KAY FRANCIS

julho 15, 2020

Ela foi uma das atrizes mais populares da tela no anos 30, classificada como “a rainha da Warner Bros.“, “a mulher mais bem vestida do Cinema” e, por sua cor de pele morena e cabelos negros, “a americana mais brasileira de Hollywood” (aqui no Brasil houve até rumores de que ela teria nascido em Pernambuco). Entre 1930 e 1937 ninguém, a não ser Shirley Temple, apareceu mais nas capas das revistas de cinema dos Estados Unidos e, em nosso país, basta folhear as nossas Cinearte e A Scena Muda para constatar a constância de suas fotos em quase todos os números destas duas publicações, sempre chique em modelos muito admirados pelas fãs. Apesar de sofrer de uma leve gagueira e pronunciar os “rs” como “ws” (palavras começando por “r” eram cortadas dos roteiros de Francis) ela era uma das estrelas mais glamourosas e bem pagas (em meados da década de trinta seu salário de mais de 5 mil dólares semanais ultrapassava o de várias outras colegas), interpretando, primeiro na Paramount e depois na Warner Bros., mulheres elegantes e mundanas em melodramas românticos e, eventualmente, em algumas comédias.

Kay Francis

Katharine Edwina Gibbs (1905-1968), nasceu em Oklahoma City, filha de Joseph Gibbs, proprietário de terras e criador de cavalos que havia perdido sua fortuna quando ela nasceu e de Katherine Clinton, atriz de teatro. Quando Kay tinha nove meses de idade a família se mudou para a Califórnia e depois foi para Denver e Salt Lake City onde, Mrs. Gibbs, cansada das frequentes mudanças, problemas financeiros e alcoolismo de Joseph, e arrependimento por ter abandonado a carreira teatral, decidiu se separar do marido e voltar para o palco.

A pequena Katharine passou a infância acompanhando a mãe em suas excursões frequentes, estudando em alguns colégios religiosos e finalmente em uma escola de treinamento para secretárias de Nova York até que arrumou emprego como assistente de Juliana Cutting, organizadora de festas para a alta sociedade novaiorquina. Nesta ocasião a carreira de sua mãe teve um impulso, quando ela apareceu em duas peças no Garrick Theater de Nova York, produzidas pelo prestigioso Theatre Guild.

Em 1922 Kay trabalhou brevemente como modelo e como secretária, perdeu sua virgindade e iniciou uma vida de sexualidade desinibida (casou-se aos 17 anos de idade com James Dwight Francis, filho de família rica, teve amantes de ambos os sexos e fez três abortos). Ela se divorciou de James em 1925 e neste mesmo ano estreou no teatro em uma versão moderna do “ Hamlet” de Shakespeare, casou-se com William Gaston, assistente de um promotor público (outro matrimônio frustrado) e fez um teste no estúdio da Famous Players em Astoria para o diretor David Wark Griffith, provavelmente para ser incluída no elenco de Tristezas de Satanás / Sorrow of Satan. Mas não deu em nada.

Deixando de lado a vida pessoal de Kay – seus / suas amantes, mais um aborto, início de sua tendência para o alcoolismo, algumas aparições no teatro, trabalho como modelo, vejamos como ela debutou no cinema. Existem várias versões, mas parece que foi por intermédio de Walter Huston, o ator principal de “Elmer the Great”, peça na qual ela desempenhara um pequeno papel como uma corista. Escolhido para liderar o elenco de Algema Cruel / Gentlemen of the Press / 1929, Huston teria convencido os responsáveis pela Paramount a contratar Kay. Logo em seguida, ela participou de um filme dos Irmãos Marx, Hotel da Fuzarca / The Cocoanuts / 1929, usando em ambos o nome artístico de Katherine Francis. Após Kay ter completado seus dois primeiros filmes em Nova York, a Paramount decidiu transferí-la para Los Angeles a fim de continuar sua carreira no estúdio da Melrose Avenue em Hollywood e, assim que ela chegou, imediatamente iniciou uma campanha de publicidade, lançando Kay como competidora das duas atrizes consideradas as ”mais bem vestidas” da época, Constance Bennett e Lilyan Tashman. Sua presença esbelta e vistosa, figura de modelo (com 1.75 ms de altura), cabelos  bem pretos e capacidade de se vestir com elegância  (com figurinos de Travis Banton e Orry-Kelly) ela conquistou o público, principalmente o feminino.

Kay Francis e Ronald Colman em Raffles

Nos seus filmes iniciais em Hollywood, a maioria deles na Paramount – Curvas Perigosas / Dangerous Curves / 1929 com Clara Bow e Richard Arlen; Ilusão / Illusion / 1929 com Charles “ Buddy” Rogers, Nancy Carroll; Órfãos do Divórcio / The Marriage Playground / 1929 com Mary Brian, Fredric March; Por Traz da Máscara / Behind the Make-Up / 1930 com Hal Skelly, William Powell, Fay Wray; Caminhos da Sorte / Street of Chance / 1930 com William Powell, Jean Arthur; Paramount em Grande Gala / Paramount on Parade / 1930 com um elenco de astros e estrelas; Mulher Desejada / A Notorious Affair / 1930  (First National) com Billie Dove, Basil Rathbone – Kay não teve o papel principal, o que só viria acontecer em Defesa Que Humilha / For the Defense  / 1930 e logo depois em Raffles /  Raffles / 1930 (Samuel Goldwyn), nos quais dividiu o estrelato respectivamente com William Powell e Ronald Colman. Foram os seus dois melhores filmes até então.

Kay Francis e Jack Oakie em Naufrágio Amoroso

Ela fez sucessivamente, – salvo quando mencionados outros estúdios – na Paramount: Naufrágio Amoroso / Let´s Go Native / 1930 (com Jeannette MacDonald encabeçando o elenco); Coragem de Amar / The Virtuous Sin / 1930 com Walter Huston, Kenneth MacKenna); Um Sonho Apenas / Passion Flower / 1930 (MGM) com Kay Johnson, Charles Bickford; Página de Escândalo / Scandal Sheet /1931 com George Bancroft, Clive Brook; O Benzinho de Todas / Ladie´s Man /1931 com William Powell, Carole Lombard. The Vice Squad / 1931 com Paul Lukas; Reconquistada / Transgression / 1931 (RKO) com Paul Cavanagh, Ricardo Cortez; Mãos Culpadas / Guilty Hands/ 1931 (MGM) com Lionel Barrymore, Madge Evans; 24 Horas / 24 Hours / 1931 com Clive Brook, Miriam Hopkins; Prá Que Casar / Girls About Town / 1931 com Joel McCrea, Lilyan Tashman; A Falsa Madona / The False Madonna / 1932 com William “ Stage” Boyd; A Volta do Deserdado / Strangers in Love  / 1932 com Fredric March.

Lionel Barrymore e Kay Francis em Mãos Culpadas

Neste lote destaco em negrito Mãos Culpadas, drama criminal com ótimo enredo: em uma viagem de trem, o ex-promotor público e agora advogado, Richard Grant (Lionel Barrymore), diz para seus companheiros de viagem que, baseado em sua longa experiência, o assassinato algumas vezes pode ser justificado e uma pessoa inteligente deve ser capaz de cometê-lo, sem ser descoberto. É o que ele pretende fazer, a fim de impedir que sua filha (Madge Evans) se case com Gordon Rich (Alan Mowbray) um canalha bem mais velho do que ela. Kay faz o papel da amante despeitada de Rich, que suspeita de que a morte dele não foi suicídio, como Grant fizera a polícia crer. O diretor W. S. Van Dyke dirigiu com boa imaginação cinematográfica um roteiro cheio de reviravoltas e Barrymore brindou o espectador com um de seus melhores desempenhos.

Kay Francis e Ricado Cortez em Capricho Branco

Em 1931, Kay casou-se com o ator Kenneth MacKenna. Pouco depois assinou contrato com a Warner Bros. e, depois de fazer três de seus melhores filmes em 1932 – Ladrão Romântico / Jewel Robbery; A Única Solução / One Way Passage; Ladrão de Alcova / Trouble in Paradise (este na Paramount) – seus papéis foram diminuindo de qualidade em produções de menor merecimento artístico: 1932 – Amante Discreta / Cynara com Ronald Colman. 1933 – Pela Fechadura / The Keyhole com George Brent; Aurora de Duas Vidas / Storm at Daybreak (MGM) com Nils Asther, Walter Huston; Mulher e Médica / Mary Stevens, M.D. com Lyle Talbott, Glenda Farrell; A Mulher Que Eu Amei / I Loved a Woman (First National) com Edward G. Robinson; Presa do Destino / The House on 56th Street com Ricardo Cortez, Gene Raymond. 1934 – Capricho Branco / Mandalay com Ricardo Cortez, Lyle Talbot; Wonder Bar / Wonder Bar (First National) com Al Jolson, Dolores Del Rio, Ricardo Cortez, Dick Powell; Monica / Dr. Monica com Warren William.  Espionagem / British Agent (First National) com Leslie Howard. 1935 – Vivendo em Veludo / Living on Velvet (First National) com Warren William; O Primeiro Beijo / Stranded com George Brent; A Favorita / The Goose and the Gander com George Brent; Amores Trágicos / I Found Stella Parrish com (First National) com Ian Hunter, Paul Lukas. 1936 – Anjo de Piedade / White Angel com Ian Hunter, Donald Woods; Dá-me Teu Coração / Give Me Your Heart com George Brent; 1937 – Ventura Roubada / Stolen Holiday com Claude Rains, Ian Hunter; Outra Aurora / Another Dawn com Errol Flynn, Ian Hunter; Confession; Intrigas da Alta Roda / First Lady com Anita Louise, Preston Foster. 1938 –  Assim São as Mulheres / Women Are Like That com Pat O´Brien , Ralph Forbes; Filhos Sem Lar / My Bill com Dickie Moore, Bonita Granville; Segredos de uma Atriz / Secrets of an Artist com George Brent, Ian Hunter; Promessa CumpridaComet Over Broadway com Ian Hunter. 1939 – Contra a Lei / King of the Underworld com Humphrey Bogart; Mulheres Que O Vento Leva / Women in the Wind com William Gargan.

Kay Francis e Ronald Colman em Amante Discreta

Kay Francis, Walter Huston e NIls Asther em Aurora de Duas Vidas

Ricardo Cortez, Dolores Del Rio,   Al Jolson, Kay Francis e Dick Powell  em Wonder Bar

Kay Francis e Warren William em Monica 

Leslie Howard e Kay Francis em Espionagem

George Brent e Kay Francis em Dá-me Teu Coração

Ladrão Romântico, muito bem dirigido por William Dieterle, é uma comédia romântica excelente, baseada em uma peça de Ladislaus Fodor, sobre uma dama da alta sociedade, Baronesa Teri (Kay Francis), esposa adúltera de um milionário que percebeu o vazio de sua vida e se curou de seu tédio com um ladrão de jóias audacioso, elegante e requintado  (William Powell), – parecido com o Arsène Lupin de Maurice Leblanc. Dotado de uma técnica incomparável para esvaziar as joalherias da Ringstrasse de Viena nas barbas das autoridades, ele ridiculariza os representantes da lei e até o prefeito sucumbe aos cigarros de marijuana oferecidos pelo charmoso larápio. Outra dose parecida de amoralidade – pois trata-se de um filme anterior ao Código Hays – é o decote escandalosamente ousado nas costas de Teri e, no final, o oferecimento de seu marido para uma cura de descanso em Nice, onde a espera o irresistível gatuno.

Kay Francis e William Powell em Ladrão

A Única Solução é um melodrama com história original de Robert Lord premiada com o Oscar. Dan Hardesty (William Powell), condenado  por homicídio e preso em Honk Kong é levado para San Francisco no transtlântico  SS Maloa a bordo do qual se encontra com uma doente incurável, Joan Ames (Kay Francis). Os dois se envolvem em um idílio, cada qual sem saber que a vida do outro está prestes a se extinguir. O diretor Tay Garnett deu pungência ao tema romântico, equlibrando-o com toques de comédia, providenciados por Aline MacMahon e Frank McHugh, um vigarista e uma falsa condessa, espécie de cupidos dos casal com os dias contados.

William Powell e Kay Francis em A Única Solução

Em Ladrão de Alcova, comédia romântica dirigida magnificamente por Ernst Lubitsch, Gaston Monescu (Herbert Marshall) e Lily (Miriam Hopkins) são dois ladrões cosmopolitas que pretendem furtar as jóias de Madame Mariette Colet  (Kay Francis), dona de uma fábrica de perfumes, empregando-se em sua casa. Depois de muitos imprevistos, finura e mordacidade, termina esta farsa mundana, deliciosamente cínica e amoral, um dos filmes prediletos do diretor, que conta ainda com a presença hilariante de Edward Everett Horton e Charles Ruggles como os rivais pela mão de Madame Cole.

Kay, Herbert Marshall e Miriam Hopkins em Ladrão de Alcova

Kay Francis e Herbert Marshall em Ladrão de Alcova

Confession, é a refilmagem – incompreensívelmente inédita no Brasil, pois se tratava de uma produção classe A da Warner – do filme alemão Mazurca / Mazurka / 1935 de Willi Forst com Pola Negri, coincidentemente dirigida por outro alemão, Joe May, então radicado nos EUA. Tal como na produção germânica, a história foi valorizada pela excelência da direção. Kay é Vera Kowalska, cantora de ópera pupila de um grande maestro, Michael Michailow (Basil Rathbone), seu admirador; porém ela se casa com outro e tem uma filha, Lisa (Jane Bryan). Quando o marido vai para a guerra, ela se embriaga em uma festa e se entrega ao maestro. O marido fica sabendo de tudo,  deixa-a e se casa novamente, obtendo a guarda da filha. Vera, para ganhar a vida, vai ser cantora em um cabaré. Basta descrever uma sequência do filme para mostrar a intuição de cinema de Joe May. Vera está cantando no cabaré. De repente ela avista em uma das mesas, o ex-amante beijando sua filha. Vera desmaia. Nervoso, o maestro resolve sair rapidamente com a garota. Quando estão subindo a escada em direção à porta de saída, a câmera se volta para baixo, onde vemos Vera com um revólver na mão. Ela atira e atinge Michailov pelas costas. O corpo dele rola pela escada, indo cair ao lado de algumas serpentinas e da arma assassina.

Kay Francis na filmagem de Confession

Na sua vida íntima sempre turbulenta Kay divorciou-se de Kenneth MacKenna, continuou se entregando à bebida, fazendo abortos e colecionando amantes entre eles Maurice Chevalier, Otto Preminger, Delmer Daves, Rouben Mamoulian e Fritz Lang. Sua carreira que parecia tão promissora dez anos atrás, tornou-se um fardo em 1939, por ter a Warner colocado a atriz em um amontoado de filmes com histórias ruins; mas havia se tornado uma milionária. Durante a filmagem de seu último filme neste estúdio, Mulheres Que O Vento Leva, ela concedeu uma entrevista para a revista Photoplay, cujo título e primeira frase era: “I can´t wait to be forgotten”.

Em fevereiro de 1939 a RKO contratou-a para Esposa Só No Nome / In Name Only, bom filme de John Cromwell, no qual ela contracenou com Carole Lombard e Cary Grant e impressionou os críticos, interpretando uma esposa vingativa e amarga. Em janeiro de 1940 trabalhou com Deanna Durbin e Walter Pidgeon na Universal em Rival Sublime / It´s a Date, sob a direção de William Seiter, atuando como mãe de Deanna. Esta, é claro, era a principal atração, porém Kay não ficou embaraçada no papel de uma estrela envelhecida que é obrigada a competir com sua filha.

Jack Benny e Kay Francis em A Tia de Carlitos

 

Cena de Sempre no MeuCoração

Como free lancer Kay fez em seguida: 1940 – A Vingança dos Daltons  / When The Daltons Rode  (Universal) com Randolph Scott, Brian Donlevy; Homenzinho / Little Men (RKO) com Jack Oakie, George Bancroft. 1941 – Mulheres de Luxo / Play Girl (RKO) com James Ellison); O Homem Que Se Perdeu / The Man Who Lost Himself (Universal) com Brian Aherne; A Tia de Carlitos / Charley´s Aunt (Twentieth Century-Fox) com Jack Benny, James Ellison, Anne Baxter; Ciúme Não é Pecado / The Feminine Touch (MGM) com Rosalind Russell, Don Ameche, Van Heflin. 1942 – Sempre no Meu Coração / Always in My Heart (Warner Bros.), com Walter Huston, Gloria Warren; Fruta Cobiçada / Between Us Girls (Universal) com Diana Barrymore, Robert Cummings. 1944 – Quatro Moças Num Jeep/ Four Jills in a Jeep (Twentieth Century-Fox) com Carole Lombard, Martha Raye, Mitzi Mayfair. Neste grupo de filmes, sobressaiu Sempre no Meu Coração, apenas por ter sido grande sucesso de público no Brasil, tendo ficado 22 semanas em cartaz no Rio de Janeiro

Durante a Segunda Guerra Mundial Kay colaborou com o esforço de guerra, ajudando a divertir as tropas em shows domésticos e no exterior, visitando hospitais e servindo mesas em cantinas especiais para soldados. Em abril de 1945  esteve no Brasil, cumprindo missão da U. S. O. Camp Shows, primeiro no Recife e depois no Rio de Janeiro.

Em 1945-1946 Kay produziu com Jeffrey Bernerd seus três filmes derradeiros, todos de baixo orçamento e distribuídos pela Monogram:  1945 – Divórcio / Divorce com Bruce Cabot; Esposas ErrantesAllotment Wives com Paul Kelly. 1946 – Precisa-se de uma Esposa / Wife Wanted com Paul Cavanagh. Em 1946 ela se retirou do cinema e, exceto algum trabalho no palco e aparições na televisão no início dos anos 50, evitou totalmente os refletores. Quando faleceu em 1968, vitimada pelo cancer, deixou a maior parte da sua fortuna de quase 2 milhões de dólares para a Seeing Eyes, Inc., organização que treinava cães para serem guias de cegos.

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