CLAUDE AUTANT-LARA

CLAUDE AUTANT-LARA

Tal como Jean Delannoy, ele foi um dos principais alvos dos críticos da Nouvelle Vague no seu combate à “tradição de qualidade”. Cineasta típico da “qualidade francesa”, Claude Autant -Lara (Luzarches, 1901- Antibes, 2000) estudou na École des Beaux-Arts e começou no cinema em 1919 como cenógrafo de vários filmes de Marcel l’Herbier. Depois trabalhou como assistente de René Clair (Paris qui Dort, Le Voyage Imaginaire) e realizou dois curtas-metragens de vanguarda: Fait-Divers / 1923 e Construire un Feu / 1925, primeiro ensaio de “filme largo” com o processo do professor Chrétien, que se tornaria, 28 anos mais tarde, o Cinemascope.

Claude Autant-Lara

Em 1930, foi contratado pela MGM para dirigir versões francesas de filmes americanos. De retorno à Europa, fez um longa-metragem na França (Ciboulette / 1933), outro na Inglaterra (My Partner, Mr. Davis / 1936), e apareceu   nos créditos como consultor técnico ede O Crime do Correio de Lyon / L’Affaire du Courrier de Lyon / 1937, Le Ruisseau / 1938 e Fric-Frac (na TV) / Fric-Frac / 1939, na verdade dirigidos em parceria com Maurice Lehmann.

Sua carreira como diretor de primeira linha começou na Paris ocupada e submetida à ordem moral de Vichy, quando fez três filmes – Lettres d’Amour / 1941, Casamento de Chiffon / Le Marriage de Chiffon / 1942 e Dulce, paixão de uma noite / Douce / 1943 -, nos quais, sob o charme adocicado da Belle Époque, mal se escondia uma crítica social corrosiva.

Selecionei estes seis filmes relevantes do diretor:

Odette Joyeux e André Luguet em Casamento de Chiffon

CASAMENTO DE CHIFFON / LE MARRIAGE DE CHIFFON / 1941

A Marquesa de Bray (Suzanne Dantès) quer casar sua filha Corysande (Odette Joyeux) – chamada de Chiffon – com o quinquagenário coronel duque d’Aubières (André Luguet), mas a moça ama em segredo o irmão de seu padrasto, Marc (Jacques Dumesnil), um apaixonado pela aviação. Chiffon aceita o casamento, a fim de dispor de seu dote, para ajudar Marc. Alice de Liron (Monette Dinay), amante de Marc, observa as atitudes de Chiffon para com Marc com despeito. Jean (Pierre Larquey), o velho doméstico da marquesa, descobre uma carta de amor escrito por Chiffon para Marc e a coloca em um álbum de fotos que ele dá para o duque olhar. Com a cumplicidade deste, Chiffon e Marc se casam.

Chiffon torna-se uma jovem e quer se fazer reconhecer como tal por aquele que a considera ainda uma menina. O militar que se apaixonou seriamente por Chiffon percebe que não tem mais a idade que convém às tormentas do coração. Assim, o filme está construído sobre o desenvolvimento dessa dupla crise, retratada por Claude Autant-Lara com muita sensibilidade. Ele recria admiravelmente a Belle Époque, fazendo uma observação irônica de seus ambientes íntimos (os salões da pequena burguesia provinciana, a visita à pâtisserie no domingo após a missa) e refletindo sobre ela (os preconceitos sociais, a opressão da educação burguesa). Nessa reconstituição, o diretor se distingue por sua elegância e virtuosidade decorativa.

Odette Joyeux em Dulce, Paixão de uma Noite

DULCE, PAIXÃO DE UMA NOITE / DOUCE / 1943

Em uma rica mansão, vivem três personagens da aristocracia do século XIX.  Douce (Odette Joyeux), uma adolescente romântica; seu pai, o conde Engelbert de Bonafé (Jean Debucourt), antigo oficial da cavalaria; e sua avó autoritária, a condessa de Bonafé (Marguerite Moreno). Douce se apaixona pelo secretário de seu pai, Fabien Marani (Roger Pigaut), e sonha em partir com ele. Irène (Madeleine Robinson), a governanta de Douce, é amante de Fabien, mas ambiciona casar-se com Engelbert, a quem agrada. Fabien, por despeito, leva Douce consigo. Eles vão ao teatro. Irrompe um incêndio e Douce morre. A velha condessa expulsa os dois empregados da mansão.

Através dos personagens são postos em conflito os dois mundos aos quais eles pertencem. O tema do filme é essa luta de classes sorrateira, esse ódio escondido que acaba por explodir. E o resultado desse combate parece igualmente desfavorável às duas partes, pois uns vêem suas ambições malogradas e o conde e sua mãe ficam sós após a morte de Douce, talvez com remorso por não terem sabido comprendê-la ou educá-la. A cena mais famosa do filme é a “visita aos pobres. Para eles a condessa deseja “paciência e resignação”. “E a você, minha pequena dama”, pergunta uma mulher para a governante, “que é que é preciso desejar?”. “Deseje a ela a impaciência e a revolta”, responde Fabien. É uma réplica brihante, que dá o tom dessa sátira social finamente arquitetada.

Gérard Philipe e Micheline Presle em Adúltera

ADÚLTERA / LE DIABLE AU CORPS / 1946

No enterro de Marthe Lacombe (Micheline Presle), um rapaz, François Jaubert (Gérard Philipe), cheio de tristeza, recorda o passado. Em 1917, ele conheceu e se apaixonou por Marthe, mas ela estava noiva. Alguns meses mais tarde, François reencontra Marthe já casada e os dois se tornam amantes enquanto o marido dela, Jacques (Maurice Lagrené), está lutando na guerra. Marthe fica grávida. François hesita em assumir suas responsabilidades. Marthe morre de parto, pronunciando o nome do amante. Jacques vai educar a criança, sem saber que ela não era sua.

Tal como o romance de Raymond Radiguet no qual se baseia, o filme provocou escândalo por abordar uma relação de adultério entre dois jovens enquanto milhares de homens estavam morrendo para salvar a pátria. Os defensores da moral não perceberam que tanto o livro como o filme proclamavam antes de tudo o direito ao amor e ao prazer reprimidos pelas guerras e que os dois amantes eram vencidos pelo que Jean Cocteau chamou de “furor público contra a felicidade”. A adaptação e a realização são impecáveis, sobressaindo a utilização muito feliz do retrospecto por meio da diminuição muito do som dos sinos da igreja. Micheline Presle e Gérard Philipe transmitem com emoção um relacionamento ao mesmo tempo tórrido e imaturo.

Jean Desailly e Danielle Darrieux em Meu Amigo, Amélia e Eu

MEU AMIGO, AMÉLIA E EU / OCCUPE-TOI D’AMÉLIE / 1949

No começo do século XX, Amélie Pochet (Danielle Darrieux), outrora camareira, é agora Amélie d’Avranches, graças à proteção e às liberalidades de seu amante Étienne de Milledieu (Andre Bervil), um tenente dos hussardos. Marcel Courbois (Jean Desailly) necessita de dinheiro e pede Amélie “emprestada” ao seu amigo Étienne, para um casamento branco. Assim, seu tio poderá lhe transmitir a herança que o falecido pai de Marcel havia reservado ao filho para o dia de seu matrimônio. Étienne, que está de partida para o período de serviço militar, aceita. Retornando de imprevisto, ele percebe, consternado, que Marcel se ocupou demais de Amélie…

Releitura da peça de Georges Feydeau, mantendo intactos seus diálogos maliciosos, sua incessante e agitada movimentação, sua alegria contínua, seus quiproquós e acontecimentos imprevistos. Autant-Lara encontrou a maneira cinematográfica de reproduzir a vivacidade do texto original e de manter os espectadores rindo o tempo todo. E há também uma novidade foral: o roteiro mistura os atores do teatro Palais-Royal e a plateia que assiste à representação nesse mesmo teatro. Por exemplo: uma personagem nos é apresentada como ator, antes que comece a interpretar o papel que lhe foi atribuido. Uma família burguesa que assiste ao espetáculo acaba por invadir a ribalta, a fim de moralizar o desenlace da peça.

Françoise Rosay e Fernandel em em Estalagem Vermelha

ESTALAGEM VERMELHA / 1951

Em 1883, uma diligência e depois monge (Fernandel) um noviço, Jeannou (Didier D’Yd), chegam a uma hospedaria em Peyrebeille no planalto de Ardèche. O hospedeiro, Pierre Martin (Julien Carette), sua esposa, Marie (Françoise Rosay), e um criado negro, Fétiche (Lud Germain), por cupidez, matam todos os viajantes que ali costumam pedir abrigo. A filha dos Martin, Mathilde (Marie-Claire Olivia), parece saber de tudo. Os escrúpulos atormentam a hospedeira e ela exige que o monge ouça sua confissão. Este, impedido pelo segredo da confissão de revelar aos visitantes o perigo que eles correm, tenta desesperadamente salvá-los por outros meios.

Farsa macabra, satirizando com espírito voltairiano e de maneira burlesca o sentimento melodramático e o religioso através, respectivamente, do comportamento dos assassinos e do monge. Nota-se também, uma crítica da estupidez burguesa (representada pela conduta dos viajantes) e da candura da adolescência (a heróina pura tradicional é cúmplice dos pais). Autant-Lara consegue equilibrar o elemento trágico e o cômico, extraíndo de uma cena aparentemente trágica uma força cômica ou de uma cena aparentemente cômica uma fatalidade trágica. No final da farsa, os celerados são presos, e os viajantes -os hipócritas, os inúteis, os ridículos – encntram a morte logo em seguida.

Bourvil e Jean Gabin em A Travessia de Paris

A TRAVESSIA DE PARIS / LA TRAVERSÉE DE PARIS / 1956

Em 1943, Martin (Bourvil), chofer de taxi desempregado, transporta clandestinamente carne destinada ao mercado negro. Como o seu auxiliar foi preso, ele pede ajuda a Grandgil (Jean Gabin), um desconhecido com quem fez amizade. Grandgil na verdade é um pintor célebre e rico que aceitou participar da aventura apenas ara experimentar até que ponto se pode abusar de uma situação mesmo correndo o risco de ser preso pelos alemães, e viver alguns momentos de emoção. No decorrer do trajeto, uma patrulha os prende. Grandgil é reconhecido por um oficial amante da pintura e é solto. Somente Martin será deportado.

Crônica do tempo da Ocupação, retratando uma certa mentalidade francesa dos anos 1940 em um tom de humor amargo bem característico do espírito de Autant-Lara. A perfeita reconstituição da época cria um ambiente realista conforme as necessidades do relato. Alguns excelentes achados dramáticos surgem durante o percurso dos dois pequenos traficantes: a morte do porco abafada pelo som do acordeão; o instante no qual um cão fareja as malas onde estão os pedaços do porco, dois guardas seguem nossos “heróis” e Grandgil recita um poema alemão em voz alta. O reencontro de Grandgil e Martin na estação ferroviária, onde Martin passa a trabalhar como carregador. Da janela do vagão de primeira classe, Grandgil diz para Martin: “Você sempre carregando malas”, e este responde: “Sim, só que agora são as malas dos outros”.

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