ANTHONY ASQUITH

setembro 4, 2019

Ele mereceu o lugar de destaque que ocupa na cinematografia britânica, pois sobressaiu tanto no cinema mudo (em filmes influenciados pela vanguarda dos anos 1920 como Shooting Stars, A Cottage to Dartmour Underground) como no cinema sonoro (não sómente em adaptações cinematográficas de peças de dramaturgos famosos como George Bernard Shaw, Oscar Wilde, Terence Rattigan como também nos mais variados gêneros – comédia, drama, filmes de guerra, thrillers, melodramas de época, documentários), manifestando sempre seu estilo sóbrio, seu domínio da técnica e sua habilidade na orientação dos atores.

Anthony Asquith

Anthony William Lars Asquith (1902- 1968 ou “Puffyn” Asquith (como era afetuosamente chamado desde criança), nascido em Londres, filho de Lord (Herbert) Asquith, ex-Primeiro Ministro Liberal e de “Margot” (Margaret) Tenant, escritora e figura proeminente da sociedade, teve uma educação de classe alta no Winchester e e no Balliol College, Oxford, tempo em que, já apaixonado pelo cinema, assistia algumas vêzes três filmes por dia. Após sua formatura, ele passou algum tempo em Hollywood com sua irmã Elizabeth e, como convidado de Douglas Fairbanks e Mary Pickford, pôde observar o trabalho de alguns dos grandes diretores de Hollywood, voltando para a Inglaterra disposto a ingressar no mundo da indústria cinematográfica.

Em 1926, Asquith ingressou na British Instructional Films de Harry Bruce Woolfe, uma pequena companhia mais conhecida pelos seus documentários baseados em episódios da Primeira Guerra Mundial ou sobre História Natural. Foi ali que ele teve um aprendizado prático variado sobre a realização de filmes (por exemplo, no filme Boadicea / 1926 de Sinclair Hill, além de contribuir para a elaboração do roteiro,  também atuou como aderecista, assistente do maquilador, assistente do montador e stuntman) e depois dirigiu seus filmes mudos Shooting Stars / 1928, Underground / 1928,  The Runaway Princess / 1929 e A Cottage at Dartmoor / 1929.

Annette Benson e Brian Aherne em  Shooting Stars

Shooting Stars, o primeiro filme de ficção da companhia, foi baseado em uma história de Asquith e é considerado seu primeiro trabalho como diretor, embora tivesse sido creditado juntamente com A. V. Bramble, colega mais experiente, que a British Instructional convocou para supervisioná-lo. Na realização observa-se uma sátira ao ambiente de cinema – com aspectos “meta” (um filme dentro de um filme) e  movimentos de câmera, enquadramentos e montagem virtuosos – , que gira em torno do plano de uma estrela de cinema temperamental (Annette Benson) para matar seu marido (Brian Aherne) e ir para Hollywood com seu amante (Donald Calthrop). Embora o âmago da história seja um melodrama sobre um triângulo amoroso, Shooting Starsé também um documento revelador de como os filmes eram feitos na era silenciosa. A última cena do filme, na qual vemos a atriz chorosa se entranhar na penumbra de um estúdio e sair por uma porta como se estivesse desaparecendo é um belo final trágico e poético.

Brian Aherne e Elissa Landi em Underground

O enredo de Underground, escrito e totalmente realizado por Asquith, tem este resumo: Bill (Brian Aherne), carregador de malas no metrô e Bert (Cyril McLaglen), eletricista na central do mesmo lugar, se apaixonam por uma jovem vendedora de um grande loja (Elissa Landi), a qual tem uma preferência pelo primeiro. O segundo, violentamente enamorado pela moça, vai se servir de uma pobre costureira, Kate (Norah Baring), sua ex-amante, para separar o casal prestes a se formar. Tal como Shooting Stars, o filme é um melodrama envolvendo sentimentalmente dois homens  e uma mulher, exposto com muita inventividade e precisão documentária pelo jovem diretor, demonstrando que assimilou as lições do expressionismo alemão e das vanguardas russa e francêsa, No final ele forjou uma perseguição pelo teto de uma central elétrica às margens do Tâmisa, realmente arrebatadora.

Mary Christians em  The Runaway Princess

The Runaway Princess, co-produção anglo-germânica, rodada principalmente em Berlim, baseada em um romance de Elizabeth Russell, tem como figura central na sua intriga uma princesa européia, Priscilla (Mady Christians) que, para fugir de um matrimônio imposto com o Príncipe de Savona (Paul Cavanagh), dissimula sua verdadeira identidade, tornando-se vendedora de chapéus em Londres. Contrariamente aos dois filmes precedentes de Asquith, este aparece menos como um exercício formal do que como uma comédia romântica clássica frívola e, por isso, foi considerado uma obra menor do cineasta. A versão alemã foi realizada por Frederick Wendhausen sob o título de Priscillas Fahrt ins Glück.

Norah Baring e Uno Henning A Cottage on Dartmoor

Apesar de ser uma co-produção anglo-sueca, o quarto e último filme mudo de Asquith, A Cottage on Dartmour, foi filmado inteiramente no estúdio Welwyn da British Instructional e em locações na conhecida região de charneca no centro do condado de Devon. Tal como muitos filmes em produção em 1929 foi acrescentado um componente musical e algumas sequências dialogadas, reproduzidos pelo sistema de som em disco.

Outra cena de A Cottage on Dartmoor

A história, de autoria de Asquith, também gira em torno de uma relação amorosa entre três pessoas, destacando o drama de Joe (Uno Henning), um barbeiro que trabalha ao lado de uma manicure chamada Sally (Norah Baring). Ele se interessa obsessivamente por ela, mas a jovem é mais receptiva a um cliente regular do salão, o fazendeiro Harry (Hans Adalbert Schletow). O ciúme leva a uma briga, na qual Joe fere Harry com sua navalha. Joe é condenado a uma longa pena na prisão de Dartmoor. Alguns anos depois, ele consegue fugir, com a única motivação se vingar de Harry e Sally que, agora casados, vivem em uma cabana isolada, com um filhinho. Entretanto, ocorre uma reconciliação entre Harry e Joe, e este se deixa abater pelos guardas que o perseguem, morrendo nos braços de Sally, dizendo: “Eu não posso viver sem você”.

Asquith filmando A Cottage at Dartmoor

A estrutura narrativa do filme  foi construída ao redor de um retrospecto – o filme se abre audaciosamente com Joe pulando o muro da prisão, sem nenhuma indicação para o público de que se trata de um flashback– e, na exposição do relato, percebe-se o uso  admirável da profundidade de campo e da câmera subjetiva (notavelmente na cena na barbearia), angulações audaciosas, economia de intertítulos, e um ritmo dinâmico. A passagem mais célebre do filme, passa-se dentro de um cinema. O que é mostrado na tela não aparece: vemos apenas as reações das pessoas. Percebemos, pelo acompanhamento orquestral e pelos planos da platéia rindo ruidosamente que o primeiro filme do programa é uma comédia muda (talvez de Harold Lloyd, como parece insinuar a tomada de um espectador de óculos – representado por um jovem Asquith de 26 anos). Quando começa o filme principal, um “talkie”, os músicos da orquestra descansam e a atitude do público mostra bem o comportamento espectatorial na época de transição da cena muda para a sonora, percebendo-se a condenação do cinema falado. Entre osclosesdos assistentes, intercalam-se os do enciumado Jo, que se sentara atrás de Sally e Harry. Jo não vê o filme que se exibe na tela, só contempla o casal com o seu despeito.

Esses seus primeiros filmes revelaram um senso visual apurado e um desejo de experimentação e, nos derradeiros dias do cinema silencioso, Asquith seria mencionado juntamente com Alfred Hitchcock como um dos dois principais diretores do cinema britânico.

Cena de Tell England

O primeiro filme sonoro de Asquith foi Tell England / 1931, drama de guerra narrando a experiência de dois amigos, Tony (Rupert Ray) e Carl (Edgar Doe), que se alistam no exército ao irromper a Guerra de 1914 e são enviados para Gallipoli. Tal como em Shooting Stars, ele trabalhou em colaboração com outro diretor experiente, Geoffrey Barkas, especialista em filmagens em locação, que foram muito louvadas pelos críticos.

Ann Carson em d Dance Pretty Lady

Asquith fez mais um filme para a British Instructional, Dance Pretty Lady / 1931, história de uma bailarina da época Edwardiana, Jenny (Ann Casson), que se apaixona por um jovem artista rico, Maurice (Carl Harbord), porém ele, em vez de casar com ela, quer se tornar seu amante. Ela recusa. Mais tarde, ele concorda com o matrimônio mas, desta vez, ela fica pensando se deve confiar nele ou não. O espetáculo não obteve bom resultado comercial.

Asquith dirige The Lucky Number

Em 1932, Asquith deixou a British Instructional para ingresssar na Gainsborough Pictures, que havia se fundido com a Gaumont-British no final dos anos 1920 e se tornado uma das mais poderosas empresas integradas verticalmente. Porém ele dirigiu apenas uma comédia dramática (com alguma observação social) na Gainsborough, The Lucky Number / 1933, que dizia respeito a um jogador de futebol, Percy Gibbs (Clifford Mollison). Ele perdeu um bilhete o bilhete depois foi premiado.

A outra atividade de Asquith nesse período foi trabalhar como: co-roteirista (com  Angus MacPhail) de Marry Me, versão inglesa de Mädchen zum Heiraten / 1932 (Dir: William Thiele); autor da história de Letting in the Sunshine / 1933 (Dir: Lupino Lane / Prod: British International ); diretor da versão inglesa de Sinfonia Inacabada Leise flehen meine Lieder / 1934 (Dir: Willi Forst); supervisor da segunda unidade em Forever England / 1935 (Dir: Walter Forde); diretor de um curta de seis minutos, Youth Will Be Served (Prod: National Film Corporation).

Laurence Olivier e Harry Baur em Noites de Moscou

Contratado pela London Film Productions, fundada em 1932 por Alexander Korda, Asquith cuidou da direção de Noites de Moscou / Moscow Nights / 1935, adaptação do romance de Pierre Benoit passado durante a Primeira Guerra Mundial. São duas tramas interligadas: um triângulo amoroso envolvendo o Capitão Ignatoff (Laurence Olivier), ferido em uma batalha, Natasha (Penelope Dudley Ward), a jovem enfermeira que cuida dele, e Peter Briochow (Harry Baur) um mercador de grãos rico de meia-idade e oportunista de guerra, cujo casamento com Natasha foi acertado pela mãe dela. A segunda trama, tem a ver com uma rede de espionagem organizada por Madame Sabline (Athene Seyler), que tenta atrair Ignatoff para as suas atividades. Graham Greene, escrevendo no The Spectator, descreveu a direção de Asquith como pueril: “Ninguém pode deixar cair uma bandeja ou um copo sem que Mr. Asquith faça um corte para o estouro de uma bomba”.

Em 1936, assinou contrato com o produtor húngaro Max Schach que, após um breve reinado na indústria de cinema britânica, veio a falir. Asquith não fez nenhum filme para a sua Capitol Films, trabalhando apenas em alguns scripts para ele (cf. Ernest Betts, The History of the British Cinema 1896-1972, Pitman, 1973). Foi somente no final da década, que Asquith deu novo impulso à sua carreira com filmagens de peças teatrais de grandes autores, os quais se envolveram diretamente no processo de adaptação de suas obras para a tela. Pigmalião Pygmalion / 1938 (Prod: Gabriel Pascal) e Caçadora de Corações / French Without Tears / 1939 (Prod: Two Cities), baseados respectivamente em peças de George Bernard Shaw e Terence Rattigan, restabeleceram Asquith como um cineasta importante, que se tornou conhecido como um especialista em adaptações teatrais.

Cena de Pigmalião com Leslie Howard e Wendy Hiller (o segundo e a quarta na foto)

Ellen Drew e Ray Milland em Caçadora de Corações

Em Pigmalião, Leslie Howard, o ator que interpretou o papel do Professor Higgins, recebeu crédito como co-diretor, Wendy Hiller era Eliza e David Lean foi o montador, fato ao qual a produção deveu muito. Em Caçadora de Corações, trabalharam como atores principais Ray Milland, Ellen Drew, Kenneth Morgan e, desta vez, Graham Greene descreveu o filme como um triunfo. Ellen é uma “garota fatal” que chega na cidade do sul da França, onde seu irmão Kenneth (Kenneth Morgan) estuda em uma escola de idiomas, causando um impacto em todos os rapazes, particularmente em Alan Howard (Ray Milland).

No decênio 1930, Asquith fez ainda quatro curtas-metragens: Youth Will Be Served / 1933 com Gordon Hacker, Martita Hunt; The Story of Popwoth: The Village of Hope / 1935 com Madeleine Carroll, Gordon Hacker, C. Aubrey Smith e Lest We Forget / 1937, com Flora Robson, Derrick de Marney, Charles Laughton, ambos produzidos por Major Lloyd; Guide Dogs for the Blind / 1939 com Leslie Banks, Vivien Leigh e Lee Tracy.

Derek Farr e Margaret Lockwood em Quiet Wedding

Stewart Granger e Phyllis Calvert em Amor nas Sombras

Durante a Segunda Guerra Mundial, Asquith contribuiu tanto para o cinema ficcional como para o cinema documentário, dirigindo seis longas-metragens com tema de guerra e quatro filmes em estilo documentário com alguns elementos de ficção. Além disso, ele dirigiu uma comédia romântica Quiet Wedding / 1941 com Margaret Lockwood e Derek Farr e um melodrama de época, Amor nas Sombras / Fanny by Gaslight / 1944 com Phyllis Calvert, James Mason e Stewart Granger, Os filmes de guerra, todos interessantes, abordaram assuntos como a resistência européia contra a tirania nazista, tanto na própria Alemanha (Uma Voz nas Trevas / Freedom Radio,  com Clive Brook, Diana Wyniard) como na Bélgica ocupada (O Grito de Rebelião / Uncensored / 1942 com Eric Portman) e a ação de combate no mar (Mergulhamos ao Amanhecer / We Dive at Dawn / 1943 com  John Mills). Outros assumiram a forma de uma comédia-thriller (Cottage to Let / 1941) e trataram das relações de tempo de guerra entre a Inglaterra e a União Soviética (O Coração não tem Fronteiras / The Demi-Paradise / 1943 com Laurence Olivier) e entre a Inglaterra e os Estados Unidos (Além das  Nuvens / The Way to the Stars / 1945 com Michael Redgave). Os outros quatro documentários foram: Channel Incident / 1940; Rush Hour / 1941; A Welcome to Britain / 1943 e Two Fathers / 1944.

Laurence Olivier em O Coração Não Tem Fronteiras

MIchael Redgrave, John Mills e outros da equipe conversam com Asquith na filmagem de Além das Nuvens

Michael Redgrave em A Importância de Ser Ernesto

Depois da guerra e nos anos 50 Asquith seguiu a rota da adaptação teatral, que ele iniciara com Pigmalião, realizando While the Sun Shines / 1947 com Ronald Howard; Um Caso de Honra / The Winslow Boy / 1948 com Robert Donat, Margaret Leighton; Nunca te Amei / The Browning Version / 1951 com Michael Redgrave, Jean Kent, Nigel Patrick; A Importância de ser Ernesto / The Importance of Being Earnest / 1952 com Michel Redgrave; O Dilema do Médico / The Doctor’s Dilemma / 1958 com Dirk Bogarde, Leslie Caron, fez mais um filme de guerra atraente, Ordem de Matar / Orders to Kill /  1958 com Paul Massie, Eddie Albert, Lilian Gish e outro filmes de gêneros variados: A Mulher Falada / The Woman in Question / 1950, drama criminal com Dirk Bogarde, Jean Kent; Carrington V.C. / 1954, filme de tribunal com David Niven, Margaret Leighton; Projeto M-7 / The Net / 1952, thriller de aviação com James Donald, Phyllis Calvert; Amantes Secretos / The Young Lovers, drama romântico com Odile Versois, David Knight; A Noite é Minha Inimiga / Libel l 1959, filme de tribunal com Dirk Bogarde, Olivia de Havilland; The Final Test / 1959, comédia dramática relacionada ao esporte com Jack Warner, Robert Morley. Em 1955, Asquith fez On Such a Night, curta-metragem de 37 min. sobre um turista americano que entra inadvertidamente na Glyndebourne Opera House em Sussex e aprende a gostar de ópera. Os melhores dessa fase foram:A Mulher Falada (Prod: Javelin Films – Vic Films), Um Caso de Honra (Prod: London Film – Bristish Lion) e Nunca te Amei (Prod: Javelin Films). Em 1955, Asquith fez um curta-metragem (37 min.), On Such a Night.   

Susan Shaw, Dirk Bogarde e Jean Kent em A Mulher Falada                                                           

A Mulher Falada reconstitui através de uma investigação policial a vida de Madame Astra / Mrs. Houston (Jean Kent), uma cartomante de feira que foi estrangulada. A partir do crime cinco personagens que mantiveram relações com a vitima – sua locadora (Hermione Baddeley); sua irmã Catherine (Susan Shaw); seu noivo, Bob Baker (Dirk Bogarde), seu amante, um misterioso marinheiro irlandês que havia se separado dela na noite do crime após ter obtido a prova de sua infidelidade (John McCallum) e outro vizinho, Mr.Pollard (Charles Victor), viúvo idoso que queria se casar com ela – vão sendo  interrogados pelo Inspetor Lodge (Duncan Macrea) e cada um tem uma visão pessoal acêrca do caráter e da personalidade da morta. Retrospectos breves e alternados mostram a vida dúbia da “mulher em questão” até que a identidade do assassino é revelada. Em cada flashback não é apenas a personalidade de Astra que sofre transformações, mas também a personalidade dos vários depoentes, que procuram lançar uns sobre os outros a responsabilidade pelo crime. Uma tal personagem, dotada de um temperamento tão controverso é recriada admiravelmente por Jean Kent e Asquith conduz a intriga com simplicidade, conseguindo envolvê-la em um clima de expectativa e incerteza, que propicia a atmosfera de enigma requisitada pelo enredo.

Robert Donat em Um Caso de Honra

Um Caso de Honra baseia-se na peça de Terence Rattigan, por sua vez inspirada em um caso verídico, que agitou os tribunais e as duas Casas do Parlamento britânico em 1908. Ronnie Wilson (Neil North), um menino de 13 anos, é expulso sem julgamento da Escola Naval, sob alegação falsa de haver furtado de um colega, um cartão postal de cincoshillings. Seu pai, Arthur Winslow (Cedric Hardwicke), austero empregado de banco aposentado, convencido de sua inocência, empenha todos os recursos penosamente reunidos durante sua carreira de bancário, para reparar judicialmente a injustiça. Interessa-se pelo caso um famoso advogado e par do reino, Sir Robert Morton (Robert Donat) e a questão a esta altura passa a ser um caso eminentemente político, uma vez que se trata de rever, e possivelmente colocar em situação difícil, uma tradicional instituição de Sua Majestade Britânica. Asquith expõe com precisão o ambiente onde se desenrola o drama, mostrando a preponderância do patriarcalismo, o rigor na formação moral, enfim, os sentimentos típicos de uma família do início do século vinte, e contou com uma interpretação esplêndida de Robert Donat como Sir Robert Morton o grande advogado, arrogante mas justo, que consegue para seu cliente o direito de processar o rei, a fim de obter justiça.  Um bom exemplo é a cena de alta dramaticidade em que Robert interroga Ronnie e finalmente o acusa de mentiroso, reduzindo-o a lágrimas, resolvendo  depois, inesperadamente, aceitar a sua defesa, dizendo: “O garôto é obviamente inocente. Eu aceito a causa”.

Michael Redgrave, Jean Kent e Nigel Patrick em Nunca Te Amei

Brian Smith e Michael Redgrave em Nunca Te Amei

Nunca te Amei, baseado também em uma peça de Terence Rattigan é a história comovente de um professor de literatura grega, Andrew Crocker-Harris (Michael Redgrave). Desprezado por sua esposa, Millie (Jean Kent), que o trai com o professor de ciências, (Nigel Patrick), temido por seus alunos – que o apelidaram de “o crock (o velho) e “Himmler do terceiro ano”, zombando de seu rigor excessivo e insensibilidade -, sem amigos, física e moralmente esgotado, ele vai se aposentar prematuramente. Fechado sobre si mesmo, Crocker-Harris só recobra sua personalidade quando um aluno, Taplow (Brian Smith), lhe oferece um presente sincero: uma versão dada pelo poeta Robert Browning da tragédia de Agamemnon de Esquilo, que Harris na mocidade, traduzira apaixonadamente. Esta gentileza desperta seus valores humanos, há anos sufocados no coração. Ele enfrenta o diretor da escola (Wilfrid Hyde-White) que o prejudicou e ganha a afeição dos seus alunos após um comovente discurso de despedida. Quanto à sua mulher, revoltada com a última fraqueza do marido, deixa-o de vez, mas sem contar com o amante, que dela se afastara, não sem antes aconselhar Crocker-Harris contra ela. Asquith tratou o tema com profundidade, marcando cuidadosamente com pequenos detalhes as etapas dessa tragédia psicológica, que se desenvolve em um ritmo sempre  equilibrado e sóbrio. A performance de Michel Redgrave é extraordinária e lhe deu o prêmio de interpretação masculina no Festival de Cannes de 1951, sendo que o filme conquistou a láurea de melhor roteiro.

David Niven e Leslie Caron em Ato de Misericórdia

 

A parte final da carreira de Asquith, foi decepcionante.  Com Milhões e Com Carinho / The Millionairess / 1960 com Sophia Loren, Peter Sellars; Two Living, One Dead / 1961 (exibido apenas na TV inglêsa) com Virginia McKenna, Patrick McGoohan, Bill Travers; Ato de Misericórdia / Guns of Darkness/ 1962 com David Niven, Leslie Caron; Gente Muito Importante / The V.I.P.s / 1963 com Elizabeth Taylor, Richard Burton, Louis Jourdan, Elsa Martinelli, Margaret Rutherford, Maggie Smith, Rod Taylor, Orson Welles, Linda Christian, Dennis Price, Robert Coote e O Rolls-Royce Amarelo / The Yellow Rolls-Royce  / 1964 com Rex Harrison, Jeanne Moreau, Edmund Purdom, Moira Lister, Roland Culver, Shirley MacLaine, George C, Scott, Alain Delon, Ingrid Bergman, Omar Sharif, Art Carney), não satisfizeram plenamente sob o ponto de vista artístico, principalmente os dois últimos, apesar de seus orçamentos populdos proporcionados por fortes produtores (Anatole de Grunwald – Metro-Goldwyn-Mayer, do roteiro de ambos ter sido escrito por Terence Rattigan e da quantidade de astros nos seus elencos. Em 1963, Asquith fez o documentário Balé Real de Londres An Evening with the Royal Ballet, com os bailarinos Margot Fonteyn e Rudolf Nureyev. Em 1967, ele caiu doente durante o trabalho preparatório de uma adaptação do romance best-seller de Morris West, The Shoes of the Fisherman e morreu de câncer em 20 de fevereiro de 1968.

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