GILBERTO SOUTO ENTRE OS ASTROS E AS ESTRELAS

julho 4, 2014

Ele foi um dos fãs mais ardorosos da sétima arte, um grande publicista, e um jornalista privilegiado, que pôde conviver intimamente com os seus ídolos na época áurea de Hollywood.

Gilberto Souto

Gilberto Souto

Gilberto Souto nasceu no Rio de Janeiro no dia 15 de maio de 1906 e cresceu como um menino das Laranjeiras colecionador de fotos de artistas, que se tornou profundo conhecedor em assuntos relacionados à tela. Em 1925, começou sua carreira profissional como repórter do “Correio da Manhã”, escrevendo sobre cinema. Em julho de 1932, foi para Los Angeles como correspondente da revista CInearte, substituindo Lamartine S. Marinho, que ali exercera essa função desde 1927. Gilberto criou a coluna “Hollywood Boulevard”, realizando reportagens e entrevistas com as personalidades da indústria cinematográfica norte-americana, e depois a seção Futuras Estréias, noticiando sobre os novos lançamentos da “Fábrica de Sonhos”.

Gilberto Souto

Gilberto Souto no dia de sua partida para Los Angeles

Gilberto Souto no dia de sua partida para Los Angeles

Fechada a Cinearte em 1942, Gilberto não voltou logo ao Brasil, prestando serviço à empresa de Walt Disney como relações públicas, publicitário e conselheiro para filmes ambientados em nosso país. Em 1952, retornou à sua terra natal, para assumir a chefia do Departamento de Publicidade da United Artists, onde ficou até o início de 1966, quando se aposentou. Em 18 de setembro de 1960, Gilberto voltou a trabalhar no “Correio da Manhã” como cronista, criando a coluna Cinema, Ontem e Hoje (a primeira matéria intitulava-se “As Inesquecíveis”, na qual falava sobre Bette Davis, Joan Crawford, Dolores Del Rio e Greta Garbo), que depois transferiu para “O Globo”. Em 1966, ganhou o premio especial “Sací”, atribuído pelo jornal “Estado de São Paulo em reconhecimento à sua carreira.

Gilberto e Jeannette MacDonald

Gilberto e Jeannette MacDonald

Conhecí Gilberto no começo dos anos sessenta por intermédio de Hugo Barcellos, que foi meu professor no Curso de Cinema da A.S.A. e depois me convidou para dividir com ele as críticas de cinema do “Diário de Noticias. Nunca me esquecerei dos deliciosos bate-papos que Barcellos e eu tivemos – com aquele verdadeiro gentil-homem, pela sua postura sempre elegante e afabilidade sincera com que recebia a todos -, no escritório da United Artists, saciando nossa curiosidade cinematográfica com as histórias de bastidores, que ele nos contava sobre os habitantes da Meca do Cinema.

Gilberto e Jean Harlow

Gilberto e Jean Harlow

Infelizmente Gilberto nos deixou muito cedo, falecendo aos 66 anos, sem concluir um livro que contaria a história de seus cinquenta anos dedicados ao cinema. Ele morreu de enfarte no dia 10 de setembro de 1972. Gilberto sentiu os primeiros sintomas no dia 2, a bordo do navio Augustus, quando voltava de Lisboa para o Brasil, depois de visitar Cannes e Londres. Ao desembarcar, dia 7, foi levado de ambulância para o Prontocor, onde não mais se recuperaria. Partiu em direção ao céu, para ficar novamente perto de astros e estrelas.

Gilberto com Frances Dee

Gilberto com Frances Dee

Gilberto com Cay Grant

Gilberto com Cary Grant

Gilberto com Anita Page

Gilberto com Anita Page

Como homenagem a Gilberto Souto, reproduzo uma de suas crônicas, intitulada “O Cinema Falado, no Rio, Há 35 Anos!”, publicada no “Correio da Manhã” em 28 de junho de 1964.

Cena de Broadway Melody

Cena de Broadway Melody

Corria o mês de junho de 1929. Fazia um pouco de frio, mas os dias eram de sol, de céu azul, céu lavado, como dizem os portuguêses. Os cariocas torciam pela vitória de Olga Bergamini, que partira para os Estados Unidos, onde, em Gavelston, representaria o Brasil no Concurso Internacional de Beleza, de cujo júri fazia parte o famoso diretor de Hollywood, King Vidor. O “Correio da Manhã estampava na primeira página uma grande foto da encantadora brasileira ao lado do célebre prefeito de Nova York, James Walker, que a recebera oficialmente, logo de sua chegada àquela cidade, a caminho do Texas. Junho prometia também José Iturbi, em recital de piano, muito antes de sonhar com Hollywood e os tecnocoloridos da MGM; no Teatro Lírico, hoje apenas uma saudosa lembrança, estava a companhia francesa de Milton, Alice Cocéa, Pierre Meyer e Doriane, com deliciosas operetas como “Comte Obligado” e “Dedé”; no Carlos Gomes, a querida Margarida Max estrelava, com sucesso, a revista “Guerra ao Mosquito!” – e, ao que parece, o danado sobreviveu, porque ainda atormenta a cidade!. O Rio esperava pelo lançamento do Cinema Falado, que São Paulo já conhecia, pois ali, no Cinema Paramount, um mês antes, fora estreado O Patriota com Emil Jannings, que apenas balbuciava duas palavras: “Pahlen! Pahlen!”, ao ser assassinado, clamando por seu Primeiro Ministro (Lewis Stone). Na verdade, São Paulo vira apenas um filme sincronizado, musicado e com efeitos sonoros.

Cena de Broadway Melody

Cena de Broadway Melody

Francisco Serrador, nome que jamais será pouco lembrar e enaltecer, exibidor de visão e coragem, querido pelo público de suas casas, remodelava o Palácio Teatro (hoje, apenas, Palácio, no mesmo local), na Rua do Passeio, preparando, juntamente com a Metro-Goldwyn-Mayer, o lançamento de Broadway Melody, musicado, com diálogos, danças e ruídos. Fêz na semana passada, no dia 20, 35 anos que ocorreu essa estréia! No dia 10, este jornal publicava um anúncio que avisava: “Hoje e amanhã despedida dos filmes silenciosos”. Estavam em cartaz no Palácio A Dança Rubra com Dolores del Rio (Fox Film) e Jazzlândia com Jobyna Ralston e Robert Frazer (Programa Serrador). No dia seguinte, novo anúncio: “Eu irei, tu irás, ele irá, nós iremos, vós ireis, eles irão ver Broadway Melody no Palácio Teatro, Companhia Brasil Cinematográfica”. Num canto, em letras grandes: CINEMA FALADO e, como ilustração, um desenho (impagável!); a cabeça de uma garota da época, a melindrosa, de cuja boca saía um pedaço de fita! E, como hoje se faz, anunciavam-se também os discos do filme: “À venda na casa Paul J. Christoph, Rua do Ouvidor nº 98, os seus melhores foxtrots, em gravações Victor, números 21.886 e 2.957”. No corpo do jornal, uma nota explicava que: “… Broadway Melody estreou em fevereiro no Chinese Theatre, de Hollywood, com a presença de astros e estrelas.

Cartaz de Broadway Melody

Outra declarava: “O Cinema falado! – Até que enfim! – é o desabafo do fã, de quem gosta de cinema e está farto de ouvir falar de cinema falado, sem conhecê-lo. A inauguração se fará às 9 horas da noite com a presença do presidente da República, ministros de Estado e demais representantes das altas esferas governamentais, bem como do corpo diplomático, para os quais já foram reservados frisas e camarotes especiais. O programa, como já se anunciou, se comporá de três filmes. Dois como complemento de apresentação da formidável produção da Metro Goldwyn Mayer, que é Broadway Melody com Anita Page, Bessie Love e Charles King. Os dois pequenos filmes consistem em termos na tela o sr. Sebastião Sampaio, consul geral em Nova York, que se dirige aos seus patrícios em uma rápida apresentação do espetáculo. O segundo consta de três canções por uma artista de opereta, Yvete Rugel. No dia 20, houve, segundo este jornal, uma avant-première à tarde. Falando do sr. Sebastião Sampaio, dizia: “ … em breves palavras, ele oferece o Movietone e o Vitaphone ao público (Obs. minha: os dois shorts apresentados como complemento foram gravados no sistema Movietone e o filme de longa-metragem no sistema Vitaphone), sendo suas palavras perfeitas na dicção e claras bastante para serem ouvidas por todos. A sincronização é admirável e aos gestos seguem-se as expressões exatas. Três são as figuras principais, Bessie Love, que possui voz com excelente dicção, Anita Page e Charles King, que canta várias canções com muito sentimento. A sua declaração a Anita Page é de muito romantismo e a sua voz repassada de doçura, impressionará vivamente a platéia. As cenas que se passam em um teatro de revistas deixam ver um deslumbramento de montagem, cenários riquíssimos e uma grande parte colorida. Os espectadores ficam maravilhados ainda com os efeitos sonoros, os sapateados das bailarinas, os assobios, o barulho de portas que batem, os sons diferentes de instrumentos, o movimento intenso de uma casa de músicas, as gargalhadas, as palmas e o choro das estrelas.”

Cena de Broadway Melody

Cena de Broadway Melody

Para maior esclarecimento, diremos que as alusões a Movietone e Vitaphone referiam-se ao fato de que, nos primeiros tempos, os filmes eram gravados pelo processo Movietone (na própria película) e Vitaphone (em discos). Este último ocasionava sérias dificuldades pois, se o filme arrebentasse, a sessão era interrompida, até que recomeçasse tudo de novo, do principio da parte, porque dificilmente o operador poderia sincronizar filme e disco. O presidente então era o Dr. Washington Luiz – que seria deposto em outubro do ano seguinte – e este não compareceu à estréia, como se tinha anunciado. O filme ficou em cartaz durante 11 dias. Os preços cobrados eram: matinées, platéia 4$000 hoje quatro cruzeiros e balcão, três mil reis; de noite, um cruzeiro a mais em cada ingresso. As sessões se realizavam às 2 e 4 da tarde, e oito e dez da noite. A parte colorida era a do bailado – “O Casamento da Boneca Pintada”, e as suas outras músicas de sucesso ainda hoje populares, “Broadway Melody” e “You’re are Meant for Me”. O sr. Sebastião foi também, durante muitos anos, jornalista de renome, havendo trabalhado no velho “Jornal do Comércio”. No complemento, Yvette Rugel cantava três canções, duas das quais “Gianina Mia” e “Roses of Picardy”. A cidade ficou maravilhada com a novidade, que era comentada em todas as rodas.

Cenas de Broadway Melody

O Cinema Falado vinha destronar o Silencioso, mesmo que muitos o fossem combater, durante alguns anos em debates e polêmicas pelos jornais. Alguns profetizaram que seria apenas uma novidade, a ser abandonada logo depois. Mas o Falado ai está e há, nas gerações atuais, muitas pessoas que jamais viram um filme silencioso. Houve também pesquisas, feitas por muitos jornais, as eternas entrevistas com personalidades de renome , procurando delas saber o que achavam da novidade. Um purista – creio que um velho professor – chegou a declarar que o Cinema Falado poderia corromper o português em virtude da constante audição do idioma inglês! Houve músicas (se não me engano uma de Noel Rosa, que não perdia ocasião de gozar assunto da cidade) sobre a novidade e, durante muito tempo, foi o Cinema Falado assunto de discussões e comentários de parte de toda a população do Brasil. Nos primeiros dias, Broadway Melody foi exibido sem letreiros, tendo apenas o resumo de seu argumento e de suas situações explicadas nos programas. Maravilhado pela novidade e fascinado pela música e danças, o espectador não reclamava, quando surgiam as partes dialogadas em inglês, às vezes recorrendo a alguém que lhes traduzisse, o que os atores diziam. Se a tradução era dada em voz alta, havia protestos dos que conheciam o inglês, o que não deixava de ser engraçado.

Bessie Love

Bessie Love

Na Metro, porém, tratava-se de procurar um meio de sanar essa dificuldade, quando Adolfo Judall, um dos seus diretores, imaginou a possibilidade de fazer no filme, o que se faz num jornal: legenda em baixo de fotografias. Apela, então, para Paulo Benedetti, um gênio: inventor (já havia ele próprio, criado um sistema seu de cinema falado, como outro de filme colorido), cinegrafista, conhecedor profundo dos segredos de laboratório, produtor de filmes, pioneiro no cinema brasileiro e, principalmente, um dos homens mais corretos a quem já tive a honra de ter conhecido. Era o mágico de que necessitava a Metro e ele resolveu o problema. Dias depois, o filme já se apresentava com dez letreiros em algumas cenas importantes, letreiros sobrepostos, como hoje vemos em qualquer fita. Trabalhando arduamente, puderam apresentar o filme com novas legendas, até que, ao findar a sua exibição, já continha cerca de cinquenta letreiros. Se não me engano, foi esta a primeira vez que o processo de legendas sobrepostas foi utilizado em qualquer parte do mundo.

5 Responses to “GILBERTO SOUTO ENTRE OS ASTROS E AS ESTRELAS”

  1. É SENSACIONAL VER QUE AINDA EXISTE QUEM POSTE PRECIOSAS INFORMAÇÕES.
    MEU TIO POSSUÍA “CINEARTE” .E AS LIA CONSTANTEMENTE..
    TAMBÉM LIA CRÔNICAS DE GILBERTO SOUTO NO CORREIO DA MANHÂ ( GRANDE JORNAL!).
    GOSTARIA , SE POSSÍVEL, NOME DE UMA CORRESPONDENTE DE CINEMA ( RÁDIO GLOBO E REVISTAS DE CINEMA) NOS ANOS 50 E ERA CASADA COM O CONSUL RAUL SMANDECK.
    OBRIGADO.

  2. Olá, José Maria. A correspondente em Hollywood que conheço dessa época chamava-se Dulce Damasceno de Brito, já falecida.

  3. SUPER OBRIGADO. É BOM FALAR COM QUEM CONHECE. É ESTA MESMA QUE ESTAVA, HA ANOS, TENTANDO ME LEMBRAR (era casada com o Consul
    Smandeck, que conheci, no Rio).

  4. Saudações Mestre A.C.

    Parabéns por este brilhante resgate sobre um dos primeiros correspondentes brasileiros em Hollywood, muito mencionado em alguns artigos na revista CINEMIM em que lia muito na década de 1980/90, e que infelizmente não pude acompanha-lo, GILBERTO SOUTO.

    Sei que ele escrevia em seus últimos anos para o Jornal O GLOBO numa coluna chamada CINEMA, ONTEM E HOJE, e posteriormente, muito posteriormente, cheguei a ler um de seus brilhantes artigos durante uma pesquisa que fiz sobre o extinto jornal O CORREIO DA MANHÃ.

    Sempre quis saber de mais detalhes a seu respeito e tentei fazer pesquisas pela internet a respeito de Gilberto, porém sem sucesso, e isto chegou a me entristecer por um simples motivo: nosso país parece não ter realmente memória, exceto para aqueles que vêm a dedicar um apontamento em tributo destes grandes profissionais que deram sua contribuição a cultura nacional, e Gilberto Souto foi um deles, que ajudou a divulgar a Sétima Arte e os ídolos das telas em nossa terrinha de Santa Cruz. Parabéns mesmo pela memória a Gilberto, ele merece!

    Abraços
    Paulo Telles
    Blog Filmes Antigos Club Artigos
    http://www.articlesfilmesantigosclub.blogspot.com.br/

  5. Olá Paulo. Você como sempre complementa meus artigos.Tem toda razão. Existem muitos fãs e colecionadores como o Gilberto, que fizeram mais pela pesquisa cinematográfica do que muitas instituições (Gilberto, por exemplo, doou seu acervo para o MAM) e outros com os quais conviví e foram esquecidos como Rozendo Marinho, Waldemar Torres, Gil de Azevedo Araujo etc. Gostaria de homenageá-los mas faltam-me fotos deles. Assim que as conseguir, escreverei.Um forte abraço.

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