FILME NOIR III

abril 7, 2014

Existem duas espécies de fontes do filme noir – uma literária, outra cinematográfica – e diversos fatores da realidade que, provavelmente, o pressionaram.

Sob o aspecto literário, o grande impacto sobre o filme noir foi o dos pulps magazines, notadamente a revista Black Mask, em cujas páginas floresceu a chamada escola hard-boiled de histórias de detetives, que os francêses denominaram “roman noir”. Em geral os pulps eram revistas impressas em papel barato, feito com fibra de polpa, vendidas a dez centavos ou um quarto de dólar. Começaram a ser publicadas na virada do século XX e atingiram maior popularidade entre 1930 e 1945, evoluindo de antologias de contos para revistas especializadas em gêneros como western, histórias fantásticas, de guerra, de detetive etc.

A primeira história de detetive foi Murders in the Rue Morgue, publicada em 1841, de autoria de Edgar Allan Poe, que introduziu a estrutura básica da narrativa policial: um crime aparentemente perfeito, vários suspeitos e, no final, a descoberta do culpado graças aos recursos espantosos de observação e raciocínio de um excêntrico detetive. O personagem de Poe, C. Auguste Dupin, analisa minuciosamente os fatos e chega à solução do enigma por meio de uma dedução brilhante e lógica impecável, antecipando o Sherlock Holmes de Conan Doyle, o Philo Vance de S. S. Van Dine ou o Hercule Poirot de Agatha Christie, para citar somente três entre outros autores, que continuaram seguindo a forma clássica.

Dashiell Hammett

Dashiell Hammett

Este modelo de investigador intelectualmente superdotado, de postura britânica mesmo quando não era inglês, que circula em ambientes sofisticados, dominou a ficção policial até os anos trinta, quando Dashiell Hammett revolucionou a substância e a forma do romance policial, inserindo-lhe ação, sexo, violência e escrevendo em uma prosa coloquial rápida e objetiva, tipicamente americana.

Interessando-se mais pela caracterização e atmosfera do que pela intriga, o autor colocou de lado o esquema artificial do quebra-cabeça e trouxe o crime para as ruas sórdidas da grande cidade, onde geralmente ocorre. Como disse Raymond Chandler no seu ensaio The Simple Art of Murder, devolveu o crime “ao tipo de pessoas que o cometem por alguma razão e não apenas para proporcionarem um cadáver ao leitor”.

Com Hammett, o romance policial humaniza-se, passa a ter como personagens seres de carne e osso – assassinos de aluguel, policiais corruptos, pequenos escroques, prostitutas, chantagistas, traficantes e detetives particulares que não são “máquinas pensantes”, mas homens normais; transforma-se então em roman noir. Vestido de capa impermeável e chapéu de feltro, fumante inveterado e beberrão, exprimindo-se em um dialeto lacônico e vulgar, seu herói mais famoso, Sam Spade, lançado em The Maltese Falcon, usa mais os punhos do que a cabeça, para realizar as investigações. É um hard-boiled, um tough guy, insolente e esquentado, aproveitando-se de espertezas quando necessário, mas cuja integridade moral não pode ser posta em  dúvida.

Raymond Chandler

Raymond Chandler

Foi também  da pulp fiction que emergiu Raymond Chandler, considerado o melhor escritor de histórias de detetive da literatura americana, aquele que trouxe para o gênero elegância, humor e profundidade. Verbalmente mais ousado do que Hammett, combinou a gíria do submundo com a expressão poética. Como escreveu Peter Wolfe em Something More Than Night: The Case of Raymond Chandler (Popular Press, 1985), Chandler produziu uma prosa sombriamente lírica , que transformou suas histórias em “metáforas do pesadelo urbano”. Ele colocou esses “pesadelos urbanos” no sul da Califórnia, onde  seu herói, Philip Marlowe, apresentado em The Big Sleep e reaparecendo em Farewell My Lovely e The Lady in the Lake, embrenha-se em uma selva de criaturas predatórias, obcecadas pela busca do poder e dinheiro, que procuram obter através da violência e da corrupção. Marlowe possui algumas das características de Sam Spade – atrevimento, sensualidade, inteligência e força física -, mas é mais culto e sentimental.

James M. Cain

James M. Cain

Os romances de James M. Cain também influenciaram o filme noir, porém ele focaliza mais o criminoso do que o investigador. Nas suas duas obras-primas Double Indemnity e The Postman Always rings Twice, desde o  início sabemos quem matou, pois são os criminosos que narram suas histórias. O suspense  decorre, não das tentativas de localização dos culpados, mas do exame de suas consciências enquanto nos contam como foram levados ao crime. Os protagonistas de Cain são pessoas comuns, que se deixam dominar pela paixão, cometendo os piores crimes em uma espécie de impulso irracional e estúpido. Ele descreveu seus romances como um tipo de tragédia americana, tratando da “força da circunstância”, que leva um indivíduo “à execução de um ato terrível”. Os textos de Hammett , Chandler e Cain inspiraram alguns dos melhores filmes noir, assim como os de Cornell Woolrich, o mais solicitado pelo cinema.

Cena de A Dama Fantasma

Cena de A Dama Fantasma

A obra de Woolrich, conhecido também pelos pseudônimos de William Irish e George Hopley, deu ensejo a Vida contra Vida / Street of Chance / 1942, A Dama Fantasma / Phantom Lady / 1944, Morte ao Amanhecer / Deadline at Dawn / 1946, Anjo Diabólico / Black Angel / 1946, A Senda do Temor / The Chase / 1946, Um Rosto no Espelho / Fear in the Night / 1947, A Noite tem Mil Olhos / Night Has a Thousand Eyes / 1948, Ninguém Crê em Mim / The Window / 1949, Pesadelo / Nightmare / 1956 etc.

Cornell Woolrich

Cornell Woolrich

São histórias vividas por gente banal e impregnadas de desespero, solidão e, eventualmente, de elementos fantásticos, nas quais se percebe a habilidade para criar uma atmosfera de inquietude e terror e, sobretudo, uma profunda sensibilidade noir. Nos romances de Woolrich, o mal está sempre presente e a fatalidade reduz a ação individual à insignificância. A cidade grande é um lugar triste, desolado, ameaçador; a paisagem noir definitiva pode “parecer familiar” e até humanizada à luz do dia, mas não consegue esconder sua malignidade após o anoitecer.

Como Bruce Crowther disse (Film Noir: Reflections in a Dark Mirror, Columbus Books, 1988), ninguém mais do que ele ajudou a estabelecer o clima do filme noir, que atraiu e inspirou numerosos realizadores. Seus relatos amargos de depravação humana prenunciam o trabalho dos romancistas posteriores, que expandiram as fronteiras da ficção tough guy em direções apenas insinuadas por esse autor imaginativo e prolífico.

Outros autores de origem pulp tiveram suas histórias transportadas para a tela, porém esses quatro foram os que mais contribuíram para a formação da temática noir.

Do ponto de vista cinematográfico, a fonte mais importante do filme noir foi o cinema expressionista alemão dos anos vinte. O Expressionismo, tendência artística afirmada com particular vigor na Alemanha nas primeiras décadas do século vinte, visava não mais reproduzir a impressão causada pelo mundo exterior no artista (como faziam os impressionistas), mas expressar as emoções íntimas do próprio artista no contato com as coisas da natureza. Diziam os expressionistas que era preciso libertar a “expressão mais expressiva” dos fatos e dos objetos.

Como escreveu Foster Hirsch (Film Noir: The Dark Side of the Screen, DaCapo, 1981), fiel somente à sua própria visão íntima, o artista expressionista cria transformações fantasmagóricas da realidade. Noite, morte, desordem psíquica, revolta social são os temas recorrentes da sensibilidade expressionista apocalíptica. A litogravura O Grito, do precursor norueguês Edvard Munch, com suas linhas incomodamente onduladas, é uma visão  fantástica de um sonho amargurado. Na frase feliz de Lotte Eisner em L’Ecran Démoniaque (Eric Losfeld, 1965), o expressionismo não vê, tem “visões”.

Cena de No Gabinete do Dr. Calegari

Cena de No Gabinete do Dr. Calegari

O movimento expressionista manifestou-se na pintura, literatura, música, teatro etc. e também no cinema, onde se desenvolveu um estilo visual, que serviu  para simbolizar, através da abstração, da deformação e da estilização, os dramas infiltrados de morbidez e fatalismo, tão do agrado dos alemães conforme a tradição romântica. No cinema, esse estilo atingiu o paroxismo no filme No Gabinete do Dr. Calegari / Das Kabinett des Dr. Caligari / 1919 (Dir: Robert Wiene), no qual a história de um louco, contada por ele mesmo, recebeu um tratamento alucinatório – cenários com formas distorcidas enfatizando o fantástico e o grotesco; trajes, maquilagem e interpretações exageradas – que traduzia simbolicamente o desequilibrio mental do protagonista e cumpria o que fora proclamado pelo cenógrafo Hermann Warm: “os filmes devem ser pinturas vivas”.

Cena de Os Nibelungos

Cena de Os Nibelungos

Outras obras fundamentais como Os Nibelungos / Die Nibelungen / 1923-4 e Metrópolis / Metropolis / 1926 de Fritz Lang, Lobishomem / Nosferatu, eine Symphonie des Grauens / 1923-24 de F. W. Murnau ou Figuras de Cera / Das Wachsfigurenkabinett / 1924 de Paul Leni, não foram tão radicais quanto Caligari e, simultaneamente, evoluiu um expressionismo “realista” , chamado de Kammerspiel (Drama de Câmara ou Intimista), cujos filmes – destacando-se os de Lupu Pick (Scherben / 1921, Sylvester / 1923, E.A. Dupont (Varieté ou Mulher, Por Quê Tentas o Mundo? / Varieté / 1924 e Murnau (A Última Gargalhada / Der letzte Mann / 1924 – aproximaram-se da realidade, que era então invadida por elementos expressionistas.

No que diz respeito ao cinema de Hollywood – onde, a partir de 1927, começaram a chegar Murnau, Leni, Dupont, Karl Freund (o diretor de fotografia de Metrópolis e A Última Gargalhada), William Dieterle, Edgar G. Ulmer e outros contemporâneos do movimento expressionista – o Caligarismo, atenuado ou combinado com a realidade, influenciou grandes diretores como Josef von Sternberg (Paixão e Sangue / Underworld / 1927, John Ford (O Delator / The Informer / 1935, Orson Welles (Cidadão Kane / Citizen Kane / 1941 etc. e os filmes de horror.

Cena de O Gato e o Canário

Cena de O Gato e o Canário

Inicialmente, os filmes de horror da Universal – O Gato e o Canário / The Cat and the Canary / 1927, A Última Ameaça / The Last Warning / 1929 (Dir: Paul Leni), Drácula / Dracula / 1931 (Dir: Tod Browning), Frankenstein / Frankenstein / 1931, A Noiva de Frankenstein / Bride of Frankenstein / 1935 (Dir: James Whale), A Múmia / The Mummy / 1932 e Dr. Gogol, o Médico Louco / Mad Love / 1935 (Dir: Karl Freund), Assassinatos na Rua Morgue / Murders in the Rue Morgue / 1932 (Dir: Robert Florey), O Gato Preto / The Black Cat / 1934 (Dir: Edgar G. Ulmer) etc. – ; depois, a série da RKO produzida por Val Lewton – Sangue de Pantera / Cat People / 1942, O Homem Leopardo / The Leopard Man / 1943, A Morta-Viva / I Walked with a Zombie / 1943 (Dir: Jacques Tourneur), A Sétima Vítima / The Seventh Victim / 1943, A Ilha dos Mortos / Isle of Dead / 1945, Asilo Sinistro / Bedlam / 1946 (Dir: Mark Robson), O Túmulo Vazio / The Body Snatcher / 1945 (Dir: Robert Wise) etc. – que usaram as técnicas expressionistas para criar uma atmosfera de ameaça e pavor.

Cena de O Homem Leopardo

Cena de O Homem Leopardo

Cena de A Sétima Vítima

Cena de A Sétima Vítima

Cena de Asilo Sinistro

Cena de Asilo Sinistro

Novos emigrados, ou melhor, exilados, porque eram refugiados do nazismo – Fritz Lang, Robert Siodmak, Billy Wilder, Otto Preminger, Fred Zinnemann, John Brahm etc. – perceberam que o estilo germânico proporcionava uma iconografia apropriada para a visão dark dos dramas criminais dos anos quarenta, noção compartilhada por outros realizadores (v. g. Edward Dmytryk, John Cromwell, Anthony Mann, John Farrow, Rudolph Maté etc.). Por outro lado, o racionamento de luzes, eletricidade e filme virgem e a necessidade de reciclar cenários e adereços durante a guerra, encorajou o uso da iluminação em low key e de uma decoração parcimoniosa.

Cena de Até a Vista, Querida

Cena de Até a Vista, Querida

Os vestígios do expressionismo nos filmes noirs aparecem não só nos personagens neuróticos e aflitos, no clima de penumbra e insânia, como também nas sequências de pesadelo quando, por alguns instantes, o filme se torna abertamente subjetivo, mostrando fragmentos do que se passa na mente desordenada do herói. Por exemplo, o delírio de Marlowe / Dick Powell, drogado à força em Até à Vista Querida. Quando leva uma pancada na cabeça, a voz over do detetive recorda como “um poço negro se abriu diante de meus pés. Caí nele.  Não tinha fundo” e, ao mesmo tempo, uma mancha preta inunda a tela escurecendo a cena. Em outro instante, ao acordar do torpor provocado pela droga, ele fala de uma fumaça e de uma “teia tecida por mil aranhas”, que obscurecem sua visão enquanto o observamos através de um vidro embaciado. Um pouco adiante, estica as mãos em direção à câmera, e vemos seus dedos deformados, parecendo “uma penca de bananas com jeito de dedos”.

O Realismo Poético também costuma  ser lembrado como uma fonte do filme noir. A expressão pertenceu inicialmente à crítica literária, usada por Jean Paulham, editor da prestigiosa La Nouvelle Revue Française, ao comentar La Rue Sans Nom, romance de Marcel Aymé de 1929 sobre um grupo de seres esquecidos que definha nas ruas escuras dos subúrbios de Paris. Quando o cineasta Pierre Chenal levou o livro para a tela em 1933, Michel Gorel, crítico da revista Cinémonde, declarou: “Esse filme, a meu ver, inaugura um gênero inteiramente novo no cinema francês: o realismo poético”.

Cena de Cais das Sombras

Cena de Cais das Sombras

A partir de então, o termo foi usado para caracterizar um grupo de filmes francêses, realizados entre 1934 e 1939 (vg. A Última Cartada / Le Grand Jeu / 1934, Pensão Mimosas (TV) / Pension Mimosas / 1935 de Jacques Feyder; Hotel do Norte / Hotel du Nord / 1938, Cais das Sombras / Quai des Brumes / 1938, Trágico Amanhecer / Le Jour se Lève / 1939 de Marcel Carné; A Bandeira / La Bandera / 1935, O Demônio da Argélia / Pepé le Moko / 1936, Camaradas / La Belle Equipe / 1936 de Julien Duvivier; A Bêsta Humana / La Bête Humaine / 1938  de Jean Renoir; Gula de Amor / Gueule d’Amour / 1927, Águas Tempestuosas / Remorques / 1939-41 de Jean Grémillon; Paixão Criminosa / Le Dernier Tournant / 1939 de Pierre Chenal etc.), que criavam um mundo maravilhosamente poético , mas com impressão de realidade.

Eles possuem em comum o fato de terem sido escritos por roteiristas poetas como Jacques Prévert, Charles Spaak, Henri Jeanson; fotografados por virtuosos do claro-escuro, herdeiros do expressionismo alemão, como Curt Courant, Jules Kruger, Eugen Schüfftan; ambientados em cenários construídos por diretores de arte ilustres como Alexander Trauner, Lazare Meerson, Georges Wakhévitch, interpretados por Jean Gabin, herói trágico por excelência.

Cena de Trágico Amanhecer

Cena de Trágico Amanhecer

Os personagens principais desses filmes são os marginais, os excluídos, cuja única opção é escolher entre o exílio e a morte. Se eles encontram o amor no seu caminho, é para perdê-lo, ao virar a esquina de uma vida fracassada, colocada inteiramente sob o signo de um destino funesto. Uma existência cujo cenário é o das cidades desumanas, dos portos inundados de brumas, dos hotéis cheios de traças, dos desertos longínquos, onde as pessoas se perdem ou exalam o seu último suspiro.

Como esse “cinema do desencanto” estava impregnado de um sentimento de amargura e fatalismo e de uma atmosfera sombria e melancólica, que desempenhava um papel essencial na ação, imputaram-lhe influência sobre os realizadores dos filmes noir; porém o mais provável é que estes tenham se inspirado diretamente no cinema da República de Weimar.

Cena de Cidade Nua

Cena de Cidade Nua

Ao contrário do que pensam alguns autores, o neo-realismo não pode ser considerado fonte do filme noir , porque o primeiro filme noir apareceu em 1941 e o neo-realismo surgiu no pós-guerra. Apenas, nos anos cinquenta, a nova maneira de filmar dos realizadores do movimento italiano foi sendo notada em alguns filmes americanos produzidos por Louis de de Rochemont (responsável pela famosa série A Marcha do Tempo / The March of Time / 1935-1951). O método Rochemont – filmagem em locações reais, eventual presença de um narrador em voz off, tom de reportagem, som direto – infiltrou-se em alguns filmes noirs (v. g.  Sublime Devoção / Call Northside  777 / 1948, Cidade Nua / The Naked City / 1948) sem, no entanto, reprimir as tendências expressionistas que continuaram bem visíveis em outros (v. g. Moeda Falsa / T-Men / 1947, Mercado Humano / Border Incident / 1949).

Cena de Moeda Falsa

Cena de Moeda Falsa

Vários aspectos da sociedade e da cultura no pós-Segunda Guerra Mundial podem ter fomentado a depressão e o  desespero da visão noir.

A desilusão de todo um povo ao se encerrar o grande conflito mundial, principalmente por parte dos que haviam lutado nos campos de batalha e tinham dificuldade em se readaptar  à vida civil, explicaria a angústia  dos protagonistas  dos filmes noir. Um tema recorrente é o do soldado que retorna da guerra, desorientado e indefeso, embrenhando-se em um mundo hostil para vingar um amigo (v. g. Do Lodo Brotou uma Flor / Ride the Pink Horse / 1947) ou se defender de uma acusação falsa (v. g. A Dália Azul / The Blue Dahlia / 1946).

Cena de Do Lodo Brotou uma Flor

Cena de Do Lodo Brotou uma Flor

O veterano desajustado foi depois substituido pelo policial velhaco, que pode ter uma noção de decência básica, o que significa que ele tenta se corrigir como Johnny Kelly / Gig Young) em A Cidade que não Dorme / City That Never Sleeps / 1953 ou pode ter se corrompido irremediavelmente como Webb Garwood / Van Heflin em Cúmplice das Sombras / The Prowler / 1951, Paul Sheridan / Fred MacMurray em  A Morte Espera no 322 / Pushover / 1954  ou Carl Bruner / Steve Cochran em Dinheiro Maldito / Private Hell 36 / 1954.

Cena de A Cidade que nunca Dorme

Cena de A Cidade que nunca Dorme

Cena de Cúmplice das Sombras

Cena de Cúmplice das Sombras

Cena de A Morte Espera no 322

Cena de A Morte Espera no 322

Cena de Dinheiro Maldito

Cena de Dinheiro Maldito

Um terceiro grupo, torna-se violentamente instável através do seu contato com criminosos, que eles desprezam incontrolavelmente: v. g. Mark Dixon / Dana Andrews em Passos na Noite / Where the Sidewalk Ends / 1950 ou Jim Wilson / Robert Ryan em Cinzas que Queimam / On Dangerous Ground / 1952.

Cena de Passos na Noite

Cena de Passos na Noite

Cena de Cinzas que Queimam

Cena de Cinzas que Queimam

O medo e a insegurança reestimulados pela Guerra fria e pelo McCarthismo justificariam a paranoia constantemente refletida nos enredos. A Morte num Beijo / Kiss Me Deadly / 1955, sugere o perigo nuclear que suscitou aqueles sentimentos na década de cinquenta. O filme termina com uma explosão atômica inesquecível e apocalíptica.

Cena de A Morte num Beijo

Cena de A Morte num Beijo

A desconfiança dos homens em relação à mulheres que foram encorajadas a cumprir seu “dever patriótico”, prestando serviço nas fábricas de armamentos, tornando-se independentes econômica e sexualmente, bem como o receio de sua concorrência no mercado do trabalho, seriam responsáveis pela misoginia percebida no tratamento das personagens femininas. Vulgar e autoritária, com traços fisionômicos que de certo ângulo lembram os de um abutre, ávida e feroz, a Vera de Curva do Destino / Detour /1945 parece uma daquelas harpias da mitologia grega. Creio que é a mulher fatal mais desprezível que já apareceu na tela.

Cena de Capitulou Sorrindo

Cena de Capitulou Sorrindo

Cena de O Beijo da Morte

Cena de O Beijo da Morte

A revelação por meio dos cine-jornais das atrocidades cometidas durante o conflito armado teria suscitado a curiosidade e até o apetite pela violência. Muitos momentos noir antológicos são lembrados por causa de sua brutalidade sem precedentes como, por exemplo, quando Ed Beaumont / Alan Ladd é brutalmente espancado por Jeff / William Bendix, um dos capangas do seu patrão em Capitulou Sorrindo / The Glass Key / 1942 ou quando a velha paralítica amarrada na cadeira de rodas é jogada escada abaixo pelo assassino perverso Tom Udo / Richard Widmark em O Beijo da Morte / Kiss of Death / 1947.

A vulgarização da psicanálise no pós-guerra pode ter preparado o público  para o insólito e a ambivalência dos filmes noir; por influência das idéias freudianas, os ímpetos criminais passaram a ser “personalizados”, isto é, gerados subjetivamente , em vez de serem enquadrados como um “problema social”. No filme noir, um trauma de infância torna-se a causa de um comportamento criminoso.

Cena de Fúria Sanguinária

Cena de Fúria Sanguinária

Os filmes noir realçam mais as motivações e as repercussões psicológicas do ato criminoso; sente-se que os protagonistas não estão totalmente no controle de suas ações, mas sob o domínio  de impulsos interiores e obscuros. O instinto criminoso de Cody Jarrett / James Cagney em Fúria Sanguinária / White Heat / 1949, não é o subproduto de um sistema social, mas de uma herança familiar. O pai e o irmão morreram em um hospital psiquiátrico e ele é dominado pela mãe, que o incita  a conquistar “o tôpo do mundo”, orientando-lhe, e lhe servindo de enfermeira nas suas crises encefálicas. O assassino psicótico Philip Raven / Alan Ladd de Alma Torturada / This Gun for Hire / 1942 é obcecado por um sonho recorrente , no qual se vê esfaqueando a tia que batera nele quando criança e o queimara com um ferro em brasa., deformando-lhe o pulso.

Cena de Relíquia Macabra

Cena de Relíquia Macabra

Parece evidente também a afinidade do filme noir com os aspectos negativos (a falta de sentido da vida e a alienação do homem) da filosofia existencialista, cuja vertente francêsa foi popularizada na América  após a Segunda Guerra Mundial pela obra de Jean Paul Sartre e Albert Camus, absorvida pelos autores da escola hard-boiled de histórias de detetive. Como assinala  Jean Copjec (no artigo The Phenomenal Nonphenomenal: Private Space in Film Noir, constante da coletânea Shades of Noir, Verso, 1993), a problemática do dever e da responsabilidade, tão crucial para o existencialismo, é igualmente básica para o filme noir. Basta lembrar o código moral de Sam Spade na repulsa final a Brigid O’ Shaughnessy / Mary Astor em Relíquia Macabra / The Maltese Falcon / 1941.

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