Hans Brahm (1893-1982) nasceu em Hamburgo, Alemanha. Montador e roteirista na França e depois na Inglaterra, estreou atrás das câmeras em 1936 dirigindo a refilmagem de Lírio Partido / Broken Blossoms (que David Wark Griifith realizara em 1919). Foi para Hollywood, onde realizou, entre 1937 e 1943, apenas filmes de mercado, alguns interessantes, mas sem grandes valores artísticos: Defensor Impune / Counsel for Crime, Penitenciária / Penitentiary, Flores da Primavera / Girl’s School, Deixai-nos Viver! / Let us Live, Tortura de uma Alma / Rio, Rumo ao Oeste / Escape to Glory, Vida Sem Rumo / Wild Geese Calling, O Segredo do Monstro / The Undying Monster, Esta Noite Bombardearemos Calais / Tonight We Raid Calais, Flor de Inverno / Wintertime. Ao realizar Ódio Que Mata / The Lodger / 1944, A Hipócrita / Guest in the House / 1944, Concerto Macabro / Hangover Square / 1945 e Angústia / The Locket / 1946 tornou-se um cineasta importante.
Ódio Que Mata é refilmagem de um filme de Alfred Hitchcock com uma atmosfera extremamente angustiante, imagem emocionante do assassinato de uma cantora de rua e composição impressionante do ator Laird Cregar como o assassino, principalmente nas últimas sequências do espetáculo.
Concerto Macabro focaliza o alucinante destino de um compositor de música clássica (também interpretado por Laird Cregar), sobrecarregado pela composição de um concerto, que é vítima de crises de loucura criminal e é assim que ele assassina um antiquário e uma cantora de cabaré, que tentara explorar seu talento. Nestes dois filmes percebe-se a influência do filme noir, então no seu apogeu, pois oferecem uma antologia de cenas invariavelmente noturnas com iluminação muito trabalhada. A fotografia de Lucien Ballard para Ódio Que Mata e a de Joseph LaShelle para Concerto Macabro são soberbas.
A Hipócrita é um melodrama tendo com centro das atenções uma jovem neurótica (Anne Baxter), que tem uma fobia bizarra de pássaros, e seu plano de destruir a harmonia da família feliz de seu noivo. Eventualmente as pessoas da casa percebem o que está ocorrendo e como ela está manipulando todos, o que leva a um fim trágico. Não é uma história de crime, mas foi filmada no estilo noir e tem uma mulher fatal.
Angústia é um melodrama freudiano contendo elementos noir entre eles a construção dramática cheia de retrospectos dentro de retrospectos e a iluminação contrastada. No día de seu casamento com Nancy Blair (Laraine Day), John Willis (Gene Raymond) recebe a visita do ex-marido de Nancy, um psiquiatra. Este lhe conta que Nancy é cleptomaníaca, problema causado por um incidente ocorrido na infância: filha de uma criada de gente rica, ela foi falsamente acusada de ter roubado um medalhão. Ele também não tinha conhecimento disto até que um pintor, Norman Clyde (Robert Mitchum), o informou da infelicidade que Nancy lhe trouxe. Angustiado, Clyde cometeu suicídio, tendo antes revelado ao Dr. Blair (Brian Aherne) que Nancy matou Mr. Bonner (Ricardo Cortez), um mecenas apaixonado por ela, e deixou um inocente levar a culpa.
O enredo mostra a progressiva insanidade da personagem até se desintegrar emocionalmente. Brahm joga de maneira inteligente com os laços que coexistem entre o passado e o presente, a realidade e o mistério, a loucura e a verdade. “A Verdade está fora do alcance de Nancy”, explica o Dr. Blair, ao tentar convencer Willis de que vai cometer os mesmos erros que ele e Clyde cometeram. No final, o psiquiatra conclui: “O medalhão é apenas um símbolo. Era de amor que ela precisava”.
Em alguns momentos, como o da cerimônia do casamento, com o magistral emprego da câmera subjetiva-psicológica, o diretor alcança o mesmo brilho de seus melhore filmes, Nancy desce a escadaria da mansão com um buquê nas mãos e caminha para o altar improvisado. De repente, tem alucinações, ouvindo as vozes e vendo, em sobreimpressão, a imagens de Clyde, da patroa acusadora e dela mesma quando menina. A objetiva, colocada diretamente do alto, focaliza seus pés pisando no tapete estravagante até que encara o noivo dá um grito e cai sem sentidos.
Moeda Trágica / The Brasher Doubloon/1947 já é um filme noir puro, baseado no romance “The High Window” de Raymond Chandler. No relato o detetive particular Philip Marlowe (George Montgomery) chega à residência de Mrs. Murdock (Florence Bates), onde é recebido por sua secretária, Merle Davis (Nancy Guild). A velha quer contratá-lo, para recuperar uma antiga moeda de ouro espanhola, que lhe fora roubada. No desenrolar da investigação, Marlowe se depara com vários personagens e várias mortes até chegar a Rudolph Vannier (Fritz Kortner), um cinegrafista que está chantageando Mrs. Murdock com algo que teria filmado. O filme revela que foi Mrs. Murdock quem matou seu marido com ciúmes de Merle. A moeda supostamente roubada estava sendo utilizada por Leslie ( Conrad Janis), o filho mimado de Mrs. Murdock, para pagar uma dívida de jogo.
Apesar da simplificação que os roteiristas fizeram do romance de Raymond Chandler, o espetáculo não compromete como filme noir puro. Aí estão a mulher fatal (Mrs. Murdock), o herói hard-boiled (apenas suavizado na interpretação bastante razoável de George Montgomery), a trama complexa, a narração em voz over, personagens grotescos, cenários ameaçadores (o vento que agita as árvores e provoca sombras sobre Marlowe no interior da mansão; o aposento da asmática Mrs.Murdock decorado com plantas equatoriais), diálogos e situações eróticas.
Há uma cena em que Marlowe vê uma arma em uma gaveta aberta. “Pensando em matar alguém?”, ele pergunta a Merle. Quando coloca a mão nos ombros da jovem, ela se retrai como se estivesse fugindo de uma cobra. “Não gosto de ser tocada por um homem”, Merle explica, mas acrescenta maliciosamente: “Isto não quer dizer que não quero ficar curada disto”.
Os filmes seguintes de Brahm, tal como os da sua primeira fase como cineasta em Hollywood, são corriqueiros, mas quase todos interessantes como Singapura / Singapore / 1947; Caminhos da Aventura / Face to Face / 1952 (composto por duas histórias, The Secret Sharer e The Bride Comes to Yellow Sky); O Ladrão de Veneza / The Thief of Venice / 1950; A Virgem de Fátima / The Miracle of Our Lady of Fatima / 1952; A Máscara do Mágico / The Mad Magician / 1954 em 3-D com Vincent Price; As Fraldas do Embaixador / Special Delivery / 1955 e Die Goldene Pest / 1955 (filmado na Alemanha Ocidental. Exceções: Terras Escaldantes / Bengazi / 1955 e 52 Milhas de Terror / Hot Rods to Hell / 1967).
Durante as décadas de 1950 e 1960 Brahm trabalhou muito na televisão, dirigindo, por exemplo, episódios da série Alfred Hitchcock Apresenta / Alfred Hitchcock Presents, Além da Imaginação / Twilight Zone, O Agente da U.N.C.L.E. / The Man from U.N.C.L.E., A Quinta Dimensão / The Outer Limits, Gunsmoke / Gunsmoke etc.