Arquivo mensais:abril 2025

ANÁLISE DE SINDICATO DE LADRÕES / ON THE WATERFRONT / 1954 DE ELIA KAZAN

RESUMO DO ARGUMENTO

Terry Malloy (Marlon Brando) vagueia pelas docas de Nova York, fazendo pequenos serviços para Johnny Friendly (Lee J. Cobb), o desonesto chefão do sindicato local. Ele sonha com o mundo do boxe profissional, do qual participou por pouco tempo, enquanto cuida dos pombos que mantém no terraço do prédio onde mora. Certo dia, segue as ordens de Friendly e somente depois percebe que foi usado para atrair um homem à morte. Mais tarde, sente-se ainda mais perturbado, quando conhece Edie (Eva Marie Saint), a irmã do rapaz assassinado, por quem se apaixona. Sem saber do envolvimento de Terry, ela lhe pede ajuda para descobrir os responsáveis. Um deles, é Charley (Rod Steiger), irmão de Terry, advogado sem escrúpulos, que se tornou um simples capanga de Friendly. Terry se afasta deles, apoiado pelo Padre Barry (Karl Malden), um corajoso sacerdote do cais, que procura aliados contra a corrupção. Quando Friendly sabe da mudança de Terry, instrui Charley para que ele consiga o silêncio do rapaz. Como Charley não consegue cumprir a missão, Friendly manda matá-lo. Terry presta declarações à Comissão contra o Crime e, após um confronto brutal entre ele e Friendly, mesmo depois de ser espancado pelos asseclas deste, conduz heroicamente os estivadores para o trabalho, livres da exploração e do controle dos gângsteres.

Elia Kazan e Marlon brando

CONTÉUDO

O filme, em primeiro lugar, é uma transposição de fatos reais. O roteiro foi baseado numa série de reportagens, intitulada “Crime on the Waterfront”, premiada com o Pulitzer, feita em 1949 pelo jornalista Malcolm Johnson sobre a situação dos estivadores do porto de Nova York, explorados e atemorizados por uma quadrilha que dominava os sindicatos. O padre Barry do filme foi inspirado no padre John Corridan, que realmente existiu e prestou várias informações ao Kazan e ao roteirista Budd Schulberg.

O tema social aproxima Sindicato dos Ladrões dos filmes de tese que Kazan havia feito no final dos anos 40 como O Justiceiro / Boomerang, sobre erro judiciário, A Luz é Para Todos / Gentleman’s Agreement, sobre anti-semitismo, e O Que a Carne Herda / Pinky, sobre discriminação racial dos negros.

O roteirista Budd Schulberg, com base nos mesmos fatos, escreveu o romance intitulado “Waterfront”, que é mais fiel à realidade. O personagem central é o padre e não o jovem estivador e o desenlace é de um pessimismo completamente escamoteado no filme: o gângster denunciado continua à frente do sindicato, o padre é transferido para outra paróquia, após ter sido repreendido pelo bispo e, algumas semanas mais tarde, o corpo de Terry Malloy é encontrado numa lata de lixo, perfurado com 27 golpes de um pegador de gelo. Já o filme tem um final feliz de acordo com as regras impostas por Hollywood e nele os autores se interessaram menos pela denúncia social do que pelo drama de consciência do delator.

Marlon Brando e Eva Marie Saint

A ação do filme assemelha-se com a dos filmes de gângster, tem toda a iconografia do gênero; mas, além dessa aventura exterior e policial há uma Aventura Interior, que é a alma sobressaltada do jovem estivador, diante do dilema de delatar ou não a quadrilha da qual faz parte o seu próprio irmão e da qual e ele é ao mesmo tempo protegido e ingênuo comparsa. Enfim, mais do que um filme de gângster Sindicato de Ladrões é a Análise De Uma Consciência Que Desperta, daí a sua significação humana e cristã. Este é o primeiro tema do filme.

Lee J. Cobb e Brando

Aos poucos, duplamente influenciado pelo padre e pela moça que ama, Terry adquire a noção de um dever pessoal para com a coletividade, para com a justiça e com a verdade e, ao enfrentar com esforço sobrehumano a gangue sindical, ele se torna um mártir. Aquela caminhada final é sem dúvida uma via crucis, um calvário. Mas também por um desejo de vingança: ele fôra vendido pelos dois “pais”, o irmão mais velho (alguns anos antes Charley tinha manipulado o resultado da luta que afastara Terry dos ringues, provocando sua derrota) e o “meta-pai”, o Johnny Friendly (que de amigo não tinha nada). Numa das cenas memoráveis do filme, Terry pronuncia as frases que ficaram famosas, no seu jeito de falar, quase resmungando: “Eu poderia ter sido um lutador, em vez de um vagabundo. Que é o que eu sou”.

Rod Steiger e Marlon Brando

Uma originalidade do filme são os personagens da moça e do padre. O comportamento da moça (Edie) transgride uma das regras da moral social americana sempre ilustrada no cinema – em vez de se aproveitar da possibilidade de sucesso individual que lhe dá a instrução que recebeu, ela se volta para o seu meio humilde, chama a atenção do padre sobre a situação dos estivadores e até o recrimina, de forma brutal, dizendo-lhe: “O senhor fica na sua igreja enquanto sua paróquia é no cais”. É sem dúvida uma personagem pouco comum nas telas americanas na época em que o filme foi feito. O padre, por sua vez, é um padre também diferente do que o público estava acostumado a ver nos filmes americanos. É um padre moderno. Não prega a resignação e o amor ao trabalho qualquer que ele seja e se posiciona publicamente contra a opressão. “Aproveitar-se do trabalho dos outros para se enriquecer sem trabalhar é colocar de novo o Cristo na cruz”, diz o sacerdote a certa altura da trama. É um padre progressista ou operário, como dizem.

FORMA

O filme vale sobretudo, e por mais paradoxal que pareça, pelo seu lado teatral, isto é, pelas grandes confrontações de personagens, pela qualidade dos diálogos e pela interpretação. E aí nós temos o desempenho extraordinário de Marlon Brando, que aliás é mais do que uma interpretação, é uma verdadeira encarnação. É uma maravilha como ele transmite os gestos e o andar de um ex-boxeur, a maneira lenta de pensar e de falar. Ele fica como que procurando as palavras e titubeando, antes de pronunciá-las. Enfim, ele se identifica com o personagem confuso e iletrado, dando um exemplo perfeito de aplicação do método Stanislavski. É com uma sinceridade profunda que passa de fracassado a justiceiro.

Kazan sempre teve muita habilidade para conduzir atores e um dom especial para dramatizar o relacionamento entre os personagens. Temos dois exemplos marcantes na cena do taxi, quando Terry conversa com o irmão e naquela outra cena em que faz um convite tímido e embaraçado à moça para tomar uma cerveja. E a idéia de botar Rod Steiger como irmão de Brando foi um achado genial, porque Steiger usava os maneirismos de Brando. De modo que assim os dois ficaram bem parecidos.

Karl Malden, Brando e Eva Marie Saint

Podemos perceber também no filme algumas metáforas: 1. O símbolo dos pombos. Talvez eles queiram simbolizar a liberdade, ou a gentileza interior do Terry ou mesmo a traição (stool pigeon, ou seja, delator em inglês); 2. A metáfora arquitetônica daquele portão de aço que se fecha no final, significando talvez que as docas são uma prisão, ou que a luta estava apenas começando. Digo talvez, porque são meras suposições do crítico; 3. E há aquele objeto simbólico da jaqueta, que passa deum morto para outro, um prenúncio de uma provável morte do Terry.

O filme se passa grande parte em cenários naturais fotografados por Boris Kaufman, irmão do famoso Dziga Vertov. Filmar em pleno inverno, com neve de verdade, foi um grande desafio para o cinegrafista. A foto é rica em contrastes, reforçando o sentido trágico do filme. Já a música de Leonard Bernstein alterna estridência e ternura. Os ruídos criam o ambiente portuário, mas há também o uso do som como contraponto. Por exemplo: na cena em que Terry conta tudo a Edie, ouve-se o barulho estridente dos ruídos do cais.

Brando e seu Oscar

O filme recebeu oito prêmios da Academia:  Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (Marlon Brando), Melhor Atriz Coadjuvante (Eva Marie Saint), Melhor Fotografia em preto-e-branco (Boris Kaufman), Melhor História e Roteiro (Budd Schulberg), Melhor Montagem (Gene Milford), Melhor Direção de Arte em preto-e-branco (Richard Day), tendo indicados Rod Steiger, Karl Malden e Leornard Bernstein.

CINEMATOGRAFIA BRITÂNICA

A conquista notável da cinematografia britânica tem sido consideravelmente reconhecida pelo simples número de prêmios internacionais ganhos pelos cinegrafistas britânicos incluindo mais de vinte Oscar a partir de 1940 em diante.

O potencial artístico da cinematografia começou a ser seriamente explorado no cinema britânico durante o período silencioso, principalmente devido ao número crescente de técnicos continentais de primeira-classe trabalhando nos estúdios britânicos como consequência de políticas de produção pan-européia. Esta tendência continuou na era do som com uma quantidade de emigrados ilustres tais como Georges Périnal, Gunther Krampf, Otto Kanturek e Mutz Greenbaum (também conhecido como Max Greene) dominando a cena. Apesar da excelência de seu trabalho, esta presença estrangeira foi ressentida em certas áreas por ameaçar as oportunidades para os cinegrafistas britânicos. Somente Freddie Young e Bernard Knowles fotogravam regularmente as grandes produções.

Porém esta situação logo mudou com a chegada da Segunda Guerra Mundial quando restrições sobre o trabalho estrangeiro permitiram que uma nova geração de talento nativo emergisse em um momento que é geralmente considerado como uma “idade de ouro” sem precedentes de realização criativa no cinema britânico.

Cena de Na Solidão da Noite

Cena de Condenado

Cena de O Terceiro Homem

Apesar de uma associação como o sóbrio realismo documentário, os anos quarenta são igualmente marcados por uma herança continentalmente expressionista que inspirou claramente jovens cinegrafistas como Erwin Hiller, Douglas Slocombe, Guy Green e Robert Krasker. Consequentemente seu trabalho envolve um estilo de iluminação low key (chave-baixa) preto-e-branco altamente contrastado exemplificado por filmes como Um Conto de Canterbury / A Canterbury Tale / 1944, Na Solidão da Noite / Dead of Night / 1945, Grandes Esperanças / Great Expectations / 1946, Condenado / Odd Man Out / 1947, Oliver Twist / Oliver Twist / 1948 e O Terceiro Homem / The Third Man / 1949.

Cena de As Quatro Penas Brancas

O Technicolor também começou a deixar sua marca, tendo chegado à Grã-Bretanha em 1936.  As primeiras produções em cores de antes da guerra como Idílio Cigano / Wings of the Morning / 1937, A Legião da Índia / The Drum / 1938, As Quatro Penas Brancas / The Four Feathers / 1939 e O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad / 1940 tenderam para uma celebração de paisagens exóticas, façanhas imperiais e fantasia.

Cena de Neste Mundo e no Outro

Cena de Narciso Negro

Cena de Os Sapatinhos Vermelhos

Porém o Technicolor Britânico alcançou novas alturas depois da guerra principalmente através da inovação e arte de Jack Cardiff, cuja fotografia em filmes como Neste Mundo e no Outro / A Matter of Life and Death / 1946, Narciso Negro / Black Narcissus / 1947 e Os Sapatinhos Vermelhos / The Red Shoes / 1948 é mais diferenciada pelo uso sutil de iluminação colorida e filtros e pelo claro-escuro sensível do que a de seus extravagantes antecessores.

Outros cinegrafistas como Freddie Young, Robert Krasker, Guy Green e Douglas Slocombe também começaram a trabalhar com a cor, aplicando as técnicas de iluminação utilizadas em preto-e-branco para criar maior profundidade e atmosfera na imagem, enquanto estagiários do Technicolor como Christopher Challis e Geoffrey Unsworth também começaram a iluminar filmes de longa-metragem. Nos anos cinquenta foram realizadas várias experiências para suavizar os tons vibrantes do Technicolor, Entre elas as mais interessantes foram as fotografias de Oswald Morris em Moulin Rouge / Moulin Rouge / 1953 e Moby Dick / Moby Dick / 1956.

Cena de Moby Dick

Os anos cinquenta testemunharam a emergência gradual de uma nova abordagem do Realismo envolvendo um uso maior de filmagens em locação, câmeras na mão e luz natural iniciada por técnicos como Morris, Gilbert Taylor e Freddie Francis em filmes como Um Amante sob Medida / Knave of Hearts / 1954, Uma Sombra em Sua Vida / Woman in a Dressing Gown / 1957 e Tudo Começou Num Sábado / Saturday Night and Sunday Morning / 1960.Mas o grande avanço veio com Walter Lassaly, um cinegrafista cuja sensibilidade foi aprimorada trabalhando regularmente tanto em filmes de longa-metragem como em documentários. Seu estilo cinéma verité (cinema verdade) intimista e fluente em Um Gosto de Mel / A Taste of Honey / 1961, The Loneliness of the Long Distance Runner / 1962 e até o período de produção em cores de As Aventuras de Tom Jones / Tom Jones / 1963, constituem uma resposta britânica à Nouvelle Vague Francesa. Outros cinegrafistas treinados no Documentário começaram a trabalhar em filmes de longa-metragem, inclusive Billy Williams e David Watkin, e sua preferência por soft light (luz suave) continuou o afastamento dos duros contastes das décadas anteriores.

Cena de Um Gosto de mel

Os anos sessenta foram outro período inovador com muitos cinegrafistas britânicos operando cada vez mais em uma arena internacional. O veterano Freddie Young ganhou três Oscar por seu trabalho nas produções épicas Lawrence da Arábia / Lawrence of Arabia / 1962, Doutor Jivago / Dr. Zhivago / 1965 e A Filha de Ryan / Ryan’s Daughter / 1970. Outros como Morris, Krasker, Slocombre, Unsworth, Challis, Heller, Jack Hildyard, Ted Moore, Gerry Fisher, Nicolas Roeg, John Alcott produziram uma série de excelentes trabalhos tanto em preto-e-branco como em cores, em uma variedade de gêneros, por toda a década e nos anos setenta. O fim dos velhos estúdios havia criado uma necessidade de novas formas de treinamento e cinegrafistas de longas-metragens começaram a emergir em uma variedade de áreas incluindo documentário, publicidade, televisão e as novas escolas de cinema, lideradas por gente como Chris Menges, Peter Suschitzky, Peter Biziou, Roger Deakins, Ian Wilson and Roger Pratt que se consagraram nos anos oitenta.

Cena de Lawrence da Arábia

Cena de A Filha de Ryan

Quando os filmes mais sensíveis à luz e um equipamento mais leve aumentaram as possibilidades de filmagem sob uma variedade de condições de iluminação os cinegrafistas foram obrigados a ser cada vez mais flexíveis e adaptáveis, particularmente nas filmagens em locação. Porém a arte de pintar com a luz possibilitada pela tela preta de um set de filmagem num estúdio escuro, um ambiente que tem que ser literalmente trazido à vida com luz, não desapareceu totalmente: uma série de cinegrafistas talentosos como Alex Thomson e Brian Tufano continuaram a demonstrar o tipo de sensibilidade e habilidade que fez a reputação da Cinematografia Britânica internacionalmente renomada.

AS MULHERES FATAIS DOS FILMES NOIRS

A mulher fatal que leva os homens para a sua destruição moral e algumas vezes à morte não é uma invenção ou exclusividade do filme noir, mas a personagem alcançou sua maturidade artística neste subgênero do drama criminal.

As raízes da mulher fatal do filme noir baseiam-se nas vamps do filme silencioso, Theda Bara e outras, assim como nas personagens de Marlene Dietrich nos melodramas de Josef von Sternberg dos anos trinta.

Mary Astor e Humphrey Bogart em Relíquia Macabra

Joan Bennett e Edward G. Robinson em Um Retrato de Mulher

Fred MacMurray e Barbara Stanwyck em Pacto de Sangue

A mulher fatal noir fez aparições marcantes no início, interpretadas por Mary Astor como Brigid O’Shaughnessy em Relíquia Macabra / The Maltese Falcon / 1941 (Dir: John Huston), por Joan Bennett como Alice Reed em Um Retrato de Mulher / Woman in the Window / 1944 de Fritz Lang e Barbara Stanwyck como Phyllis Dietrichson em Pacto de Sangue / Double Indemnity / 1944 de Billy Wilder. Estes papéis estabeleceram os padrões para todas as mulheres fatais vilãs que se seguiram e Bennet e Stanwyck interpretariam variações desses primeiros papéis em filmes posteriores: Bennett como Kitty March em Almas Perversas / Scarlet Street / 1945 (Dir: Fritz Lang) e Stanwyck como Martha Ivers em O Tempo Não Apaga / The Strange Love of Martha Ivers / 1946 (Dir: Lewis Milestone). Igualmente importante foi a performance de Lana Turner como Cora Smith em O Destino Bate à Porta / The Postman Always Rings Twice / 1946 (Dir: Tay Garnett) que, tal como Pacto de Sangue, foi baseado em um romance de James M. Cain.

John Garfield e Lana Turner em O Destino Bate à Porta

Outras mulheres fatais foram Ava Gardner como Kitty Collins em Assassinos / The Killers / 1946 (Dir: Robert Sidmak); Jane Greer como Kathie Moffett em Fuga ao Passado / Out of the Past / 1947 (Dir: Jacques Tourneur); Rita Hayworth como Elsa Bannister em A Dama de Shanghai / The Lady from Shanghai / 1948 (Dir: Orson Welles); Gloria Grahame como Vicki Buckley em Desejo Humano / Human Desire / 1954 (Dir: Fritz Lang); Marie Windsor como Sherry Peatty em O Grande Golpe /   The Killing / 1956 (Dir: Stanley Kubrick) etc.

Jane Greer e Robert Mitchum em Fuga ao Passado

Ava Gardner e Burt Lancaster em Assassinos

Orson Welles e Rita Hayworth em A Dama de Shanghai

Três das mais famosas mulheres fatais servem como exemplos ideais. Phyllis Dietrichson (Barbara Stanwyck) em Pacto de Sangue, primeiro atrai o corretor sem caráter Walter Neff (Fred MacMurray), depois o convence a matar seu marido e no final dá um tiro nele. Kathie Moffett (Jane Greer) em Fuga ao Passado, fascina o detetive Jeff Bailey (Robert Mitchum) e depois o induz a trair seu cliente gângster para que (sem conhecimento de Bailey) ela possa escapar com quarenta mil dólares. Três anos depois, Kathie aparece novamente, trai Bailey mais uma vez e finalmente o mata. Kitty Collins (Ava Gardner) em Assassinos, encanta de tal modo o Sueco (Burt Lancaster), que ele primeiro vai para. a cadeia para impedir que a moça seja presa. Dois anos depois, envolve-se em um assalto por causa de Kitty, apenas para ser traído por ela, deixando-o sem nenhum dinheiro e a culpa pela traição de Kitty de todo o bando de ladrões. O Sueco fica tão abatido por causa de Kitty que, seis anos mais tarde, aguarda, em uma aceitação passiva, ser perseguido por dois pistoleiros de aluguel e assassinado.

Barbara Stanwyck em A Confissão de Thelma

Barbara Stanwyck vive outra mulher fatal em A Confissão de Thelma / The File on Thelma Jordon / 1950 (Dir: Robert Siodmak). Ela mata sua tia quando esta a surpreendeu-a roubando suas jóias e destrói a vida de um assistente de promotoria até então íntegro, que faz uma acusação propositadamente inepta, conseguindo absolvê-la. Mas não é tão fria como a Phyllis Dietrichson que interpretou em Pacto de Sangue. Age impulsivamente, sem o cerebralismo da personagem de James M. Cain.

Ann Savage e Tom Neal em Curva do Destino

Umas das mulheres fatais mais perversas é a predatória Vera (Ann Savage) de Curva do Destino / Detour / 1945, produção modesta da PRC (Producers Releasing Company) dirigida por Edgar G. Ulmer. Neste filme o protagonista, Al Roberts (Tom Neal), sofre as artimanhas desta mulher traiçoeira, de quem o destino o aproximou e por causa dela se vê envolvido em duas mortes e termina preso por um assassinato que não cometeu.

Lizabeth Scott e Dan Duryea em Lágrimas Tardias

Em Lágrimas Tardias / Too Late for Tears / 1949 (Dir: Byron Haskin) encontramos outra femme-fatale, Jane Palmer, personificada por Lizabeth Scott. O filme gira em torno da protagonista feminina, levada à degradação e ao crime pela sua cupidez. No relato Alan Palmer (Arthur Kennedy) e sua esposa Jane encontram dentro de seu conversível uma maleta cheia de dinheiro. Jane recebe a visita de um escroque Danny Fuller (Dan Duryea), que reclama o dinheiro, na realidade fruto de uma chantagem. Depois ela mata Alan e comunica à polícia e à irmã de Alan, Kathy (Kristine Miller), o desaparecimento do marido. Um estranho chega ao apartamento de Jane, apresentando-se como amigo de Alan. Na verdade, ele é Don Blake (DonDeFore), o irmão do primeiro marido de Jane, que se suicidou por causa dela.

Para conservar os sessenta mil dólares, que por engano foram jogados no seu carro, Jane é capaz de tudo, espantando até o traquejado chantagista pela sua frieza. Danny tem que se embebedar para ter coragem de ajudá-la nos seus planos enquanto ela o envenena sem a menor piedade, mesmo depois de tê-lo beijado várias vezes.

Faith Domergue e Robert Mitchum em Trágico Destino

Em Trágico Destino, após tentar o suicídio, Margo Lannington  (Faith Domergue) é atendida pelo médico Jeff Cameron (Robert Mitchum). Ela diz que seu pai, o milionário Frederick Lannington, (Claude Rains) pretende levá-la para Nassau. Apaixonado, Jeff decide ir à sua casa para dizer ao pai dela que a ama e fica sabendo da verdade: Frederick não é pai, mas sim marido. Jeff sai furioso e Frederick bate em Margo. Ao ouvir os gritos de Margo, ,Jeff sai furioso e Frederick golpeia-o na cabeça com um atiçador, porém Jeff ainda consegue atingí-lo com um soco, deixando-o desacordado. Enquanto Jeff vai ao banheiro molhar um pouco a nuca,Margo mata Frederick, sufocando-o com um travesseiro. Jeff desmaia de dor. Quando volta a si, pensa que foi ele quem matou Frederick.

Robert Mitchum e Jean Simmons em Alma em Pânico

Em Alma em Pânico / Angel Face / 1953 (Dir: Otto Preminger) o chofer de ambulância, Frank Jessup (Robert Mitchum) salva uma senhora rica, Mrs. Tremayne (Barbara O’Neil), de morrer asfixiada por gás e é contratado como motorista particular da família. Frank apaixona-se por Diane (Jean Simmons), a enteada de Mrs.Tremayne, que odeia a madrasta. A jovem planeja um acidente, ocasionando a morte da madastra e também de seu pai, que estava no carro sem que ela soubesse. No essencial, o relato de assemelha com o de Trágico Destino, no qual um médico é envolvido com uma mulher desequilibrada e assassina.

Lizabeth Scott e Humphrey Bogart em Confissão

Em Confissão / Dead Reckoning / 1947 (Dir: John Cromwell) Coral Chandler (Lizabeth Scott), com sua aparência frágil e lágrimas falsas, ilude o ex-paraquedista Rip Murdock (Humphrey Bogart) e os espectadores e, somente no final, se apresenta como uma traiçoeira e perigosa mulher fatal.

Claire Treevor e Lawrence Tierney em Nascido para Matar

Em Nascido para Matar / Born to Kill / 1947 (Dir: Robert Wise) na noite em que está saindo de Reno depois de obter seu divórcio, Helen Trent (Claire Trevor) encontra os corpos de dois sujeitos na pensão de Mrs. Kraft (Esther Howard) onde reside; mas não avisa a polícia. No trem que a leva para San Francisco, conhece Sam Wild (Lawrence Tierney) o assassino, e sente forte atração por ele. Sam segue Helen até a casa de sua irmã adotiva Georgia Staples (Audrey Long) e volta sua atenção para para Georgia, herdeira do maior jornal da cidade. Sam e Georgia se casam. Helen é mercenária (“Toda a minha vida dependi do dinheiro dos outros. Agora quero ter algum só para mim”), traiçoeira (ela entrega Sam à polícia, para poder explorar Georgia) e insensível (“Você é a mulher iceberg mais fria que vi em toda a minha vida”, lhe diz Mrs. Kraft).

A mulher fatal deve inevitavelmente morrer – ou, no mínimo, ficar mortalmente ferida ou ser presa pelos seus crimes. São criaturas agressivas e sensuais, que levam os homens à destruição moral, e algumas vezes à morte, mas acabam sempre punidas, vítimas de suas próprias ciladas. Exemplos: Helen em Nascido para Matar; Phyllis em Pacto de Sangue; Thelma em A Confissão de Thelma, Elsa em A Dama de Shanghai, Kathie em Fuga ao Passado, Cora em O Destino Bate à Porta etc. e não posso deixar de citar a morte mais estranha de todas, a de Vera em Curva do Destino: depois de uma discussão violenta com Roberts, o homem que ela chantageia, tornando-o um  escravo em potencial, Vera se refugia num quarto, levando o telefone, e cai na cama bêbada, com o fio enrolado no pescoço. Roberts puxa o fio do outro lado da porta e, inadvertidamente, estrangula Vera.

O poder da mulher fatal é tão grande que o herói também tem poucas chances de sobreviver.  E quando consegue, acaba sempre como um homem alquebrado. Al Roberts, o protagonista de Curva do Destino, ao comentar seu infortúnio, raciocina: “Algum dia o destino ou alguma força misteriosa pode apontar o dedo, para você ou para mim sem nenhum bom motivo para isso … Para qualquer lado que você se mova, o destino estica a perna para lhe dar uma rasteira.”

A reflexão de Roberts dá bem uma idéia da emoção básica do protagonista noir, de como ele se sente incapaz de descobrir ou controlar as causas do seu infortúnio.

BEN HECHT

Ele foi o mais prolífico e requisitado dos roteiristas de Hollywood durante os anos trinta e quarenta, trabalhando em uma variedade de gêneros e com diretores notáveis como Howard Hawks, Alfred Hitchcock, William Wyler e outros.

Ben Hecht

Hecht ganhou destaque como roteirista com a história de gângster que eu origem ao filme Paixão e Sangue / Underworld / 1927 (Dir: Josef von Sternberg). Ele aprimorou o desenvolvimento do gênero com seu script para o clássico de Howard Hawks Scarface: A Vergonha de uma Nação / Scarface / 1932.Os elementos para estes filmes e outros, mais impressionantemente Última Hora / The Front Page / 1931(Dir: Lewis Milestone) pode ser rastreado até seus dias de jornalista em Chicago.

Cena de Paixão e Sangue

Cena de Scarface

Hecht (1893-1964) nasceu em Nova York, filho de imigrantes judeus do Sul da Rússia e foi criado em Racine, Wisconsin, onde começou a mostrar promessa como violinista aos dez anos de idade. Aos doze anos de idade ele foi acrobata de circo por um breve período de tempo e aos dezesseis anos fugiu para Chicago, onde, ao dezessete, começou sua carreira de escritor como repórter criminal no Chicago Journal. Como repórter, recebeu uma educação completa sobre o lado mais sórdido da natureza humana. Ele relatou os pontos fracos da polícia, políticos e gângsteres num estilo pitoresco e cínico – um estilo que mais tarde surgiria nos seus roteiros. Em 1919, aos vinte e cinco anos de idade foi correspondente de vários jornais na Alemanha e União Soviética.

Durante o período inicial em Chicago, Hecht estava desenvolvendo também suas habilidades como romancista e dramaturgo. Em1922 havia publicado os dois primeiros de seus vários romances, “Erik Dorn” e “Gargoyles”. Estava também envolvido na vida boêmia da cidade. Charles MacArthur, um colega repórter, e Hecht se uniram e trabalharam em Nova York como dramaturgos bem-sucedidos. Suas peças “The Front Page” e “Twentieth Century” foram sucessos de crítica e financeiro e ambas iriam se tornar grandes filmes.

A Primeira Página 1931

The Front Page 1940

The Front Page 1974

Houve três versões de “The Front Page”. Lewis Milestone dirigiu a primeira versão em 1931. Howard Hawks viu o filme como uma história de amor e mudou o sexo do repórter Hildy Johson (Pat O´Brien), de um homem para uma mulher (Rosalind Russell) em Jejum de Amor / His Girl Friday 1940.  A versão mais recente de Billy Wilder em 1974, aqui intitulada A Primeira Página, com Jack Lemmon como Hildy, foi a adaptação mais fiel da peça original. Suprema Conquista / Twentieth Century / 1934, também dirigido por Howard Hawks e estrelado por John Barrymore e Carole Lombard, tornou-se o protótipo para a screwball comedy – um gênero popular nos anos trinta.

A colaboração entre Hecht e Mac Arthur foi lendária em Hollywood bastando citar sua parceria em Duas Almas se Encontram / Barbary Coast / 1935 de Howard Hawks e O Morro dos Ventos Uivantes / Wuthering Heights / 1939 de William Wyler.

Devido ao seu sucesso como roteiristas, a Paramount lhes concedeu um contrato para quatro filmes, que lhe garantia controle completo sobre seu trabalho. Entre 1934 e 1936, Hecht e MacArthur assumiram o Paramount Studios em Astoria, Long Island, e produziram e dirigiram seus próprios filmes. Todos os quatro filmes foram fracassos financeiros, logo pondo um fim na sua experiência em autonomia artística. Dos quatro filmes, somente Crime Sem Paixão / Crime Without Passion / 1934 e The Scoundrel / 1935 foram bem recebidos pelos críticos.

Hecht dirigiu uma série de filmes sozinho (v.g. O Espectro da Rosa / Specter of the Rose / 1946) ou com outros colaboradores como o fotografo Lee Garmes (v. g. Anjos da Broadway / Angels over Broadway / 1940); Bastidores e Pecadores / Actors and SIn / 1952); mas sua contribuição para o Cinema Americano como diretor foi dificilmente comparável à influência que ele exerceu como roteirista.

O mais interessante e o mais pessoal, O Espectro da Rosa, melodrama muito sombrio, com um clima estranho de paixão, se desenrola no mundo do balé. O produtor teatral Max “Poli” Polikoff (Michael Chekvov) visita a instrutora de balé Madame La Sylph (Judith Anderson) para expor seu desejo de encenar um novo espetáculo estrelado por Andre Sanine (Ivan Kirov), dançarino brilhante que foi aluno de La Sylph. Sanine não dança desde a morte de sua esposa Nina no palco sete anos antes. O detetive da polícia Specs McFarlan (Charles Marshall) suspeita que o mentalmente instável Sanine assassinou Nina, embora La Sylph durante mêses estivesse tentando minimizar as proclamações do próprio Sanine de que matou sua mulher. O médico legista declarou que Nina morreu de um ataque cardíaco e a jovem bailarina Haidi (Viola Essen) ajudou a restaurar a saúde de Sanine para que ele próprio fosse capaz de refutar a acusação de McFarlan. Sanine admitiu que costumava ter alucinações ao ouvir a música de “O Espectro da Rosa”, o balé que ele e Nina estavam dançando na noite em que esta morreu, mas que agora está curado. O poeta Lionel Gans (Lionel Stander), apaixonado por Haidi, ressente-se da atenção que ela dá para Sanine e encoraja a polícia a continuar investigando-o. Sanine fica entusiasmado com a idéia de Poli de encenar uma nova produção do “Espectro da Rosa” e inicia os ensaios com Haidi. Os bailarinos rapidamente se apaixonam e logo se casam, para consternação de ambos LaSylph e Gans. Enquanto os ensaios começam, Sanine começa a manifestar sinais de estresse, e La Sylph se preocupa que ele esteja tendo alucinações, durante as quais imagina que a personagem de Rose o dominou e que ele deve matar sua parceira. Uma tarde, La Sylph confidencia a Haidi que na noite da morte de Nina, ela o viu atacando Nina. La Sylph cobriu as feridas de Nina com graxa e limpou o sangue, mas Nina morreu das consequências do ataque enquanto dansava.  Haidi se recusa a acreditar que Santine poderia machucá-la, mas a noite de estréia logo chega. Santine ataca Haidi com uma faca antes da cortina se levantar, mas ela cobre seus pequenos ferimentos e o casal é um sucesso.  O espetáculo sai em turnê e tudo parece estar correndo bem até uma noite em que Poli e La Sylph ficam preocupados quando Sanine e Haidi não aparecem no teatro. Ao questionarem o pianista, ficam sabendo que Haidi levou Sanine embora para   um hotel quando ele parecia ter ficado completamente louco. No hotel, Haidi passou três dias e noites acordada, cuidando de seu esposo na esperança de que se ele se curasse, não seria levado para ficar por longo tempo num hospital ou preso. Exausta, Haidi finalmente adormece e o “Espectro da Rosa” provoca Sanine a pegar sua faca e começar sua dança frenética. Pensando que Haidi é Nina, que ele odiava, Sanine dança como sua faca na garganta dela, mas lembranças das palavras de amor de Haidi fazem com que ele se desarme. Sabendo que vai matar Haidi, se não se matar primeiro, Sanine pula da janela para a morte.

Nijinsky e Tamara Karsavina

O balé que inspirou o filme era sobre uma jovem que sonhava dançar com o espírito de uma rosa, lembrança do seu primeiro baile. Produzido pela Companhia Ballets Russes em 1911, com coreografia de Michel Fukine, Nijinsky dançando a Rosa, e Tamara Karsavina dançando a jovem, tornou-se internacionalmente famoso pelo salto espetacular pela janela que ele dava no final.

A filmografia de Ben Hecht é muito extensa, de modo que vou citar apenas mais alguns filmes que usufruiram de sua colaboração, conjuntamente ou não com outros parceiros: Gunga Din / Gunga Din / 1939, Seis Destinos / Tales of Manhattan / 1942 (Dir: Julien Duvivier), O Cisne Negro / The Black Swan /1942 (Dir: Henry King), Quando Fala o Coração / Spellbound / 1945 e Interlúdio / Notorious / 1946 (ambos dirigidos por Alfred Hitchcock), O Beijo da Morte / Kiss of Death /1947 (Dir: Henry Hathaway), Do Lodo Brotou uma Flor / Ride the Pink Horse / 1947(Dir: Robert Montgomery), Passos na Noite / Where the Sidewalk Ends / 1950 (Dir: Otto Preminger), A Um Passo da Morte / The Indian Fighter (Dir: André De Toth) / 1955 etc.

Ele recebeu o Oscar de Melhor História Original por Paixão e Sangue e outro (este conjuntamente como Charles MacArthur) por The Scoundrel. No final dos anos quarenta foi boicotado pelos exibidores ingleses por sua crítica franca da política britânica na Palestina e seu apoio ativo ao movimento de resistência judaico. Hecht continuou escrevendo para a tela até o último dia de sua vida. Faleceu enquanto trabalhava no script de Cassino Royale / Casino Royale / 1967.