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A ÉPOCA DE OURO DO CINEMA MEXICANO

A época de ouro do Cinema Mexicano coincidiu com as administrações de Lázaro Cardenas (1934-1940), Manuel Ávila Camacho (1940-1946) e Miguel Alemán Valdés (1946-1952) e estava relacionada a um crescimento econômico e prosperidade sem precedentes no país.

Outro fator que contribuiu para esse período de lucro e produtividade foram os benefícios do alinhamento do México com os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial em virtude do afundamento de navios petroleiros mexicanos pelos alemães. Os americanos ajudaram a nação vizinha a incentivar a indústria do cinema, fazendo empréstimos ou investimento direto, fornecendo-lhe filme virgem, equipamentos e assessoramento técnico a um bom preço.

Graças a essa ajuda americana (que foi negada por motivos políticos às indústrias de cinema da Espanha e da Argentina) a indústria de cinema mexicana tornou-se a maior produtora de filmes de língua espanhola, desafiando significativamente a hegemonia de Hollywood no ramo da exibição pela América Latina, pois a maioria dos filmes americanos realizados entre 1940 e 1945 refletiam um interesse por temas de guerra, alheios ao gosto latino e a. escassa produção européia tampouco representava uma concorrência considerável.

Paralelamente, no período do “Cine de Oro”, o governo mexicano se interessou mais pelo cinema, na medida em que era preciso proteger um patrimônio cultural e econômico. Assim, em 1942 foi fundado o Banco Cinematográfico, para facilitar o financiamento da produção de filmes.

A consolidação da indústria de cinema mexicana foi também produto de um star system, cujos atores e atrizes até hoje são reconhecidos internacionalmente como, por exemplo, Maria Felix, Mario Moreno “Cantinflas”, Pedro Armendáriz, Dolores Del Rio e Arturo de Córdova.

No ano passado, conseguí cópias em dvd de alguns filmes dos “anos dourados” – Flor Silvestre / Flor Silvestre / 1944, Maria Candelária / Maria Candelária / 1944, As Abandonadas / Las Abandonadas / 1945, Coração Torturado / Bugambilia / 1945, Enamorada / Enamorada / 1947, Rio Escondido / Rio Escondido / 1948, Maclovia / Maclovia / 1949, A Malquerida / La Malquerida / 1950 -, que não conhecia porque, quando passaram no Brasil, eu era ainda muito jovem e me interessava mais pelas comédias do Cantinflas. Por coincidência, todos esses filmes foram dirigidos por Emilio Fernández e fotografados por Gabriel Figueroa, os expoentes daquele período glorioso da cinematografia mexicana.

Em 1943, Fernández formou pela primeira vez a equipe com o fotógrafo Figueroa, o roteirista Mauricio Magdaleno e os atores Dolores Del Rio e Pedro Armendáriz. Este grupo de trabalho, depois enriquecido pela presença de Maria Felix, seria o responsável pela maioria dos filmes que deram fama mundial ao cinema mexicano.

Fernández, apelidado de “El Índio” por suas raízes indígenas, era um bom diretor, porém foi sem dúvida o extraordinário estilo visual de seu diretor de fotografia Figueroa que mais distinguiu os filmes da dupla. Fernández costumava se vangloriar dizendo: “Só existe um México: aquele que eu inventei” – mas foi a sensibilidade altamente dramática de Figueroa pela terra que engendrou esta invenção.

Sôbre o “estilo Figueroa”, um comentarista mexicano sintetizou-o com perfeição: “ele se impregnou do nacionalismo cultural da época, construindo com um marcado senso plástico um México sublime, onde homens com traje de vaqueiro e mulheres com xales, céus dramáticos, claro-escuros espetaculares e paisagens, nos submergem numa realidade idílica e edificam um país que, sem ser legítimo na sua totalidade, nos outorgou uma identidade”.

A criação do estilo cinematográfico mexicano clássico de Fernandez e Figueroa sofreu influência do cinema de Eisenstein, das aulas de iluminação e composição do diretor de fotografia Gregg Toland – de quem Figueroa foi aluno ao conseguir uma bolsa para estudar em Hollywood – e da obra dos pintores David Alfaro Siqueiros, Diego Rivera e José Clemente Orozco. Figueroa mantinha amizade com os três e admitidamente tomou emprestado elementos pictóricos dos muralistas.

Fernández chamava seus filmes de “autos sacramentais de mexicanidade”. Ele desejava mexicanizar os mexicanos, ou seja, mudar aquela imagem tão divulgada pelo cinema americano de um mexicano preguiçoso, bêbado, sanguinário e sem caráter. Então a figura do indígena, heróico e nobre, completamente distante da realidade em que viviam as comunidades indígenas mexicanas daquele tempo, passou a representar um México mais digno, que poderia ser mostrado ao mundo inteiro com altivez e orgulho.

A época de ouro do cinema mexicano atingiu o auge quando Maria Candelária ganhou o Grande Prêmio no Festival de Cannes em 1946.

Trágica história de proporções épicas, o filme passa-se pouco antes do início da Revolução Mexicana de 1910 e sua ação se localiza espacialmente em Xochimilco, sítio dos famosos jardins flutuantes, considerados uma obra-prima da engenharia hidráulica do tempo do Império Azteca.

Uma maldição pesa sobre Maria Candelária (Dolores Del Rio), cuja mãe tinha a reputação de ser uma prostituta. Ajudada pelo noivo, Lorenzo (Pedro Armendáriz), ela tenta ganhar a vida vendendo as flores cultivadas no seu jardim. Ambos têm que se defender da hostilidade dos aldeões, que não perdoam a Maria a sua origem. O mais furioso é o comerciante Don Damian (Miguel Inclan), que vive cobrando as dívidas da jovem e não hesita em lhe negar a quinina necessária para curá-la da malária. Lorenzo rouba a quinina e é preso. Maria é forçada a pedir a intervenção de um pintor espanhol, que está de passagem pela aldeia e, em troca de seu auxílio, consente em ter seu rosto retratado por ele; porém o povo pensa ter sido também Maria quem serviu de modelo para o corpo nu representado na tela. Ela é perseguida pela população, que a apedreja diante da prisão onde se encontra Lorenzo.

A maior parte do filme se desenrola em exteriores e neles se situam as suas melhores seqüências: a chegada de Maria no barco coberto de flores, a hostilidade muda dos aldeões, o batismo dos animais e o grande clímax quando a população, carregando tochas acesas persegue Maria através do milharal e finalmente ocorre o linchamento.

Gostei de todos os oito filmes de minha retrospectiva particular, mas foi Maria Candelária o que mais me impressionou.

AC

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