O CINEMA DE ELIA KAZAN II

julho 6, 2018

Em 1952, a busca de realismo de Kazan foi mais longe com a realização de Uma Rua Chamada Pecado / A Streetcar Named Desire, adaptação da peça de teatro de Tennessee Williams que ele já havia encenado na Broadway com muito sucesso.

Vivien Leigh e Marlon Brando em Uma Rua Chamada Pecado

Blanche Dubois (Vivien Leigh) chega a Nova Orleans e pega um bonde chamado “Desejo”, que a conduz até um sobrado, no velho bairro francês da cidade, onde sua irmã Stella (Kim Hunter) vive com seu esposo, Stanley Kowalski (Marlon Brando), operário de ascendência polonesa, rude e brutal. Blanche espera começar uma nova vida depois de perder seu jovem marido (que se suicidou), o dinheiro de família e uma mansão ancestral, Belle Rive; seu emprego de professora; e sua reputação em Auriol (na peça era Laurel), no Mississippi, cidade onde nascera. O filme estabelece deste o princípio o contraste entre o refinamento da recém-chegada e a grosseria do ambiente. Criaturas de meios sociais contrastantes, Stanley e Blanche colidem, ele acabando por descobrir o passado que ela escondia para recuperar a dignidade perdida. Stanley fica sabendo que, em Auriol, Blanche era conhecida por sua promiscuidade sexual e por ter tido um caso amoroso com um estudante adolescente. Ele revela o resultado de sua investigação para seu companheiro Mitch (Karl Malden), que pensava em casar-se com Blanche. Quando Stanley trata a cunhada cruelmente, entregando-lhe uma passagem de ônibus de volta para Auriel, Stella entra em trabalho de parto. Ela, juntamente com Stanley, vão para o hospital. Mitch chega bêbado e rompe seu relacionamento com Blanche. Ela fica sozinha no apartamento e se embriaga. Stanley retorna ao apartamento, estupra Blanche, e ela se desliga mentalmente da realidade. Semanas após o abuso sexual, Stella prepara a internação de Blanche em um asilo, Quando o médico chega, Blanche sai de braço dado com ele e diz a célebre fala: “Seja você quem for – eu sempre dependí da gentileza de estranhos”.

Por causa da censura prévia do Código de Produção, referências à homossexualidade do marido de Blanche foram removidas; o final da peça foi alterado, com Stella rejeitando seu marido em vez de permanecer ao seu lado; a cena do estupro foi apenas sugerida – o espectador vê o espelho quebrado, que mostra o desmaio de Blanche, quando Stanley a toma em seus braços. Ainda assim, o filme causou controvérsias durante seu lançamento e a Warner Bros. extirpou cinco minutos do filme (reacrescentados em uma restauração feita em 1993), que incluiam alusões à antiga promiscuidade de Blanche e a evidência visual do seu relacionamento sensual com Stanley.

Marlon Brando e Vivien Leigh em Uma Rua Chamada Pecado

O tema principal do filme é a incapacidade da fantasia de superar a realidade. Embora a protagonista de Tennessee Williams seja a romântica Blanche Dubois, a peça é uma obra de realismo social. Blanche diz para Mitch que ela conta histórias porque se recusa a aceitar as cartas que o destino lhe deu. Mentindo para si mesma e para outros faz com que a vida pareça como deveria ser, e não como é (“Eu não quero realismo. Eu quero mágica!”). A relação antagônica entre Blanche e Stanley é uma luta entre aparência e realidade. Ela impulsiona a trama da peça e cria uma grande tensão. As tentativas de Blanche para refazer sua existência e salvar Stella de uma vida com Stanley, fracassam.

Kim Hunter e Marlon Brando em Uma Rua Chamada Pecado

Marlon Brando e Vivien Leigh em Uma Rua Chamada Pecado

Outro tema é a relação entre Sexo e Morte. O medo que Blanche tem da morte manifesta-se no seus temores de envelhecer e de perder a beleza. Ela se recusa a revelar sua idade verdadeira ou aparecer diante de uma luz intensa, que revelará suas feições envelhecidas. Blanche parece acreditar que, afirmando continuamente sua sexualidade, especialmente com respeito aos homens mais jovens, conseguirá evitar a morte e retornar ao mundo de felicidade que ela experimentou na sua adolescência antes do suicídio de seu marido. Quando chega na casa dos Kowalskis, Blanche diz que pegou um bonde chamado Desejo, depois transferiu-se para outro chamado Cemitério, que a trouxe para uma rua chamada Campos Elísios. Esta jornada representa alegoricamente a trajetória da vida de Blanche. Os Campos Elísios, como se sabe, é a terra dos mortos na mitologia grega.

Kim Hunter, Viviven Leigh e Elia Kazan na filmagem de Uma Rua Chamada Pecado

Kazan dirige Karl Malden e Vivien Leigh

Rodado quase que totalmente em estúdio, em um ambiente único, sente-se a presença do teatro, mas com a ajuda de uma esplêndida direção de arte (Richard Day, George James Hopkins), de uma iluminação primorosa (Harry Stradling), de uma trilha sonora (Alex North) inovadora e evocativa e, é claro, do trabalho magistral de todo o elenco, Kazan conseguiu dar perfeita continuidade cinematográfica ao relato, manter intacta a riqueza literária da obra de Tennessee Williams e seu clima de morbidez, violência e sensualidade, bem como projetar sobre a tela, com muita sensibilidade, os tormentos interiores dos personagens.

Marlon Brando e Vivien Leigh em Um Rua Chamada Pecado

Vivien Leigh foi agraciada com o Oscar de Melhor Atriz, Karl Malden e Kim Hunter com o de Melhor Coadjuvante, Richard Day e George James Hopkins como o de Melhor Direção de Arte e Decoração de Interiores em preto e branco, sendo ainda indicados: Marlon Brando, Elia Kazan, Alex North (música), Tennessee Williams (roteiro), Nathan Levinson (som) e Lucinda Ballard (figurinos em preto e branco).

Kazan e seus colegas do Group Theatre: Roman Bohnen, Morris Carnovsky, Harold Clurman, Phoebe Brand,Luther Adler e Lee J. Cobb

Um ponto crítico na carreira de Kazan ocorreu com o seu depoimento perante o House Committee on Un-American Activities em 1952, no tempo da Lista Negra de Hollywood. Seu testemunho ajudou a encerrar a carreira, entre outros, de seus antigos colegas do Group Theatre. Sua delação anti-comunista continuou causando controvérsia. Quando Kazan recebeu um Oscar honorário em 1996, dezenas de atores preferiram não aplaudí-lo. Em uma entrevista coletiva que o cineasta concedeu aos jornalistas durante o Festival de Cinema, TV e Vídeo no Rio de Janeiro, realizado entre os dias 18 e 27 de novembro de 1984, tive oportunidade de fazer algumas perguntas, indagando finalmente – após certa hesitação – por que ele delatou seus companheiros. “Porque eu tinha quatro filhos para sustentar”, respondeu, e não disse mais nada. Terminada a entrevista, descemos no mesmo elevador. Achei que ele tinha ficado chateado comigo por ter feito a pergunta, mas tomei coragem, e lhe pedi para autografar um folheto contendo o texto de uma aula que ele deu no outono de 1973 na Wesleyan University, Middletown, Connecticut e que me havia sido enviado junto com a revista Action do Director’s Guild of America. Ele assinou na capa do folheto e, sorrindo amavelmente, perguntou-me:”Onde você conseguiu isso?”.

Viva Zapata! / 1952 foi o primeiro filme que Kazan rodou em campo aberto, ou seja, em cenários naturais, primeiramente em Roma, no Texas, perto da fronteira do Rio Grande com o México e depois na Fox, em um rancho perto de Malibu. Apoiado no roteiro de John Steinbeck, ele evoca a figura lendária do revolucionário mexicano, não sob a forma de um relato preciso dos acontecimentos, mas sim como uma reflexão sobre o poder e a maneira de exercê-lo.

Em 1909, o Mexico está sob o domínio do ditador Porfirio Diaz (Fay Roope). Um grupo de campesinos de Morelos vai a sua presença, para se queixar dos fazendeiros ricos, que roubaram suas terras. Diaz percebe entre eles um homem altivo que parece ser um possivel agitador, e faz um círculo em torno de seu nome, para que ele seja vigiado no futuro: Emiliano Zapata (Marlon Brando). De volta a Morales, os campesinos são massacrados pelos tiros de uma metralhadora instalada pelos soldados de Diaz. Zapata lidera a luta contra os agressores e suas ações o tornam um criminoso procurado pelas autoridades. Ele se esconde nas montanhas com seu irmão Eufemio (Anthony Quinn) e uns amigos e, quando a notícia se espalha, é procurado por um jornalista aventureiro Fernando Aguirre (Joseph Wiseman). Fernando sugere a Zapata que se junte à causa de Francisco Madero (Harold Gordon), líder mexicano que tenta derrubar Diaz; mas Zapata prefere levar uma vida pacífica ao lado de sua amada Josefa (Jean Peters). Entretanto, o pai de Josefa (Floerenz Ames) se recusa a dar permissão para o casamento enquanto ele for um fora-da-lei. Procurando torna-se respeitável Zapata, grande conhecedor de cavalos, aceita um emprego na fazenda de Don Nacio de la Torre (Arnold Moss), e este consegue um perdão para ele. Porém, antes de se casar com Josefa, Zapata se enfurece com o tratamento cruel que os soldados dão a um velho campesino, e mata os agressores. O tempo passa e Zapata e seus seguidores se engajam em batalhas contra os militares de Diaz. Quando Madero nomeia Zapata seu general no sul e Pancho Villa (Alan Reed) é seu general no norte, o pai de Josefa permite que ele faça a côrte a sua filha. Depois que Diaz foge do Mexico e Madera assume o contrôle do governo, Zapata e Josefa se casam, e ela ensina o marido a ler. O corrupto general Huerta (Frank Silvera) manda seu exército matar Zapata e, enquanto se travam os combates entre suas respectivas forças, Madero é preso e assassinado. Huerta é derrotado e, em uma reunião com outros líderes revolucionários na cidade do México, fica decidido que Zapata será o presidente. Quando os campesinos vêm se queixar dos malfeitos de seu irmão Eufemio (Anthony Quinn), e ele marca os nomes deles, percebe que está cometendo os mesmos erros de seu predecessor, e se demite. O novo presidente, estimulado por Fernando, resolve mandar matar Zapata, a fim de consolidar seu poder. Zapata cai em uma cilada, crivado de balas mas, para o povo mexicano, ele é imortal.

Marlon Brando em Viva Zapata!

Jean Peters e Marlon Brando em Viva Zapata!

Marlon Brando em Viva Zapata!

Steinbeck e Kazan formulam muitas das questões sobre a moral revolucionária, sobre a dificuldade de manter seus ideais uma vez no poder, e sobre a utilidade das revoluções. “Um homem forte enfraquece um povo, um povo forte não necessita de um homem forte”- diz Zapata a certa altura da trama. Dos fatos históricos Steinbeck extraiu os mais aptos para delinear o “tigre” Emiliano Zapata como um peão de caráter íntegro que não queria ser mais do que defensor dos camponeses na questão agrária contra espoliadores e acabou caudilho, mostrando-o o filme como um herói idealista, que tinha problemas de consciência e pensava muito antes de resolver, porque não queria ser injusto.

Kazan no set de Viva Zapata! (à dir.Anthony Quinn)

Anthony Quinn e Marlon Brando em Viva Zapata!

Marlon Brando e Jean Peters em Viva Zapata!

Além do belo simbolismo “hollywoodiano” no final – o cavalo branco de Zapata correndo livremente pela montanha -, ocorrem vários momentos de bom cinema -valorizados pela fotografia em preto e branco de Joe MacDonald e pela música local inspirada de Alfred Newman -, entre os quais destaco estes três: a prisão de Zapata que segue pela estrada enquanto aparecem de todos os lados os caponeses que vêm prestar auxílio ao homem que começa a ser o seu líder: quanto mais a coluna de soldados avança, mais os camponeses que a seguem aumentam em número, até representarem um verdadeiro exército dez vêzes mais numeroso do que a milícia; a execução de Madero por Huerta, que acontece de noite em um clima no limite do fantástico graças a uma iluminação expressionista; o assassinato traiçoeiro de Zapata, o seu corpo abatido por centenas de balas, e tombando ao solo, de joelhos.

Anthony Quinn e Marlon Brando em Viva Zapata!

Cena de Viva Zapata!

Com sua direção deste drama histórico com dimensão filosófica, Kazan demonstrou, de uma vez por todas, que não era tão somente um talentoso homem de teatro. Anthony Quinn ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante e foram indicados: Marlon Brando (Ator), John Steinbeck (História e Roteiro), Lyle Wheeler e Leland Fuller (Direção de Arte preto-e-branco), Thomas Little e Claude Carpenter (Decoração de Interiores preto-e-branco), Alex North (Música de filme não musical).

O filme seguinte de Kazan, Os Saltimbancos / Man on a Tightrope / 1953, relata um incidente real, a fuga do Circo Brumbach da Tchecoslováquia para a Alemanha Ocidental. Karel Cernek (Fredric March), dono do circo (que atua também como palhaço), revolta-se contra as restrições crescentes da burocacia comunista – no repertório, obrigando a introdução de mensagens pró-regime nos números circenses (v. g. palhaço que leva pontapés caracterizado de negro vermelho americano e o palhaço agressor de Tio Sam); no quadro de seu pessoal (v. g. convocação de artistas circenses para o exército); e nos seus bens (v. g. equipamento do circo considerado como propriedade do governo) – e planeja uma fuga da trupe para a zona americana.

Acontecimentos desencadeados pela presença de um espião, Krofta (Richard Boone,) no grupo a serviço do chefe da polícia secreta, Fesker (Adolphe Menjou), obriga o dono do circo a realizar a escapada atravessando a fronteira à vista dos guardas e à luz do dia, valendo-se do elemento surpresa. Paralelamente ao tema político, o argumento de Robert E. Sherwood melodramatizou-se, ao criar alguns problemas pessoais para o atribulado Cernek concernentes à incompreensão de sua segunda mulher, Zama (Gloria Grahame), que o considera um covarde por temer as autoridades e flerta com o domador de leões (Roy D’Arcy); ao namoro de sua filha rebelde Tereza (Terry Moore) com Joe Vosdek (Cameron Mitchel), um operário misterioso do circo; e a ameaça de seu eterno rival, Barovik (Robert Beatty).

Fredrich March em Os Saltimbancos

Este filme de atmosfera sombria e depressiva sobre o mundo do circo, descrevendo ao mesmo tempo as duras condições de vida sob a ditadura comunista no tempo da Guerra Fria, tem certa beleza formal e grande força dramática. Aproveitando artistas do verdadeiro Circo Brumbach, filmando em locação nas montanhas da Bavaria, e usufruindo de uma colaboração preciosa dos alemães Gerd Oswald (então produtor associado) e Georg Krauser (fotógrafo), Kazan deu veracidade ao ambiente e, com seus próprios recursos de cineasta, criou um clima de “suspense’, que chega ao climax na cena da travessia da fronteira, quando aquele desfile lento e pitoresco de carros pesados e elefantes, sob o olhar estupefato dos soldados, é um brado de vitória contra a opressão.

Fredrich March, Cameron Mitchell, Terry Moore em Os Saltimbancos

Fredrich March e Richard Boone em Os Saltimbancos

Em 1954, depois de ter dirigido no teatro “Camino Real” de Tennesseee Williams e “Tea and Sympathy” de Robert Anderson, Kazan continuou a exercer seu trabalho de cineasta com Sindicato de Ladrões / On the Waterfront, transposição de fatos reais relatados em uma série de reportagens (intitulada “Crime on the Waterfront”), feita em 1949, sobre a situação dos estivadores do porto de Nova York, explorados e atemorizados por uma quadrilha que dominava os sindicatos. O padre Barry do filme foi inspirado no padre John Corridan, que realmente existiu e prestou várias informações a Kazan e ao roteirista Budd Schulberg.

Marlon Brando e Eva Marie Saint em Sindicato de Ladrões

O tema social aproxima Sindicato de Ladrões dos filmes de tese que Kazan havia feito no final dos anos 40 como O Justiceiro, sobre erro judiciário; A Luz é para Todos, sobre anti-semitismo e O Que a Carne Herda, sobre discriminação racial dos negros. O roteirista Budd Schulberg, com base nos mesmos fatos, escreveu o romance intitulado “Waterfront”, que é mais fiel à realidade. O personagem central é o padre e não o jovem estivador, e o desenlace é de um pessimismo totalmente escamoteado no filme: o gangster denunciado continua à frente do sindicato, o padre é transferido para outra paróquia, após ter sido repreendido pelo bispo e, algumas semanas mais tarde, o corpo de Terry Malloy é encontrado em uma lata de lixo, perfurado com 27 golpes por um pegador de gelo.

Marlon Brando e Eva Marie Saint em SIndicato de Ladrões

Brando e Kazan em um intervalo de filmagem de Sindicato de Ladrões

Marlon Brando e Eva Marie Saint em Sindicato de Ladrões

Já o filme tem um final feliz e nele os autores se interesssaram menos pela denúncia social do que pelo drama de consciência do delator. A ação do filme assemelha-se com a dos filmes de gangster, tem toda a iconografia do gênero; mas, além dessa aventura exterior e policial, há uma aventura interior, que é a da alma sobressaltada do jovem estivador, diante do dilema de delatar ou não a quadrilha da qual faz parte o seu próprio irmão e da qual ele é ao mesmo tempo protegido e ingênuo comparsa. Enfim, mais do que um filme de gangster, Sindicato de Ladrões é a análise de uma consciência que desperta. Este é o primeiro tema do filme. Aos poucos, duplamente influenciado pelo padre (Karl Malden) e pela moça que ama, Edie (Eva Marie Saint), Terry (Marlon Brando) adquire a noção de um dever pessoal para com a coletividade, para com a justiça e com a verdade e, ao enfrentar com esforço sobrehumano a gangue sindical, ele se torna um mártir. Aquela caminhada final é sem dúvida uma via crucis, um calvário. Mas ele age também por um desejo de vingança: Terry fora vendido pelos dois “pais”, o irmão mais velho (Rod Steiger) e o “meta-pai”, Johnny Friendly (Lee J. Cobb) – que de amigo não tinha nada. Uma originalidade do filme são os personagens da moça e do padre. Em vez de se aproveitar da possibilidade de sucesso individual que lhe dá a instrução que recebeu, Edie se volta para o seu meio humilde, chama a atenção do padre sobre a situação dos estivadores e até o recrimina duramente, dizendo-lhe: “O senhor fica na sua igreja enquanto a sua paróquia é o cais”. O padre, por sua vez, é um padre também diferente do que o público estava acostumado a ver nos filmes americanos. Ele não prega a resignação e o amor ao trabalho qualquer que ele seja e se posiciona publicamente contra a opressão. “Aproveitar-se do trabalho dos outros para se enriquecer sem trabalhar é colocar o Cristo de novo na cruz”, diz ele a certa altura da trama. Kazan sempre teve muita habilidade para conduzir atores e um dom especial para dramatizar o relacionamento entre os personagens como, por exemplo, na cena do taxi, quando Terry tem aquela conversa com o irmão; na cena em que ele apanha a luva de Edie e custa a devolvê-la; ou quando faz um convite tímido e embaraçado à moça para tomar uma cerveja. O desempenho de Marlon Brando é realmente extraordinário. É mais do que uma interpretação, é uma verdadeira encarnação. É uma maravilha como ele transmite os gestos e o andar de um ex-boxeur, a maneira lenta de pensar e de falar. Ele fica procurando as palavras, titubeando, antes de pronunciá-las. Enfim, ele se identifica com o personagem confuso e iletrado, dando um exemplo perfeito da aplicação do método de Stanislavski. É com uma sinceridade profunda que ele passa de fracassado a justiceiro. E a idéia de escalar Rod Steiger como irmão de Brando foi um achado genial, porque Steiger usava os maneirismos de Brando. De modo que assim os dois ficaram bem parecidos.

Rod Steiger e Marlon Brando em Sindicato de Ladrões

Elia Kazan dirige Marlon Brando em SIndicato de Ladrões

Lee J. Cobb e Marlon Brando em uma cena de Sindicato de Ladrões

Cena de Sindicato de Ladrões

Marlon Brando em Sindicato de Ladrões

O filme, que é a um só tempo violento e poético, foi um imenso sucesso crítico e popular, e recebeu os Oscar de Melhor Filme, Melhor Diretor (Elia Kazan), Melhor Ator (Marlon Brando), Melhor Atriz Coadjuvante (Eva Marie Saint), Melhor Fotografia em preto de branco (Boris Kaufman), Melhor História e Roteiro (Budd Schulberg), Melhor Montagem (Gene Milford), tendo sido ainda indicado Leonard Bernstein por música de não musical.

Richard Davalos, Julie Harris e James Dean

Kazan disse que convenceu facilmente Jack Warner a produzir Vidas Amargas / East of Eden / 1955, seu primeiro filme em tela larga. A ação transcorre em Salinas na Califórnia e tem como personagens centrais, o velho Adam Trask (Raymond Massey), agricultor intransigente e puritano, e seus dois filhos, Cal (James Dean) e Aron (Richard Davalos). Aron é o favorito do pai e Cal, que sente necessidade de ser amado, tem ciúmes do irmão, inveja o namoro de Aron com Abra (Julie Harris), hostiliza seu progenitor. Cal detém um segredo: ao contrário do que Adam sempre lhe dissera, a mãe dos dois rapazes, Kate (Jo Van Fleet) não morreu, mas abandonara o lar, e vive, não longe dali, em Monterey, como dona de um prostíbulo. Quando descobre a verdade sobre a mãe, ele acha que, agora, passou a entender de onde herdou seu mau temperamento. E acha também que é por causa da sua semelhança com a mãe que o pai tem preferência por Aron. Quando Adam sofre dificuldades financeiras, por ter posto todas as suas economias em um negócio audacioso na época, a conservação de vegetais por meio de refrigeração, Cal procura sua mãe e pede dinheiro para plantar feijão, aproveitando a subida de preços decorrente da Primeira Guerra Mundial, como previsto por seu sócio, Will Hamilton (Albert Dekker). No dia do aniversário do pai, Cal lhe oferece a quantia ganha com os feijões, mas Adam repele seu presente, porque não pode aceitar um dinheiro trazido pela guerra. Sentindo-se expulso do coração do pai e para vingar-se do irmão, que o ferira também com a notícia de seu noivado com Abra, Cal arrasta Aron até o quarto de Kate. Ao ver a prostituta artrítica e bêbada, Aron não consegue suportar esta revelação e se alista para lutar na guerra. Ao ver o rosto sem expressão do filho favorito, na janela do trem que o conduz para “o leste do Paraíso”, ele sofre uma trombose, e fica paralítico. Abra, que percebera que é a Cal que ela ama, suplica a Adam que faça um gesto que perdoe seu filho. O pai encontra forças para articular algumas palavras e murmura no rosto de Cal com os olhos vivos, bem abertos: “Cuide de mim”, “Cuide de mim”.

James Dean

James Dean em Vidas Amargas

James Dean e Jo Van Fleet em Vidas Amargas

Julie Harris e James Dean em Vidas Amargas

Adaptação de parte de um romance de John Steinbeck (apenas as 80 últimas páginas do livro), o filme renova o drama bíblico de Caim (que, enraivecido por seu pai preferir as oferendas de Abel às suas, mata o próprio irmão e se retira para o “leste do Paraíso”), dando-lhe um enfoque psicanalítico. Além da trama familiar, girando em tôrno da sôfrega busca do passado e de ternura por parte de um jovem confuso e incompreendido, o espetáculo aborda ainda algumas questões sociais (o preconceito da população contra o sapateiro alemão) e filosóficas (apreciação subjetiva da bondade e da maldade: Cal se julga mau, mas na verdade ele é bom). O roteiro de Pal Osborn soube conservar da obra de Steinbeck tudo o que lhe dava potência dramática e que Kazan nos transmite com firmeza diretorial, inteligente utilização do CinemaScope tanto em paisagens como em interiores e bela fotografia em cores (de Ted McCord), usando às vêzes ângulos estranhos.

James Dean e Raymond Massey em Vidas Amargas

Distinguem-se dois momentos muito fortes: a cena do aniversário quando Adam recusa o presente de Cal e ele foge para o bosque como um animal ferido e a cena em que Cal leva seu irmão até o quarto de sua mãe, empurrando-o aos gritos e trancando a porta. Porém Vidas Amargas foi marcado sobretudo pela presença de James Dean, representando uma figura de jovem rebelde com quem uma parcela enorme de jovens espectadores passou a identificar-se. Ele foi indicado para o Oscar (póstumo) de Melhor Ator e Kazan para o de Melhor Diretor, mas quem arrebatou a estatueta da Academia foi Jo Van Fleet como Melhor Atriz Coadjuvante.

 

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