de câmara em Paris, ele se instalou nesta cidade. Em 1934, Rozsa e o compositor suíço Arthur Honegger apresentaram um concerto conjunto de sua música na Salle Debussy. Sabendo que Honegger havia escrito a música para Os Miseráveis / Les Miserables (Dir: Raymond Bernard), Rozsa foi ver o filme e ficou impressionado. Mais ou menos nesta ocasião, ele aceitou a incumbência de compor um balé (intitulado Hungaria) com melodias de sua terra natal para a Companhia Markova-Dolin.  Encenado em Londres, o espetáculo fez muito sucesso. Entre os que o assistiram estava o diretor de cinema Jacques Feyder, que achou que havia encontrado o compositor ideal para o seu próximo filme, cujo produtor era o conterrâneo de Rozsa, Alexander Korda.

O score de Rozsa para o filme de Feyder, O Amor Nasceu do Ódio / Knight Without Armour / 1937, estrelado por Marlene Dietrich e Robert Donat, recebeu os maiores elogios e logo ele foi convidado para integrar a equipe da companhia de Korda, a London Film Productions. Seu primeiro grande êxito internacional foi As Quatro Penas Brancas / The Four Feathers / 1939, porém sua próxima partitura esbarrou em uma dificuldade, quando o diretor Ludwig Berger insistiu em contratar um outro compositor. Korda então sugeriu que Rozsa escrevesse a sua própria música para o filme e a tocasse no piano no escritório contíguo ao de Berger todos os dias, sempre que este estivesse por perto. O esquema funcionou: Berger capitulou e Rozsa compôs o fundo musical para O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad / 1940. Rozsa estava trabalhando no dito score no Denham Studios, quando foi tomada a decisão, por causa da guerra, de terminar o filme em Hollywood. Korda realizou mais três filmes em Hollywood – Lady Hamilton, a Divina Dama / That Hamilton Woman / 1941, Lídia / Lydia / 1941 e Mowgli, o Menino Lôbo / The Jungle Book / 1942 – e pediu a Rozsa para escrever os respectivos fundos musicais. Quando Korda retornou para a Inglaterra, o compositor decidiu ficar em Hollywood.

No final de 1942, preparando a realização de um novo filme, Billy Wilder esperava contar com os serviços do compositor Franz Waxman. Mas, como  Waxman estava sob contrato da Warner, Wilder solicitou que a Paramount contratasse Rozsa, sua segunda escolha. Wilder e seu colaborador Charles Brackett haviam adaptado a peça de Lajos Biro, Hotel Imperial, à campanha de Rommel no Norte da África e intitularam-na Cinco Covas no Egito / Five Graves to Cairo. O estúdio deu apenas três semanas para Rozsa escrever 45 minutos de música. Ciente de que deveria demonstrar sua capacidade neste seu primeiro compromisso com um estúdio de Hollywood, Rozsa enfrentou esta tarefa, mas o chefe do Departamento de Música da Paramount, Louis Lipstone, odiou o score de Rozsa e suas “dissonâncias” (“Mas que dissonâncias?, Rozsa queria saber) e tentou persuadir o compositor a extirpar uma “dissonância” específica na pós-produção. Ele perdeu a calma quando Rozsa se recusou a fazer isto e foi rudemente aconselhado por Billy Wilder para não interferir.

Nos dois anos seguintes na Paramount, Rozsa escreveu os excelentes scores respectivamente para Pacto de Sangue / Double Indemnity / 1944 e Farrapo Humano / The Lost Weekend / 1945.

Em Pacto de Sangue, Wilder tinha a idéia de usar a abertura da Sinfonia Inacabada de Franz Schubert, para refletir as atividades conspiratórias de Walter Neff (Fred MacMurray) e Phyllis Dietrichson (Barbara Stanwyck) contra o marido dela, idéia que Rozsa achou muito boa. Na medida em que o trabalho continuava, o entusiasmo de Wilder pela partitura de Rozsa somente aumentava, porém Lipstone pensava de modo diferente. Chegado o momento da gravação, ele manifestou mais uma vez o seu desprezo pelo que Rozsa havia feito, o que levou Wilder a responder-lhe rispidamente: “Você pode ficar surpreso ao saber que eu adoro o score. O.K.?”. Mais tarde, Lipstone convocou Rozsa ao seu escritório e repreendeu-o por ter escrito “música de Carnegie Hall”, querendo dizer que era música de concerto e não um film score. “Por que você não escreve alguma melodia encantadora”- disse-lhe LIpstone. Rozsa respondeu: “Para estes personagens, para este filme?”. Lipstone estava convencido de que o Diretor Artístico do estúdio, Buddy DeSylva, quando ouvisse a música, a descartaria, porém DeSylva elogiou-a, dizendo que era exatamente um score dissonante que o filme necessitava.

Rozsa desenvolveu uma música bastante característica para o que ele denominava de “temas psicológicos dark” e “filmes criminais contundentes”,   inspirando-se tanto nas tradições folclóricas melancólicas como no modernismo das salas de concertos de sua herança musical húngara nativa.

A partitura de Pacto de Sangue cria uma atmosfera sombria e claustrofóbica perfeitamente afinada com o cenário e com a intriga e sua tendência para perturbar o espectador. O tema de abertura, com seus trombones e cornetas, transmite com exatidão a sensação de iminente tragédia. O tema de amor é frio como os personagens que ele retrata e a agitação nervosa dos instrumentos de corda destacam cada uma das sequências dos flashbacks de Walter. A brutalidade do clímax resulta  quase que inteiramente da música, uma vez que o crime ocorre fora do campo de visão da câmera.

O score seminal de Pacto de Sangue atraiu a atenção do produtor David O. Selznick, que contratou Rozsa para escrever a música de Quando Fala o Coração / Spellbound / 1945 de Alfred Hitchcock. Hitchock queria um “tema de amor arrebatador” para os astros Ingrid Bergman e Gregory Peck bem como um novo som, que conotasse paranóia. Rozsa usou o teremim – instrumento eletrônico famoso por seus glissandos  obsessivos –  nas sequências de J.B. (Gregory Peck) com a navalha na mão, no quarto da Dra. Constance (Ingrid Bergman) e na do sonho desenhado por Salvador Dali.

Para Farrapo Humano, Rozsa recorreu novamente ao teremim, instrumento maravilhosamente equipado para sugerir o delirium tremens sofrido pelo seu protagonista dipsomaníaco, quando vemos o rato sendo estraçalhado pelo morcego na parede. A música de Rozsa despertou novamente a ira de Louis Lipstone; desta vez, somente o  apoio do produtor Charles Brackett a manteve no filme. Na cerimônia da entrega do Oscar de 1945, o fundo musical de Farrapo Humano perdeu para a sua própria partitura de Quando Fala o Coração.

Rozsa quase que se tornou um especialista em filmes noir, deixando a sua marca inconfundível em filmes admiráveis deste subgênero do drama criminal: Assassinos / The Killers / 1946, Brutalidade / Brute Force / 1947, Cidade Nua / Naked City, Baixeza / Criss Cross / 1949 e o Segredo das Jóias / The Asphalt Jungle / 1950. Através dos scores de Rozsa, cenas memoráveis foram dramaticamente sublinhadas: a introdução agourenta para os dois assassinos de aluguel em Brentwood e seu encontro com o Sueco (Burt Lancaster) nos primeiros momentos de Assassinos; o tema da caminhada cruel quando Joe Collins (Burt Lancaster) e seus companheiros de cela irrompem pelo túnel em Brutalidade com o alcagüete amarrado ao vagonete que os protege; a agonia de Garzah (Ted de Corsia) contemplando a Cidade Nua pela última vez do alto da Williamsburg Bridge: o  tema de amor para Steve (Burt Lancaster) e Anna (Yvonne de Carlo) em Baixeza, que delineia a sua paixão condenada a um destino trágico; o tema impetuoso e obsessivo durante a fuga desesperada de Dix (Sterling Hayden), que se transforma em um tema triste e lamentoso, para a longa cena de sua morte no campo de uma fazenda do Kentucky onde foi criado, nos derradeiros instantes de O Segredo das Jóias.

Em 1949, Rozsa foi contratado pela Metro-Goldyn-Mayer seguindo-se uma fase  muito produtiva de sua carreira, na qual se destacam seus fundos musicais para aventuras históricas ou bíblicas (Quo Vadis / Quo Vadis / 1951,  Ivanhoé, o Vingador do Rei / Ivanhoe / 1952,  O Veleiro da AventuraPlymouth Adventure / 1952, Júlio Cesar / Julius Caesar / 1953,  A Rainha Virgem / Young Bess / 1953, Os Cavaleiros da Távola Redonda / Kings of the Round Table / 1953, Diana de França / Diane / 1956, Ben- Hur / Ben- Hur / 1959,  O Rei dos Reis / King of Kings / 1961) e o drama psicológico Fatalidade / A Double Life / 1948. Entre 17 indicações, Rozsa levou suas segunda e terceira estatuetas da Academia pelas partituras para Ben-Hur e Fatalidade.

O score majestoso de Ben-Hur captou a essência do filme, toda a sua pompa e esplendor, sempre complementando e acentuando o drama. Com a preocupação de ser o mais fiel possível ao estilo romano, Rozsa combinou elementos musicais gregos, judaicos e orientais, devendo ser feita uma menção especial ao tema de abertura, ao tema de amor delicado para Judah Ben-Hur (Charlton Heston) e Esther (Haya Haraaret), às marteladas cadenciadas e cada vez mais aceleradas no episódio das galés, à marcha romana triunfal que é ouvida no filme antes da corrida de bigas e ao tema de desalento nas cenas da colônia de leprosos.

Para Fatalidade, Rozsa compôs dois scores diferentes, que deveriam se misturar, quando o ator Anthony John (Ronald Colman) mergulhasse na loucura. Havia música estranha, fragmentada para as cenas paranóicas e música quase-Barroca para as cenas Shakespereanas no palco. No momento previsto, as duas se harmonizaram adequadamente, refletindo a insanidade do personagem.

A carreira de Rozsa como compositor erudito nunca cessou e até teve um impulso nas suas férias da MGM. Entre suas composições mais importantes estavam vários concertos: o Concerto para Violino  (1953) escrito para Jascha Heifetz, o Concerto para Piano (1957), composto a pedido de Leonard Pennario, o Concerto para Violoncelo (1968) escrito para Jänos Starker e o Concerto para viola (1979), escrito para  Pinchas Zuckerman.

O último filme épico musicado por Rozsa, ainda sob contrato com a MGM, foi El Cid / El Cid / 1961. O produtor independente Samuel Bronston fez um acordo especial com a “Marca das Estrelas”, para dispor dos serviços do compositor. Rozsa contou com a ajuda do eminente historiador, Dr. Ramon Menendez Pidal, que lhe pôs ao par de canções folclóricas e danças espanholas da Idade Média, fontes que ele traduziu para a sua voz musical, o famoso “Rozsa sound”,  oferecendo ao público uma inesquecível peça de música sinfônica.

Em 1962, o contrato de Rozsa com a MGM expirou e, a partir desta data, ele se tornou independente, compondo para vários estúdios até 1982, quando escreveu sua última trilha para Cliente Morto Não Paga / Dead Men Don’t Wear Plaid,  paródia sobre os clássicos filmes noir da década de quarenta.

Entre os 90 fundos musicais que compôs durante toda a sua trajetória artística em Hollywood, sobressaíram-se ainda os que foram feitos para os filmes: Sahara / Sahara / 1943, O Tempo não Apaga / The Strange Love of Martha Ivers / 1946, O Segredo da Casa Vermeha / The Red House / 1947, O Segredo da Porta Fechada / Secret Beyond the Door / 1947, A Sedutora Madame Bovary / Madame Bovary / 1949, Honra a um Homem Mau / Tribute to a Bad Man / 1956, Sêde de Viver / Lust for Life / 1956, Amar e Morrer / A Time to Love and a Time to Die / 1958, Sodoma e Gomorra /  Sodom and Gomorrah, /1962, Os Boinas Verdes / The Green Berets / 1968,  A Vida Íntima de Sherlock Holmes / The Private Life of Sherlock Holmes / 1970 (no qual usou o seu Concerto para Violino)  Providence / Providence / 1977, O Abraço da Morte / The Last Embrace / 1979, O Buraco da Agulha /  Eye of the Needle / 1981.

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