PIERRE CHENAL

Pierre Cohen (Bruxelas, 1904 – Paris, 1990), conhecido no mundo artístico como Pierre Chenal, pode não ter atingido a mesma estatura artística de seus renomados colegas do cinema francês clássico, mas chegou bem perto deles.

Pierre Chenal

Inicialmente jornalista e desenhista especializado em pôsteres, começou sua carreira cinematográfica realizando documentários curtos de cunho didático (Une Cité du Cinema / 1930, surrealista (Un Coup de Dés / 1930), urbanístico (Architecte d’aujourd’hui / 1931) ou romântico social (Les Petits Métiers de Paris / 1932).

A estréia no longa-metragem deu-se em Le Martyre de l’Obese / 1933. Este primeiro filme, supervisionado por Marcel L’Herbier, segundo os comentaristas da época, era nada mais nada menos que uma cómedia divertida extraída do romance de Henri Béraud, destacando-se a interpretação do “gordo” André Berley, ator conhecido pelo seu desempenho em O Martírio de Joana D’Arc / La Passion de Jeanne D’Arc / 1928 de Carl Dreyer.

Cena de La Rue Sans Nom

Seguiu-se La Rue Sans Nom / 1933, adaptação de um romance de Marcel Aymé, no qual ele procurou criar o ambiente carregado e mórbido dos filmes alemães, sempre presente na sua obra. A intriga de La Rue Sans Nom é tratada de tal maneira que muitos historiadores do cinema viram neste filme um elo precursor do Realismo Poético e também do Neo-Realismo italiano do pós-guerra. O filme foi um sucesso. Ficou onze semanas em cartaz no cinema Studio des Ursulines em Paris.

Os trabalhos subsequentes de Chenal, alguns baseados em obras literárias famosas, projetaram-no como diretor de primeira classe do cinema francês, destacando-se: Assassino sem Culpa / Crime et Châtiment / 1935, O Homem Que Voltou do Outro Mundo / L’Homme de Nulle Part / 1937; L’Alibi / 1937; L’Affaire L’Afarge /1938; Pecadoras de Túnis / La Maison du Maltais / 1939; e Paixão Criminosa / Le Dernier Tournant / 1939

Harry Baur e Pierre Blanchar em Assassino sem Culpa

Em O Assassino sem Culpa, baseado em “Crime e Castigo” de Fiódor Dostoiévski, Chenal compreendeu que era difícil reproduzir a significação metafísica da obra literária e preferiu fazer uma adaptação cinematográfica dramática, usando a iluminação e os enquadramentos expressionistas para criar uma atmosfera russa estilizada, carregada de tristeza, sordidez e miséria. Porém, o ponto alto do filme é a confrontação psicológica em um jogo de gato e rato, entre o juiz astuto tentando obter uma confissão do criminoso e o estudante atormentado que, no fundo, deseja se liberar do seu segredo. A interpretação de Pierre Blanchar (Raskolnikoff), com aquele olhar alucinado, a dicção estranha, os risos nervosos, contrasta com a atuação mais sutil e contida de Harry Baur (juiz de Instrução Porfirio), ambos magníficos atores.

Pierre Blanchar (à esquerda) em O Homem Que Voltou do Outro Mundo

Cineasta agora estimado, Chenal mostrou o ecletismo de seu talento, levando mais uma vez à tela O Homem Que Voltou do Outro Mundo, baseado no romance “Feu Mathias Pascal” de Luigi Pirandello, que havia sido filmado no tempo do cinema mudo (1925) por Marcel L’Herbier. Pierre Blanchard assumiu o papel de Mathias Pascal, desempenhado por Ivan Mosjoukine na primeira versão e teve a seu lado Isa Miranda, Ginette Leclerc e Robert Le Vigan.

Louis Jouvet e Erich von Stroheim em L’Alibi

Em L’Alibi o professor Winkler (Erich von Stroheim), telepata célebre que executa seu número em um cabaré, mata um homem e oferece boa soa de dinheiro à dançarina Hélène (Jany Holt) para ela dizer que estava com ele na noite do crime. Porém, o comissário Calas (Louis Jouvet) não acredita no depoimento de Hélène.  Este drama policial teve muito sucesso na época, certamente por casa dos excelentes intérpretes, pois a história repete os chavões do gênero. À frente do elenco, Stroheim, o assassino enigmático e inquietante dando a todas as cenas em que aparece um tom de verdadeiro clima cinematográfico, e Jouvet, o comissário persistente, disposto a sacrificar quaisquer princípios para capturar o seu homem. O interrogatório, durante o qual Stroheim utiliza negligentemente o inglês para levar vantagem sobre Jouvet, que fala mal essa língua, é um dos momentos mais prazerosos do filme.

Baseado em uma notícia de jornal do século dezenove, L’Affaire Lafarge, é um drama judiciário no qual Marie Capelle (Marcelle Chantal), casada com o rico industrial Lafarge (Pierre Renoir), é condenada à prisão perpétua por ter envenenado seu marido. Foi muito comentada a sequência de abertura do filme na qual vemos a mãe abusiva de Marie Capelle, Adélaide Lafarge (Sylvie), perseguindo os ratos, porque ela marca imediatamente a atmosfera de perversão, de drama latente, de crueldade que envolve todo o conjunto da obra. Completando o elenco estavam: Raymond Rouleau, Margo Lion e Florence Marly (esposa de Pierre Chenal).

Marcelo Dalio e Viviane Romance em Pecadoras de Túnis

Pecadoras de Túnis, melodrama romântico exótico no gênero cinema colonial, muito assíduo nas telas durante os anos 1930, explora os temas da interracialidade e da perda de identidade dos exilados. Faz também um retrato simpático do muçulmano, vivido por Marcel Dalio, que está formidável como o Matteo apaixonado e sonhador. Quando Matteo volta para a casa de seu pai no deserto – a Casa do Maltês do título -, o velho o repreende por ser uma pessoa inúrtil, e ele responde: “por que deveria eu trabalhar? Os pássaros trabalham? Os peixes trabalham? A lua e o sol trabalham? Trabalhar é para as pessoas que não têm nada melhor para fazer. Eu escuto o mar, a brisa, contemplo o céu, e aguardo”.

Michel Simon, Corine Luchaire e Fernand Gravey em  Paixão Criminosa

Não importa qual foi a melhor adaptação do célebre romance policial de James M. Cain “The Postman Always Rings Twice”. Tanto a de Pierre Chenal, como a versão de Luchino Visconti (Obsessão / Ossessione / 1943) ou a de Tay Garnett (O Destino Bate à Sua Porta / The Postman Always RingsTwice / 1946), para falarmos apenas das que foram feitas no período clássico, têm seus adeptos. Em todo caso elas são bem   das outras, tanto pelo conteúdo como pelo tratamento dado ao assunto.

No relato da versão de Chenal, Frank (Fernand Gravey) torna-se empregado de Nick Marino (Michel Simon), proprietário de um posto de gasolina. Nick é casado com Cora (Corinne Luchaire), mulher bem mais jovem do que ele. Cora seduz Frank e os dois decidem se desembaraçar de Nick, fazendo crer que ele foi vítima de um acidente. Depois de conseguirem seu objetivo, o casal de amantes leva uma vida difícil entre as suspeitas da justiça e as ameaças de chantagem feitas por um primo da vítima. Um dia eles sofrem um acidente de carro. Cora morre. Todas as suspeitas recaem sobre Frank, que é acusado e condenado à morte.

 Chenal impregnou seu filme de um clima sensual e lúgubre, em que a paixão adúltera se mistura com a fatalidade, para traduzir o mistério do casal de amantes inocentado pelo assassinato que cometeu e separado por uma morte acidental, que levará o homem a ser condenado por um crime que não ocorreu.

Durante a Segunda Guerra Mundial, por causa de sua origem israelita, Chenal teve de se exilar na Argentina, onde realizou quatro filmes (Todo un Hombre / 1943; Se Abre el Abismo; El Muerto Falta a La Cita / 1944; Viaje Sin Regreso / 1946). Em 1946, ele voltaria para a França, mas não encontraria o seu vigor criativo de antes da guerra, apesar de alguns lampejos de invenção em Ângela e Satanás / La Foire Aux Chimères / 1946, e um grande sucesso comercial com Primavera de Escândalos / Clochemerle / 1948.

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