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OS SERIADOS DE ANTIGAMENTE

Para quem teve a sorte de ser criança nas décadas de 30, 40 e 50, acontecia uma coisa mágica nas sessões dos sábados e domingos dos cinemas de bairros: os seriados.

Era um mundo fantástico de cidades perdidas e tesouros escondidos, passagens secretas e armadilhas traiçoeiras, perseguições eletrizantes e perigos fatais, vilões misteriosos e heróis mascarados – puro escapismo, sim, mas irresistível.

A trama continuava em outros capítulos (chapters), geralmente 12 ou 15, terminando cada um por um lance de suspense (cliffhanger), para forçar o espectador a assistir aos subseqüentes. No final de cada capítulo, o mocinho ou a mocinha ficavam à mercê de uma situação mortífera da qual a rigor não poderiam escapar, mas, no início do capítulo seguinte, exibido somente “na próxima semana”, conseguiam sair milagrosamente ilesos.

 

A fórmula continha ainda os seguintes atrativos: um mínimo de diálogos, muita ação e estreito relacionamento com as histórias em quadrinhos. Era um esquema infalível que funcionou desde a época silenciosa do Cinema, porém a idade de ouro dos serials deu-se na fase sonora, quando foram produzidos 231 filmes deste tipo, sendo 69 pela Universal, 66 pela Republic, 57 pela Columbia, 24 pela Mascot e 15 por outras companhias.

A partir do final da Segunda Guerra Mundial, o gosto do público foi mudando, advieram dificuldades econômicas e a concorrência da televisão e, em 1949, a Universal parou de produzí-los, deixando o mercado para a Republic e a Columbia (que a esta altura já havia incorporado a Mascot), persistindo ambas em funcionamento até 1956.

O ator mais lembrado pelos fãs nostálgicos dos serials foi Buster Crabbe (1908-1983), que chegou a ser chamado de “O Rei dos Seriados”.

 

Nascido em Oakland, Califórnia, Clarence Linden Crabbe foi criado no Havaí e mais tarde voltou para os EUA, ingressando na Universidade, para seguir o curso de Direito. Lá transformou-se no campeão olímpico de 1932 (Crabbe bateu o recorde de 400 metros, nado livre, vencendo o francês Jean Taris, favorito da prova, por 1/10 de segundo) e começou a trabalhar em espetáculos em piscinas denominados acquacades.

Ainda nesse tempo, arrumou emprego no cinema como figurante e dublê (foi ele quem substituiu Joel McCrea nas cenas arriscadas de Zaroff, o Caçador de Vidas / The Most Dangerous Game / 1932) e se apresentou depois à MGM, a fim de ser testado para o papel de Tarzan; mas o estúdio preferiu Johnny Weissmuller.

A Paramount acabou contratando Crabbe para encarnar Kaspas, o Homem-Leão / King of the Jungle / 1935 e, no mesmo ano, ele aceitou fazer para a Principal Pictures o seu primeiro seriado, Tarzan, o Destemido / Tarzan, the Fearless. Crabbe fez alguns filmes de segunda categoria até 1936, quando se tornou o ator principal de Flash Gordon / Flash Gordon.

O seriado com o célebre personagem dos quadrinhos teve duas continuações, Flash Gordon no Planeta Marte / Flash Gordon’s Trip to Mars / 1938 e Flash Gordon Conquistando o Mundo / Flash Gordon Conquers the Universe / 1940, ambas com Crabbe, que viveu ainda outras figuras dos comics como Red Barry / Red Barry / 1938 e Buck Rogers / Buck Rogers / 1939.

 

Nos anos seguintes, o simpático ator encabeçou os elencos de faroestes de orçamento reduzido entre eles duas séries da PRC, Billy the Kid (13 filmes) e Billy Carson (22 filmes) e dos seriados O Terror dos Mares / The Sea Hound / 1947, Piratas do Alto-Mar / Pirates of the High Seas / 1950 e Os Mistérios da África / King of the Congo / 1952.

Talvez tenha sido Flash Gordon o mais famoso seriado de todos os tempos. Impressionados com o sucesso da história em quadrinhos de Alex Raymond, cuja publicação no jornal começara em 1934, os chefões da Universal resolveram filmá-la em 13 episódios, pondo à disposição do produtor Henry McRae um orçamento de um milhão de dólares, soma espantosa, levando-se em conta a época e a espécie de filme que ia ser feito.

 

Para reconstituir economicamente a estranha paisagem do Planeta Mongo, tal como ilustrada pelo excelente desenhista, o estúdio apelou para o seu próprio Departamento de Adereços, utilizando em Flash Gordon muitos cenários e objetos de filmes anteriores como Frankenstein / Frankenstein / 1931, A Múmia / The Mummy / 1932 e O Poder Invisível / The Invisible Ray / 1936 e retirando do arquivo sequências de filmes mudos como O Sol da Meia-Noite / The Midnight Sun / 1927.

Na seleção da música também houve poupança, tendo sido aproveitados partes de trilhas sonoras de filmes de horror produzidas anteriormente como O Homem Invisível / Invisible Man / 1933, O Lobishomem de Londres / Werewolf of London / 1935, A Noiva de Frankenstein / Bride of Frankenstein / 1935, etc. às quais adicionaram música de Tchaikovski. para o balé “Romeu e Julieta”.

Curiosamente, estas composições, feitas para transmitir terror, melodrama ou romance, funcionaram muito bem como pano de fundo para lutas de espada e perseguições de foguetes tanto que nas continuações prosseguiram usando musical scorings de filmes antigos da companhia.

Conseguiu-se mais economia ao filmar-se a maioria das cenas de Flash Gordon em interiores ou nos terrenos da Universal com exceção de algumas locações distantes no Bronson Canyon, área cheia de paredões rochosos e cavernas, ideal para reconstituir o pré-histórico panorama de Mongo.

Os roteiristas Frederik Stephani (que acumulou a função de diretor), George Plymptin, Basil Dickey e Ella O’Neill inspiraram-se nos textos de Alex Raymond, procurando seguí-los o mais fielmente possível e os vestuários foram confeccionados meticulosamente pela Hollywood Western Costume Company.

Nas cenas de briga atuou o stuntman Eddie Parker e, no elenco, Buster Crabbe / Flash Gordon; Jean Rogers / Dale Evans; Frank Shannon / Dr. Zarkov; Charles Middleton / Ming; Priscilla Lawson / Princesa Aura); Richard Alexander / Príncipe Barin, John “Tiny” Lipson / Vultan; Duke York Jr./ Kala; James Pierce / Príncipe Thun, o Homem-Leão; Glenn Strange / Homem-Dinossauro e Ray “Crash” Corrigan oculto sob a fantasia de um oragotango peludo, sem dizer palavra.

No decorrer dos anos houve outras versões de Flash Gordon no cinema, no rádio e na TV. Infelizmente, em todas elas, faltou a presença de Buster Crabbe, um dos poucos atores que parecia mesmo um herói do gibi.

AC

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  • I feel like I’m often looking for interesting things to read about a variety of topics, but I manage to include your blog among my reads every day because you have compelling entries that I look forward to. Here’s hoping there’s a lot more top-notch material coming!

  • Que prazer ler novamente seus artigos, meu caro Antônio Carlos. Permita me dirigir assim, pois tenho todos os números da extinta e saudosa Cinemin, me acostumei a ler com grande interesse seus comentários e, por isso, sinto-me como se o conhecesse pessoalmente.
    Semana passada terminei de rever Flash Gordon no Planeta Marte. Poucos cenários (muito repetidos), mas fantásticos pelo aspecto futurista, mesmo agora, músicas belíssimas (percebe-se sua origem na música erudita) e, realmente, muito adequadas (Creio que em Flash Gordon no Planeta Mongo eram tocados trechos de "Os Prelúdios", de Liszt, inclusive). No seu comentário só faltou mencionar as antigas matinés, com a criançada esperando impacientemente pela sequência do seriado semanal e o barulho da torcida, feita com os pés batendo no assoalho do cinema, no momento em que o herói vinha em socorro da mocinha ou dos companheiros. E concordo plenamente: Buster Crabbe parecia ter saído diretamente das páginas de um "gibi".
    A. C., foi realmente um prazer encontrá-lo novamente.

    • Prezado Braga. Fiquei muito contente em rever um antigo leitor da Cinemin. Espero receber muitas visitas suas no meu blog para continuarmos amigos. Seus comentários enriquecerão os meus textos. Meu propósito continua sendo o de divulgar a cultura cinematogrática sobre cinema antigo. Esforço-me para que tudo saia bem, mas conto com a colaboração de leitores como você para corrigir meus possíveis erros. Para o bem de todos que amam o Cinema de Outrora.

  • Caros,

    Adorei este blog e já o inseri em meus favoritos para sempre dar uma olhadinha.

    Gostaria de saber se existe a disponibilidade da legenda em PT do filme Tarzan the fearless?

    Grato,
    Eduardo.

    • Prezado Eduardo. Você se referiu a "Caros" , mas eu faço o blog sozinho. Infelizmente não tenho a informação que você me pediu. Volte sempre.

  • flash gordon em Mongo talvez seja o melhor seriado do cinema: o carisma de buster crabbe,a beleza de jean rogers, a excelente adaptação dos quadrinhos para o cinema-tudo isso devidoa direção de frederick stephani...imagine se ray taylor e ford beebe que exculhambaram os seriados da universal tivesse dirigido esse seriado ?

    • Para mim é um dos melhores.Gosto também de Capt. Marvel, Fantasma, Maravilhoso Mascarado,Capt. America,Spy Smasher.

  • Tenho muitas saudades dos seriados antigos como por exemplo: The sea Hound-The secret code-Falcao negro-Filmes de tarzan-Jim das selvas; seria bom se pudesse baixar gratuitamente.

  • Meu Caro Antonio Carlos

    Que aula de cinema,a cada artigo!
    Os verdadeiros Fãs de Cinema agradecem-de joelhos-sua enorme contribuição no resgate das
    nossas mais inesquecíveis recordações.
    Obrigado,amigo.Go ahead !
    Paulo Tardin

    • Querido Paulo. Sua contribuição para o Cinema é muito mais valiosa do que a minha, pois, com o seu Clube de Cultura Cinematográfica, Cine-TV Nostalgia, nos traz a "matéria prima da qual são feitos os sonhos", ou seja, os filmes raros que só você possui. Acho que você, como especialista número um do Brasil em seriados e westerns, deveria ter um blogue. Agora sou eu quem diz: Go Ahead!

  • Gostaria de obter os seguintes seriados: The sea hound-The secret code- jim daS SELVAS-tarzan com lex backer.

  • Ola Tardin: ´Vasculhando seu site. assisti a entrevista em que voce aparece, lembrei-me, mais uma vez, de perguntar se voce ainda dispõe dos seriados "O Terror dos Espiões" da Republic e "Código Secreto", ambos em Preto e Branco e legendados. Qual o preço de cada um? Um abraço

    • Sinto-me honrado com suas visitas. Atendendo à sua sugestão, escreví o artigo "Heróis dos Quadrinhos nos Seriados Sonoros Americanos". Gostou?

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