Arquivo do Autor: AC

DULCINA E CACILDA NO CINEMA

Elas fizeram a glória do nosso teatro, mas tivemos poucas oportunidades de vê-las na tela. Dulcina apareceu somente em um filme de longa-metragem e Cacilda atuou apenas em dois.

Dulcina de Moraes de Azevedo (1908-1996) veio ao mundo em Valença no Estado do Rio, durante uma excursão pelo Brasil da companhia de Francisco Santos, na qual seus pais, Conchita (nascida em Cuba, filha de pais espanhóis) e Átila de Moraes, trabalhavam. Ela começou sua carreira profissional na Companhia Brasileira de Comédia de Viriato Correia e Niccolino Viggiani, estreando no Teatro Trianon, aos quinze anos de idade, na peça “Travessuras de Berta”, de Antonio Guimarães, em um pequeno papel no segundo ato, suscitando este comentário do crítico Mario Nunes no Jornal do Brasil: “louve-se também a Srta. Dulcina de Moraes, cujas rápidas passagens pela cena evidenciam a sua vocação para o palco”. Na mesma companhia, contracenou em “Zuzu” (o maior sucesso da temporada) com dois futuros monstros sagrados dos palcos brasileiros: Procópio Ferreira e Jaime Costa.

Dulcina de Moraes

Porém a grande chance ocorreu quando outro ator eminente, Leopoldo Fróes, viu-se em sérias dificuldades para arranjar uma atriz que faria o papel de Jeaninne em “Lua Cheia” de André Birabeau. No seu livro Dulcina e o Teatro de Seu Tempo, Sergio Viotti conta em detalhes como foi o teste da jovem Dulcina diante de Fróes e do ensaiador Eduardo Vieira, e conclui com a percepção dela de que o papel seria seu: “Eu espiei com o rabo de olho, num movimento de cabeça, e vi que o Fróes também estava reagindo ao que eu estava dizendo. Ele estava me ouvindo, Atentíssimo! Vieira aproximou a cabeça da dele. O Fróes, sem desviar os olhos de cima de mim, disse alguma coisa. Dava pra perceber que era aprovação. Era o sinal que eu estava esperando. Que até aquela hora eu estava meio perdida. Aí, eu sentí toda a segurança da vida. Ninguém mais ia me botar medo. Nem nada. Aí começou a leitura das minhas cenas. O elenco já estava familiarizado com o texto. Já haviam feito umas leituras antes, sem mim. Eu dei tudo. Tudo. Me sentí à altura daquelas senhoras elegantes. Como se estivesse bem vestida. Bem vestidísssima. Igualzinha a elas. De chapéu! Não tinha mais jeito. Eu sentí que o papel ia ser meu. Sabia que já era meu. E foi.”

Dulcina e Conchita

Dulcina e Procópio Ferreira em 1948

Na sua biografia, As Mil e Uma Vidas de Leopoldo Fróes, Raimundo Magalhães Júnior conta que no jornal A Notícia, o nome de Dulcina chegou a ser colocado acima do de Fróes. Depois de dizer que ele se havia portado admiravelmente em “Lua Cheia”, vinha este período: “A nota de maior êxito, porém, proporcionou-nos a estreante da noite de ontem, senhorita Dulcina de Moraes (Jeaninne), que foi uma verdadeira revelação e vale por uma boa promessa”.

Em 1931, Dulcina casa-se com o mineiro de Santa Rita de Cássia, Odilon Azevedo (1904-1966), filho de um fazendeiro próspero, formado em advocacia, escritor, jornalista que, incentivado por Renato Viana e apresentado a Leopoldo Fróes por Mario Nunes, tornou-se ator. Dulcina e Odilon trabalharam na companhia familiar que Átila de Moraes organizou com seu cunhado (marido de Esther, a irmã caçula de Dulcina), Manuel Durães. Mais tarde, em 1934, essa mesma companhia haveria de se transformar na Cia. Dulcina-Odilon estreando no Rio de Janeiro para inaugurar o Teatro Rival, na rua Alvaro Alvim, com a peça de Oduvaldo Viana “Amor”, um êxito sem precedentes.

Dulcina exibindo seu vestido

Desse momento se inicia a fama de Dulcina, não só por suas qualidades como atriz como também por apresentar-se sempre muito bem vestida em modelos que eram copiados pelas fãs que acorriam aos seus espetáculos. Em 1939, a Companhia transferiu-se do Rival para o Alhambra, da Empresa Serrador, até então cinema e, em breve, Dulcina e Odilon inaugurariam um novo teatro, o Regina, na Rua Alvaro Alvim, que alguns anos comprariam anos após, tornando-o o Teatro Dulcina.

Dulcina

Antes disso, em 1937, o casal viajou para os Estados Unidos, onde teve contato com um teatro de densidade cultural e, ao regressar, começou a planejar mudanças no seu repertório, até então voltado mais para o gosto popular. Animados também pela qualidade das peças apresentadas pelo diretor francês Louis Jouvet, que excursionou pelo Brasil em 1942, Dulcina e Odilon pediram apoio ao governo para a famosa temporada de 1944-45 no Teatro Municipal onde a companhia apresentou “César e Cleopatra” e “Santa Joana” de Bernard Shaw; “Anfitrião 38”, de Jean Giraudoux; “Rainha Vitória” de Lawrence Housman; “O Pirata” de S.N. Behrman e “Chuva” de Somerset Maugham.

Dulcina como Cleopatra

Em 1946, realizaram uma temporada em Buenos Aires, integrando um elenco argentino e representando em espanhol. Como recordou Brício de Abreu, em “Esses Populares Tão Desconhecidos”, a crítica e o público consagraram de forma definitiva a nossa grande atriz, que obteve com “Chuva” (o seu maior êxito no Brasil) um dos sucessos maiores de sua carreira. Era a primeira vez que uma atriz brasileira se apresentava em país estrangeiro, representando em uma língua que não era a sua, dominando completamente o público.

Dulcina em Chuva

De volta à sua pátria, Dulcina e Odilon ainda realizaram várias temporadas de sucesso até que resolveram criar, em 1955, a Fundação Brasileira de Teatro que, com os seus vários cursos e espetáculos, prestaram reais serviços ao nosso teatro. A FBT funcionou primeiramente no prédio do Teatro Dulcina e mais tarde, em 1972, em Brasília, sob a denonimação de Faculdade de Artes Dulcina de Moraes. Em 21 de abril de 1980, foi inaugurado o Teatro Dulcina na nova capital do país.

Dulcina recebida pelo Presidente Getulio Vargas

O único filme de Dulcina, 24 Horas de Sonho, foi exibido na cadeia de cinemas de Luís Severiano Ribeiro, no circuito liderado pelo Cine São Luís, em setembro de 1941. O anúncio do Correio da Manhã dizia: “Uma nova Dulcina! Um Odilon que você ainda não conhece! O par de artistas que o palco já consagrou, agora ainda mais vitoriosos e brilhantes – na tela, em um filme leve, agradável, divertido!”. Entretanto, o filme não obteve aprovação unânime da crítica.

O crítico de A Noite, que assinava R., lamentou: “Na verdade, este filme não representa nada na carreira artística notável da senhora Dulcina de Moraes, que tanto se elevou como intérprete de “Amor”… Não representa nada, não é bem o termo. Representa algo desfavorável, estando abaixo do seu nível de intérprete, de sua categoria de grande comediante da ribalta … 24 Horas de Sonho não é filme, não é teatro, não é cinema, é uma salada, uma mistura inextricável … A culpa máxima é do Sr. Chianca de Garcia, que continua a nos dar coisas características e inexpressivas, sem nenhum valor artístico ou nexo cinematográfico, resolvendo os problemas da película ou por omisssão, ou da maneira mais primária possível”.

Dulcina e Odilon em 23 Horas de Sonho

A apreciação de Maria Andréia na revista Carioca, foi bastante severa: “Falando de 24 Horas de Sonho, devemos acentuar a grande melhoria do som e da fotografia, em condições muito superiores do que as que já temos visto; os cenários esforçaram-se por ser elegantes e “distingués” e em algumas passagens o conseguiram. O mais desagradável em tudo foi um argumento lamentável: as “24 Horas de Sonho” parecem mais vinte e quatro horas de pesadêlo na imaginação de uma criança. O tema é dos mais explorados: uma criatura que quer suicidar-se e resolve gozar, antes, alguns momentos de prazer; no fim, justamente daquelas últimas horas de vida, encontra o “mocinho” aquele que lhe há de fazer a felicidade da vida inteira. Temos visto isto em todas as variantes que lhe pode dar o cérebro de um escritor que encontra qualquer coisa de mais original. Dulcina julga-se antes num palco que diante de uma câmera e emprega aquelas mesmas mímicas, aquela voz arrastada e aqueles exageros que tanto destoam na arte cinematográfica. Aliás, este é o grande mal do cinema: artistas de teatro que pensam que assim é que se faz cinema, daí provem tudo o que fere o nosso senso artístico e a descrença do público pelo cinema brasileiro”.

Chianca de Garcia, Odilon, Fernando de Barros, Dulcina e Adhemar Gonzaga  na filmagem de 24 Horas de Sonho

O comentarista de Cinearte mostrou-se mais benevolente: “Vale a pena ser visto. É uma boa realização do cinema brasileiro, especialmente na parte técnica. Som, fotografia, ambientes luxuosos, movimentação de “câmera”, exteriores variados, tudo mostra os recursos técnicos de uma realização segura e marcante igualando o filme brasileiro às produções americanas do gênero. Uma coisa porém, não está a altura do progresso obtido e por vezes tenta desvalorisar o filme – o argumento. A história da campeã de suicídios que passa 24 horas de vida luxuosa no Rio, pretende ser moderna no gênero das comédias de Hollywood – mas consegue ser apenas artificial dando ao filme uma certa frieza. Assim mesmo há efeitos cômicos interessantes, como o “tratamento” pelo lado da fantasia – mas quando o argumento tem intenções dramáticas levadas a sério pela direção, o filme não convence … Dulcina está feliz na sua estréia; adapta-se ao cinema, revelando personalidade boa para os filmes, leve, desembaraçada, juvenil e, muito expontânea, principalmente na cenas cômicas”.

Graças a Sra. Alice Gonzaga, podemos ver o filme hoje e, na minha opinião, ele tem os seus méritos. A história diz respeito a uma moça, Clarice (Dulcina), que tem a mania de suicídio. Já havia tentando matar-se 43 vezes, sem sucesso. Conhece um motorista de taxi, Cícero (Aristóteles Pena), que tenta demovê-la da idéia, mas ela continua firme no seu propósito de suicidar-se. Cícero propõe a Clarice que passe suas últimas 24 horas realizando todos os seus sonhos, como hospedar-se no Copacabana Palace, encomendar roupas caras e fazer-se passar por uma baronesa. Tudo caminha bem até que aparece Roberto (Odilon), um empregado do hotel, por quem ela se apaixona.

Dulcina e Odilon em 24 Horas de Sonho

Essa imitação das comédias românticas norte-americanas não tem o mesmo brilho das suas congêneres de Hollywood, mas a meu ver é uma produção digna de respeito com um argumento (de Joracy Camargo) interessante e divertido, uma técnica razoável dentro das possibilidades dos nossos estúdios na época, interpretações corretas (distinguindo-se Dulcina, que está muito a vontade diante das câmeras) e, quanto à direção de Chianca de Garcia, se ele não foi tão feliz com relação principalmente ao ritmo, como no seu filme português A Aldeia da Roupa Branca, também não merece desprezo.

Conforme nos informa Lécio Augusto Ramos no seu verbete sobre Dulcina na Enciclopédia do Cinema Brasileiro (org. Fernão Ramos, Luiz Felipe Miranda, Senac, 2004), antes de 24 Horas de Sonho, Dulcina havia tido duas experiências com o cinema. Em 1935, participou de testes de câmera na Cinédia para o elenco do projeto Canção da Felicidade, baseada na peça de sucesso de Oduvaldo Viana, que acabou não se concretizando. Em 1937, depois da viagem que fizeram a Terra do Cinema, Dulcina e Odilon resolveram produzir a peça “Hollywood”, sobre a decadência de uma grande estrela do cinema americano. Decidiram então incluir um pequeno curta-metragem para ambientar a peça, mostrando um dos antigos sucessos da atriz. Intitulado A Mulher que Passa, o filme curto foi realizado na Cinédia (dirigido por Adhemar Gonzaga e fotografado por Edgar Brasil), tendo Dulcina contracenando com o ator Mario Salaberry.

Cacilda Becker

Cacilda Becker Iaconis (1921-1969) nasceu em Pirassununga, São Paulo – filha de um caixeiro-viajante descendente de imigrantes italianos calabrêses, Edmundo Radamés Iaconis e de Alzira Leonor Becker com ascendência alemã na Saxônia – tendo sido registrada no Cartório do Registro Civil como Yaconis pelo pai, que optou pelo Y no sobrenome. Em 1927, a família mudou-se para São Paulo, e foi então que, após onze anos de desacêrtos conjugais, Edmundo abandonou a família para viver com outra mulher e embarcou esposa e três filhas (Cacilda e sua irmãs Dirce e Cleyde) de volta para Pirassununga.

Em 1930, sete meses depois do retorno à cidade natal, Cacilda subiu pela primeira na vida em um palco durante o Festival da Escola de Instrução Militar, que contava com a participação de estudantes normalistas e de crianças “encantadoras, entre as quais ela (aos oito anos de idade) se incluia. Como relata Luís André do Prado na sua excelente biografia, “Cacilda Becker fúria santa”, de onde colhí a maior parte dos dados sobre a grande atriz, o bailado apresentado por Cidinha (a música era Canção do Amor Pagão), foi o ponto máximo do festival. Um repórter profetizou: “Esta menina na arte coreográfica, será uma grande artista”.

Cacilda Becker em 1942

Passado algum tempo, a mãe de Cacilda tornou-se professora do Estado, começando a lecionar em uma escola rural em São Simão, perto de Pirassununga, tendo sido depois transferida em 1932 para o Grupo Escolar de São Vicente no município do mesmo nome vizinho à cidade de Santos. Em 1933, Cacilda prestou exame de admissão para o curso ginasial na Associação Instrutiva José Bonifácio (escola particular e “mista”) onde, com o incentivo de sua professora de música, dona Oraida Amaral, na festa de encerramento do ano de 1935, ela dançou A Dança Ritual do Fogo de Manuel de Falla, causando tal sensação, que a direção do colégio ofereceu gratuitamente o curso todo de Cacilda e das suas irmãs. Esta apresentação amadora foi, pode-se dizer, o início da ascensão da estrelinha Cacilda Becker em sua curta carreira de bailarina em Santos, que duraria de fins de 1935 a 1940, tendo sempre a Dança Ritual do Fogo como carro-chefe.

Após ter concluído o curso de normalista, Cacilda apenas deu aulas até que, com o apoio de Miroel Silveira, que se tornara seu amigo e incentivador, conseguiu fazer um teste de atriz no Teatro do Estudante do Brasil (TEB), então orientado pela escritora Maria Jacinta, em substituição a Paschoal Carlos Magno, que retornara a Londres para assumir o consulado de Liverpool. Maria Jacintha confiara a Miroel a tradução de um texto que pretendia encenar, e ele aproveitou para indicar Cacilda para um teste de atriz, pois estava certo de que a carreira de bailarina da amiga não tinha futuro.

Cleyde Yáconis, Cacilda Becker e Paschoal Carlos Magno

A estréia de Cacilda no palco foi em 1941 na peça “3.200 Metros de Altitude”, de Julien Luchaire, sob os auspícios do Serviço Nacional de Teatro – SNT, no Teatro Ginástico. Ela acabou fazendo também uma substituição de última hora no elenco de “Dias Felizes” de Claude-André Puget, apresentada na inauguração do novo palco do Fluminense Football Clube, recebendo calorosos elogios e um vaticínio promissor por parte de Raimundo Magalhães Junior: “Possuindo uma bela figura, uma dicção clara, expressiva, com verdadeira virtuosidade interpretativa, essa jovem estreante pode ser aproveitada com brilho em qualquer dos nossos elencos profissionais, pois se mostrará à altura das responsabilidades que lhe foram confiadas”.

Após sua estréia brilhante, Cacilda recebeu duas propostas. Dulcina e Odilon ofereceram-lhe um papel em “Nunca me deixarás” de Margaret Kennedy enquanto Raul Roulien lhe propunha outro em “Prometo ser Infiel” de Dario Niccodemi (ambos os títulos traduzidos dos originais). Seguindo orientação de Miroel Silveira, Cacilda optou pela companhia Dulcina-Odilon; porém depois, percebendo a pouca chance que teria de aparecer dividindo um palco com Dulcina, ela repentinamente abandonou os ensaios de “Nunca me Deixarás”, para se juntar ao elenco de “Prometo Ser Infiel, cuja atriz principal era Laura Suarez

Cacilda Becker e Abdias do Nascimento em Otelo

Depois de trabalhar um certo tempo na Companhia de Comédias Íntimas de Roulien, Cacilda ingressou, em 1943, no Grupo Universitário de Teatro- GUT. Em 1944, foi para a Companhia de Comédias de Bibi Ferreira. Em 1945, voltou para o GUT. Em 1947, colaborou com Os Comediantes na remontagem do “Vestido de Noiva” de Nelson Rodrigues e em outras peças dirigidas por Zigmunt Turkov e Ziembinski. No mesmo ano, participou de uma festa comemorativa da existência do Teatro Experimental do Negro – TEN, aparecendo em uma cena de Otelo de Shakespeare, ela como Desdêmona e Abdias do Nascimento como o Mouro de Veneza. Na festa do TEN, Cacilda reencontrou Miroel Silveira, agora à frente do grupo Os V Comediantes, no qual ela se integrou, participando, em 1947, da terceira remontagem de “Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues, que eu gostaria muito de ter visto, pois nela, além de Cacilda (Lúcia) estavam também Maria Della Costa (Alaíde) e Olga Navarro (Madame Clessi). Em 1948, protagoniza “A Mulher do Próximo” de Abílio Pereira de Almeida, um dos espetáculos inaugurais do Teatro Brasileiro de Comédia – TBC em sua fase amadora. Entre 1949 e 1955, Cacilda esteve presente em quase todas as montagens do TBC, destacando-se “Entre Quatro Paredes”, de Jean Paul Sartre (que trinca: Cacilda, Nydia Lícia, Sergio Cardoso!), “Pega-Fogo” de Jules Renard, “Seis Personagens à Procura de um Autor” de Luigi Pirandello e “Maria Stuart”de Schiller.

Cacilda Becker e Maria della Costa em Vestido de Noiva

Cacilda em Pega-Fogo

Cacilda e Walmor Chagas em Maria Stuart

Em 1953, ela trabalhou na televisão no teleteatro intitulado Teatro Cacilda Becker, estreando com “A Dama das Camélias”. Em 1957, despede-se do TBC e funda com Walmor Chagas, Cleyde Yaconis e Fredi Kleemann, o Teatro Cacilda Becker – TCB, onde encantou o público em “Jornada de um Longo Dia para Dentro da Noite”, de Eugene O’Neill, “A Visita da velha Senhora”, de F. Dürrenmat, “Quem Tem Medo de Virginia Woolf? “, de Edward Albee, “Entre Quatro Paredes”, de Jean-Paul Sartre (que trinca: Cacilda, Nydia Lícia e Sergio Cardoso!) e outros belos espetáculos. Em 1969, durante uma sessão de “Esperando Godot”, de Samuel Beckett, a atriz sofreu um derrame cerebral, e faleceu 38 dias depois aos 48 anos de idade.

Cacilda em A Dama das Camélias

Ziembinski e Cacilda em Jornada de um Longo Dia Para Dentro da Noite

Nydia Licia, Sergio Cardoso e Cacilda em Entre Quatro Paredes

Cacilda e Walmor Chagas em Esperando Godot

Foi Celso Guimarães, o famoso locutor e rádio-ator da Rádio Nacional, que comunicou por um telefonema a Cacilda que a Atlântida Cinematográfica estava interessada em tê-la como protagonista de sua nova produção,  Luz dos Meus Olhos. O filme conta a história de um pianista cego, Roberto (Celso Guimarães), que vive como afinador de piano. Um dia, ao atravessar uma rua, encontra-se com um moleque chamado Basilio (Grande Otelo), que se prontifica a acompanhá-lo como seu guia. Auxiliando-se mutuamente, nasce entre ambos uma forte amizade. Certa tarde, chamado para afinar um piano em uma residência, ao dedilhar as primeiras notas de sua canção predileta, Luz dos meus Olhos, a filha da sua cliente, Suzana (Cacilda Becker), ao ouví-la do seu quarto, reconhece imediatamente a melodia, que fora composta para ela por Renato, no tempo em que estudavam em uma academia de música. Em retrospectos, o espectador fica sabendo que os dois se estimavam muito, mas o amor não vingara porque, ao sentir os sintomas de cegueira, Renato se afastara da moça. De volta ao presente, descobrimos que Suzana está noiva. O guia tenta bancar o cupido, mas quem afinal reaproxima Roberto de Suzana é o próprio rival, que rompe com a noiva, ao perceber que ela gosta mesmo é de Roberto.

Cacilda Becker em Luz dos Meus Olhos

Luz dos Meus Olhos chegou às telas em setembro de 1947, recebendo pouco apoio da crítica e do público. Cumpriu o período obrigatório de exibição para filmes brasileiros e saiu de cartaz. Originalmente o filme tinha cem minutos de duração, mas seu master foi perdido durante um incêndio que destruiu quase todo o acervo da Atlântida e hoje só restam dele 58 minutos em cópia de 16mm.

Jonald em A Noite comentou: “O ponto alto do conjunto, que merece citação em primeiro lugar, é o desempenho de Grande Otelo. Possuindo qualidades natas para o sentido cinematográfico, atua de maneira espontânea e natural, chegando, por vezes, a entusiasmar… Não há dúvida alguma de que Celso Guimarães e Cacilda Becker, respectivamente nos meios radiofônico e teatral, têm provado seus merecimentos. Neste celulóide, apesar de Celso ter momentos bens razoáveis, há outros em que trai – particularmente pela inflexão da voz – a ascendência do rádio. Sente-se também que faltou melhor direção, pois defeitos mais acentuados são encontrados em Cacilda, além do mais, pouco fotogênica … O cenário, de autoria de Paulo Wanderley, revela uma série de concepções interessantes, algumas aproveitadas pelo diretor e outras não … Considerada em conjunto, a direção é nítidamente arrastada, alternando momentos aceitáveis com outros que deixam a desejar”. Mais adiante, Jonald faz restrições à parte técnica, apontando falhas na iluminação e a presença de algo mais de meia dúzia de sombras de microfone, em movimento, no fundo das cenas, e conclui: “Considerada em conjunto, a direção é nitidamente arrastada, alternando momentos aceitáveis com outros que deixam a desejar”.

Cacilda Becker e Celso Guimarães em Luz dos Meus Olhos

Moniz Viana escreveu no Correio da Manhã: “O que Luz dos Meus Olhos põe em evidência – e não é o primeiro, nem será o último a fazê-lo – é a falta de conhecimento cinematográfico que vem caracterizando quase todos os filmes do Brasil”. Porém Moniz fez uma ressalva em favor da nova estrela da tela: “A estreante Cacilda Becker vai melhor que qualquer veterano, parecendo um elemento bem aproveitável. Com um diretor mais diligente, teria, é fora de dúvida, se sobressaído mais”.

Só pude ver o filme em uma versão reduzida, mas deu para notar a pobreza técnica e a má continuidade (as sequências são cortadas de um modo brusco) dessa imitação de melodrama mexicano mas, em compensação, a ótima performance de Grande Otelo, o melhor de todos em cena por sua extroversão e talento humorístico (v. g. a imitação que ele faz de uma cantora portuguêsa) e a beleza da valsa-tema composta pelo diretor José Carlos Burle, interpretada por Silvio Caldas (e depois gravada por Jorge Goulart). Quanto a Cacilda, não vislumbrei nenhum defeito na sua interpretação e concordo totalmente com as impressões de Moniz Viana.

Lançado em outubro de 1954, Floradas na Serra, com roteiro de Fábio Carpi baseado no romance de Dinah Silveira de Queirós e direção de Luciano Salce, foi o derradeiro filme da Companhia Cinematográfica Vera Cruz que, atolada em dívidas, fecharia suas portas logo em seguida. Reproduzo a seguir alguns trechos dos comentários de quatro críticos de cinema importantes, que escreviam na época.

Cacilda e Jardel Filho em Floradas na Serra

Decio Vieira Ottoni (Diário Carioca): “Floradas na Serra (Vera Cruz, Colúmbia) a última, a menos sensacional e a melhor produção da falecida companhia de São Bernardo do Campo continua em cartaz esta semana num grupo de cinemas de segunda categoria, valendo o sacrifício por ser a obra que melhor caracteriza as possibilidades do filme nacional até agora. É um filme tecnicamente limpo, desenvolve uma situação dramática fundada num fato social de estreita correspondência com a realidade. Sua narrativa, segura e econômica, não exibe as incorreções contundentes da maioria das fitas brasileiras … O que o filme extraído do romance de Dinah Silveira de Queirós mostra, além dos seus melhores antecessores, é uma interpretação segura no seu conjunto, a objetividade da linguagem e, principalmente, a extraordinária interpretação de Cacilda Becker, que produz o mais sensível e inteligente desempenho de um atorno cinema brasileiro desde que se faz cinema no Brasil …

Cacilda e Jardel Filho em Floradas na Serra

Moniz Viana (Correio da Manhã): “Floradas na Serra supera em qualidades técnicas (e morais) as outras fitas que saíram de São Bernardo do Campo: os Caiçaras e as Apassionatas, as Sinhás Moças e os Tico-Ticos, que são cavalcantices, lusitanismos ou napolitanadas. Só fica atrás – e, convém frisar, muito atrás – de O Cangaceiro ... A direção de Luciano Salce, com a atenuante de não ter tido o realizador um bom script, é satisfatória, em termos de cinema brasileiro. Falta a Salce o lampejo do cineasta, que pode acontecer em qualquer lugar, até mesmo no Brasil, onde surgiu um Lima Barreto. Mas o desempenho de Cacilda, superando todas as debilidades , é tão firme que se tem a impressão de que ela exerceu também certa influência na direção da fita”.

Cena de Floradas na Serra

Hugo Barcelos (Diário de Notícias): “Envolta num enredo confuso, que os cenaristas colheram no romance de Dinah Silveira de Queirós, em falsas bases do melodrama sentimental, Cacilda Becker opera o milagre de uma “performance”, fenômeno até agora desconhecido no cine pátrio … Floradas na Serra desenvolve-se em um sanatório de Campos do Jordão, onde se cruzam os caminhos de Miro Cerni (o médico), Cacilda, Jardel, Ilka Soares e outros enfermos. A tuberculose é o pretexto para o tema: o amor de Cacilda e Jardel. Enquanto este, atacado pela doença, observa as prescrições do doutor Cerni e, como os demais, tem pavor da morte, a fita, apesar de modesta em sua expressão, adquire certa densidade dramática. Mas quando Jardel consegue alta, e despreza o amor de Cacilda, depois de terem coabitado sob o lema “o nosso amor e uma choupana”, Floradas na Serra encarreira-se, decididamente, na trilha dos dramalhões.

Cacilda e Ilka Soares em Floradas na Serra

Ely Azeredo (Tribuna da Imprensa): “Floradas na Serra, a 18ª produção da Vera Cruz, tem uma história acidentada. Após a filmagem dos “exteriores” em Campos do Jordão, veio a público a longamente prevista crise da emprêsa. Por falta de capital, durante cêrca de seis meses, permaneceram erguidos e desertos os cenários construídos no estúdio. E, quando terminadas as filmagens, por obra e graça do apoio oficial, nada mais se ergueu em São Bernardo. Não conhecemos o romance de Dinah Silveira de Queirós, mas, a julgar por opiniões fidedignas, inúmeras modificações viscerais feitas por Fabio Carpi foram indispensáveis e habilidosas. Carpi dotou a história de uma espinha dorsal: Lucília (Cacilda Becker) a moça rica que procura refúgio e paz de espírito na quietude de Campos do Jordão e, numa visita de rotina ao médico (Miro Cerni), descobre que está tuberculosa. Faminta de vida, hiper-sensível, Lucilia negligência o tratamento, e caminha inexoravelmente para o fim. Elza (Ilka Soares), que narra no livro o caso de Lucília, é reduzida a figura secundária, no script. A narrativa da escritora, que era fragmentada, recebeu uma base uniforme na Lucília cinematográfica, ao redor da qual giram as demais personagens. A figura número dois é Bruno (Jardel Filho), doente pobre e amargurado, que pretende reunir em um romance todos os seus ressentimentos contra a sociedade. Sob os cuidados e o amor de Lucília, ele caminha rapidamente para a cura. Paralelamente, a doença da moça leva a melhor. E o conflito resultante dá ao filme o final trágico – coerente com a linha nervosa e amarga adotada por Carpi e Luciano Salce. A concentração no caso Lucília-Bruno transforma o filme num drama amargo, sem perder os principais ingredientes do romance, que eram a nostalgia e o sentimentalismo”.

Cacilda e Lolah Brah em Floradas na Serra

Em outra edição do jornal, Ely Azeredo continua a sua crítica: “É em Floradas na Serra, o último filme da Vera Cruz, que a equipe dessa emprêsa manifesta, pela primeira vez, perfeita identidade de movimentos. Nem em O Cangaceiro (que não aceita comparação com qualquer outro filme de nosso “falado”) teve a unidade interpretativa e narrativa da fita de Carpi e Salce. Valendo-se de sua experiência teatral na direção de atores e da sensibilidade do fotógrafo Ray Sturgess e do montador Haffenrichter, Salce fez um filme que domina de ponta a ponta o espectador, apesar da debilidade da história … A sensibilidade de Ray Sturgess, dá-nos uma perfeita fotografia de serra: a impressão de ar puro e leve; o isolamento de um dia chuvoso; a neblina; a beleza da paisagem que desperta o desejo de viver na heroina condenada à morte … Mas de nada adiantariam os esforços da equipe, se a fita não tivesse em Cacilda Becker mais que sua espinha dorsal, sua alma, sua razão de ser”.

Cacilda Becker em Floradas na Serra

A meu ver, Floradas na Serra é um filme com boa direção, interpretações razoáveis – salvo a de Cacilda Becker, que está irrepreensível – e desenvolvimento narrativo sucinto e fluente (Oswald Hafenrichter – montador de O Terceiro Homem / The Third Man / 1949 de Orson Welles – como chefe da edição e Mauro Alice como montador). A música de Enrico Simonetti é atraente e funcional. A fotografia de Ray Sturgess (que era operador de câmera na Inglaterra, inclusive em Hamlet / Hamlet / 1948 de Laurence Olivier) aproveita muito bem em preto e branco a beleza da paisagem natural de Campos do Jordão. Os diálogos são econômicos, mas às vêzes têm arroubos de “filosofia” (v. g. “Os pobres quando são doentes e adultos deveriam morrer”). Entre os momentos mais inspirados da encenação destaco: a da visita obrigatória de controle de Lucília ao consultório do Dr. Celso; a corrida de Lucília e Bruno em vão para pegar o trem e o desmaio dela; o reencontro “por engano” de Lucília e Bruno no leito dele no hospital; a comemoração no Ano Novo à luz das velinhas do bolo, enquanto ouvimos os gritos de Olga (Lola Brah) conduzida à força para o sanatório; a festa de aniversário com o jôgo das cadeiras, a irritação ciumenta de Lucília ao ver Bruno flertando com a noiva (Silvia Fernanda) do médico e a morte de Belinha (Gilda Nery); Lucília e Bruno brigando na cabana e depois ela saindo correndo pelas colinas até desmaiar; a ambulância que leva Lucília cruzando-se com o trem que leva Bruno, já curado, para outro lugar – um belo final, acentuado pela melodiosa partitura de Simonetti.

 

O CINEMA DE ELIA KAZAN III

Produzido com orçamento modesto pela companhia recém-fundada por Kazan, a Newtown Productions, o filme, Boneca de Carne / Baby Doll / 1956 – com roteiro escrito por Tennessee Williams partindo da reunião de duas peças suas em um ato (e inéditas), “27 Wagons Full of Cotton” e ‘The Long Stay Shot Cut” -, é essencialmente uma farsa com enredo original, envolvendo quatro tipos grotescos.

Na cidade de Benoit, Mississippi, em uma mansão em decadência, com seus cômodos imensos prestes a serem esvaziados pelos credores, vivem a tia Rose Comfort (Mildred Dunnock), velha surda e meio débil mental (que cozinha em troca do alojamento e visita doentes nos hospitais com o propósito de comer bombons de cereja), o outrora próspero agricultor de meia-idade estúpido e fanfarrão Archie Lee Meighan (Karl Malden) e sua esposa, Baby Doll (Carroll Baker), ninfeta loura menor de idade, que ainda dorme em um berço e chupa o dedo. Archie prometeu ao falecido pai de Baby Doll que instalaria sua filha na então melhor residência do condado e aguardaria o vigésimo aniversário dela para consumar o casamento. Enquanto isso, o marido frustrado tem que se contentar em espiá-la através de um buraco na parede do seu quarto de dormir. Seu acordo conjugal é um pretenso segredo por todos sabido e os habitantes do local, inclusive os negros, não têm como deixar de rir em silêncio sempre que o casal passa diante deles. Quando o sindicato algodoeiro administrado pelo imigrante siciliano Silva Vaccaro (Eli Wallach) centraliza todo o trabalho de descaroçamento do algodão antes confiado a Archie, ele, desesperado, põe fogo nas instalações do sindicato. No dia seguinte, Vaccaro é obrigado a trazer seu algodão para a velha máquina descaroçadora de Archie. Desconfiado de sua culpabilidade, Vaccaro, aproveita a ausência de Archer e, jogando inteligentemente com o temperamento infantil e a sexualidade reprimida de Baby Doll, consegue um depoimento escrito dela sobre o crime do marido. Depois, comove-se com a situação da moça e resolve libertá-la de seu marido. Após uma correria louca em uma brincadeira de esconde-esconde pela mansão atrás de Baby Doll, Vaccaro adormece, exausto, no seu berço. Quando Archer chega, Vaccaro leva-o a entender que ele possuiu Baby Doll – esta é a sua vingança. Armado de um fusil, Archie persegue Vaccaro pelo jardim. O xerife chega, e leva Archie preso. Vacarro parte, prometendo voltar no dia seguinte trazendo mais algodão. Baby Doll fica sozinha com sua tia Rose, e só lhe resta aguardar o dia de amanhã “para saber se serão lembradas ou esquecidas”

Caroll Baker em Boneca de Carne

 

Em boa parte do espetáculo a ação do filme é teatral com longas passagens nas quais os personagens falam muito e são enquadrados pela câmera em planos fechados, (v. g. a cena de alto teor erótico no balanço), embora os diálogos atraiam o nosso interesse pela qualidade da prosa de Tennessee Williams e esses trechos mais lentos não chegam a prejudicar o fluxo rítmico das imagens. Kazan filmou em locação, aproveitando muitos dos habitantes locais como extras inclusive alguns membros da população negra, que foram usados como uma espécie de côro, debochando do comportamento ridículo dos brancos. As ruínas sórdidas do esplendor do passado na zona algodoeira do Sul dos Estados Unidos, reproduzidas pela fotografia depressiva de Boris Kaufman, servem de pano de fundo perfeito para o desenrolar da história.

Caroll Baker e Eli Wallach em Boneca de Carne

Caroll Baker, Karl Malden e Eli Wallach em Boneca de Carne

Filmagem de Boneca de Carne (foto cedida por Sergio Leemann do seu Instagram A Certain Cinema)

Apesar de ter recebido indicações para o Oscar (Carroll Baker, Mildred Dunnock, Tennesse Williams, Boris Kaufman) as receitas do filme foram apenas razoáveis, provavelmente devido à censura da Legião da Decência e do Cardeal Spellman de Nova York. O cardeal na verdade não viu o filme. Foi o anúncio gigantesco na Times Square mostrando Carroll Baker de “baby doll” deitada no berço e chupando o dedo que provocou sua indignação.

Formando parceria de novo com o roteirista Budd Schulberg em Um Rosto na Multidão / 1957, Elia Kazan volta com uma temática social muito explícita: o problema da presença da televisão que começava a se generalizar como comunicação de massa na sociedade americana no início dos anos cinquenta.

Na pequena cidade de Pickett no Arkansas, Marcia Jeffries (Patricia Neal), jornalista que trabalha com seu tio, J. B. Jeffries (Howard Smith), proprietário de uma estação de rádio local, em uma série de reportagens intitulada “Um Rosto na Multidão”, descobre em uma prisão Larry Rhodes (Andy Griffith), um matuto tocador de guitarra, tagarela e insolente, preso por embriaguês em via pública. Marcia batiza-o de “Lonesome Rhodes” e, quando ele é sôlto, lhe arranja emprego na rádio de seu tio. Rhodes acompanha sua canções com comentários humorísticos e uma filosofia simplista, que logo conquistam os ouvintes. Com o tempo, este homem do campo carismático percebe a influência que tem sobre as pessoas (v. g. ele convida seus ouvintes a levar seus cachorros à presença do xerife que lhe é antipático, e logo este se vê cercado pela cachorrada; ele aconselha as crianças a irem se banhar na piscina particular do tio de Marcia, e logo toda a meninada da cidade está invadindo sua propriedade). Revelando-se como exímio comunicador de massas, Rhodes é convidado para atuar em uma emissora de televisão da cidade de Memphis. Ele aceita, e aproveita para fazer uma coleta, que faz grande sucesso, em benefício de uma mãe de família negra necessitada (o que não era necessariamente verdade). Sob orientação de Joey de Palma (Anthony Franciosa), espertalhão que se improvisa como seu empresário, e já em âmbito nacional, Rhodes promove com enorme êxito a campanha de publicidade das pílulas Vitajex e se torna o protegido de uma eminência parda da política, o general reacionário Haynesworth (Percy Waram). Rhodes pede Marcia em casamento. Ela hesita, e fica sabendo mais tarde que ele já é casado. Rhodes se considera legalmente divorciado no México e se casa com Betty Lou Fleckum (Lee Remick), jovem de dezessete anos, que conheceu e favoreceu em um concurso de balizas (ela o trairá com Joey). Marcia exige então a metade dos ganhos de Rhodes, pois foi ela que o “descobriu”. Impulsionado por Haynesworth, Rhodes assume a campanha e tenta melhorar a imagem de Worthington Fuller (Marshal Neilan, famoso diretor do cinema mudo), um senador obscuo candidato à Presidência dos Estados Unidos. Quando Marcia fica sabendo que Rhodes será gratificado com um ministério da “Moralidade Pública”, ela julga necessário interromper a ascenção irresistível do seu falso simplório e arrivista. No final de uma emissão gravada ao vivo, quando passam os créditos, Marcia deixa o som ligado e os telespectadores escutam com sobressalto e indignação as opiniões cínicas e desprezíveis que Rhodes tem do seu público. Enquanto ele desce de elevador os 42 andares da sede da emissora, sua carreira está definitivamente enterrada. Retornando ao seu apartamento no alto de um arranha céu, Rhodes ameaça se suicidar, saltando pela janela, mas Marcia o deixa sozinho, arrasado, gritando seu nome. Lá em baixo, ela parte com seu amigo Mel Miller (Walter Matthau), jornalista e roteirista da televisão, que desde cedo desconfiou do mau caráter de Rhodes

Andy Griffith e Patricia Neal em Um Rosto na Multidão

Anthony Franciosa, Andy Griffith e Patricia Neal em Um Rosto na Multidão

Elia Kazan conversa com Patricia Neal e Andy Griffith na filmagem de Um Rosto na Multidão

Para os autores Kazan / Schulberg o poder manipulativo da televisão é uma ameaça social óbvia e eles ressaltaram muito bem este aspecto da trajetória fulgurante de Lonesome Rhodes. O filme é ainda uma sátira extremamente virulenta da vida americana e os instintos gregários do americano médio. Basta que um desocupado bêbado e sem cultura (mas não sem malícia) entre no ar, para que se torne o ídolo de milhares de pessoas. Kazan não se restringe ao combate da máquina toda poderosa da televisão. Sua câmera (apoiada na direção de fotografia de Harry Stradling), que nunca esteve tão móvel, multiplica imagens sugestivas da força (e às vêzes emprego caricato ou histérico) da publicidade e sua cumplicidade com a política. Mas há ainda um aspecto íntimo: o problema de uma mulher e sua consciência: quando Marcia percebe que sua criação se tornou uma influência corruptora, ela admite sua responsabilidade e, figurativamente, o mata. Em uma surpreendente estréia no cinema, Andy Griffith nos oferece uma performance hipnótica como o joão ninguém truculento, que ascende meteoricamente, conhece a glória, e a perde brutalmente.

 

Em 1960, Kazan realiza Rio Violento / The Wild River, que tem novamente por cenário o Sul dos Estados Unidos, e se desenrola nos anos trinta quando, diante das devastações causadas pelas enchentes do Rio Tennessee, o Congresso Americano autorizou o governo a comprar as terras às margens do rio, para construção de uma série de represas. Um agente federal, o engenheiro Chuck Glover (Montgomery Clift), tem a díficil missão de desalojar Elia Garth (Jo Van Fleet), ocotogenária que vive em uma ilha com sua família e seus operários agrícolas negros. Na primeira visita, ela lhe dá as costas, sai da varanda de sua velha casa e fecha a porta. Depois, Chuck sofre os maus tratos de seus filhos e, em uma segunda visita a anciã lhe diz que existe um plano do presidente Roosevelt (o New Deal) para prejudicar os pequenos latifundiários. Chuck sofre oposição também por parte de outros proprietários locais, quando contrata os negros da ilha para trabalhar nas obras, concedendo-lhes o mesmo salário pago aos brancos. Um deles o procura no seu quarto de hotel, para lhe cobrar o que gastou por ter contratado um negro para um trabalho extra, e depois o espanca. Chuck não dá queixa ao xerife, e passa a procurar uma nova morada para Elia. Ele conhece sua neta Carol (Lee Remick), jovem viúva e mãe de duas crianças. Pela primeira vez Carol retorna em companhia de Chuck à casa que ela habitava com seu falecido marido. Ela espera convencer sua avó a ir viver alí em sua companhia. Uma noite, alguns homens chegam à residência de Carol: uns sobem no telhado e começam a dançar, outros viram o carro de Chuck e alguém até dispara um tiro de fusil. O sujeito que o agrediu no hotel ataca-o novamente, e agride também Carol. Após este incidente, Chuck casa-se com Carol. Finalmente, uma delegacão conduzida pelo xerife conduz Elia para a sua nova morada, e ela morre pouco depois. Após seu enterro, Chuck, Carol e seus dois filhos deixam a região. Do avião, eles lançam um último olhar sobre a ilha, que vai ser engolida pelas águas.

A travessia de balsa em Rio Violento

Cena de Rio Violento

Lee Remick e Montgomery Clift em Rio Violento

 

O tema desse drama rural escrito por Paul Osborne com base nos romances “Dunbar’s Cove” de Borden Deal e “Mud on the Stars” de William Bradford Huie é basicamente o confronto entre o interesse coletivo e o individualismo. O enfrentamento entre o expropriador bem intencionado e a idosa recalcitrante que ele deve expulsar é uma metáfora entre o progresso e o apego à terra. Kazan não toma partido, pois na verdade ambas as partes têm suas próprias e válidas razões (e, apesar de sua convicção de que está fazendo um bem, Chuck sente uma profunda empatia por aquela mulher obstinada). Além de ter que lidar com uma pessoa cheia de dignidade e orgulho, Chuck tem ainda de encarar o racismo tradicional da população branca contra os direitos dos negros. No meio desses conflitos nasce o amor que o une a Carol.

Jo Van Fleet em Rio Violento

Montgomery Clift e Jo Van Fleet em Rio Violento

Montgomery Clift e Lee Remick em Rio Violento

O cineasta trata o assunto com um lirismo certamente inspirado pela natureza selvagem (belíssimamente focalizada em cores e CinemaScope pelas lentes de Elsworth Fredericks), onde transcorre a trama e que tem uma relação profunda com os personagens (a personagem de Elia e o rio antes das represas são uma coisa só, formam uma única entidade). Jo Van Fleet, artificialmente envelhecida, é uma Elia Garth inesquecível. Kazan revelaria na sua autobiografia, Elia Kazan: A Live (Da Capo, 1997), que Jo entrava na sala de maquilagem às quatro horas da manhã e ficava cinco horas se transformando em uma matriarca indomável do campo. Mesmo nos dias em que ele lhe dizia que não ia chegar perto dela com a câmera, ela passava uma hora aplicando as manchas de uma senhora de oitenta anos nas costas de suas mãos. “Jo”, eu dizia, “Não vamos fotografar suas mãos hoje. Aproveita para ganhar mais uma hora de sono”. “Isto não é para a câmera”, ela respondia: “É para mim”.

Resultado de uma perfeito entendimento entre Kazan e o escritor e roteirista William Inge, Clamor do Sexo / Splendor in the Grass / 1961 é um melodrama com uma análise límpida da sociedade puritana e arrivista no final dos anos vinte e início dos anos trinta. O título original “Splendor in the Grass” provém de parte de um poema de William Wordsworth, “Ode: Intimations of Immortality”, que diz notadamente o seguinte: “Embora nada possa devolver os momentos de esplendor na relva, de glória nas flores, jamais sofreremos, ao contrário, encontraremos força no que ficou para trás”.

Natalie Wood e Warren Beatty em Clamor do Sexo

Em uma pequena cidade do Kansas no final dos anos vinte, dois estudantes da escola secundária, Wilma Dean Loomis (Natalie Wood) e Bud Samper (Warren Beatty), se apaixonam. O pai de Bud, Ace (Pat Hingle), capitalista poderoso da indústria petrólifera, aconselha seu filho a não pensar em casamento, antes de se formar na Universidade de Yale. A mãe de Wilma (Audrey Christie), casada com um farmacêutico, pequeno acionista, é uma mulher despótica que, orientada pela moral rígida da época, adverte sua filha sobre os perigos do desejo carnal. Impedidos de consumar seu amor, sexualmente ou através do matrimônio, os jovens põem fim ao seu relacionamento. Para Bud isto significa um choque físico e emocional e, após ser acometido de pneumonia, ele se envolve com Juanita (Jan Norris), a garota mais permissiva da escola. De coração partido, Wilma se oferece a Bud, mas ele recusa, dizendo que ela é boa demais para se entregar a um homem antes de se casar. Depois de ter tentado se matar, Wilma sofre um colapso mental, e é internada em uma clínica de repouso para tratamento psiquiátrico. À medida que o tempo passa, nova tragédia abala Bud: sua irmã promíscua Ginny (Barbara Loden) morre em um acidente de carro e seu pai, cujo negócio foi abalado pela crise de 1929, comete suicídio. Bud deixa Yale depois de ter sido reprovado em quase todas as matérias e se casa com uma jovem italiana Angelina (Zohra Lampert), cujos pais são donos de um restaurante, depois de engravidá-la. Quando Wilma recebe alta do sanatório, um outro paciente, Johnny Masterson (Charles Robinson), pede-a em casamento, e lhe oferece a chance de uma nova vida. Antes de aceitar esta proposta, Wilma sente que tem que ver Bud mais uma vez. Ela o visita na sua pequena fazenda e eles percebem que são quase estranhos e que o passado deve ser enterrado.

Cena de Clamor do Sexo

Nesta crônica de um amor contrariado, Kazan traça um retrato amargo da intolerância e da hipocrisia na sociedade americana no período em que transcorre a ação, mostrando a repressão da sexualidade e a triste resignação de dois jovens apaixonados, depois das desilusões violentas e das vicissitudes físicas que sofreram. Uma melancolia perturbadora envolve progressivamente a narrativa e a sequência final é de uma tristeza tocante. A partida de Wilma de carro deixando para trás Bud provoca uma dor no nosso coração, é como se presenciássemos uma morte, a morte do tempo pretérito que não volta jamais

Cena na escola em Clamor do Sexo

Barbara Loden e Warren Beatty vem Clamor do Sexo

Visualmente o filme é soberbo, seja pela qualidade da imagem (Boris Kaufman), seja pela reconstituição de época, seja pela direção de Kazan, que soube captar o modo de viver naquele momento em que os valores materiais predominavam sobre a realização pessoal. A produção ocasionou um Oscar de Melhor História e Roteiro Original para William Inge e a indicação de Melhor Atriz para Natalie Wood.

Kazan, Warren Beatty e Natalie Wood em Clamor do Sexo

Terra de um Sonho Distante / América, América / 1963, é uma crônica familiar, em grande parte autobiográfica, inspirada na vida do tio de Kazan, Avroni Kazanjoglous, cuja odisséia em busca da terra prometida é mostrada em um longo relato (168   min.) cheio de incidentes. Kazan acumulou as funções de produtor, roteirista, diretor e realizou seu filme mais pessoal.

Elia Kazan e Sthatis Gialellis na filmagem de Sonho de uma erra Distante

Em 1896, nas montanhas da Anatólia, pátria ancestral dos gregos e armênios dominada e tiranizada pelos turcos há cinco séculos, o jovem grego Stavros Topouzoglou (Stathis Gialellis) e seu amigo armênio, Vartan Damadian (Frank Wolff) sonham em emigrar para a América. Na aldeia de Stavros os turcos incendeiam a igreja onde se havia refugiado a comunidade armênia e Vartan é morto combatendo. Mais do que nunca, Stavros sente que deve partir. Por outro lado, seu pai Isaac (Harry Davis), comerciante que colabora com os turcos e cujos acontecimentos recentes lhe abriram os olhos, toma a decisão de enviá-lo para Constantinopla, levando todo o seu dinheiro, a fim de se associar ao seu primo Odysseus (Salem Ludwig), mercador de tapetes, e preparar o êxodo da família. Durante a viagem, Stavros é roubado por um turco e depois por um escroque, que ela acaba matando. Em Constantinopla, o primo fica decepcionado ao ver Stavros chegar de mãos vazias, que então vai então trabalhar como estivador no porto durante o dia, e como lavador de pratos em um restaurante à noite. Sua meta é ajuntar o mais rápido possível cento e dez libras turcas para pagar sua passagem para os Estados Unidos. Um amigo, Garabet (John Marley) leva-o para um bordel, onde uma prostituta rouba tudo o que ele havia ganho. Stavros assiste a uma reunião clandestina de conspiradores anarquistas à qual Garabet participa e escapa miraculosamente de morrer quando a policia invade o local. Ferido, consegue chegar à casa do primo e, nos dias que se seguem, ele se resigna ao projeto que este tem de casá-lo com uma das quatro filhas do riquíssimo negociante de tapetes Sinnikoglou (Paul Mann). Stavros agrada a Thomma (Linda Marsh), uma das filhas, e o casamento está prestes a se concretizar. Em lugar das quinhentas libras de dote que lhe propõe o futuro sogro, ele quer apenas cento e dez, para comprar a passagem de navio. Assim que as recebe, ele rompe o noivado, e compra a passagem. Entre os passageiros, Stavros reconhece o jovem vagabundo Hoaness (Gregory Rozakis), que ele havia encontrado em Anatólia e para quem havia dado um par de sapatos. Hoanness também sonhava em conhecer a América e agora faz parte de um grupo de sete rapazes contratados por um americano, que os levará para trabalhar como engraxates. Durante a travessia, Stavros torna-se amante de Mme. Kebabian (Katharine Balfour), esposa de um emigrado armeniano que fez fortuna na América. O marido enganado ameaça impedir seu desembarque mas, quando o navio chega ao porto de Nova York, Stavros recebe de uma criada, cinquenta dólares que Mme. Kebabian lhe enviou. Com essa quantia, e depois que Hoannes, tuberculoso, se suicida, após ter deixado no convés o par de seus sapatos e uma carta para Stavros, este assume sua identidade e, sob o nome de Jo Arness, cumpre as formalidades da imigração. Nos anos seguintes, ele fará vir um a um todos os seus parentes para a America, com exceção de seu pai, que morre em sua terra natal.

Cena de Terra de um Sonho Distante

Sthatis Gialellis e Linda Marsh em Terra de um Sonho Distante

Cena de Terra de um Sonho Distante

Stathis Gialellis em Terra de um Sonho Distante

Stavros nutre o desejo – melhor dizendo, tem a obsessão – de imigrar e não há nada que o demova da idéia, nem a advertência de um companheiro que lá esteve (“A América é como aqui, só para os ricos”) nem a perspectiva de abundância e futuro tranquilo ali mesmo em Constantinopla. Kazan expõe a aventura – cheia de obstáculos e sofrimento – e a experiência humana do jovem grego através de imagens eloquentes (providenciadas em um estilo próximo do documentário por Haskel Wexler), registradas em locais autênticos na Grécia. É verdade que ele se demorou mais do que devia em algumas sequências do périplo do jovem grego (v. g. a descrição da vida no seio da família Sinikoglou); porém o fluxo dos episódios, mesmo quando se torna mais lento, não deixa de ganhar a adesão e mesmo o entusiasmo do espectador. A produção foi indicada para o Oscar e Kazan concorreu para receber a estatueta pela Melhor Direção e Melhor História e Roteiro Original.

Os três filmes seguintes e derradeiros de Elia Kazan (Movidos pelo Ódio / The Arrangement / 1969, Os Visitantes / The Visitors / 1972 e O Último Magnata / The Last Tycoon / 1976) são obras menores na sua carreira.

A ação de Movidos pelo Ódio se passa em Los Angeles, onde o imigrante grego de segunda geração Eddie Anderson (Kirk Douglas), publicitário bem sucedido de uma companhia de cigarros, após tentar o suicídio, decide romper com o mundo onde vive. Cercado pela mulher Florence (Deborah Kerr), sua filha Ellen (Dianne Hull), seu irmão Michael (Michael Higgins) e seus colegas de escritório ele, a princípio, se recusa a falar e a trabalhar. Enquanto convalesce, tem alucinações relacionadas com sua infância nada memorável e recorda seu caso amoroso com uma colega de trabalho, Gwen (Faye Dunaway). Saindo do seu mutismo, Eddie conta para Florence que detesta sua vida de perpétuos “compromissos” com o sistema. Disposta a tudo para manter a fortuna de seu marido, Florence o convence a voltar ao trabalho. Os colegas exultam, mas Eddie quase arruina a firma desta vez, tratando mal um cliente importante e praticando alguns atos insensatos. Ele reata o caso com Gwen e vai a Nova York visitar o pai hospitalizado, o mercador de tapetes Sam (Richard Boone). A pedido deste, leva-o para morar consigo e Gwen na velha casa da familia em Long Island. Os planos de enriquecimento de Sam fracassam e a família o transporta novamente ao hospital enquanto Gwen e Eddie se desentendem, e a moça parte com seu novo companheiro Charles (John Randolph Jones), disposta a iniciar uma outra vida com ele e o filho pequeno que nascera de seu romance com Eddie. Apesar dos apelos de Florence e da filha para voltar ao lar, Eddie tem uma discussão violenta com sua esposa, procura Gwenn, leva um tiro de Charles, incendeia a velha casa de seus paes, e se interna em uma instituição para tratamento mental. Tempos depois, quando Sam morre, Gwen vai buscar Eddie, e os dois comparecem juntos ao enterro, diante de Florence.

Deborah Kerr e Kirk Douglas em Movidos pelo Ódi

Faye Dunaway e Kirk Douglas em Movidos pelo Ódio

Kirk Douglas e Richard Boone em Movidos pelo Ódio

Nesse filme, extraído de seu próprio romance muito bem sucedido nas vendas, Kazan pretendeu criticar o American Way of Life através de um drama pessoal. Eddie pretende fazer uma mudança radical em seu modo de vida. Ele se dá conta de que ela está baseada em mentiras: nas relações profissionais com seu patrão ou seus colegas, exercendo uma profissão que ele finge amar (vende cigarros ditos “puros”) e sobretudo na sua vida familiar. Sofre por ter colocado o êxito profissional e o bem estar material como valores dominantes e pelos “arranjos” a que chegou com o sistema. Sua insatisfação interior situa-se na linha do movimento hippie que surgiu nos Estados Unidos nos anos sessenta, e talvez por causa disso, Kazan se rendeu a efeitos modernosos, recorrendo a flashes de quadrinhos pop art para ilustrar um sonho de briga, zooms em grande quantidade, jump cuts, flashbacks com passado e presente justapostos em uma mesma cena, fotografias animadas, montagem associativa etc., resultando uma espantosa colcha de retalhos de efeitos fílmicos que, aliada às deficiências do roteiro e à longa duração do espetáculo, produziram um melodrama confuso e maçante.

O cenário de Os Visitantes é uma casa de campo na Nova Inglaterra, onde Bill Schmidt (James Woods), ex-soldado na guerra do Vietnã, vive com a mulher Martha (Patricia Joyce), o filho recém-nascido e o sogro Harry Wayne (Patrick McVey), veterano combatente da 2a Guerra Mundial. Surgem dois visitantes, Mike Nickerson (Steve Railsback) e Tony Rodriguez (Chico Martinez), recém-saídos da prisão military, condenados por estupro e assassinato de uma adolescente vietnamita, e que agora procuram Bill, o homem que teria prestado testemunho contra eles. A visita, aparentemente é cordial. Bill e Tony fazem amizade com Harry que hoje é alcoólatra e se dedica a escrever livros de bôlso do gênero western. O clima de violência latente se agrava quando Mike tenta seduzir Martha. Na briga com Bill, Mike leva a melhor. Martha é então estuprada pelos dois visitantes, que repetem assim os fatos ocorridos no Vietnã, e partem, deixando o casal traumatizado.

Cena de Os Visitantes

Esse filme produzido de maneira totalmente independente – com argumento original e roteiro escrito por Chris Kazan (filho de Elia), rodado quase que inteiramente na fazenda da família em Newton, Connecticut com uma câmera de 16 mm (para posterior ampliação em 35mm) e planos breves “à moda européia”, contando com um orçamento insignificante de 135 mil dólares, elenco de atores desconhecidos, e equipe técnica reduzida – se destaca pelo tema da delação, já tratado em Sindicato de Ladrões (trazendo à baila de novo a colaboração de Kazan com a HUAC) como também pelo tratamento pioneiro da Guerra do Vietnã e sua influência sobre os combatentes americanos. A fórmula escolhida para tratar desses assuntos foi a do thriller psicológico, porém o diretor lhe imprimiu um ritmo enfadonho, que provoca mais tédio do que tensão. É um filme difícil de ver, sem a energia e a convicção de que Kazan trouxe para os seus outros filmes. Como observou Richard Schikel (Elia Kazan, a Biography, Harper – Perennial, 2006), Os Visitantes não é particularmente um filme longo (apenas 90 min.), mas parece que nunca acaba, arrastando-se no mesmo nível emocional do princípio ao fim.

Jack Nicholson, Robert De Niro e Theresa Russell em O Último Magnata

O Último Magnata tem como ambiente a Hollywood glamourosa dos anos trinta. Apesar de sua pouca idade Monroe Star (Robert De Niro) é o diretor de produção de um dos estúdios mais importantes da “Cidade dos Sonhos”. Depois da morte de sua mulher, que era atriz, ele se entrega de corpo e alma ao trabalho. O último filme sob supervisão de Monroe foi estrelado por dois atores populares, Rodriguez (Tony Curtis) e Didi (Jeanne Moreau). Cecilia (Theresa Russell), filha de seu patrão, Pat Brady (Robert Mitchum), tenta em vão atrair seu interesse. Um dia, Monroe conhece uma moça, Kathleen Moore (Ingrid Boulting), que lembra sua falecida esposa com quem marca um encontro. A certa altura dos acontecimentos, o médico de Monroe (Jeff Corey), julga-o acometido de câncer, e o romance com Kathleen acaba, quando ela lhe revela que vai se casar com outro. Monroe se embriaga e frustra uma reunião com um sindicalista, Brimmer (Jack Nicholson). Brady fica furioso com o mau comportamento de Monroe e decide derrubá-lo profissionalmente. Devido à pressão que sofre, a saúde de Monroe é abalada.

Ingrid Boulting e Robert De Niro em O Último Magnata

Robert Mitchum e Theresa Russell em O Último Magnata

Kazan aceitou com certo descuido substituir Mike Nichols, para realizar este filme baseado em um romance inacabado de F. Scott Fitzgerald (que é um retrato ficcionalizado do legendário produtor executivo Irving Thalberg dos tempos dourados do sistema de estúdio), pois deu apenas uma olhada no roteiro escrito por Harold Pinter. O que o motivou a aceitar deste jeito a proposta de Sam Spiegel, foi a preocupação com a saúde de sua mãe, que necessitava urgentemente passar uns tempos em Los Angeles, para fugir do clima frio do Leste. O desinteresse do diretor, conjugado com seu cansaço criativo e um roteiro débil e verborrágico, ocasionou um espetáculo maçante e insípido, que nem um ator como Robert De Niro conseguiu salvar. Restou apenas a crítica à indústria de cinema de Hollywood, sua ânsia desmesurada de obter cada vez mais lucro em detrimento da qualidade, e o elogio aos trabalhadores humildes do estúdio. Quanto a este aspecto, o filme de Elia Kazan é interessante.

Nos anos sessenta, setenta e oitenta Kazan também se dedicou ao teatro (v. g. dirigindo “After the Fall de Arthur Miller”) e à literatura (escrevendo os romances “The Assassins”, “The Understudy”, “Acts of Love”, “The Anatolian” e uma autobiografia, Kazan, a Life (Alfred A. Knopf, 1988). Em 1994, ele produziu mais um romance, ”Beyond the Aegean”.

Elia Kazan e Arthur Miller

Elia Kazan faleceu em 27 de setembro de 2003, duas semanas e três dias após o seu 94º aniversário. No folheto “On What Makes a Director”, ele enumerou os conhecimentos que um diretor deve ter: conhecimento de literatura, comédia, pintura, escultura e dança; de vistas da cidade e do campo; de topografia, animais e das habilidades da voz humana; de psicologia do ator e do público; da vida erótica. Além desse conhecimento abstrato, o diretor deve ter qualidades pessoais: as qualidades de um caçador de leões em um safari, de um de mestre de obra, de um psicanalista, um hipnotizador, um poeta, e a esperteza de um comerciante em um bazar de Bagdad; deve ter a ardilosidade de um ladrão de jóias, a firmeza de um treinador de animais, a capacidade de persuasão de um publicista, para não mencionar coragem, paciência e aptidão para dizer “Eu estou errado” ou “Eu estava errado”.

 

 

O CINEMA DE ELIA KAZAN II

Em 1952, a busca de realismo de Kazan foi mais longe com a realização de Uma Rua Chamada Pecado / A Streetcar Named Desire, adaptação da peça de teatro de Tennessee Williams que ele já havia encenado na Broadway com muito sucesso.

Vivien Leigh e Marlon Brando em Uma Rua Chamada Pecado

Blanche Dubois (Vivien Leigh) chega a Nova Orleans e pega um bonde chamado “Desejo”, que a conduz até um sobrado, no velho bairro francês da cidade, onde sua irmã Stella (Kim Hunter) vive com seu esposo, Stanley Kowalski (Marlon Brando), operário de ascendência polonesa, rude e brutal. Blanche espera começar uma nova vida depois de perder seu jovem marido (que se suicidou), o dinheiro de família e uma mansão ancestral, Belle Rive; seu emprego de professora; e sua reputação em Auriol (na peça era Laurel), no Mississippi, cidade onde nascera. O filme estabelece deste o princípio o contraste entre o refinamento da recém-chegada e a grosseria do ambiente. Criaturas de meios sociais contrastantes, Stanley e Blanche colidem, ele acabando por descobrir o passado que ela escondia para recuperar a dignidade perdida. Stanley fica sabendo que, em Auriol, Blanche era conhecida por sua promiscuidade sexual e por ter tido um caso amoroso com um estudante adolescente. Ele revela o resultado de sua investigação para seu companheiro Mitch (Karl Malden), que pensava em casar-se com Blanche. Quando Stanley trata a cunhada cruelmente, entregando-lhe uma passagem de ônibus de volta para Auriel, Stella entra em trabalho de parto. Ela, juntamente com Stanley, vão para o hospital. Mitch chega bêbado e rompe seu relacionamento com Blanche. Ela fica sozinha no apartamento e se embriaga. Stanley retorna ao apartamento, estupra Blanche, e ela se desliga mentalmente da realidade. Semanas após o abuso sexual, Stella prepara a internação de Blanche em um asilo, Quando o médico chega, Blanche sai de braço dado com ele e diz a célebre fala: “Seja você quem for – eu sempre dependí da gentileza de estranhos”.

Por causa da censura prévia do Código de Produção, referências à homossexualidade do marido de Blanche foram removidas; o final da peça foi alterado, com Stella rejeitando seu marido em vez de permanecer ao seu lado; a cena do estupro foi apenas sugerida – o espectador vê o espelho quebrado, que mostra o desmaio de Blanche, quando Stanley a toma em seus braços. Ainda assim, o filme causou controvérsias durante seu lançamento e a Warner Bros. extirpou cinco minutos do filme (reacrescentados em uma restauração feita em 1993), que incluiam alusões à antiga promiscuidade de Blanche e a evidência visual do seu relacionamento sensual com Stanley.

Marlon Brando e Vivien Leigh em Uma Rua Chamada Pecado

O tema principal do filme é a incapacidade da fantasia de superar a realidade. Embora a protagonista de Tennessee Williams seja a romântica Blanche Dubois, a peça é uma obra de realismo social. Blanche diz para Mitch que ela conta histórias porque se recusa a aceitar as cartas que o destino lhe deu. Mentindo para si mesma e para outros faz com que a vida pareça como deveria ser, e não como é (“Eu não quero realismo. Eu quero mágica!”). A relação antagônica entre Blanche e Stanley é uma luta entre aparência e realidade. Ela impulsiona a trama da peça e cria uma grande tensão. As tentativas de Blanche para refazer sua existência e salvar Stella de uma vida com Stanley, fracassam.

Kim Hunter e Marlon Brando em Uma Rua Chamada Pecado

Marlon Brando e Vivien Leigh em Uma Rua Chamada Pecado

Outro tema é a relação entre Sexo e Morte. O medo que Blanche tem da morte manifesta-se no seus temores de envelhecer e de perder a beleza. Ela se recusa a revelar sua idade verdadeira ou aparecer diante de uma luz intensa, que revelará suas feições envelhecidas. Blanche parece acreditar que, afirmando continuamente sua sexualidade, especialmente com respeito aos homens mais jovens, conseguirá evitar a morte e retornar ao mundo de felicidade que ela experimentou na sua adolescência antes do suicídio de seu marido. Quando chega na casa dos Kowalskis, Blanche diz que pegou um bonde chamado Desejo, depois transferiu-se para outro chamado Cemitério, que a trouxe para uma rua chamada Campos Elísios. Esta jornada representa alegoricamente a trajetória da vida de Blanche. Os Campos Elísios, como se sabe, é a terra dos mortos na mitologia grega.

Kim Hunter, Viviven Leigh e Elia Kazan na filmagem de Uma Rua Chamada Pecado

Kazan dirige Karl Malden e Vivien Leigh

Rodado quase que totalmente em estúdio, em um ambiente único, sente-se a presença do teatro, mas com a ajuda de uma esplêndida direção de arte (Richard Day, George James Hopkins), de uma iluminação primorosa (Harry Stradling), de uma trilha sonora (Alex North) inovadora e evocativa e, é claro, do trabalho magistral de todo o elenco, Kazan conseguiu dar perfeita continuidade cinematográfica ao relato, manter intacta a riqueza literária da obra de Tennessee Williams e seu clima de morbidez, violência e sensualidade, bem como projetar sobre a tela, com muita sensibilidade, os tormentos interiores dos personagens.

Marlon Brando e Vivien Leigh em Um Rua Chamada Pecado

Vivien Leigh foi agraciada com o Oscar de Melhor Atriz, Karl Malden e Kim Hunter com o de Melhor Coadjuvante, Richard Day e George James Hopkins como o de Melhor Direção de Arte e Decoração de Interiores em preto e branco, sendo ainda indicados: Marlon Brando, Elia Kazan, Alex North (música), Tennessee Williams (roteiro), Nathan Levinson (som) e Lucinda Ballard (figurinos em preto e branco).

Kazan e seus colegas do Group Theatre: Roman Bohnen, Morris Carnovsky, Harold Clurman, Phoebe Brand,Luther Adler e Lee J. Cobb

Um ponto crítico na carreira de Kazan ocorreu com o seu depoimento perante o House Committee on Un-American Activities em 1952, no tempo da Lista Negra de Hollywood. Seu testemunho ajudou a encerrar a carreira, entre outros, de seus antigos colegas do Group Theatre. Sua delação anti-comunista continuou causando controvérsia. Quando Kazan recebeu um Oscar honorário em 1996, dezenas de atores preferiram não aplaudí-lo. Em uma entrevista coletiva que o cineasta concedeu aos jornalistas durante o Festival de Cinema, TV e Vídeo no Rio de Janeiro, realizado entre os dias 18 e 27 de novembro de 1984, tive oportunidade de fazer algumas perguntas, indagando finalmente – após certa hesitação – por que ele delatou seus companheiros. “Porque eu tinha quatro filhos para sustentar”, respondeu, e não disse mais nada. Terminada a entrevista, descemos no mesmo elevador. Achei que ele tinha ficado chateado comigo por ter feito a pergunta, mas tomei coragem, e lhe pedi para autografar um folheto contendo o texto de uma aula que ele deu no outono de 1973 na Wesleyan University, Middletown, Connecticut e que me havia sido enviado junto com a revista Action do Director’s Guild of America. Ele assinou na capa do folheto e, sorrindo amavelmente, perguntou-me:”Onde você conseguiu isso?”.

Viva Zapata! / 1952 foi o primeiro filme que Kazan rodou em campo aberto, ou seja, em cenários naturais, primeiramente em Roma, no Texas, perto da fronteira do Rio Grande com o México e depois na Fox, em um rancho perto de Malibu. Apoiado no roteiro de John Steinbeck, ele evoca a figura lendária do revolucionário mexicano, não sob a forma de um relato preciso dos acontecimentos, mas sim como uma reflexão sobre o poder e a maneira de exercê-lo.

Em 1909, o Mexico está sob o domínio do ditador Porfirio Diaz (Fay Roope). Um grupo de campesinos de Morelos vai a sua presença, para se queixar dos fazendeiros ricos, que roubaram suas terras. Diaz percebe entre eles um homem altivo que parece ser um possivel agitador, e faz um círculo em torno de seu nome, para que ele seja vigiado no futuro: Emiliano Zapata (Marlon Brando). De volta a Morales, os campesinos são massacrados pelos tiros de uma metralhadora instalada pelos soldados de Diaz. Zapata lidera a luta contra os agressores e suas ações o tornam um criminoso procurado pelas autoridades. Ele se esconde nas montanhas com seu irmão Eufemio (Anthony Quinn) e uns amigos e, quando a notícia se espalha, é procurado por um jornalista aventureiro Fernando Aguirre (Joseph Wiseman). Fernando sugere a Zapata que se junte à causa de Francisco Madero (Harold Gordon), líder mexicano que tenta derrubar Diaz; mas Zapata prefere levar uma vida pacífica ao lado de sua amada Josefa (Jean Peters). Entretanto, o pai de Josefa (Floerenz Ames) se recusa a dar permissão para o casamento enquanto ele for um fora-da-lei. Procurando torna-se respeitável Zapata, grande conhecedor de cavalos, aceita um emprego na fazenda de Don Nacio de la Torre (Arnold Moss), e este consegue um perdão para ele. Porém, antes de se casar com Josefa, Zapata se enfurece com o tratamento cruel que os soldados dão a um velho campesino, e mata os agressores. O tempo passa e Zapata e seus seguidores se engajam em batalhas contra os militares de Diaz. Quando Madero nomeia Zapata seu general no sul e Pancho Villa (Alan Reed) é seu general no norte, o pai de Josefa permite que ele faça a côrte a sua filha. Depois que Diaz foge do Mexico e Madera assume o contrôle do governo, Zapata e Josefa se casam, e ela ensina o marido a ler. O corrupto general Huerta (Frank Silvera) manda seu exército matar Zapata e, enquanto se travam os combates entre suas respectivas forças, Madero é preso e assassinado. Huerta é derrotado e, em uma reunião com outros líderes revolucionários na cidade do México, fica decidido que Zapata será o presidente. Quando os campesinos vêm se queixar dos malfeitos de seu irmão Eufemio (Anthony Quinn), e ele marca os nomes deles, percebe que está cometendo os mesmos erros de seu predecessor, e se demite. O novo presidente, estimulado por Fernando, resolve mandar matar Zapata, a fim de consolidar seu poder. Zapata cai em uma cilada, crivado de balas mas, para o povo mexicano, ele é imortal.

Marlon Brando em Viva Zapata!

Jean Peters e Marlon Brando em Viva Zapata!

Marlon Brando em Viva Zapata!

Steinbeck e Kazan formulam muitas das questões sobre a moral revolucionária, sobre a dificuldade de manter seus ideais uma vez no poder, e sobre a utilidade das revoluções. “Um homem forte enfraquece um povo, um povo forte não necessita de um homem forte”- diz Zapata a certa altura da trama. Dos fatos históricos Steinbeck extraiu os mais aptos para delinear o “tigre” Emiliano Zapata como um peão de caráter íntegro que não queria ser mais do que defensor dos camponeses na questão agrária contra espoliadores e acabou caudilho, mostrando-o o filme como um herói idealista, que tinha problemas de consciência e pensava muito antes de resolver, porque não queria ser injusto.

Kazan no set de Viva Zapata! (à dir.Anthony Quinn)

Anthony Quinn e Marlon Brando em Viva Zapata!

Marlon Brando e Jean Peters em Viva Zapata!

Além do belo simbolismo “hollywoodiano” no final – o cavalo branco de Zapata correndo livremente pela montanha -, ocorrem vários momentos de bom cinema -valorizados pela fotografia em preto e branco de Joe MacDonald e pela música local inspirada de Alfred Newman -, entre os quais destaco estes três: a prisão de Zapata que segue pela estrada enquanto aparecem de todos os lados os caponeses que vêm prestar auxílio ao homem que começa a ser o seu líder: quanto mais a coluna de soldados avança, mais os camponeses que a seguem aumentam em número, até representarem um verdadeiro exército dez vêzes mais numeroso do que a milícia; a execução de Madero por Huerta, que acontece de noite em um clima no limite do fantástico graças a uma iluminação expressionista; o assassinato traiçoeiro de Zapata, o seu corpo abatido por centenas de balas, e tombando ao solo, de joelhos.

Anthony Quinn e Marlon Brando em Viva Zapata!

Cena de Viva Zapata!

Com sua direção deste drama histórico com dimensão filosófica, Kazan demonstrou, de uma vez por todas, que não era tão somente um talentoso homem de teatro. Anthony Quinn ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante e foram indicados: Marlon Brando (Ator), John Steinbeck (História e Roteiro), Lyle Wheeler e Leland Fuller (Direção de Arte preto-e-branco), Thomas Little e Claude Carpenter (Decoração de Interiores preto-e-branco), Alex North (Música de filme não musical).

O filme seguinte de Kazan, Os Saltimbancos / Man on a Tightrope / 1953, relata um incidente real, a fuga do Circo Brumbach da Tchecoslováquia para a Alemanha Ocidental. Karel Cernek (Fredric March), dono do circo (que atua também como palhaço), revolta-se contra as restrições crescentes da burocacia comunista – no repertório, obrigando a introdução de mensagens pró-regime nos números circenses (v. g. palhaço que leva pontapés caracterizado de negro vermelho americano e o palhaço agressor de Tio Sam); no quadro de seu pessoal (v. g. convocação de artistas circenses para o exército); e nos seus bens (v. g. equipamento do circo considerado como propriedade do governo) – e planeja uma fuga da trupe para a zona americana.

Acontecimentos desencadeados pela presença de um espião, Krofta (Richard Boone,) no grupo a serviço do chefe da polícia secreta, Fesker (Adolphe Menjou), obriga o dono do circo a realizar a escapada atravessando a fronteira à vista dos guardas e à luz do dia, valendo-se do elemento surpresa. Paralelamente ao tema político, o argumento de Robert E. Sherwood melodramatizou-se, ao criar alguns problemas pessoais para o atribulado Cernek concernentes à incompreensão de sua segunda mulher, Zama (Gloria Grahame), que o considera um covarde por temer as autoridades e flerta com o domador de leões (Roy D’Arcy); ao namoro de sua filha rebelde Tereza (Terry Moore) com Joe Vosdek (Cameron Mitchel), um operário misterioso do circo; e a ameaça de seu eterno rival, Barovik (Robert Beatty).

Fredrich March em Os Saltimbancos

Este filme de atmosfera sombria e depressiva sobre o mundo do circo, descrevendo ao mesmo tempo as duras condições de vida sob a ditadura comunista no tempo da Guerra Fria, tem certa beleza formal e grande força dramática. Aproveitando artistas do verdadeiro Circo Brumbach, filmando em locação nas montanhas da Bavaria, e usufruindo de uma colaboração preciosa dos alemães Gerd Oswald (então produtor associado) e Georg Krauser (fotógrafo), Kazan deu veracidade ao ambiente e, com seus próprios recursos de cineasta, criou um clima de “suspense’, que chega ao climax na cena da travessia da fronteira, quando aquele desfile lento e pitoresco de carros pesados e elefantes, sob o olhar estupefato dos soldados, é um brado de vitória contra a opressão.

Fredrich March, Cameron Mitchell, Terry Moore em Os Saltimbancos

Fredrich March e Richard Boone em Os Saltimbancos

Em 1954, depois de ter dirigido no teatro “Camino Real” de Tennesseee Williams e “Tea and Sympathy” de Robert Anderson, Kazan continuou a exercer seu trabalho de cineasta com Sindicato de Ladrões / On the Waterfront, transposição de fatos reais relatados em uma série de reportagens (intitulada “Crime on the Waterfront”), feita em 1949, sobre a situação dos estivadores do porto de Nova York, explorados e atemorizados por uma quadrilha que dominava os sindicatos. O padre Barry do filme foi inspirado no padre John Corridan, que realmente existiu e prestou várias informações a Kazan e ao roteirista Budd Schulberg.

Marlon Brando e Eva Marie Saint em Sindicato de Ladrões

O tema social aproxima Sindicato de Ladrões dos filmes de tese que Kazan havia feito no final dos anos 40 como O Justiceiro, sobre erro judiciário; A Luz é para Todos, sobre anti-semitismo e O Que a Carne Herda, sobre discriminação racial dos negros. O roteirista Budd Schulberg, com base nos mesmos fatos, escreveu o romance intitulado “Waterfront”, que é mais fiel à realidade. O personagem central é o padre e não o jovem estivador, e o desenlace é de um pessimismo totalmente escamoteado no filme: o gangster denunciado continua à frente do sindicato, o padre é transferido para outra paróquia, após ter sido repreendido pelo bispo e, algumas semanas mais tarde, o corpo de Terry Malloy é encontrado em uma lata de lixo, perfurado com 27 golpes por um pegador de gelo.

Marlon Brando e Eva Marie Saint em SIndicato de Ladrões

Brando e Kazan em um intervalo de filmagem de Sindicato de Ladrões

Marlon Brando e Eva Marie Saint em Sindicato de Ladrões

Já o filme tem um final feliz e nele os autores se interesssaram menos pela denúncia social do que pelo drama de consciência do delator. A ação do filme assemelha-se com a dos filmes de gangster, tem toda a iconografia do gênero; mas, além dessa aventura exterior e policial, há uma aventura interior, que é a da alma sobressaltada do jovem estivador, diante do dilema de delatar ou não a quadrilha da qual faz parte o seu próprio irmão e da qual ele é ao mesmo tempo protegido e ingênuo comparsa. Enfim, mais do que um filme de gangster, Sindicato de Ladrões é a análise de uma consciência que desperta. Este é o primeiro tema do filme. Aos poucos, duplamente influenciado pelo padre (Karl Malden) e pela moça que ama, Edie (Eva Marie Saint), Terry (Marlon Brando) adquire a noção de um dever pessoal para com a coletividade, para com a justiça e com a verdade e, ao enfrentar com esforço sobrehumano a gangue sindical, ele se torna um mártir. Aquela caminhada final é sem dúvida uma via crucis, um calvário. Mas ele age também por um desejo de vingança: Terry fora vendido pelos dois “pais”, o irmão mais velho (Rod Steiger) e o “meta-pai”, Johnny Friendly (Lee J. Cobb) – que de amigo não tinha nada. Uma originalidade do filme são os personagens da moça e do padre. Em vez de se aproveitar da possibilidade de sucesso individual que lhe dá a instrução que recebeu, Edie se volta para o seu meio humilde, chama a atenção do padre sobre a situação dos estivadores e até o recrimina duramente, dizendo-lhe: “O senhor fica na sua igreja enquanto a sua paróquia é o cais”. O padre, por sua vez, é um padre também diferente do que o público estava acostumado a ver nos filmes americanos. Ele não prega a resignação e o amor ao trabalho qualquer que ele seja e se posiciona publicamente contra a opressão. “Aproveitar-se do trabalho dos outros para se enriquecer sem trabalhar é colocar o Cristo de novo na cruz”, diz ele a certa altura da trama. Kazan sempre teve muita habilidade para conduzir atores e um dom especial para dramatizar o relacionamento entre os personagens como, por exemplo, na cena do taxi, quando Terry tem aquela conversa com o irmão; na cena em que ele apanha a luva de Edie e custa a devolvê-la; ou quando faz um convite tímido e embaraçado à moça para tomar uma cerveja. O desempenho de Marlon Brando é realmente extraordinário. É mais do que uma interpretação, é uma verdadeira encarnação. É uma maravilha como ele transmite os gestos e o andar de um ex-boxeur, a maneira lenta de pensar e de falar. Ele fica procurando as palavras, titubeando, antes de pronunciá-las. Enfim, ele se identifica com o personagem confuso e iletrado, dando um exemplo perfeito da aplicação do método de Stanislavski. É com uma sinceridade profunda que ele passa de fracassado a justiceiro. E a idéia de escalar Rod Steiger como irmão de Brando foi um achado genial, porque Steiger usava os maneirismos de Brando. De modo que assim os dois ficaram bem parecidos.

Rod Steiger e Marlon Brando em Sindicato de Ladrões

Elia Kazan dirige Marlon Brando em SIndicato de Ladrões

Lee J. Cobb e Marlon Brando em uma cena de Sindicato de Ladrões

Cena de Sindicato de Ladrões

Marlon Brando em Sindicato de Ladrões

O filme, que é a um só tempo violento e poético, foi um imenso sucesso crítico e popular, e recebeu os Oscar de Melhor Filme, Melhor Diretor (Elia Kazan), Melhor Ator (Marlon Brando), Melhor Atriz Coadjuvante (Eva Marie Saint), Melhor Fotografia em preto de branco (Boris Kaufman), Melhor História e Roteiro (Budd Schulberg), Melhor Montagem (Gene Milford), tendo sido ainda indicado Leonard Bernstein por música de não musical.

Richard Davalos, Julie Harris e James Dean

Kazan disse que convenceu facilmente Jack Warner a produzir Vidas Amargas / East of Eden / 1955, seu primeiro filme em tela larga. A ação transcorre em Salinas na Califórnia e tem como personagens centrais, o velho Adam Trask (Raymond Massey), agricultor intransigente e puritano, e seus dois filhos, Cal (James Dean) e Aron (Richard Davalos). Aron é o favorito do pai e Cal, que sente necessidade de ser amado, tem ciúmes do irmão, inveja o namoro de Aron com Abra (Julie Harris), hostiliza seu progenitor. Cal detém um segredo: ao contrário do que Adam sempre lhe dissera, a mãe dos dois rapazes, Kate (Jo Van Fleet) não morreu, mas abandonara o lar, e vive, não longe dali, em Monterey, como dona de um prostíbulo. Quando descobre a verdade sobre a mãe, ele acha que, agora, passou a entender de onde herdou seu mau temperamento. E acha também que é por causa da sua semelhança com a mãe que o pai tem preferência por Aron. Quando Adam sofre dificuldades financeiras, por ter posto todas as suas economias em um negócio audacioso na época, a conservação de vegetais por meio de refrigeração, Cal procura sua mãe e pede dinheiro para plantar feijão, aproveitando a subida de preços decorrente da Primeira Guerra Mundial, como previsto por seu sócio, Will Hamilton (Albert Dekker). No dia do aniversário do pai, Cal lhe oferece a quantia ganha com os feijões, mas Adam repele seu presente, porque não pode aceitar um dinheiro trazido pela guerra. Sentindo-se expulso do coração do pai e para vingar-se do irmão, que o ferira também com a notícia de seu noivado com Abra, Cal arrasta Aron até o quarto de Kate. Ao ver a prostituta artrítica e bêbada, Aron não consegue suportar esta revelação e se alista para lutar na guerra. Ao ver o rosto sem expressão do filho favorito, na janela do trem que o conduz para “o leste do Paraíso”, ele sofre uma trombose, e fica paralítico. Abra, que percebera que é a Cal que ela ama, suplica a Adam que faça um gesto que perdoe seu filho. O pai encontra forças para articular algumas palavras e murmura no rosto de Cal com os olhos vivos, bem abertos: “Cuide de mim”, “Cuide de mim”.

James Dean

James Dean em Vidas Amargas

James Dean e Jo Van Fleet em Vidas Amargas

Julie Harris e James Dean em Vidas Amargas

Adaptação de parte de um romance de John Steinbeck (apenas as 80 últimas páginas do livro), o filme renova o drama bíblico de Caim (que, enraivecido por seu pai preferir as oferendas de Abel às suas, mata o próprio irmão e se retira para o “leste do Paraíso”), dando-lhe um enfoque psicanalítico. Além da trama familiar, girando em tôrno da sôfrega busca do passado e de ternura por parte de um jovem confuso e incompreendido, o espetáculo aborda ainda algumas questões sociais (o preconceito da população contra o sapateiro alemão) e filosóficas (apreciação subjetiva da bondade e da maldade: Cal se julga mau, mas na verdade ele é bom). O roteiro de Pal Osborn soube conservar da obra de Steinbeck tudo o que lhe dava potência dramática e que Kazan nos transmite com firmeza diretorial, inteligente utilização do CinemaScope tanto em paisagens como em interiores e bela fotografia em cores (de Ted McCord), usando às vêzes ângulos estranhos.

James Dean e Raymond Massey em Vidas Amargas

Distinguem-se dois momentos muito fortes: a cena do aniversário quando Adam recusa o presente de Cal e ele foge para o bosque como um animal ferido e a cena em que Cal leva seu irmão até o quarto de sua mãe, empurrando-o aos gritos e trancando a porta. Porém Vidas Amargas foi marcado sobretudo pela presença de James Dean, representando uma figura de jovem rebelde com quem uma parcela enorme de jovens espectadores passou a identificar-se. Ele foi indicado para o Oscar (póstumo) de Melhor Ator e Kazan para o de Melhor Diretor, mas quem arrebatou a estatueta da Academia foi Jo Van Fleet como Melhor Atriz Coadjuvante.

 

O CINEMA DE ELIA KAZAN I

Ele foi um dos mais respeitados e influentes diretores da história da Broadway e de Hollywood, tendo feito uma carreira de sucesso tanto no Cinema como no Teatro, notabilizando-se sobretudo pela sua capacidade de extrair as melhores performances dramáticas de seus atores, pela sua preocupação com temas sociais, (notadamente a radiografia percuciente da sociedade estadounidense) e pelas suas confissões autobiográficas. Entretanto, o cineasta ficou sempre associado à caça às bruxas do começo dos anos cinquenta, período no qual ele colaborou com uma comissão encarregada de identificar os comunistas nos Estados Unidos, a ponto de muitos esquecerem o imenso realizador que ele era.

Elia Kazan

Elia Kazanjioglous (1909-2003) nasceu em Constantinopla (hoje Istambul, Turquia), filho de George Kazanjioglous e Athena Shishmanoglou que, devido a um clima político tenso, emigraram para os Estados Unidos, quando ele tinha quatro anos de idade. A integração da família foi facilitada pela presença de um tio, que havia emigrado há algum tempo e prosperado no comércio de tapetes, ao qual George então se associou e esperava que seu filho fizesse o mesmo quando crescesse.

Após se graduar no Williams College, o jovem Kazan frequentou o departamento de drama em Yale e, em 1932, ingressou no Group Theatre como ator e assistente do diretor de cena. O Group Theatre era um grupo teatral de Nova York formado em 1931 por Harold Clurman, Cheryl Crawford e Lee Strasberg, nos moldes do Teatro de Arte de Moscou, concentrando-se nos problemas de ordem social e adotando um método de interpretação naturalista baseado nas inovações de Konstantin Stanislavski.

Cheryl Crawford, Lee Strasberg e Harold Clurman no Group Theatre

O Group Theatre inspirou-se também no Actor’s Laboratory Theatre, organização fundada em 1923 pelo polonês Boleslaw Ryszard Srednicki (que se tornou depois o diretor de cinema Richard Boleslavsky) e pela atriz russa Maria Ouspenskaya (que depois atuou em filmes de Hollywood como coadjuvante), ex-membros da companhia de Stanislavski, que emigraram para os Estados Unidos, onde introduziram o famoso “Método”, criado pelo seu mestre.

Em 1934, de férias do Group Theatre, Kazan aproximou-se da New Theatre League, federação de tendência esquerdista reunindo pequenos teatros e grupos teatrais amadores para produzir peças tratando de assuntos politicos. A New Theatre produziu uma peça que ele havia escrito com seu colega Art Smith, intitulada “Dimitroff”, que versava sobre o comunista búlgaro falsamente acusado de ter incendiado o Reichstag em 1933. A peça fez sucesso e o Group Theatre passou a prestar mais atenção em Smith e Kazan.

Kazan em Waiting for Lefty

Em 1935, Kazan causou forte impressão na peça “Waiting for Lefty” de Clifford Odets. Ele sempre a considerou como a noite mais excitante que experimentou no teatro. A ação central é simples: os membros de um sindicato de taxistas estão aguardando a chegada de Lefty, seu presidente, que irá determinar se eles vão entrar em greve. Após várias vinhetas, chega-se ponto mais emocional do espetáculo, uma cena na qual um membro aparentemente sincero do sindicato pede cautela aos seus companheiros – mas é denunciado pelo seu próprio irmão como espião dos patrões. É Elia Kazan, que desde as primeiras cenas estava sentado na platéia usando um boné de pano com um pé de coelho no visor para dar sorte (ele havia visto um taxista de verdade usando um boné idêntico), que sobe ao palco para identificar o traidor, recebendo uma chuva de aplausos como nunca vira antes. No climax da peça, quando é anunciado que Lefty foi assassinado, Agate, o mais raivoso e o mais radical dos membros do sindicato se dirige a seus camaradas para a greve, e depois pergunta para o público: “Bem, qual é a resposta?”, coube a Elia Kazan, que já estava de novo no auditório, subir mais uma vez ao palco, erguer seu braço com o pulso fechado, e gritar “Greve!”. Nessa noite, o público se levantou com ele, ecoando seu grito, e não sairam do teatro quando a peça terminou. A cortina não baixou por cerca de 45 minutos enquanto as pessoas, entusiasmadas, aplaudiam e batiam com os pés no chão.

No mesmo ano, Kazan apareceu no seu primeiro filme, Pie in the Sky, short de 22 minutos produzido pela Nykino (fundada por um grupo de realizadores que se separaram da Worker’s Film and Photo League, patrocinada pelo Partido Comunista) e dirigido por Ralph Steiner, satirizando as promessas feitas para os pobres durante a Depressão. Kazan é um dos mendigos que, rejeitados em uma fila para receber alimento gratuito, rumam para o depósito de lixo local, onde fazem uma refeição imaginária com peças de automóveis, incluindo a torta do título. O elenco personifica políticos, homens de altos negócios e líderes religiosos que estão vivendo confortavelmente enquanto as massas passam fome nas ruas.

Ainda em 1935, Kazan atuou como ator em “Paradise Lost” de Clifford Odets e dirigiu a peça “The Young Go First” de Peter Martin, Charles Scudder e Charles Friedman. No decorrer da década, continuou dirigindo algumas peças (“The Crime” de Michael Blankfort; “Casey Jones” de Robert Ardrey; “Quiet City” de Irwin Shaw; ”Thunder Rock” de Robert Ardrey) e atuando como ator em outras (“Johnny Johnson” de Paul Green; “Golden Boy” de Clifford Odets; “The Gentle People” de Irwin Shaw).

Cena de People of the Cumberland

Em 1937, Kazan participou de outro documentário, People of the Cumberland, que versava sobre a vida dos mineiros no Condado de Cumberland no Tennessee, produzido pela Frontier Films, companhia constituida por veteranos da Film and Photo League, descrita pelo Variety como “O Group Theatre do Cinema”. Fotografado por Ralph Steiner e dirigido por Robert Stebbins (pseudônimo de Sidney Meyers) e Eugene Hill (pseudônimo de Jay Leyda), creditava Elia Kazan como assistente de direção.

Kazan em Dois Contra Uma Cidade Inteira

Kazan em Uma Canção Para Você

No início dos anos quarenta, Kazan continuou como ator no palco (“Night Music” de Clifford Odets; “Lillion” de Ferenc Molnar; “Fire Alarm Waltz” de Lucille Primbs) e na tela, como coadjuvante, em dois filmes de Anatole Litvak: Dois Contra Uma Cidade Inteira / City for Conquest / 1940 e Uma Canção para Você / Blues in the Night / 1941, ambos produzidos pela Warner Bros. A partir de 1942, ele começou a se firmar como um dos melhores diretores da Broadway com produções como “The Skin of Our Teeth” de Thornton Wilder (1942); “One Touch of Venus” de S. J. Perelman e Ogden Nash (1943); “Jacobowsky and the Colonel” de S. N. Behrman (1944); “All My Sons” de Arthur Miller (1947); “A Streetcar Named Desire” de Tennessee Williams (1947); “Death of a Salesman” de Arthur Miller (1949), entre outras. Neste mesmo decênio, produziu um short de propaganda para o Departamento de Agricultura, It’s Up to You /1943 e seus primeiros cinco filmes de ficção: Laços Humanos / A Tree Grows in Brooklyn / 1945; Mar Verde / The Sea of Grass/ 1947; O Justiceiro / Boomerang! / 1947; A Luz é para Todos / Gentleman’s Agreement / 1947 e O Que a Carne Herda / Pinky / 1949, todos produzidos pela Twentieth Century Fox com exceção de Mar Verde, feito na MGM.

A ação de Laços Humanos transcorre em um quarteirão de imigrantes no Brooklyn, no começo do século vinte, onde a família Nolan, de origem irlandêsa, vive muito modestamente. Johnny (James Dunn), o pai, sonhador e alcólatra, trabalha esporadicamente como garçom-cantor e volta para casa frequentemente bêbado (“doente” como ele prefere dizer com pudor). Katie (Dorothy McGuire), a mãe, presta serviço como faxineira no prédio. Os filhos, Neeley (Ted Donaldson), o caçula, e sua irmã Francie (Peggy Ann Garner), ganham alguns centavos vendendo peças de roupas velhas ou rasgadas. Eles costumam receber a visita de tia Cissy (Joan Blondell), cujo comportamento extravagante (sua escandalosa sucessão de maridos) incomoda Katie. Francie foge da miséria pela leitura. Uma noite, ela revela ao pai seu desejo de ingressar em uma escola melhor em outro bairro. A mãe, ocupada com as preocupações quotidianas, recebe mal as aspirações da filha. O pai, ao contrário, está de pleno acôrdo e convence Katie a deixar filha entrar (ilegalmente) em um novo colégio. Pouco depois, Katie se muda com a família para um apartamento menor e mais barato no mesmo prédio. Ela conta para Johnny que está grávida e ele compreende a mudança para um apartamento mais accessível. Quando Katie insiste que Francie deve deixar a escola, para que possa trabalhar, Johnny sai à procura de um emprego permanente em plena nevasca e, depois de sumir por mais de uma semana, morre de pneumonia. A morte do pai é dolorosa para todos, sobretudo para Francie, que admirava seu espírito fantasioso. Mãe e filha acabam se reconciliando por ocasião do nascimento de um terceiro filho. McShane (Llyod Nolan), o policial do bairro, que amava em silêncio Mrs. Nolan, pede-a em casamento, e a família aceita. Superando o ambiente duro em que vive, Francie obtém seu diploma, tal como aquela árvore simbólica que consegue, apesar de tudo. crescer no pátio de concreto do imóvel.

James Dunn e Peggy Ann Garner em Laços Humanos

Kazan e o elenco de Laços Humanos

Joan Blondell, Dorothy McGuire e Peggy Ann Garner em Laços Humanos

Neste drama humano e social, baseado em um romance de Betty Smith, Kazan descreve com precisão uma família de imigrantes no começo do século vinte, vista pelo olhar de uma jovem adolescente e, ao mesmo tempo, conta a história de sua admiração pelo pai que, tal como ela, procura se evadir da dura vida quotidiana pelo sonho e pela fantasia. Francie, foge através da leitura e do estudo; Johnny, infelizmente, recorre à bebida. Incapaz de enfrentar a realidade, ele não faz nada de concreto para tirar sua família da situação de penúria. Promete mil e uma maravilhas mas, no final das contas, não acontece nada. Entretanto, graças à sua capacidade de inventar histórias, ele consegue algo pelo qual sua filha o estimará ainda mais: ir para uma boa escola, tal como ela desejava. Laços Humanos é um filme forte, emocionante, cheio de calor humano e poesia, narrado sobriamente e valorizado pelas interpretações tocantes dos atores principais. Foi um dos filmes mais lucrativos de 1945 e proporcionou um Oscar para James Dunne e um prêmio especial para Peggy Ann Garner como a melhor atriz infantil do ano.

Mar Verde, desenrola-se no Novo Mexico, onde Lutie Cameron (Katharine Hepburn), dama da sociedade de St. Louis que se casou com um barão de gado, Jim Brewton (Spencer Tracy), percebe que ele está lutando tiranicamente contra os pequenos lavradores, que estão se instalando no seu enorme rancho Big Vega (conhecido como “Mar de Relva”). Insatisfeita com os métodos impiedosos de seu marido, Lutie afasta-se dele, e vai para Denver. Sentido-se sozinha e arrebatada momentaneamente pelas atenções de Bruce Chamberlain (Melvyn Douglas), o porta-voz dos lavradores, passa uma noite com ele; mas se arrepende no dia seguinte, ao perceber que ama realmente Brewton. Lutie, que já é mãe de uma filha, Sarah Beth, com Brewton, tem um filho com Chamberlain; porém as duas crianças ficam com Brewton. Anos depois, o filho adulterino Brock (Robert Walker), envolve-se em um duelo a bala com um jogador diante de uma insinuação injuriosa que este fez com relação a Brewton, por quem ele tem uma afeição muito viva. Quando seu adversário morre, Brock, percebendo que um julgamento irá humilhar seu progenitor legal, foge para não ser preso. Sarah Beth (Phyllis Thaxter) conta ao pai a razão dos atos de seu irmão, e ele vai atrás do filho, encontrando-o fatalmente ferido em uma cabana, cercado pelo delegado e seus auxiliares. Neste mesmo momento, Lutie chega na cidade e, após uma conversa com Sarah Beth, se reconcilia com Jim.

Spencer Tracy e Katharine Hepburn em Mar Verde

Kazan na filmagem de Mar Verde conversa com Katharine Hepburn e Spencer Tracy

 

Kazan ficou tão atraído pela trama do romance de Conrad Richter, que pediu a MGM para dirigir o filme, pois seu contrato com a Fox não o impedia de trabalhar para outro estúdio, se assim o desejasse. Ele pensou em passar mêses rodando em locação e usar atores não profissionais, mas o que obteve do produtor Pandro S. Berman foi uma filmagem em estúdio (com retroprojeção e tomadas de arquivo) e um elenco incluindo dois grandes astros, que o intimidaram. O resultado foi um melodrama em ambiente de western, com pouca ação e ritmo lento, focalizando mais a história pessoal de um casamento perturbado do que o interessante conflito socioeconômico na região. Na sua autobiografia, Elia Kazan: A Life (Da Capo, 1988), o cineasta escreveu: “É o único filme que eu fiz do qual me envergonho. Não o vejam”.

O Justiceiro é uma reportagem no estilo semi-documentário, produzida por Louis de Rochemont (o criador da série “A Marcha do Tempo”), baseada em um fato autêntico ocorrido em Bridgeport, pequena cidade do Connecticut (e não Stamford como aparece no filme, porque a primeira cidade citada não deu permissão para filmagem nas ruas). O padre George A. Lambert (Wyrley Birch) é assassinado com uma bala na cabeça em plena via pública. O Prefeito e outros políticos exigem mais resultados de Henry Harvey (Dana Andrews), o Procurador do Estado. Um homem chamado John Waldron (Arthur Kennedy) é preso. Depois de um exaustivo interrogatório, acaba confessando. Harvey convence o chefe de polícia local, Robinson (Lee J. Cobb) a não se demitir e começa a investigar. Harvey convence-se da inocência de Waldron e, em vez de acusá-lo, passa a defendê-lo, enfrentando todo tipo de pressão. O digno Procurador consegue provar a inculpabilidade de Waldron, porém o caso permaneceu insolúvel.

Cena de O Justiceiro (no centro, Arthur Kennedy e Karl Malden)

Dana Andrews em O Justiceiro

Waldron, o rapaz acusado injustamente de assassinato, é um soldado veterano, alienado e desiludido, igual a outros que costumam aparecer nos filmes noir. Entretanto, o tema principal do filme não é o desajustamento dos pracinhas no pós-guerra, mas sim o drama da integridade do ocupante de um cargo público em confronto com a obstrução de justiça por considerações políticas, abordado com concisão e coragem por Kazan. Reconhecido como “um sujeito completamente honesto”, Harvey se vê no meio de uma disputa entre o partido da situação e o da oposição, resistindo não só às pressões de ambos os lados, como também da população, que deseja um réu para a morte do padre tão querido. ”Não me importa se ele é inocente ou culpado. Tenho uma eleição para ganhar”, exclama T. M. Wade (Taylor Holmes), o dono do jornal que faz campanha contra o governo reformista, e tem esperança de reconquistar o poder. O íntegro Procurador ainda recebe uma proposta de suborno (“O que acha de ser candidato a Governador?”) e descobre a corrupção que está por trás da construção de um centro de recreação cujos investidores (entre os quais está sua esposa) dependem de uma vitória eleitoral. No final, o crime fica oficialmente sem solução, mas o espectador sabe quem foi o verdadeiro assassino por meio de algumas tomadas insinuantes que, tal como as do nome “Rosebud” no trenó se incendiando em Cidadão Kane, são um privilégio da platéia.

Dorothy McGuire e Gregory Peck em A Luz é Para Todos

Em A Luz é para Todos, o repórter Philip Schuyler Green (Gregory Peck) é encarregado pelo editor de uma revista, John Minify (Albert Dekker) de fazer uma investigação jornalística sobre o antisemitismo nos Estados Unidos. Viúvo prematuramente, ele tem um filho de onze anos, Tommy (Dean Stockwell) e vive com sua mãe (Anne Revere). A idéia desta enquete foi sugerida pela sobrinha de Minify, Kathy Lacey (Dorothy McGuire), uma jovem divorciada. Ela e Phillip simpatizam um com o outro vivamente. Philip decide se fazer passar por judeu durante seis mêses, mudando seu sobrenome para Greenberg. Esta experiência lhe proporciona descobertas inesperadas: sua secretária (June Havoc), judia, teve que mudar de nome para ser aceita no seu trabalho; o médico que cuida de sua mãe deprecia um especialista judeu; o melhor amigo de Philip, Dave Goldman (John Garfield), soldado desmobilizado, é insultado em um restaurante, por ser judeu e não encontra um lugar “irrestrito” para morar (ele é vítima do “gentleman’s agreement). Surgem dificuldades entre Philip e Kathy, porque ela vive em um meio anti semita (em uma festa, ela faz questão de dizer que seu noivo não é judeu), e quando Tommy é molestado no colégio, chega em casa chorando e conta a Kathy o que aconteceu, ela tenta confortá-lo, explicando absurdamente que já que ele não é realmente judeu, não devia ficar tão perturbado; Philip se irrita e rompe com ela. Entretanto, aconselhada por Dave, Kathy reconhece o erro de seus atos, se arrepende, e conquista Philip de volta.

Kazan conversa com Dorothy McGuire e John Garfield na filmagem de A Luz é Para Todos

Cena de A Luz é Para Todos vendo-se Gregory Peck, Celeste Holm  e John Garfield

Projeto escolhido e totalmente controlado pelo seu produtor Darry F. Zanuck, o espetáculo manifesta uma intenção louvável: denunciar o antisemitismo cotidiano, algo raramente abordado pelo cinema até então. O roteirista Moss Hart teve a boa idéia de que, para envolver o espectador nesse combate, era preciso que o personagem principal fosse ele mesmo considerado como judeu, para que as práticas discriminatórias pudessem ser literalmente vividas no seu íntimo. O título original também foi bem imaginado: o “gentleman’s agreement” é aquele feito sem necessidade de uma forma escrita ou nem mesmo falada, um acordo que é presumido. Com relação ao filme, o termo se refere àquelas pessoas intolerantes que, irracionalmente, supõem que seus preconceitos são aceitos por todos. Apesar de suas ambições realistas, A Luz é para Todos resultou em um produto tipicamente hollywoodiano, como o próprio Kazan reconheceu (“Parece uma ilustração para uma revista tipo “Redbook” ou Cosmopolitan”. É tudo muito bonito”). Nesta condição, a produção arrebatou o Oscar de Melhor Filme, tendo sido a estatueta da Academia também concedida a Kazan como Melhor Diretor e a Celeste Holm (que faz o papel de Anne Dettrey uma boa amiga do jornalista Philip), como Melhor Atriz Coadjuvante, tendo ainda sido indicados: Gregory Peck, Dorothy McGuire, Anne Revere, Moss Hart, e o montador Harmon Jones.

Enquanto prosseguia sua carreira como diretor de cinema, Kazan continuou trabalhando no teatro. Em 1947, ele fundou o Actors Studio com os atores Robert Lewis e Cheryl Crawford, uma escola para formação de atores, onde Lee Strasberg, assumindo a direção depois que Kazan foi se dedicar mais a sua carreira em Hollywood, introduziu o famoso “Método” de Stanislavski, formando uma nova geração de atores como Marlon Brando, Montgomery Clift, James Dean etc.

O Que a Carne Herda é um drama racial ousado para a sua época. De ascendência negra, mas com a pele branca, Patricia “Pinky” Johnson (Jeanne Crain), foi enviada por sua avó, Tia Dicey (Ethel Waters), uma lavadeira, para o Norte dos Estados Unidos. Lá, onde ninguém lhe fazia perguntas em relação a sua cor, ela se diplomou como enfermeira e se apaixonou por um médico branco, Dr. Thomas Adams (William Lundigan). Retornando ao Sul em uma visit, Pinky tem de enfrentar todo o peso do preconceito ali existente contra os negros. Quando uma senhora branca, Miss Em (Ethel Barrymore), a quem serviu como enfermeira, vem a falecer, deixando-lhe a casa onde mora, os primos da falecida contestam o testamento, alegando que Pinky exerceu influência indevida sobre sua paciente; porém, finalmente, o tribunal decreta a legalidade do ato jurídico. Tom, que viera ao encontro de Pinky, quer se casar com ela, e levá-la para Denver, onde ela poderia facilmente passar por branca; mas ela prefere, manter seu orgulho, e ficar sozinha na casa herdada, transformada em hospital e escola de enfermagem para a população negra.

Ethel Waters e Jeanne Crain em O Que A Carne Herda

Jeanne Crain e Ethel Barrymore em O Que A Carne Herda

Após o antisemitismo de A Luz é para Todos, Darryl Zanuck tratou da segregação racial, controlando novamente toda a produção. A filmagem foi iniciada por John Ford mas, após dez dias de trabalho, ele inventou uma doença de pele, para sair da direção e se afastar de Ethel Waters, cuja personalidade se chocava com a dele. Embora Kazan tivesse aptidão para o desenvolvimento de temas fortes, ele não pôde tratar o tema com profundidade, de modo que o filme tornou-se apenas um melodrama, concentrado na angústia pessoal de “Pinky” – assim chamada porque pinky é o nome que no Sul dos Estados Unidos se dá aos descendentes brancos de um cruzamento de etnias – ou seja, Pinky enfrenta este dilema: viver no meio dos brancos, mas com a culpabilidade de mentir para si mesma ou permanecer entre os negros, sofrendo a desconfiança destes e o racismo usual. Desta vez Zanuck não levou o Oscar de Melhor Filme, mas Jeanne Crain e as coadjuvantes Ethel Barrymore e Ethel Waters foram indicadas para o prêmio da Academia.

 

Pânico nas Ruas / Panic in the Streets / 1950 foi o primeiro filme no qual Kazan se libertou dos constrangimentos dos estúdios e se arriscou a fazer um cinema muito mais livre, com a marca de sua personalidade (“Ninguém no estúdio controlou nosso trabalho”). Em New Orleans, o corpo não identificado de uma vítima de roubo e assassinato é descoberto perto do cais, contendo uma doença contagiosa mortal: a peste pneumônica. O Dr. Clinton Reed (Richard Widmark), da Saúde Pública, com a ajuda da polícia, sob o comando do Capitão Tom Warren (Paul Douglas), tem quarenta e oito horas para encontrar os criminosos, provavelmente contaminados, sob pena de se alastrar uma epidemia por toda a cidade. Blackie (Jack Palance), o assassino, se espanta ao ver a polícia tão engajada em descobrir o responsável: para ele Kochak (Lewis Charles), a vítima, devia ter ligacões com um tráfico muito lucrativo, o que explicaria todo o aparato policial. Ele e seu cúmplice Fitch (Zero Mostel) decidem procurar Poldi (Guy Thomajan), o primo do morto, para saber mais a respeito.

Richard Widmark e Paul Douglas em Pânico nas Ruas

Zero Mostel e Jack Palance em Pânico nas Ruas

Kazan conjuga eficientemente o fato comum (a rotina diária do médico da Saúde Pública) com o extraordinário (o perigo da peste, que pode ser uma metáfora do crime como um uma espécie de doença da ordem social ou do comunismo). Embora o motivo principal do filme seja a tensão física da caçada aos criminosos, vários aspectos sociais e humanos são abordados: a rivalidade e as dúvidas das autoridades, a cortina de ferro contra um repórter curioso e o problema do quê fazer com ele quando descobrir a verdade, a hostilidade e medo de várias pessoas envolvidas direta ou indiretamente como o caso, a necessidade do cumprimento do dever predominando sobre os interesses individuais. Os cenários autênticos são investidos de uma intensidade expressionista em uma perfeita combinação da influência neo-realista com a visão dark do filme noir. Cenas como a morte de Kochak, a de Poldi, e a perseguição de Blackie pelos armazéns de café possuem notável força dramática, acentuada pela excelente iluminação. No final simbólico e memorável, Blackie tenta escapar, arrastando-se pelas amarras da âncora de um navio. O obstáculo que encontra é um dispositivo para impedir que ratos subam a bordo, e o mecanismo funciona: como um rato, ele cai no mar e é preso.

.

 

IRMÃS FAMOSAS NO CINEMA II

Hollywood sempre gostou de reunir irmãs da vida real em suas produções. Prossigo, lembrando as que fizeram mais sucesso no cinema falado.

Gloria e Joan Blondell

Joan (1906-1979) e Gloria (1910-1986) Blondell.

Rose Joan e Gloria nasceram em Nova York, filhas de Ed Blondell, comediante do vaudeville que excursionou pelo país, com uma versão teatral da popular história em quadrinhos “The Katzenjammer Kids”. Ed e sua esposa, Kathryn (“Katie”), apresentavam-se nos palcos acompanhados de seus filhos menores Joan, Ed Jr., e Gloria, ficando todos conhecidos como “The Bouncing Blondells”.

Em 1927, Joan estreou em Nova York no Ziegfeld Follies. Quando atuava na Broadway em “Penny Arcade” ao lado de James Cagney, a Warner Bros. decidiu filmar esta peça como Sinner’s Holiday / 1930, e aproveitou os dois artistas. Em 1931, Joan fez, ainda como coadjuvante, dois bons filmes, Inimigo Público / Public Enemy e Triunfos de Mulher / Night Nurse, ambos dirigidos por William Wellman. No mesmo ano, em Gente Esperta / Blonde Crazy, obteve seu primeiro papel como atriz principal ao lado James Cagney, com quem faria ao todo nove filmes.

Em 1932, Joan apareceu com destaque em Delirante / The Crowd Roars de Howard Hawks e Três Ainda é Bom / Three on a Match de Mervyn LeRoy. Em 1933, ela fez Cavadoras de Ouro / Gold Diggers of 1933, o primeiro dos dez musicais ao lado de Dick Powell que, tal como Belezas em Revista / Footlight Parade / 1933, Mulheres e Música / Dames / 1934 e Cavadoras de Ouro de 1937 / Gold Diggers of 1937 / 1936, contou com a contribuição da coreografia inventiva de Busby Berkeley.

Duas comédias bem divertidas, marcaram a carreira de Joan em 1937: O Homem Perfeito / The Perfect Specimen com Errol Flynn e dirigido por Michael Curtiz e Assim é Hollywood / Stand-In de Tay Garnett com Humphrey Bogart e Leslie Howard. Nos anos quarenta, ela esteve em dois filmes excelentes: Laços Humanos / A Tree Grows in Brooklyn / 1945 de Elia Kazan e O Beco das Almas Perdidas / Nightmare Alley / 1947 de Edmund Goulding, sobressaindo-se neste último como Zeena, a mentalista parceira do charlatão interpretado por Tyrone Power. Em 1951, foi indicada para o Oscar por seu trabalho em Ainda Há Sol em Minha Vida / The Blue Veil e, no restante de sua carreira, arrancou elogios da crítica por seu desempenho em A Mesa do Diabo / The Cincinnatti Kid / 1965 e Opening Night / 1977 de John Cassavetes.

Joan trabalhou também no teatro e na televisão, despedindo-se da tela grande em The Woman Inside / 1981, filme curioso sobre um veterano do Vietnam, que decide fazer uma operação transgênero. Seus três casamentos foram com gente de cinema: o fotógrafo George Barnes, o ator Dick Powell e o produtor Mike Todd.

Joan Blondell

Gloria surgiu na Broadway em 1935 na peça “Three Men in a Horse”, estreou no cinema em 1938 no filme Satanás sôbre Rodas / Daredevil Drivers e, no mesmo ano, co-estrelou com Ronald Reagan O Triunfo da Verdade / Accidents Will Happen. Ela foi a primeira escolhida para ser Blondie / Florisbela, esposa de Dagwood Bumstead / Pancrácio, quando a história em quadrinhos de Murat (Chic) Young iria ser levada à tela; porém o papel acabou ficando com Penny Singleton, que o interpretou nos 28 filmes da série. Ainda em 1938, Gloria trabalhou em um papel pequeno no filme Amando sem Saber / Four’s a Crowd da Warner Bros. e sem ser creditada em: Filhos do Desprêzo / Juvenile Court e Apenas um Marido / The Lady Objects; comédias curtas da Columbia (v. g. duas com Charles Chase; uma com Os Três Patetas / The Three Stooges); no seriado Aranha Negra / The Spider’s Web.

Nos anos quarenta, também sem ser creditada, apareceu em Esposa Modelo / Model Wife / 1941 e emprestou a voz para a Margarida / Daisy em alguns desenhos do Pato Donald / Donald Duck, produzidos por Walt Disney. Nos anos cinquenta, participou não creditada de Alma Desesperada / Don’t Bother to Knock / 1952; como coadjuvante, de Estranho Encontro / The Twonky / 1953; em um pequeno papel, de O Raio Branco / White/1953; mais uma vez sem receber crédito, de Deus é Meu Guia / God is My Partner / 1957. Na mesma década, fez televisão, aposentando-se em 1962. Gloria foi casada com Albert R. Broccoli, produtor da série de filmes sobre James Bond.

As irmãs Young (Loretta,Polly Ann Yong, Georgiana Young e Sally Blane)

Loretta Young (1913-2000), Sally Blane (1910-1997), Polly Ann Young (1908-1997) e Georgiana Young (1924-2007).

Depois que seus pais se divorciaram, Gretchen, Elizabeth Jane e Polly Ann mudaram-se com sua mãe para a Califórnia, onde esta abriu uma pensão. Um tio introduziu-as como figurantes infantís (v. g. Sereias Humanas / Sirens of the Sea / 1917; Paixão de Bárbaro ou O Sheik / The Sheik / 1921).

Loretta Young

Gretchen, sozinha, havia feito um pequeno papel não creditado em A Inválida / The Primrose Ring / 1917, cuja atriz principal, Mae Murray, ficou tão encantada com aquela menina de quatro anos de idade, que tentou adotá-la; porém a mãe biológica não permitiu. Posteriormente, Colleen Moore, em cujos filmes, Em Maus Lençois / Naughty But Nice / 1927 e Apuros da Nobreza / Her Wild Oat / 1927, Gretchen também figurou, impressionou-se pela agora já moça aspirante a atriz. Ela insistiu para que seu marido e agente, John McCormick, a contratasse, e lhe deu um novo nome, Loretta Young, que ela passou a usar no seu próximo filme, Pancadas de Amor / The Whip Woman / 1928. No mesmo ano, Loretta contracenou com Lon Chaney em Ridi, Pagliacci / Laugh, Clown, Laugh, e daí em diante foi construindo aos poucos sua carreira, que incluiu filmes respeitáveis como Um Romance em Budapest / Zoo in Budapest / 1933, O Paraíso de um Homem / Man’s Castle / 1933, A Casa de Rothschild / The House of Rothschild / 1934, O Grito da Selva / The Call of the Wild / 1935, A Conquista de um Império / Clive of India / 1935, As Cruzadas / The Crusades / 1926, O Estranho / The Stranger / 1946, Ambiciosa / The Farmer’s Wife / 1947 (que lhe proporcionou o Oscar de melhor Atriz), Um Anjo Caiu do Céu / The Bishop’s Wife / 1947, Acusada / The Accused / 1949, Falam os Sinos / Come to the Stable / 1949 (indicada para o Oscar pela sua interpretação como Sister Margaret), entre tantos outros. Em 1953, Loretta deixou o cinema e iniciou uma nova carreira na televisão. Ela foi casada três vezes: em 1930, fugiu com o ator Grant Withers, mas sua mãe, horrorizada, conseguiu anular o matrimônio; em 1940, com o produtor Tom Lewis, de quem se divorciou em 1969; em 1993, com o figurinista Jean Louis. Após anos de rumores, foi revelado que sua filha adotiva, Judy Lewis, era na realidade a filha ilegítima fruto de um romance com Clark Gable durante a filmagem de O Grito da Selva.

Sally Blane

Elizabeth Jane apareceu na tela como figurante infantil em 1917-1921 e retornou com o nome de Sally Blane na série Veteranos e Calouros / The Collegians no papel de Betty Jane (mas não creditada). Daí em diante, sobressairam na sua carreira os filmes que fez com Tom Mix (Cavaleiro das Planícies / A Horseman of the Plains / 1928, O Rei Cowboy / King Cowboy / 1928, Um Contra Todos / Outlawed / 1928) e os dois, baseados nos romances de Zane Grey e dirigidos por Henry Hathaway (A Herança do Deserto ou Herança das Estepes / Heritage of the Desert / 1932 e Audácia Entre Adversários / Wild Horse Mesa / 1932, nos quais ela contracenou com Randolph Scott. Entre os filmes que fez de outros gêneros, merecem maior destaque, A Parada das Maravilhas por seu número de dança e canto ao lado da irmã Loretta; a série Os Valentões da Arena / The Leather Pushers / 1931 da Universal com Kane Richmond; O Preço do Dever / The Star Witness / 1932, dirigido por William Wellman e estrelado por Walter Huston; e O Fugitivo / I Am a Fugitive From a Chain Gang / 1932 (no qual fez apenas um pequeno papel coadjuvante) com Paul Muni e dirigido por Mervyn LeRoy. Em 1937, Sally casou-se com Norman Foster, que a dirigiu em Charlie Chan na Ilha do Tesouro / Charlie Chan at Treasure Island / 1939. Durante a Segunda Guerra Mundial, Sally e Foster moraram no Mexico, onde ele estava dirigindo filmes falados em espanhol; ela apareceu em um deles, La Fuga / 1944 com Ricardo Montalban. Mais tarde, o casal voltou para a Califórnia e Sally terminou oficialmente sua trajetória cinematográfica com uma rápida aparição em Cada Bala Uma Vida / A Bullet for Joey / 1955.

Polly Ann, tal como suas irmãs, apareceu como figurante infantil em 1917-1921 e retornou às telas como coadjuvante em um filme da Metro, Máscaras da Alma / The Masks of the Devil / 1928 de Victor Sjöstrom; como atriz principal em westerns de John Wayne em início de carreira (O Homem de Utah / The Man from Utah / 1934, Buck Jones (Prêmio de Consolação / The Crimson Trail / 1935), Kermit Maynard (Justiça Sangrenta / His Fighting Blood / 1935), George O’Brien (Patrulhando a Fronteira / The Border Patrolman), entre outros. Seu último papel foi em um filme da Monogram, O Fantasma Invisivel / The Invisible Ghost / 1941, ao lado de Bela Lugosi.

Houve mais uma irmã Young, Georgiana, na verdade meia-irmã das outras, nascida de um segundo casamento da mãe. As quatro apareceram juntas em A Vida de Alexandre Graham Bell / The Story of Alexander Graham Bell / 1939, estrelando Don Ameche como Graham Bell e Loretta como sua esposa. Polly Ann, Sally e Georgiana como sua irmãs, é claro. Georgiana casou-se com o ator Ricardo Montalban. Ela fez uma figuração em um filme dele, Mercado Humano / Border Incident / 1949.

Joan e Constance Bennett

Constance (1904-2965), Joan (1910-1990) e Barbara Bennett (1906-1058).

Nascidas em New Jersey, as três irmãs Bennett apareceram pela primeira vez na tela ao lado de seus progenitores, o ator Richard Bennett e a atriz Adrienne Morrison em The Valley of Decision / 1916. Samuel Goldwyn deu a Constance a chance de trabalhar com algum destaque em Cytherea / Cytherea / 1924 estrelado por Irene Rich. Entretanto, ela abandonou uma carreira promissora, ao se casar no ano seguinte com Philip Plant. Quatro anos depois, divorciou-se, e reiniciou seu percurso cinematográfico, destacando-se nos anos vinte nos filmes Mãe é Sempre Mãe / The Goose Woman / 1925 e Sally e Irene e Mary / Sally, Irene and Mary / 1925. Nos anos trinta, seus trabalhos mais importantes foram em Do Mesmo Barro ou Argila Humana / Common Clay / 1930, Tentação do Luxo / The Easiest Way / 1931, Hollywood / What Price Hollywood / 1932, As Aventuras de Cellini / The Affairs of Cellini / 1934 e Topper e o Casal do Outro Mundo / Topper /1937. Nos anos quarenta, Constance, entre outros filmes, formou um trio com Greta Garbo e Melvyn Douglas em Duas Vezes Meu / Two-Faced Woman; participou de dois dramas de guerra, Madame Espiã / Madame Spy / 1942 e Paris Subterrâneo / Paris Underground / 1945; esteve como coadjuvante em um filme de Michael Curtiz, Sem Sombra de Suspeita / The Unsuspected / 1947 e, após mais quatro filmes, despediu-se das telas em um papel modesto no melodrama estrelado por Lana Turner, Madame X / Madame X / 1966. Em 1932, Constance casou-se com o Marquês de La Coudraye, Henri de La Falaise (ex-marido de Gloria Swanson). Em 1941, casou-se com o ator Gilbert Roland. Em 1946, casou-se com o Coronel Brigadeiro da Força Aéra Americana, John Theron Coulter, que a encarregou de coordenar shows para as tropas de ocupação na Europa, o que valeu a atriz honras militares.

Constance Bennett

Joan (Geraldine) Bennett estreou no palco aos dezoito anos de idade com seu pai, em “Jarnegan” (1928), peça que teve 136 representações na Broadway. Aos dezenove anos, ela se tornou uma estrela de cinema através de filmes como Amante de Emoções / Bulldog Drummond / 1929 com Ronald Colman e Moby Dick / 1930 com John Barrymore. Contratada da Fox Film, ela apareceu em vários filmes, recebendo papéis principais em Ela Queria um Milionário / She Wanted a Millionnaire / 1932 e Eu e Minha Pequena / Me and My Gal / 1932, nos dois filmes ao lado de Spencer Tracy. Em 1932, casou-se com o roteirista Gene Markey, mas eles se divorciaram em 1937. Joan deixou a Fox para atuar na RKO ao lado de Katharine Hepburn, Jean Parker e Frances Dee em As Quatro Irmãs / Little Women / 1933, dirigido por George Cukor. Este filme chamou a atenção do produtor Walter Wanger que lhe deu um contrato para assinar e começou a orientar sua carreira. Na filmagem de Segredos de um Don Juan / Trade Winds / 1938, o diretor Tay Garnett persuadiu-a a mudar a cor de seus cabelos de loura para morena e, com esta nova aparência, ela se mostrou em O Homem da Máscara de Ferro / The Man in the Iron Mask / 1939 e O Filho de Monte Cristo / The Son of Monte Cristo / 1940, tendo como parceiro em ambos Louis Hayward. Em 1940, Joan casou-se com Wanger, e nos próximos anos participou de três filmes importantes de Fritz Lang, O Homem Que Quís Matar Hitler / Man Hunt / 1941, Um Retrato de Mulher / The Woman in the Window / 1944 e Almas Perversas / Scarlet Street / 1945, interpretando nestes dois últimos uma mulher fatal típica do filme noir ao lado de Edward G. Robinson; trabalhou com Jean Renoir (Mulher Desejada / The Woman on the Beach / 1947), Max Ophuls (Na Teia do Destino / The Reckless Moment / 1949, Vincente Minelli (O Papai da Noiva / Father of the Bride / 1950 e O Netinho do Papai / Father’s Little Dividend / 1951). Em 1951, em uma crise de ciúmes, Walter Wanger feriu a tiros o agente de Joan, Jennings Lang. Wanger passou quatro mêses na cadeia, mas o casal continuou junto até divórcio em 1965. Joan fez apenas cinco filmes na década seguinte, porque o incidente foi uma mancha na sua carreira, e ela entrou virtualmente na lista negra dos estúdios. Nos anos setenta, Joan só conseguiu fazer dois dramas de horror: Nas Sombras da Noite / House of Dark Shadows / 1970 e Suspiria / Suspiria / 1977, este último dirigido por Dario Argento. Ela trabalhou também no teatro e na televisão.

Barbara (Jane) Bennett fez somente quatro filmes: dois como coadjuvante (Mother’s Boy / 1929 e Amor Entre Milionários / Love Among the Millionaires / 1930) e dois como atriz principal (O Mistério do Dolar / Black Jack / 1927 com Buck Jones e O Preço da Opulência / Syncopation / 1929 com Morton Downey, um dos seus três maridos, com quem teve um filho, o ator Morton Downey Jr.

As irmãs Lane

Priscilla (1915-1995), Rosemary (1913-1974), Lola (1906-1981) e Leota (1903-1963) Lane.

Leotabel (Leota) e Dorothy (Lola) nasceram em Macy, Indiana, mas seus progenitores, Dr. Lorenzo A. Mullican e Cora Bell Hicks, mudaram-se para Indianola, Iowa, que ficou sendo a cidade natal de Priscilla e Rosemary. A mãe encorajou as filhas a cantar e a tocar instrumentos musicais.

Leota foi a primeira a sair de casa, em meados dos anos vinte, para iniciar uma carreira musical em Nova York e, em 1928, Lola reuniu-se lá com a irmã. Elas obtiveram papéis em um show de Gus Edwards (“Greenwich Village Follies”), que lhes deu o sobrenome artístico Lane, e depois estrearam na Broadway, Lola em “The War Song” e Leota em “Babes in Toyland”. Em 1929, Lola foi para Hollywood, onde fez seus três primeiros filmes, Speakeasy, Follies / Fox Movietone Follies of 1929 / e A Guria de Havana / The Girl from Havana. Logo depois, Leota tomou o mesmo caminho da irmã, e fez sua única aparição na tela em uma comédia curta da Educational dirigida por Roscoe “Fatty” Arbuckle, intitulada Three Hollywood Girls / 1931.

Rosemary e Priscilla estudaram dança e fizeram a sua primeira apresentação profissional no palco em 1930, como parte de um entretenimento, que acompanhava o lançamento do filme Coisas de Estudantes / Good News / 1930, estrelado por Bessie Love, no qual Lola trabalhava como coadjuvante. Em 1933, elas foram contratadas como cantoras pelo chefe de orquestra Fred Waring e também adotaram o sobrenome artístico Lane. Rosemary e Priscilla ficaram com Waring por quase cinco anos. Em 1937, ele foi chamado pela Warner Bros. a Hollywood para aparecer com sua orquestra em um musical, Aprenda a Sorrir / Varsity Show; as duas irmãs fizeram um teste, e receberam os papéis principais ao lado de Dick Powell.

Lola fez ao todo 43 filmes, na sua maioria modestos, sobressaindo: o seriado O Conquistador Audaz / Burn’Em Up Barnes / 1934 na Mascot estrelado por Frankie Darro e Jack Mulhall; Mulher Marcada / Marked Woman / 1937, ao lado de Bette Davis; O Sheik Conquistador / The Sheik Steps Out / 1937 com Ramon Novarro; Hollywood Hotel / Hollywood Hotel / 1927, dirigido por Busby Berkeley; Quando Nos Casamos / Torchy Blane in Panama / 1938, substituindo temporariamente Glenda Farrell no papel da repórter investigadora; e os quatro filmes que fez na Warner Bros. em companhia de suas irmãs Rosemary e Priscilla e Gale Page: Quatro Filhas / Four Daughters / 1938, Filhas Corajosas / Daughters Courageous /1939, Quatro Esposas / Four Wives / 1939, Quatro Mães / Four Mothers / 1941). Segundo consta, o estúdio fez um teste com Leota para ser a quarta irmã, porém ela não foi aprovada.

Rosemary fez ao todo 20 filmes, quase sempre produções de pouco prestígio, destacando-se os quatro filmes que fez com suas irmãs e Gale Page na Warner Bros. acima citados e Hollywood Hotel / Hollywood Hotel / 1937; A Lei do Mais Forte / The Oklahoma Kid / 1939 ao lado de James Cagney e Humphrey Bogart; Os Gregos Eram Assim / The Boys from Syracuse / 1940; O Charlatão / The Chatterbox / 1943 com Joe E. Brown e Judy Canova.

Priscilla Lane

Priscilla fez ao todo 22 filmes, no conjunto, melhores dos que aqueles nos quais atuaram suas irmãs, bastando citar, além dos quatro com elas na Warner Bros., os seus três melhores filmes : Heróis Esquecidos / The Roaring Twenties / 1939, cantando para um James Cagney apaixonado, “It Had to Be You”, Melancholy Baby” e “I’m Just Wild About Harry”; Sabotador / Saboteur / 1942 de Alfred Hitchcock e Este Mundo é um Hospício / Arsenic and Old Lace / 1944 de Frank Capra. O derradeiro filme de Priscilla também foi melhor do que os de suas irmãs: Crime na Estrada / Bodyguard / 1948, drama criminal da RKO com Lawrence Tierney e dirigido por Richard Fleischer. O filme de Rosemary foi um western da Columbia com Tom Tyler, Aconteceu no Texas / Sing Me a Song of Texas / 1945 e o de Lola, Algemas do Destino / They Made Me a Killer / 1946, drama criminal com Robert Lowery, produzido pela dupla Pine-Thomas e distribuido pela Paramount.

Lola casou cinco vezes, sendo uma com o ator Lew Ayres e outras duas com diretores: Alexander Hall e Roland West. Rosemary contraiu matrimônio com o maquilador George “Budd” Westmore.

Joan Fontaine e Olivia de Havilland

Olivia de Havilland (1916-   ) e Joan Fontaine (1917-2013).

Olivia Mary e Joan de Beauvoir nasceram em Tóquio, Japão, filhas de um advogado de patente inglês e de uma ex-atriz, e quando os pais se separaram, elas foram com a mãe para a Califórnia. Enquanto estava na universidade em 1933, Olivia apareceu (como Puck) em uma encenação de “A Midsummers Night’s Dream” de Shakespeare e foi escolhida por Max Reinhardt para interpretar a personagem Hermia, tanto na sua versão para o palco (no Hollywood Bowl em 1934) como para a tela (Sonho de uma Noite de Verão / A Midsummer Night’s Dream / 1935, produzido pela Warner Bros.).

Contratada pela Warner, depois de aparecer ao lado de Joe E. Brown em Esfarrapando Desculpas / Alibi Ike / 1925 e de James Cagney em Filhinho da Mamãe / The Irish in Us / 1935, Olivia fez o primeiro dos oito filmes com Errol Flynn, Capitão Blood / os / 1935 (outros foram: A Carga da Brigada Ligeira / The Charge of the Light Brigade /1936, As Aventuras de Robin Hood / The Adventures of Robin Hood / 1938, Amando sem Saber / Four’s a Crowd / 1938, Uma Cidade que Surge / Dodge City / 1939, Meu Reino por um Amor / The Private Lives of Elizabeth and Essex / 1939, A Estrada de Santa Fé / Santa Fe Trail / 1940 e O Intrépido General Custer / They Died With Their Boots On / 1941, formando uma das maiores duplas românticas do cinema. Antes de ser emprestada para Selznick, a fim de atuar em … E O Vento Levou / Gone with the Wind / 1939, ela fez, entre outros, Adversidade / Anthony Adverse / 1936, O Grande Garrick / The Great Garrick / 1937.

Olivia de Havilland

Depois de sua esplêndida performance (que lhe deu uma indicação para o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante) como Melanie, a cunhada de Scarlet O’Hara, Olivia voltou para a Warner, e começou a brigar com o estúdio para receber melhores papéis. Quando a Warner recusou libertá-la de seu contrato no final do prazo costumeiro de sete anos, alegando que sua obrigação deveria ser estendida pela duração do tempo em que ficou suspensa, ela acionou o estúdio e obteve uma decisão pioneira, que incluiu no limite do contrato de sete anos o período de suspensão.

Ausente da tela durante os três anos em que durou a batalha no tribunal, ela celebrou seu retorno em 1946, ganhando o Oscar de Melhor Atriz pelo seu desempenho em Só Resta Uma Lágrima / To Each His Own. (Dir: Mitchell Leisen) Em 1949, ela conquistou novamente a estatueta da Academia por seu trabalho em Tarde Demais / The Heiress (Dir: William Wyler). Olivia recebeu também indicação para o Oscar por sua performance em A Porta de Ouro / Hold Back the Dawn /1941 e A Cova da Serpente / The Snake Pit / 1948 e, na década de quarenta, fez ainda alguns filmes importantes como Devoção / Devotion / 1946 e Espelho d’Alma / Dark Mirror /1946.

Nos anos cinquenta-setenta, ela fez mais quatorze filmes, destacando-se Não Serás um Estranho / Not as a Stranger / 1955 e Com a Maldade na AlmaHush, Hush Sweet Charlotte / 1964. Em 1956 foi morar na França em companhia de seu segundo marido, Pierre Galante, editor da revista Paris-Match., mas continuou trabalhando no cinema, no teatro e na televisão.

JOan Fontaine

Joan trabalhou, como Joan Burfield, em várias companhias teatrais e estreou no cinema com este nome em um filme de Joan Crawford, Adeus Mulheres / No More Ladies /1935 da MGM. Ela voltou para o palco, e somente em 1937 começou a aparecer regularmente na tela, quase sempre em filmes B da RKO com a exceção de Cativa e Cativante / A Damsell in Distress / 1937, no qual foi parceira de Fred Astaire e Gunga Din / Gunga Din / 1939, no qual era a noiva do personagem interpretado por Douglas Fairbanks Jr. Em 1939, Joan fez A Grande Conquista / Man of Conquest na Republic, uma biografia razoável de Sam Huston, personificado por Richard Dix e As Mulheres / The Women na MGM, coadjuvando, com Paulette Goddard, as estrelas Norma Shearer, Joan Crawford e Rosalind Russell sob a direção de George Cukor.

No início dos anos quarenta, sua carreira deslanchou, graças aos papéis principais que ela teve em dois filmes de Alfred Hitchcock, Rebecca, a Mulher Inesquecível /   Rebecca / 1940 e Suspeita / Suspicion / 1941. Ela foi indicada para o Oscar por Rebecca e ganhou a estatueta por seu desempenho em Suspeita. A década de quarenta revelou-se muito fértil em bons filmes de Joan: Isto Acima Acima de Tudo / This Above All / 1942, De Amor Também se Morre / The Constant Nymph /1943 (mais uma indicação para o Oscar), Jane Eyre / Jane Eyre / 1943, A Gaivota Negra / Frenchmen’s Creek / 1944, Esse Encanto Irresitível / From This Day Forward / 1946, Ivy, a História de uma Mulher / Ivy / 1947, Carta de uma Desconhecida / Letter from an Unknown Woman / 1947.

Nos anos cinquenta, seus melhores filmes foram Ivanhoé, o Vingador do Rei / Ivanhoe / 1952; O Bígamo / The Bigamist / 1953; As Grandes Noites de Casanova / Casanova’s Big Night / 1954, uma boa comédia de Bob Hope; Suplício de uma Alma / Beyond a Reasonable Doubt / 1956, dirigido por Fritz Lang. Ela encerrou sua filmografia no cinema com três filmes nos anos sessenta: Viagem ao Fundo do Mar / Voyage to the Bottom of the Sea / 1961, Suave é a Noite / Tender is the Night / 1962, e  A Face do Demônio / The Witches /1966.

Joan trabalhou no teatro e na televisão e seus três primeiros maridos foram: o ator Brian Aherne, o produtor William Dozier, e o roteirista Collier Young. Ela investiu em frutas cítricas, fazendas de gado, petróleo e imóveis e se tornou presidente da Oakhurts Enterprises, corporação formada para gerir suas diversas empresas. Tirou brevê de piloto, foi campeã de balonismo, fez decoração de interiores como profissional, ganhou prêmio em torneio de pesca e tinha o título de Cordon Bleu em culinária.

A rivalidade entre as duas irmãs foi sempre divulgada pela imprensa de Hollywood.

Se a disputa entre elas era fato ou ficção, não se pode dizer ao certo; provavelmente a verdade estava no meio: havia algo de realidade e algo de fantasia imaginada por jornalistas de mexericos.

Irmãs Gabor e a mãe, Jolie.

Zsa Zsa (1917-   ), Eva (1919-1995) e Magda (1915-1997) Gabor.

Sári, Eva e Magdolna nasceram em Budapest, Hungria, filhas de Vilmos (Farkas Miklós Gábor / nome materno Grün), soldado e Jolie (Jansieka Tilleman), herdeira de uma joalheria, ambos de família judaica. Aos 13 anos de idade, Sári (Zsa Zsa) estudou em um colégio interno na Suiça e, enquanto terminava seus estudos, foi descoberta pelo tenor Richard Tauber, que a convidou para ser a soubrette na sua nova opereta “Der singende Traum. Em 1936, ela foi coroada Miss Hungria, mas depois desqualificada, por ter ocultado sua verdadeira idade. Em 1941, emigrou para os Estados Unidos, onde já estava sua irmã Eva. Em 1952, fez seus dois primeiros filmes, O Amor Nasceu em Paris / Lovely to Look At e Travessuras de Casados / We’re Not Married em papéis pequenos; mas, no mesmo ano, conseguiu se destacar como Jane Avril em Moulin Rouge / Moulin Rouge, dirigido por John Huston. Nos anos seguintes, atuou em filmes importantes como atriz principal (O Inimigo Público nº1 / L’Ennemi Public nº1 /1953 com Fernandel, Luz e Sangue / Sang et Lumière / 1954 com Daniel Gélin, Ball der Nationen / 1954 com Gustav Fröelich; Destruí Minha Própria Vida / Death of a Scoundrel com George Sanders e Yvonne De Carlo); como coadjuvante (Lili / Lili / 1953, O Rei do Circo / 3 Ring Circus / 1954 com Dean Martin e Jerry Lewis, The Man Who Wouldn’t Talk / 1958 com Anna Neagle; em breves aparições (A Marca da Maldade / Touch of Evil / 1958, ) ou como ela mesma (Pepe / Pepe / 1960, Valete de Ouros / Jack of Diamonds / 1967, A Familia Buscapé / The Beverly Hillbillies / 1993; A Volta da Família Sol-Lá-Si-Dó / A Very Brady Sequel, seu útimo filme, em 1996).

Zsa Zsa Gabor

Entre 1955-1995, Zsa Zsa trabalhou no teatro e apareceu em muitas séries e programas de entrevistas da televisão e em 1990 foi condenada a três dias de prisão, por ter agredido um policial; porém ficou mais famosa pela quantidade de suas jóias e maridos (nove ao todo, entre eles o hoteleiro Conrad Hilton e o ator George Sanders). Uma vez ela declarou: “Sou uma ótima dona-de-casa. Toda vez que deixo um homem, fico com a sua casa”.

Eva era cantora de cabaré e patinadora no gêlo em seu país de origem. Emigrou para os Estados Unidos em 1939, e iniciou sua carreira no cinema em dois filmes de guerra sobre sabotagem, Aterrissagem Forçada / Forced Landing / 1941 e O Anjo da Meia-Noite / Pacific Blackout / 1941. Seguiram-se vários filmes, nos quais atuou sempre como coadjuvante, entre os quais se destacam: Pecado de Amar / Song of Surrender / 1949 de Mitchell Leisen, A Máscara do Mágico / The Mad Magician / 1954 de John Brahm, A Última Vez Que Ví Paris / The Last Time I Saw Paris / 1954 de Richard Brooks, Artistas e Modelos / Artists and Models / 1955 de Frank Tashlin, Gigi / Gigi / 1958 de Vincente Minnelli (como Liane d’Exelmans, a amante de Gaston / Louis Jourdan), O Preço da Ambição, Youngblood Hawke / 1964 de Delmer Daves.

Nos anos sessenta, ela se tornou nacionalmente popular por causa de seu papel como Lisa Douglas, a esposa do grande juiz Oliver Wendell Holmes (Eddie Albert) na série de televisão Green Acres (1965-71). Eva atuou também no teatro e em muitas outras séries da tela pequena e emprestou sua voz para a Duquesa em Aristogatas / The Aristocats / 1970 e Miss Bianca em Bernardo e Bianca / The Rescuers / 1977 e Bernardo e Bianca na Terra dos Cangurús / The Rescuers Down Under / 1990 bem como para a Rainha do Tempo em um filme de animação produzido pela Sanrio, The Nutcracker Fantasy / 1979. Ela foi também uma mulher de negócios bem sucedida no marketing de perucas, roupas e produtos de beleza. Em 1972, lançou a coleção com sua grife, criada pelo desenhista de moda cubano Luis Estévez. Teve cinco maridos, mas nenhum do meio artístico.

Magda chegou aos Estados Unidos em 1946. Ela havia feito dois filmes na Hungria, Tokaji Rapszódia /1937 e Mai Iányok / 1937 mas, ao contrário de suas irmãs, não entrou para o cinema americano. Magda teve cinco maridos. Em 1970, casou-se com o ator George Sanders, que já fôra casado com Zsa Zsa de 1949 a 1954; porém o matrimônio durou apenas dois mêses. A sogra, Jolie, foi a madrinha, e fêz esta declaração: “Ele adora minha família. Tem que fazer parte dela. Ainda bem que nós somos muitas. Quatro ao todo. Isso porque nunca deixo de me incluir”.

 

IRMÃS FAMOSAS NO CINEMA AMERICANO CLÁSSICO I

Foi um filme chamado A Parada das Maravilhas / The Show of Shows / 1929, que chamou minha atenção para a quantidade de irmãs trabalhando no cinema americano desde seu período silencioso. Este filme, um dos musicais-revista que proliferaram logo após o advento do som, compunha-se de vários segmentos, em um dos quais, intitulado “Meet my Sister” (traduzido por ocasião do lançamento no Brasil como “Irmãs Unidas”) e apresentado por Richard Barthelmess, sete pares de irmãs de Hollywood, apareciam cantando e dançando, cada qual representando um país diferente: Dolores e Helene Costello; Sally O’Neil e Molly O’Day; Lola Vendrell e Armida: Alice e Marceline Day; Ada Mae e Roberta Vaughn; Sally Blane e Loretta Young; Marion Byron e Harriet Lake (depois conhecida como Ann Sothern); Shirley Mason e Viola Dana. Somente Marion Byron e Harriet Lake, não eram aparentadas. Começo pelas que  se destacaram mais no cinema mudo.

Lillian e Dorothy Gish

 

Lillian (1893-1993) e Dorothy Gish (1898-1968).

Lillian Diana e Dorothy Elizabeth iniciaram sua carreira na Biograph, introduzidas por sua amiga íntima Gladys Smith (também conhecida como Mary Pickford). David Wark Griffith colocou-as em An Unseen Enemy/ 1912. Depois, elas fizeram outros filmes juntas (Corações do Mundo / Hearts of the World / 1918, Orfãs da Tempestade / Orphans of the Storm / 1921, Romola / Romola / 1924) ou separadas (Lillian dedicou-se mais ao drama: v. g. Nascimento de uma Nação / Birth of a Nation / 1915, Intolerância / Intolerance, Broken Blossoms / 1919, Horizonte Sombrio ou Gente do Sertão / Way Down East / 1920, Irmã Branca / The White Sister / 1923, A Letra Escarlate / The Scarlet Letter 1926, La Boheme / La Boheme / 1926, Vento e Areia / The Wind / 1928); Dorothy fez drama e comédia: v. g. A Gazela de Ouro / Turning the Tables / 1919, A Jovem Duquesa de Malvania / Little Miss Rebellion / 1920, Remodelando seu Marido / Remodeling her Husband / 1920 (dirigido por sua irmã Lillian), A Preferida do Rei / Nell Gwynn / 1926, Com Cupido Não se Brinca / Tiptoes / 1927, Madame Pompadour/ Madame Pompadour / 1927 (os três últimos na Inglaterra).

Lillian Gish

No cinema sonoro, Lillian trabalhou até 1987: v. g. Os Comandos Atacam de Madrugada / Commandos Strike at Dawn / 1944, Duelo ao Sol / Duel in the Sun/ 1946 (indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante), O Retrato de Jennie / The Portrait of Jennie / 1948, Mensageiro do Diabo / The Night of the Hunter / 1955, Paixões sem Freios / The Cobweb / 1955, O Passado não Perdoa / The Unforgiven / 1960, Baleias de Agosto / The Whales of August / 1987); Dorothy trabalhou até 1963: v. g. Almas em Flor / Our Hearts Were Young and Gay / 1944, Noites de Verão / Centennial Summer / 1946, O Direito de Viver / The Whistle at Eaton Falls / 1951, O Cardeal / The Cardinal / 1963).

Buster Keaton e as ormãs Talmadge (Norma, Natalie e Constance)

Norma (1893-1957), Constance (1898-1973) e Natalie (1896-1969) Talmadge.

Numa manhã de Natal, quando seu marido alcoólatra saiu de casa para o supermercado e não voltou, sua esposa, Margaret “Peg” Tamadge, ficou com a tarefa de criar as três filhas pequenas do casal. ”Peg” educou-as no Brooklyn em Nova York com muito esforço e decidiu que elas seriam um meio para garantir a segurança financeira da família.

Norma, a mais bonita das três irmãs, começou posando para as illustrated songs (canções ou hinos patrióticos ilustrados por slides de lanterna mágica, mostrando as letras e canções, que eram apresentadas antes dos filmes de um rolo), e depois chamou a atenção dos produtores de cinema como modelo. Após seu papel em A Tomada da Bastilha / A Tale of Two Cities / 1911 interpretando Mimi, a costureirinha que acompanha Sidney Carlton à guilhotina, ela se tornou uma das atrizes mais promissoras da Vitagraph. Quando se casou com Joseph Schenck (eles se divorciariam em 1934), ele logo fundou a Norma Talmadge Corporation, para produzir dramas no andar térreo de seu estúdio em Nova Yok; a Constance Talmadge Film Corporation, para produzir comédias sofisticadas no segundo andar; e a Unidade Cômica com Roscoe “Fatty” Arbuckle no último andar.

Norma Talmadge

Natalie Talmadge exercia a função de secretária na Unidade Cômica e interpretava ocasionalmente pequenos papéis nos filmes de suas irmãs. Buster Keaton depois assumiu o lugar de “Fatty” e se casou com Natalie, que teve um momento de fama, atuando ao lado do marido em Nossa Hospitalidade / Our Hospitality / 1923.

Entre os filmes mais famosos de Norma estão: Pantéia / Panthea / 1917, Papoula Viçosa ou Visão do Amor / Poppy / 1917, Cidade Proibida / The Forbidden City / 1918, Flor de Paixão / Passion Flower / 1921, Quanto Pode o Amor / Love’s Redemption / 1921, Morrer Sorrindo / Smilin’ Through / 1922, A Duquesa de Langeais / Eternal Flame / 1922, Kiki / Kiki / 1926, A Dama das Camélias / Camille / 1926, Mulher Cobiçada / The Dove / 1927. No cinema sonoro, Norma fez apenas Noites de Nova York / New York Nights / 1929 e Du Barry, a Sedutora / Du Barry, Woman of Passion / 1930.

Constance teve sua grande chance depois de atuar como figurante como a Menina da Montanha no segmento da Babilônia em Intolerância / Intolerance / 1916 de David Wark Griffith e depois fez, entre outros: Arabella, a Romântica / Romance and Arabella / 1919, Esposa Tempestuosa / A Temperamental Wife / 1919, O Que Importa às Mulheres / Who Cares? / 1919, Peixinho Dourado / The Goldfish / 1924, Noite Romântica ou Noite Romanesca / Her Night of Romance / 1924, A Que Não Sabia Amar / Learning to Love / 1925, A Mana de Paris / Her Sister from Paris / 1925, A Duquesa Yankee / The Duchess of Buffalo / 1926, A Vênus de Veneza / Venus of Venice / 1927, Marido de Mentira / Breakfast at Sunrise / 1929.

Dolores e Helene Costello

Dolores (1905 -1979) e Helene (1903-1957) Costello.

Ainda crianças, Dolores e sua irmã mais moça Helene se juntaram ao seu pai, o ator Maurice Costello, na Vitagraph, onde ele era um ídolo do público. Em 1924, foram “descobertas” pela Warner Bros. Dolores atingiu o estrelato quando John Barrymore a colocou ao seu lado em A Fera do Mar / The Sea Beast / 1926. Eles trabalharam juntos também em Quando o Homem Ama / When a Man Loves / 1927, e se casaram em 1928. Em 1929, ela foi a estrela de uma superprodução A Arca de Noé / Noah’s Ark e, no ano seguinte, resolveu se dedicar ao lar e aos filhos. Após seu divórcio de Barrymore em 1935, Dolores retornou às telas e, depois de atuar em Soberba / The Magnificent Ambersons / 1942 de Orson Welles, retirou-se definitivamente do cinema.

Dolores Costello

Helene fez menos sucesso. Ela ficou mais conhecida por ter estrelado o primeiro filme todo falado, Lights of New York / 1928 e por atuar ao lado de Dolores em A Parada das Maravilhas. Sua última aparição no cinema em um papel principal foi em Quando os Sonhos se Realizam / When Dreams Come True / 1929, passando em seguida a figurar em pequenos papéis ou como extra, tendo sido vista pela última vez nesta condição em O Cisne Negro / The Black Swan / 1942.

Edna Flugrath , Viola Dana e Shirley Mason

Edna Flugrath (1893-1966), Shirley Mason (1900-1979) e Viola Dana (1897- 1987).

Lendo seus nomes, ninguém suspeita de que as três irmãs são filhas dos mesmos pais. Edna, que manteve seu nome de nascença; Virginia que, como Viola Dana seria a mais famosa do trio; e Leonie, que se tornaria Shirley Mason – todas começaram como artistas infantís no palco, impulsionadas pelo desejo da mãe de transformá-las em atrizes.

Edna tornou-se uma das artistas principais da Edison Film Company, onde conheceu o diretor Harold Shaw e, quando este se transferiu para a Inglaterra, ela o acompanhou. Edna trabalhou em muitos filmes ingleses dirigidos por Shaw como, por exemplo, A Christmas Carol / 1914 (não confundir com o filme do mesmo nome de 1910 citado adiante) e The King and the Rajah / 1914. Em 1917, retirou-se temporariamente do cinema, depois que se casou com ele; porém nos anos vinte participou de outros filmes sob a direção de seu marido e de Case of Identity / 1921 (Dir: Maurice Elvey) e Pela Honra Alheia / The Social Code / 1923 (Dir: Oscar Apfel). Ao voltar aos Estados Unidos, não conseguiu engrenar um retorno às telas, e abriu um salão de beleza em Hollywood.

Shirley Mason

Shirley Mason participou de alguns filmes curtos na Edison Film Company ainda com o nome de Leonie Flugrath. Em 1917, depois de obter o papel principal em O Despertar de Ruth / The Awakening of Ruth, ela conseguiu se destacar mais ainda como Eve Leslie em Os Sete Pecados Mortais / The Seven Deadly Sins, uma série de sete episódios da McClure / Triangle, sucedendo-se, entre outros, A Ilha do Tesouro / Treasure Island / 1920 (com Lon Chaney e direção de Maurice Tourneur), Simplesmente Maria Ana / Merely Mary Ann / 1920, Ardor da Juventude / Flame of Youth / 1920, A Francesinha / Molly And I / 1920, O Jovem Vagabundo / The Little Wanderer / 1920, Desde o Tempo de Eva / Ever Since Eve / 1921, Senhorita Sorriso / Little Miss Smiles / 1922 e Maldição Gloriosa ou Lord Jim / Lord Jim / 1925. Em 1927, Shirley casou-se com o diretor Sidney Lanfield. Seu último filme foi Dark Skies /1929.

Viola Dana

Viola Dana também encontrou trabalho na Edison Film Company, aparecendo (com sua irmã Shirley Mason) em A Christmas Carol / 1910 sob seu nome de nascença, que continuou a usar até mudá-lo para Viola Dana no filme Molly the Drummer Boy / 1914. Enquanto estava na Edison, conheceu John H. Collins, e eles se casaram. Collins foi o diretor e roteirista de muitos dos seus filmes, e ela se tornou uma das atrizes mais populares da companhia (v. g. Descendentes de Eva / Children of Eve / 1915; O Chicote do Cossaco/ The Cossacks Whip/ 1916, Ruth, a Inocente / The Innocence of Ruth / 1916). O casal se transferiu para a Metro e o sucesso dela continuou sob a orientação do marido (v. g. Os Portões do Eden / The Gates of Eden / 1916, Flor das Trevas / Flower of the Dusk / 1918), porém Collins faleceu em 1918 vitimado pela epidemia de gripe. Nos anos vinte, entre muitos outros filmes, ela brilhou, em A Gatinha Borralheira / Cinderella’s Twin / 1920 ainda na Metro; O Cinemaníaco / Merton of the Movies / 1924 e Uma Noite de Amor / Open All Night / 1924, ambos produzidos pela Paramount; Nas Auras da Fortuna / Bred in Old Kentucky / 1926 e Cheia de Graça / Lure of the Night Club / 1927 da Robertson-Cole; O Meu Segredo / That Certain Thing / 1928, produzido pela Columbia e dirigido por Frank Capra. Após aparecer em Uma Hora EsplêndidaOne Splendid Hour / 1929, Dana não conseguiu fazer a transição para o cinema sonoro, e se aposentou.

Alice e Marceline Day

Alice e Marceline Day em A Parada das Maravilhas

Alice (1905 – 1995) e Marceline (1908 – 2000 ) Day.

Ambas iniciaram sua carreira no cinema como figurantes e, em 1923, passaram a integrar o grupo de bathing beauties de Mack Sennett. Um ano depois, Alice (Jacquiline Alice Newlin) obteve um papel no filme de Norma Talmadge, Segredos da Mocidade / Secrets e depois fez parte das Mack Sennett Comedies, contracenando principalmente com Harry Langdon, Ralph Graves e Eddie Quillan. Em 1928, foi a atriz principal ao lado de William Haines em uma produção da Metro, O Petulante / The Smart Set, porém nos anos trinta não estava mais trabalhando para grandes estúdios, e terminou sua carreira em 1932, fazendo dois westerns com Tim Mc Coy, A Lei da Coragem / Two-Fisted Law e Ouro Maldito / Gold.

Marceline (Marceline Newlin), tal como sua irmã Alice, começou como bathing beauty e trabalhou nas Mack Sennett Comedies. Depois de atuar com alguns cowboys da era silenciosa como Hoot Gibson, Jack Hoxie ; Art Acord, ela apareceu em papéis dramáticos ao lado de grandes astros (v. g. John Barrymore em Amor de Boêmio / 1927; Ramon Novarro em Romance / The Road to Romance / 1927 e O Galante Conquistador/ A Certain Young Man /1928; Lon Chaney em London After Midnight / 1917 e Piratas Modernos / The Big City / 1928; Buster Keaton em O Homem das Novidades / The Cameraman / 1928; Douglas Fairbanks Jr. em A Loucura do Jazz /  The Jazz Age). Em 1929, cantou e dançou com sua irmã Alice em A Parada das Maravilhas mas, a partir dos anos trinta, seus papéis foram caindo de qualidade e ela trabalhou primordialmente para companhias pequenas. Em 1933, Marceline voltou ao gênero western, contracenando com Tim McCoy, Ken Maynard, Rex Bell, Hoot Gibson. Seu último filme foi Um Triste Prazer / Damaged Lives / 1933, um “filme de exploração” dirigido por Edgar G. Ulmer, sobre … doenças venéreas.

Molly, Sally e Isabelle O’Neil

Molly O’Day (1911-1998) e Sally O’Neil (1908-1968).

Molly O’Day, cujo nome verdadeiro era Suzanne Dobson Noonan, era filha de um juiz e de uma cantora de ópera, Hannah Kelly. Quando seu pai faleceu, a família se mudou para a Califórnia. Ao chegarem lá, Molly e duas de suas irmãs entraram para o cinema. A mais velha, Isabelle, parou de fazer filmes logo depois, mas Molly e sua irmã Virginia Louise (renomeada artisticamente Sally O’Neil) tornaram-se duas atrizes populares. Molly apareceu com Sally em três filmes: Espinhos do Amor / The Lovelorn / 1927, Marido e Nada Mais / Sister / 1930 e A Parada das Maravilhas.

A estréia de Molly na tela foi em um curta-metragem da dupla O Gordo e o Magro, Forty-five Minutes from Hollywood /1926. Sua grande chance surgiu ao ser escolhida para contracenar com Richard Barthelmess em Entre Luvas e Baionetas / The Patent Leather Kid / 1927, produzido pela First National. Molly fez outro filme com Barthelmess, Vencendo o Destino / The Little Shepherd of Kingdom Come / 1928, também da First National. Entretanto, o estúdio obrigou-a a emagrecer sob pena de não receber mais bons papéis. A partir de 1931, ela atuou quase sempre como coadjuvante e em companhias modestas, encerrando sua performance com Bars of Hate / 1936 da Victory Films.

Sally O’ Neil

Sally O’Neil começou sua carreira artística no vaudeville, onde era apresentada como “Chotsie Noonan”. Ela começou no cinema fazendo comédias curtas no Hal Roach Studio e teve sua grande oportunidade na Metro em Sally Irene e Mary / Sally, Irene and Mary / 1925, dirigida por Edmund Goulding, e formando com Constance Bennett e Joan Crawford a trinca de coristas – cada qual com uma diferente visão da vida e do amor – que dá nome ao filme. Na Metro fez também Família Ambulante / Mike / 1926 ao lado de William Haines, com quem já contracenara no filme anterior. Ainda na Metro, Sally obteve outro bom papel em Boxe por Amor / Battling Bob /1926, estrelado por Buster Keaton e O Convencido / Slide. Kelly, Slide / 1927 novamente com William Haines. Em 1928, teve a honra de participar de um filme de D. W. Griffith, A Luta dos Sexos / The Battle of the Sexes mas, daí em diante sua carreira foi declinando, embora tivesse obtido o papel principal em um filme de John Ford, A Garota / The Brat / 1931. Sua derradeira aparição na tela deu-se em uma produção anglo-irlandesa, Kathleeen / 1938, dirigida por Norman Lee.

Laura e Violet LaPlante

Laura (1904-1996) e Violet (1908-1984) La Plante.

Laura Isobel Laplant e Violet Virginia Laplant (elas ainda não tinham ganho o “e”) nasceram em St. Louis, Missouri, filhas de uma família pobre. Quando seus pais se divorciaram, elas foram com a mãe para a casa de parentes na Califórnia. Aos quinze anos de idade, Laura entrou para o cinema nas comédias produzidas por Al Christie, entre elas duas baseadas nas histórias em quadrinhos de George MacManus, Jiggs and Maggie (no Brasil: Pafúncio e Marocas). Depois, atuou ao lado de cowboys famosos como Tom Mix, Art Acord, e principalmente Hoot Gibson (Triunfo às Avessas / Dead Game / 1923, A Força do Amor / Shootin’ to Love / 1923, Sem Sorte / Out of Luck / 1923, O Moço Corredor / The Ramblin’ Kid / 1923, Caçador de Emoções / The Thrill Chaser/ 1923, Aventuras de Amor / Ride for Your Life / 1924) bem como em dois seriados com William Desmond (Os Perigos do Yukon / Perils of the Yukon / 1922; A Volta ao Mundo em 18 Dias / Around the World in Eighteen Days /1923). Em meados da década até o seu final, Laura teve alguns papéis de destaque em filmes de diretores renomados (À Mingua de Amor / Smouldering Fires / 1925 de Clarence Brown, O Gato e o Canário / The Cat and the Canary / 1927 e A Última Ameaça / The Last Warning / 1929 de Paul Leni; Cilada Amorosa / The Love Trap / 1929 de William Wyler); em uma comédia de sucesso, Charlestonmania / Skinner’s Dress Suit / 1926, na qual foi dirigida por seu marido William A. Seiter; na versão parcialmente falada do romance de Edna Ferber, Boêmios / Show Boat / 1929. O advento do som encurtou sua carreira: ela fez seu último trabalho para a Universal (onde esteve por muito tempo) em O Rei do Jazz / The King of Jazz / 1930, e se tornou free lance, aparecendo em God’s Gift to Women / 1931 na Warner, em Assim São os Homens / Arizona / 1931 da Columbia, contracenando com John Wayne. Em 1934, foi para a Inglaterra, onde fez quatro filmes no Teddington Studios da Warner Bros., destacando-se Sublime Pecado / Man of the Moment / 1935 com Douglas Fairbanks. Jr. Voltando para os Estados Unidos, fez mais dois filmes, um em 1947 (O Pequeno Mister Jim / Little Mister Jim / 19477 e O Amor Chegou com a Primavera / Spring Reunion / 1957.

Laura La Plante

Violet fez apenas dez filmes, sobressaindo em três westerns com Buddy Roosevelt (Battling Buddy /1924, Walloping Wallace / 1924, The Ramblin’ Galoot / 1926), e um western com Hoot Gibson, A Corrida para a Felicidade / The Hurricane Kid / 1925.

Eva e Jane Novak

Jane (1896-1990) e Eva (1898-1988) Novak.

Nascidas em St. Louis, Missouri, filhas de um imigrante da Boêmia, o pai morreu quando elas ainda eram crianças, e a mãe teve que criar cinco filhos. Aos quatorze anos de idade, Jane fugiu do colégio com sua amiga Frieda Spitz, e as duas criaram um número de vaudeville, apresentando-se como as “Randolph Sisters”. Aos dezessete anos, Jane visitou sua tia, a atriz Anne Schaefer, na California e começou a aparecer nos filmes de Anne na Vitagraph, depois em comédias de Harold Lloyd na Rolin Company de Hal Roach. Em 1915, assinou contrato com a Universal, onde atuou ao lado de Harry Carey no seriado Subôrno / Graft / 1915 e de Hobart Bosworth em The Iron Hand / 1916. Entretanto, ela se notabilizou sobretudo por cinco westerns com William S. Hart (O Homem Tigre / The Tiger Man / 1918, Eu Acima de Tudo / Selfish Yates / 1918, Fados Adversos / The Money Corral / 1919, Missão de Vingança / Wagon Tracks / 1919 e O Homem de Três Palavras / Three Word Brand / 1921).

Nos anos vinte, Jane e sua irmã Eva apareceram juntas em Problema da Felicidade ou Amigo Traidor / The Man Life Passed By / 1923. No ano seguinte, Jane recebeu muitos elogios pelas suas interpretações em dois melodramas: O Amor é Tudo / Thelma e Suplicio de Mãe / The Lullaby. Com o advento do cinema falado, sua carreira foi decaindo e, após um filme interessante com Richard Dix, Pele Vermelha, Alma de Neve / Redskin / 1929, no qual já fazia papel secundário, Jane só retornaria às telas esporadicamente ainda nesta condições (v. g. Correspondente Estrangeiro / Foreign Correspondent / 1940) ou sem ser creditada (v. g. Almas em Fúria / The Furies / 1950), encerrando definitivamente sua presença nas telas em Sombras Que Vivem / About Mrs. Leslie / 1954.

Jane Novak

Eva (Barbara) Novak iniciou sua trajetória cinematográfica nas comédias curtas da L-Ko Company em1917 e, dois anos depois, passou para os longas-metragens e se tornou a leading lady de Tom Mix em sete de seus westerns (A Vertigem da Velocidade / Speed Maniac / 1919, Ódio Feudal / The Feud / 1919, O Arriscado Diabólico / The Daredevil / 1920, Amor e Justiça / Desert Love / 1920, De Vaqueiro a General / The Rough Diamond / 1921, A Voz do Sangue / Traili’n / 1921, Pelas Alturas / Sky High / 1922 e O Envenenado / Chasing the Moon / 1922). Ela também apareceu em dois filmes de William S. Hart (Mãos Poderosas / The Testing Block / 1920 e Martírio / O’Malley of the Mounted / 1921) e em 1921 se casou com o stuntman William Reed, que conheceu durante uma locação. Tom Mix havia ensinado Eva a fazer suas cenas arriscadas e a jovem atriz provou que era muito boa nisso; porém Reed insistiu para que ela passasse a utilizar uma dublê. Com a vinda do som, a popularidade de Eva diminuiu e ela foi fazer filmes na Australia com seu marido (v. g. The Romance of Runnibede /1928). No período sonoro, Eva retornou ocasionalmente a fazer filmes em Hollywood, mas quase sempre em papéis obscuros e / ou sem ser creditada como em Crepúsculo dos Deuses / Sunset Boulevard / 1950 ou O Homem Que Matou o Facínora / 1962). Seu filme derradeiro foi Vítima do Pecado / Wild Seed / 1965.

Mae Marsh

Mae (1894-1968), Marguerite (1888-1925) e Mildred Marsh (1898-1975).

Irmã das atrizes Marguerite Marsh e Mildred Marsh, do diretor de fotografia Oliver T. Marsh, da montadora Frances Marsh, e de Elizabeth, a única irmã que não trabalhou na indústria de cinema, Mae Marsh começou como figurante na Biograph em 1912 sob direção principalmente de D. W. Griffith, até que obteve seu primeiro papel principal em Man’s Genesis / 1912. Depois de sua aparição em O Nascimento de uma Nação / The Birth of a Nation / 1915 e Intolerância / Intolerance: Love Struggle’s Throughout the Ages / 1916, ela foi contratada por Samuel Goldwyn; porém nenhum dos filmes que fez na Goldwyn Pictures teve a mesma qualidade dos que fez com Griffith. Em 1918, Mae casou-se com Louis Lee Arms, um agente de publicidade de Goldwyn, e durante os anos vinte trabalhou nos EUA (inclusive em mais um filme de Griffith, A Rosa Branca / The White Rose / 1923, ao lado de Ivor Novello) e na Inglaterra (v. g. The Rat / 1925, também com Novello, dirigido por Graham Cutts). Nos anos trinta, ela prosseguiu sua carreira atuando como coadjuvante em filmes bastante populares (v.g. A Canção de Bernadette / The Song of Bernadette / 1943, Amar Foi Minha Ruina / 1945, O Manto Sagrado / The Robe / 1953, Nasce Uma Estrela / A Star is Born / 1954), tornando-se uma favorita do diretor John Ford, pois apareceu na maioria de seus filmes de Ao Rufar dos Tambores / Drums Along the Mohawk / 1939 a Crespúsculo de uma Raça / Cheyenne Autumn / 1964, quando deixou o cinema.

Marguerite Marsh

Marguerite atuou primeiro no teatro e depois, inicialmente sob o nome de Marguerite Loveridge (sobrenome de seu marido Donald Loveridge), entrou para a Biograph, onde apareceu em filmes dirigidos por D. W. Griffith e Mack Sennett. Emprestada para a Essanay, Marguerite contracenou com G. M. “Broncho Billy” Anderson em alguns westerns. Quando a Biograph foi para a Califórnia, ela prestou serviço a outras companhias como Keystone, Selig Polyscope, Majestic (quase sempre na Apollo Comedies com Fred Mace), Tanhauser, Flamingo (de novo com Mace), Reliance, Fine Arts. Marguerite participou ainda de seriados (como coadjuvante em Runaway June / 1915; como atriz principal em O Homem de Aço / The Master Mystery / 1919 ao lado de Harry Houdini e Duelo Misterioso / The Carter Case / 1919, como parceira de Herbert Rawlinson. Marguerite compareceu em Intolerância como uma debutante e em um filme de Douglas Fairbanks, O Verdadeiro Americano / The Americano / 1916 como coadjuvante. Seu último filme foi The Lion’s Mouse / 1923, produzido pela Granger Films-Hollandia.

Mildred mostrou-se diante das câmeras em apenas cinco filmes, interpretando pequenos papéis em Hearts United / 1915, The Kinship of Courage / 1915, The Daredevil /1918, Remodelando seu Marido / Remodeling her Husband / 1920 e Rosa, Rosa de Amor / The Country Flapper / 1922, os dois últimos estrelados por Dorothy Gish.

Mary e Lottie Pickford , a mãe das Gish, Dorothy e Lillian Gish

Outras irmãs foram contempladas nas telas dos cinemas na fase muda: Mary e Lottie Pickford; Grace e Mina Cunard; Olive e Alma Tell; Rosette e Vivian Duncan; Constance e Faire Binney; Katherine Mac Donald e Mary MacLaren; Priscilla e Marjorie Bonner; as gêmeas Madeline e Marion Fairbanks; Ella, Ida Mae e Fay McKenzie; Beatriz e Vera Michelena; Mary e Florence Nash; Mabel e Edith Taliaferro; Rosetta e Vivian Duncan; as The Dolly Sisters (as gêmeas húngaras Rose e Jane Dolly: nomes verdadeiros Roszika e Janzieka Deutsch); The Sisters G (as alemãs Eleanor e Karla Gutchrlein); The Brox Sisters (Patricia, Bobbe e Lorayne Brox: nomes verdadeiros: Eunice, Josephine e Kathleen Brock). Mary Pickford, “A Namorada da América” e Grace Cunnard, “A Rainha dos Seriados” foram grandes estrelas, mas suas irmãs não estiveram à sua altura nem artística nem comercialmente.

 

JOE E. BROWN, O “BOCA LARGA”

Mencione o nome Joe E. Brown hoje em dia, e provavelmente a única lembrança que vem à mente é a sua aparição no filme de Billy Wilder de 1959, Quanto Mais Quente Melhor / Some Like it Hot. Joe interpreta o papel do playboy milionário Osgood Fielding III e está enrabixado por Jack Lemmon, que está fingindo que é uma saxofonista de uma orquestra só de mulheres, para escapar de uns gangsters da Era da Lei Sêca. Osgood não se perturba quando Lemmon, fazendo-se passar por “Daphne”, remove sua peruca no final do filme e lhe diz que não podem se casar, porque ele é um homem. “Bem, ninguém é perfeito”, Osgood responde alegremente, em uma fala de encerramento que tem sido amplamente citada como a melhor de todas na História do Cinema.

Joe E. Brown e Jack Lemonn em Quanto Mais Quente Melhor

O que nossa cultura esqueceu é que Joe E. Brown – figura simpática com uma boca enorme e elástica, que lhe valeu o apelido de “Boca Larga” -, foi um grande astro das comédias musicais da Broadway nos anos vinte e uma das maiores atrações de bilheteria nas telas de Hollywood na década de trinta, concorrendo com Shirley Temple em termos de popularidade. Durante a Segunda Guerra Mundial ele divertiu incansávelmente as tropas americanas no Pacífico, induzindo o General Douglas MacArthur a declarar que nenhum civil contribuiu mais para o esfôrco de guerra do que Joe E. Brown.

Joe E. Brown

Joseph Evan Brown (1891-1973) nasceu em Holgate, Ohio, no seio de uma família relativamente pobre de descendência galesa (seu pai era pintor de casas), e passou a maior parte de sua juventude em Toledo, situada perto de Holgate. Em 1902, aos dez anos de idade, ele se juntou a uma trupe de acrobatas circenses conhecidos como os Five Marvelous Asthons, dirigidos por Billy Ashe, que excursionavam pelo país. Brown gostava de dizer que ele foi o único jovem no show business que fugiu de casa para trabalhar em um circo com a benção de seus pais.

Os Asthons executavam um número de trapézio no qual um acrobata é arremessado, dá uma cambalhota no ar, e vem a ser apanhado no final. Sendo o menor participante do grupo, Brown é que era arremessado e apanhado. Os Ashtons atuaram em vários circos (Sells & Downs, Busby Bros., John Robinson, Floto), mas eram sempre despedidos, por não corresponderem às expectativas. Brown ficou com os Ashtons durante quatro temporadas até que sua família o tirou de lá, quando soube dos maus tratos pelos quais o menino estava passando.

The Five Marvelous Ashtons

O próximo emprego de Brown foi em um espetáculo intitulado Prevost-Bell Trio, no qual atuava com os acrobatas Frank Gude (Prevost) e Tony Bell (o patrão). A tarefa de Brown era ficar nos ombros de um acrobata, saltar em cima de uma cama elástica, dar uma cambalhota no ar, e aterrissar nos ombros do outro acrobata. Bell era mais cruel do que Ashe. Um dia, intencionalmente, deixou de segurar Brown em um de seus saltos, e ele quebrou a perna.

Quando Brown se recuperou, formou com Frank Gude um número de acrobacia intitulado Prevost e Brown, trazendo uma novidade: quando estava no circo, Brown estudara os palhaços, imitando suas expressões faciais etc., e ele então introduziu comicidade nos números acrobáticos. No curso de nove anos, Prevost e Brown atuaram em espetáculos de variedades burlescos e chegaram finalmente ao vaudeville no Teatro Palace na Broadway. Depois fizeram o Circuito Pantages e, mudando o nome para Rochelle e Brown, apresentaram-se no Circuito Orpheum. Após a última temporada com Prevost em 1917-1918, Brown decidiu se tornar um comediante solo, voltando para os espetáculos burlescos. Ele assinou contrato de cinco anos com o produtor John Jermon, mas quebrou seu compromisso, a fim de assumir o papel de maior destaque em um show chamado Listen Lester, quando o ator principal ficou doente. Na noite em que o espetáculo de Brown ia começar, irrompeu uma greve, e Brown ficou sem trabalho por várias semanas, quase morrendo de fome. Ironicamente, ele conseguiu ser reaproveitado – relutantemente pelo produtor, que jurara nunca mais empregá-lo – em uma companhia itinerante, que apresentava aquele mesmo show. Brown explorou muito bem cada momento de seu papel de dez minutos, e os críticos e as platéias o adoraram. Daí em diante, ele representou em várias comédias musicais e obteve êxito em todas elas, inclusive em Jim Jam Jems (ao lado de Harry Langdon e Frank Fay); Betty Lee; Captain Jinks of the Horse Marines; e Twinkle Twinkle.

Depois de participar de um short de 11 minutos da Vitaphone intitulado Popular Musical Comedy Star in Twinkle, Twinkle / 1927, Brown iniciou sua carreira cinematográfica propriamente dita em 1928 no filme A Vitória é dos Bons / Crooks Can’t Win, produzido pela FBO (Film Booking Offices of America) e dirigido realmente por Ralph Ince, porém assinado pelo montador, George M. Arthur. Na FBO, ele fez ainda O Grande Sucesso / Hit of the Show, também dirigido por Ralph Ince e O Rapaz do Circo / The Circus Kid, sob direção de George B. Seitz. Em seguida, Brown fez Me Leva Prá Casa / Take Me Home / 1928 (Dir: Marshall Neilan) na Paramount; três filmes na Tiffany: Sonho de Bastidores / Molly and Me / 1929 (Dir: Albert Ray), Passado de Minha Mulher / My Lady’s Past / 1929 (Dir: Albert Ray) e Painted Faces (Dir: Albert Rogell); e participou de Toca a Música / On With the Show / 1929, a primeira comédia musical toda colorida (em Technicolor de duas cores) e falada, produzida pela Warner Bros. e dirigida por Alan Crosland.

Lilian Gish e Joe em A Noiva 66

Joe e Ginger Rogers em Valente Como Trinta

Joe E. Brown e Alice White em A Very Hoborable Guy

Joe E. Brown e Maxine Doyle em Pedalando com Gôsto

Durante os anos 1929-1936 Brown fez muitos filmes de sucesso para esse estúdio e foi, de fato, o seu astro cômico reinante. Neste período incluem-se: Sally / Sally / 1929 (Dir: John Francis Dillon); Song of the West / 1930 (Dir: Ray Enright); Com Unhas e Dentes / Hold Everything / 1930 (Dir: Roy Del Ruth); Ganhando o Mundo / Top Speed / 1930 (Dir: Mervyn LeRoy); Maybe It’s Love / 1930 (Dir: William Wellman); A Noiva 66 / The Lottery Bride / 1930; Going Wild / 1930 (Dir: William Seiter); Na Corda Bamba / Sit Tight / 1931; Broad Minded / 1931 (Dir: Mervyn LeRoy) / 1931 (Dir: Mervyn LeRoy); Local Boy Makes Good; Fogo e Fumaça / Fireman, Save My Child / 1932 (Dir: Lloyd Bacon); Valente Como Trinta / The Tenderfoot / 1932 (Dir: Ray Enright); Até Debaixo D’ Água / You Said a Mouthful / 1932 (Dir: Lloyd Bacon); De Bom Tamanho / Elmer, the Great (Dir: Mervyn LeRoy; Cavando o Dele / Son of a Sailor / 1933 (Dir: Lloyd Bacon); A Very Honorable Guy / 1934 (Dir: Lloyd Bacon); Somos de Circo / The Circus Clown / 1934 (Dir: Ray Enright); Pedalando Com Gôsto / 6 Day Bike Rider / 1934 (Dir: Lloyd Bacon); Esfarrapando Desculpas / Alibi Ike (Dir: Ray Enright); Pilhérias da Vida / Bright Lights / 1935 (Dir: Busby Berkeley); Sonho de Uma Noite de Verão / A Midsummer Night’s Dream / 1935 (Dir: William Dieterle); No Teatro da Guerra / Sons o’ Guns / 1936 (Dir: Lloyd Bacon); Tirando o Pé da Lama / Earthworm Tractors / 1936 (Dir: Ray Enright); Campeão de Polo / Polo Joe / 1936 (Dir: William McGann).

Joe E. Brown e Ann Dvorak em Pilhérias da Vida

Busby Berkeley, Esther Burke e Joe na filmagem de Pilhérias da Visa

Os filmes mais famosos nesta época foram os da chamada Trilogia do Baseball (Fogo e Fumaça, De Bom Tamanho e Esfarrapando Desculpas). O basebol fazia parte integrante da vida pessoal e profissional de Brown. Quando ele assinou contrato com a Warner, ficou estipulado que teria o seu próprio time de basebol no estúdio. Sempre que arranjava um tempo de folga no palco ou na tela, ia praticar seu esporte predileto, e chegou a jogar no time St. Paul’s Saints da segunda divisão. Infelizmente sua trajetória como jogador de basebol foi curta, porque quebrou a perna duas vêzes, chegando a conclusão de que o show business era o melhor caminho para o sucesso.

A paixão de Brown pelo basebol foi imortalizada nesses três filmes nos quais ele personificou jogadores do esporte predileto dos americanos. Brown interpreta basicamente o mesmo personagem em cada um deles – um rapaz rústico que possue um grande talento atlético, mas que está sempre se metendo em encrencas. As sequências de basebol eram bem feitas porque Brown fazia questão de que fossem contratados profissionais como extras.

Joe E. Brown em Fogo e Fumaça

Em Fogo e Fumaça, ele é Smokey Joe Grant, o bombeiro de uma cidade pequena, que inventou uma nova “bomba para extinção de fogo”, mas precisa de dinheiro para fabricá-la e, eventualmente, casar com sua noiva Sally Toby (Evalyn Knapp). Grant arruma emprego como jogador de basebol, mas somente para que possa ver onde os incêndios estão ocorrendo, pois o campo de basebol fica no tôpo de uma colina. Ele acaba se revelando como um craque no tal esporte. A cena mais engraçada do filme ocorre quando Grant está demostrando as virtudes de seu invento em uma empresa, mas abre a mala errada, e quase incendeia o local.

Jode E. Brown em De Bom Tamanho

Em De Bom Tamanho, Brown é Elmer Kane, excelente jogador de basebol em Gentryville, pequena cidade do Estado de Indiana. O Chicago Cubs, quer contratá-lo, mas ele não quer se separar de sua noiva Nellie (Patricia Ellis). Entretanto, depois que esta finge que não gosta dele, ele assina o contrato. Os outros jogadores do time acham que Elmer é um caipira e caçoam dele, porém ele ganha o respeito deles, quando eles o vêem jogando. O time vai disputar a World Series e tudo parece correr bem até que Elmer começa a apostar no pano verde, pensando ingenuamente que as fichas são de graça, e perde uma grande quantia. Uns apostadores inescrupulosos querem que Elmer perca propositadamente o jôgo na World Series, mas Elmer se recusa. Furiosos, os bandidos tentam convencer os donos do time de que Elmer não deve entrar em campo, mas finalmente tudo se resolve, e Elmer ganha o jôgo. Aclamado como herói, ele é entrevistado pelo rádio e faz o pedido de casamento a Nellie no ar. Foi uma das melhores comédias de Brown com um elenco que incluia o lubitschiano Sterling Holloway e Frank McHugh. Brown gostava tanto do personagem de Elmer Kane que o interpretou no palco tanto antes como depois do filme ser exibido e no rádio. Durante suas performances no Pacífico na Segunda Guerra Mundial, os soldados clamavam por Elmer, e Brown com prazer agradecia.

Olivia de Havilland e Joe E. Brown em Esfarrapando Desculpas

Cena de Esfarrapando Desculpas

Em Esfarrapando Desculpas, o Chicago Cubs não anda bem e Cap (William Frawley) tem que ganhar o campeonato, para manter seu emprego. Sua única esperança é o lançador novato Frank X. “Alibi Ike “ Farrell (Joe E. Brown) que ainda não chegou para o treino, mas quando finalmente chega, dá uma desculpa qualquer para o seu atraso. Frank não consegue dizer a verdade sobre coisa alguma (daí seu apelido de Alibi Ike), mas é um jogador extraordinário e encanta a jovem Dolly Stevens (Olivia de Havilland), cunhada de Cap. Dolly e Frank se apaixonam, mas logo ela parte para sua casa. Eles se correspondem, e quando o importunam sobre suas cartas, Frank nega que elas sejam de Dolly. Mesmo assim, ele decide comprar um anel para ela, mas de novo finge que é para sua irmã e não para Dolly. A qualidade atlética de Frank atrai a atenção de uns apostadores desonestos. Eles ameaçam quebrar seu braço se ele se recusar a “entregar” as duas próximas partidas, e ele, para se salvar, concorda. Quando Dolly retorna, Frank pede-a em casamento. Ela aceita, mas quando ouve ele negando que realmente a ama na frente dos outros jogadores, Dolly se irrita, rompe o noivado, e deixa a cidade. Frank fica tão triste, que perde o próximo jogo, porém Cap pensa que ele se vendeu. A esposa de Cap, Bess (Ruth Donnelly), está convencida da inocência de Frank, e lhe promete que trará Dolly de volta, se ele trair os gângsteres. Antes que ele possa fazer isto, os bandidos, descobrem seus planos e o sequestram. Durante o jôgo, sem Frank, o Cubs está perdendo. Ele consegue escapar dos bandidos e chegar ao estádio para garantir a vitória para o Cubs em uma sequência vertiginosa (filmada sob a chuva no Los Angeles Wrigley Field). Frank se casa com Dolly, e promete nunca mais mentir.

Joe e James Cagney em Sonho de Uma Noite de Verão

Merece ser lembrada também a atuação de Brown no meio de um elenco fabuloso – onde estavam, entre outros, Dick Powell, Olivia de Havilland, Mickey Rooney e James Cagney – em Sonho de Uma Noite de Verão, a adaptação da peça de William Shakespeare, realizada pelo produtor e diretor teatral alemão Max Reinhardt com a ajuda de seu ex-discípulo William Dieterle, espetáculo no qual sobressaía a fotografia deslumbrante de Hal Mohr, a direção de arte de Anton Grot e arranjo da música de Mendelsohn por Erich Wolfgang Korngold. Brown faz o papel de Flute, o conserta-foles escolhido para o papel feminino de Thisbe na peça “hilariante de tão ruim”, escrita e encenada por trabalhadores locais no palácio do Duque. O Flute de Brown nada ficou a dever ao Bottom de Cagney e ao Puck de Rooney.

Joe E. Brown foi uma das dez maiores atrações de bilheteria em 1933 e 1936. Em 1937 ele deixou a Warner Bros. para fazer filmes para David L. Loew, e foi um desastre. A maioria era realizada com pouco dinheiro e valores de produção e, com exceção de O Gladiador, obtiveram pouco sucesso. Para a David Loew Productions ele fez: Feiticeiro Enfeitiçado / When’s Your Birthday / 1937 (Dir: Harry Beaumont), O Rei Sem Corôa / Fit For a King / 1937 (Dir: Edward Segdwick), Um Fanfarrão das Arábias / Wide Open Faces / 1938 (Dir: Kurt Neumann), O Gladiador / The Gladiator / Edward Segdwick), O Homem das Calamidades / Flirting With Fate / 1938 (Dir: Frank McDonald).

Divertindo os soldados durante a Segunda Guerra Mundial

Com o advento da Segunda Guerra Mundial, Brown trabalhou incansavelmente para divertir as tropas enquanto sua carreira cinematográfica entrava em declínio. A recepção entusiástica dos soldados permitiu que ele superasse a perda do seu filho, Capitão Don E. Brown, em um vôo de treinamento no avião A-20 Havoc em Palm Springs, California. Aos 50 anos, Brown era muito velho para se alistar, mas viajou quilômetros às próprias custas, para transmitir um pouco de alegria aos rapazes que estavam lutando no além-mar. Ele foi o primeiro a fazer isto, antes da United Organization Camp Shows ser organizada. Foi um dos dois únicos civís agraciados com a Estrela de Bronze das Forças Armadas na Segunda Guerra Mundial.

Joe E. Brown e Martha Raye em Boca Não é Garganta

Entre 1939 e 1944 Brown participou de mais alguns filmes para outras companhias – Boca Não é Garganta / $1000 a Touchdown / 1939 (Dir: James P. Hogan, Paramount) ao lado de Martha Raye, que tinha uma boca tão grande quanto a dele; Palácio das Gargalhadas / Beware Spooks! / 1939 (Dir: Edward Segdwick, Columbia); Barbudo da Fuzarca / So You Won’t Talk / 1940 (Dir: Edward Segdwick, Columbia); Cala a Boca! / Shut My Big Mouth / 1942 (Dir: Charles Barton, Republic); A Garota do Barulho / Joan of Ozark / 1942 (Dir: Joseph Santley, Republic); Um Rapaz Decidido / The Daring Young Man / 1942 (Dir: Frank R. Strayer, Columbia); O Charlatão / Chatterbox / 1943 (Dir: Joseph Santley, Republic); A Preferida / Pin Up Girl / 1944 (Dir: Bruce Humberstone, 20thCentury Fox) – e Um Sonho em Hollywood / Hollywood Canteen / 1944 (Dir: Delmer Daves) para a Warner.

Gus Schilling, Joe e Judy Canova em O Charlatão

Em 1947, Brown estava de volta ao palco, atuando em uma excursão teatral da comédia “Harvey”, que lhe proporcionou um Tony Award Especial, e seu primeiro papel no cinema em quase quatro anos de ausência nas telas foi no drama Ternuras de Infância / The Tender Years / 1948 (Dir: Harold D. Schuster), produzido pela Also Production de Edward L. Alperson e distribuido pela 20thCentury Fox. Neste filme Brown é William “Will” Norris, pastor de uma comunidade rural nos anos 1880, que protege os cães que chegam à sua casa fugindo dos maus tratos de seus donos e com seu filho Ted (Richard Lyon) desperta a opinião pública contra a crueldade cometida contra animais.

Joe E. Brown em O Barco das Ilusões

Joe E. Brown e Jack Lemmon em Quanto Mais Quente melhor

Nos anos cinquenta, Brown desempenhou um papel importante como o Capitão Andy Hawks no musical da MGM O Barco das Ilusões / Show Boat / 1951 (Dir: George Sidney) ao lado de Kathryn Grayson, Howard Keel, Ava Gardner, Marge e Gower Champion; fez uma aparição curta como o chefe da estação ferroviária de Fort Kearney em A Volta ao Mundo em 80 Dias / Around the World in 80 Days / 1956 (Dir: Michael Anderson), integrando um elenco impressionante de astros; e teve a sua brilhante performance como Osgood Fielding III em Quanto mais Quente Melhor / Some Like it Hot / 1959, uma das obras-primas de Billy Wilder. Nos anos sessenta, sua trajetória no cinema se encerrou com os cameos em Deu a Louca no Mundo / It’s a Mad, Mad, Mad, Mad World / 1963 (Dir: Stanley Kramer) como um líder sindical e Farsa Trágica / The Comedy of Terror / 1963 (Dir: Jacques Tourneur) como o zelador do cemitério. Nessas décadas, ele trabalhou também no rádio (onde já vinha atuando desde os anos trinta) e na televisão, a partir de 1952, como O Palhaço na série The Buick Circus Hour, comparecendo também como convidado em vários shows.

Joe E. Brown em Farsa Trágica

O popular comediante faleceu de arteriosclerose na sua residência em Brentwood, Los Angeles, três dias antes de seu 82º aniversário e pela suas contribuições para a indústria cinematográfica ganhou uma estrela na Hollywood Walk of Fame em 1960.

 

DANIELLE DARRIEUX II

Ao se iniciar a década de quarenta, Danielle Darrieux já tinha sido reconhecida como uma verdadeira estrela: adulada pelo público feminino, que procurava se parecer com ela, e adorada pelo público masculino, pelo charme de sua beleza, ela era capaz de atuar tão bem no drama quanto na comédia.

Danielle Darrieux

Um novo filme, Battement de Coeur / 1940, dirigido por seu marido Henri Decoin, colocou-a no tôpo das pesquisas de popularidade das atrizes francesas, ultrapassando Viviane Romance, a outra grande estrela feminina do final da década de trinta. No enredo, Arlette (Danielle Darrieux), jovem orfã de dezoito anos,foge da casa de correção, e se apresenta em uma escola, após ter lido um anúncio que prometia uma formação com vistas a um emprego. O diretor, Aristide (Saturnin Fabre), é professor de uma matéria muito particular: ele ensina seus alunos a se tornarem exemplares batedores de carteira. Arlette se mostra uma boa aluna e faz camaradagem com um de seus colegas, Yves (Carette). Ele a convence de que a unica solução para ela é fazer um casamento branco, para conseguir sua “liberdade”, antes de completar vinte e um anos. Ela aceita roubar, para obter o dinheiro necessário para o casamento; mas logo no seu primeiro furto, é presa em flagrante por um embaixador (André Luguet). Em vez de denunciá-la à polícia, ele se aproveita da circunstância, para obrigá-la a ajudá-lo a obter uma prova de que sua esposa (Junie Astor) está lhe traindo com o jovem adido da embaixada, Pierre de Rougemont (Claude Dauphin). Sob falsa identidade, Arlette acompanha o embaixador a um baile, onde é apresentada a Pierre, que a corteja ostensivamente. De volta à escola, sua aventura é descoberta pelo matreiro Aristide, que a expulsa por deslealdade, porque trabalhou por conta própria. Ela decide então contar tudo a Pierre, mas seu relato não é bem acolhido pelo jovem diplomata. Mesmo assim, ele consente em hospedá-la temporariamente com o projeto de lhe arranjar um casamento branco com seu amigo Roland (Jean Tissier), antigo diplomata sem dinheiro. Entretanto, Arlette manobra é para se casar com Pierre – e consegue seu objetivo, sendo muito lembrada a sequência em que Pierre se aproxima de Arlette em silêncio, completamente subjugado pela sua sensualidade, quando ela aparece sentada na varanda de maiô, mostrando suas lindas pernas, penteando um cachorrinho preto e cantando “Une Charade”, a canção de Paul Misraki, que faria muito sucesso comercialmente.

Danielle Darrieux e Claude Dauphin em Battement de Coeur

Danielle Darrieux e Saturnin Fabre em Battement de Coeur

Essa comédia sentimental obteve um êxito merecido, pela originalidade de seu argumento, pelo ritmo ágil, pela presença sempre cintilante de Danielle Darrieux e sobretudo pela atuação memorável de Saturnin Fabre, um dos grandes coadjuvantes excêntricos do cinema francês, notadamente quando ele expõe pomposamente os princípios “científicos” da “arte” de furtar ou quando demonstra suas técnicas com manequins-vítimas, que fazem soar o alarme, quando os discípulos não mostram habilidade para furtar as carteiras com a discrição exigida.

Danielle Darrieux e Louis Jourdan em Premier Rendez-Vous

Durante a chamada “Guerra de Mentira”, período de oito meses que se seguiram à invasão da Polonia pelas tropas nazistas, Danielle divorciou-se de Henri Decoin, mas ficaram bons amigos. Em 1941, ele a convidou para fazer Premier Rendez-Vous na firma Continental, companhia administrada por Alfred Greven e destinada a produzir na França filmes alemães com mão de obra francesa. Micheline (Danielle Darrieux) é uma orfã sem dinheiro, que vive em um pensionato. Pensando em fugir, ela responde a um pequeno anúncio colocado por um desconhecido, que lhe marca um “primeiro encontro” em um café. Micheline espera que esse homem misterioso seja um belo rapaz, que logo se apaixonará por ela, mas se depara com Nicolas Rougemont (Fernand Ledoux), um velho professor. Para não decepcioná-la, NIcolas lhe diz que veio no lugar de seu sobrinho, Pierre (Louis Jourdan), que ficara impedido de comparecer. Ele leva Micheline para sua casa, onde conhece Pierre, nascendo o romance entre os dois. Os alunos de Nicolas convencem seu mestre a adotar Micheline e organizam uma coleta, a fim de reembolsar as somas devidas por ela ao pensionato. Daí em diante, ela fica livre para se casar com o homem de sua vida. Com uma direção que soube exaltar a beleza, a voz e o talento da estrela, o filme, assim como a canção-título, fez muito sucesso.

Albert Préjean, Danielle Darrieux  e jean Parédès em Caprices

Como antes da guerra não só Danielle, mas muitos de seus colegas haviam trabalhado na Alemanha, e ela não tinha uma idéia bem precisa do que representava a Continental, então achou normal aceitar o convite de Greven, para atuar em Premier Rendez-Vous; mas seus outros dois filmes nessa empresa, Caprices / 1941 e La Fausse Maîtrese / 1942, lhe foram impostos por Greven através de uma chantagem. Danielle havia conhecido e se apaixonado por Porfirio Rubirosa, diplomata da República Dominicana na França, que detestava os alemães e manifestava seu ódio em público. Protegido por seu passaporte diplomático, ele parecia intocável até o dia em que os alemães o acusaram de espionagem e o levaram para uma prisão em Bad Nauheim, ao norte de Frankfurt. Como Danielle revelou nas suas memórias, (Danielle Darrieux, Filmographie Commentée par elle-même, Ramsay Cinéma, 1995), Greven obrigou-a a fazer os dois filmes “se não quizesse que uma pessoa que lhe era muito querida sofresse graves aborrecimentos”. Greven prometeu salvar Rubirosa, se ela participasse de uma viagem organizada para mostrar a “colaboração” das vedetes do cinema francês com a Alemanha. Para proteger Rubirosa, Danielle concordou em ir, mas só aceitou uma “escala” em Berlim para a pré-estréia de Premier Rendez-Vous.

Danielle Darrieux e Bernard Lancret em La Fausse Maîtresse

Rubirosa foi sôlto, e ele e Danielle tentaram em vão chegar à Espanha e depois Inglaterra. Eles se casaram em Vichy e, após La Fausse Mâitresse, Danielle se recusou categoricamente a filmar com a Continental. Em consequência, Greven interditou toda aparição do nome dela e de suas fotos na imprensa. Depois, os alemães enviaram os dois para Megève em prisão domiciliar. Eles decidiram fugir, e conseguiram em agosto de 1944. Usando documentos falsos – ela, com o nome de Denise Robira – chegaram a Paris, refugiando-se no subúrbio de Septeuil, onde Danielle tinha uma casa, habitada por sua irmã, seu cunhado e seus filhos. Quando Paris foi libertada, o Comitê de Depuração convocou Danielle, mas ela não foi inquietada, ao contrário do que aconteceu com Arletty, Sacha Guitry e alguns outros.

Caprices foi realizado por Léo Joannon e La Fausse Mâitresse por André Cayatte. No primeiro, Danielle é Lise, uma atriz de renome que se faz passar por uma pobre florista e seu companheiro é Albert Préjean. No segundo, baseado em um conto de Balzac, Danielle é Lilian, uma trapezista de circo e seu companheiro é Bernard Lancret. Estas duas comédias foram bem recebidas pelos espectadores, embora Danielle não gostasse de nenhum dos três filmes que fez para a Continental.

André Luguet e Danielle Darrieux em Au Petit Bonheur

O primeiro filme de Danielle depois da guerra, Au Petit Bonheur / 1945, foi realizado por Marcel L ‘Herbier, adaptação de uma peça de Marc-Gilbert Sauvajon. É uma comédia de “guerra dos sexos” com uma tonalidade macabra: dois jovens casados, Martine (Danielle Darrieux) e Denis (François Perier), não param de brigar por causa das infidelidades dele. Após uma disputa mais violenta que as outras, Denis vai para a Côte d ‘Azur, e Martine, exasperada pela fuga de seu marido infiel, se aproxima de Du Plessis (André Luguet), escritor famoso com uma obsessão mórbida por uma mulher morta que o traíra. Du Plessis quer acabar com sua vida e Martine decide acompanhá-lo no seu projeto mórbido; mas finalmente faz as pazes com Denis.

Louis Salou e Danielle Darrieux em Até Logo, Querida!

Depois, Danielle fez Até Logo, Querida! / Adieu Chérie / 1945 de Raymond Bernard, interpretando o papel de Chérie, uma garota de boate à qual um jovem burguês, Bruno Brétillac (Jacques Berthier), pede para ela se fazer passar por sua noiva e se casar com ele, a fim de lhe evitar uma união com uma rica herdeira desgraciosa, como querem seus pais. Mediante a promessa de uma recompensa e um imediato divórcio após o matrimônio, ela aceita participar do seu plano. Ostentando todas as qualidades de uma donzela virtuosa, Chérie consegue se fazer amar pela família Brétillac. Tudo correria perfeitamente se, em um acesso de franqueza, Chérie não revelasse a verdade para seus futuros sogros. Para evitar a vergonha pública, que não deixaria de se abater sobre os Brétillac, o casamento é realizado, mas Chérie, deixará para sempre a casa do seu príncipe encantado.

Danielle Darrieux e Paul Meurisse em História de um Pecado

Danielle Darrieux e Georges Marchal em História de um Pecado

Embora tivessem seus méritos, Danielle considerava insípidas essas duas produções e quando Léonide Moguy lhe propôs História de um Pecado / Betsabée / 1947, ela manifestou imediatamente a sua concordância, contente em mudar de gênero de intriga e mesmo de ambiente, pois a filmagem deveria se desenrolar na África do Norte. O filme é adaptação de um romance de Pierre Benoît, inspirado na história da heroína bíblica. No melodrama, Arabella (Danielle Darrieux) reune-se com seu noivo, o capitão Dubreil (Georges Marchal) em um quartel de spahis nos confins do Marrocos. Arabella está separada de seu primeiro marido, Lucien Sommerville (Paul Meurisse), que sucumbiu ao alcoolismo, porque ela o deixou e ignora que Sommerville é colega de Dubreil. Arabelle suplica-lhe que lhe conceda o divórcio, mas ele se recusa. Quando Sommerville vê Arabelle nos braços Dubreil, passa a atormentá-la, acusando-a de ter sido a causa do suicídio de um amigo que era loucamente atraído por ela. O comandante do forte (Jean Murat), também sensível aos encantos de Arabella, tem uma filha, Évelyne (Andrée Clement) que, apaixonada por Sommerville, sente ciúmes de Arabella. Esta tenta explicar a Dubreil que não é responsável pelas paixões que desperta, porém ele acusa sua noiva de traição. O pai de Évelyne envia Sommerville para uma missão no lugar de Dubreil, e o militar encontra a morte, mas a tempo de perdoar Arabella. Évelyne, enraivecida, mata então Arabella com um tiro de revólver. Contrariando todas as expectativas, História de um Pecado não recebeu boa acolhida da crítica e, durante a filmagem, o relacionamento entre Danielle e Rubirosa terminou oficialmente com a decretação do seu divórcio

Jean Marais e Danielle Darrieux em Entre o Amor e o Trono

O filme seguinte da atriz, Entre o Amor e o Trono / Ruy Blas / 1947, foi anunciado com entusiasmo pela imprensa, pois se tratava de uma grande produção baseada na peça célebre de Victor Hugo, adaptada em prosa para a tela por outro poeta: Jean Cocteau. Admirador de Danielle, Cocteau convidou-a para protagonizar a rainha da Espanha, e ela aceitou, achando que poderia retomar seus personagens românticos de sucesso como Marie Vetsera em Mayerling ou Katia no filme do mesmo nome, de Maurice Tourneur. A adaptação concebida por Cocteau transformou o drama lírico hugoliano essencialmente em uma aventura de capa-e-espada e ele impôs, ao lado de Danielle, a presença de seu protegido, Jean Marais, no papel duplo de Ruy Blas e de Don César de Bazan. O atlético Marais fez questão de realizar ele mesmo as cenas arriscadas. Danielle, quase sem conseguir se mexer nos seus vestidos sufocantes de rainha, esforçou-se para representar razoavelmente a soberana. O diretor Pierre Billon procurou evitar a teatralidade, levando suas câmeras para os exteriores – mas a recepção do espetáculo foi decepcionante. Pouco depois do término da filmagem de Ruy Blas, por intermédio de seu irmão Olivier, que fazia um pequeno papel no filme, Danielle conheceu Georges Mitsinkidès, com que se casou em junho de 1948. Eles adotaram um filho, Michel, em 1956, e viveram juntos até a morte de Mitsinkidès em 1991.

Danielle Darrieux e Marcel Archard

No final de 1948, Danielle assumiu o principal papel feminino de Jean de la Lune, baseado na peça de Marcel Achard e realizado totalmente em estúdio pelo próprio autor. Marceline (Danielle Darrieux) é uma mulher incorrigivelmente volúvel. Infiel a Richard (Pierre Dux), ele é acobertada por seu irmão complacente, Clo Clo (François Périer). Não suportando mais sua conduta, Richard rompe com Marceline enquanto ela vai visitar Jeff (Claude Dauphin), seu amigo florista, apelidado de Jean de la Lune, porque é um doce sonhador. Apaixonado por Marceline, Jeff, apesar de seu mau comportamento, pede-a em casamento. Comovida, ela aceita mas, apesar da sinceridade tocante de Jeff, continua a levar uma vida dissoluta, sempre acobertada por Clo Clo. Este acaba por se cansar da atitude de sua irmã e revela a Jeff que sua esposa está prestes a deixá-lo por um novo amante, ambos a caminho do Brasil. Na rota de sua fuga, Marceline ouve inesperadamente crianças cantando o refrão “Jean de la Lune”. Perturbada, ela parece se dar conta de seus sentimentos por seu marido. Com mansidão, Jeff finge que não sabe de nada, e a acolhe de braços abertos. O comentarista de Télérama proferiu um veredicto sucinto: “Marcel Achard visivelmente mais à vontade com suas (boas) palavras do que com as imagens”.

Jean Desailly e Danielle Darrieux em Meu Amigo, Amélia e Eu

Foi ainda com uma peça filmada que Danielle prosseguiu sua carreira: em Meu Amigo, Amélia e Eu / Occupe-toi d’Amélie / 1949, cuja ação se desenrola na Belle Époque. Ela é Amélie Pochet (Danielle Darrieux), outrora camareira, que agora atende pelo nome de Amélie d’Avranches, graças à proteção e às liberalidades de seu amante Étienne de Milledieu (André Bervil), tenente dos hussardos. Marcel Courbois (Jean Desailly) necessita de dinheiro e pede Amélie “emprestada” ao seu amigo Étienne, para um casamento branco. Assim, seu tio (Victor Guyau) poderá lhe transmitir a herança que o falecido pai de Marcel havia reservado ao filho para o dia de seu matrimônio. Retornando inesperadamente, Étienne percebe, consternado, que Marcel se ocupou demais de Amélie. Ao saber da infidelidade de Amélie, o militar arma sua vingança: do falso matrimônio planejado, ele prepara um verdadeiro. Marcel fica furioso, porém, Amélie assinou o livro de registro do casamento com seu nome falso, Amélie d’Avranches e, neste caso, o matrimônio é nulo. Mesmo assim, em um final feliz, Marcel e Amélie percebem que se amam, e partem para a lua-de-mel, obtendo no último momento a complacência do tio e um cheque polpudo.

Cena de Meu Amigo, Amélia e eu

Claude Autant-Lara e seus roteiristas prediletos, Jean Aurenche e Pierre Bost, fizeram uma releitura da obra de Georges Feydeau, mantendo intactos seus diálogos maliciosos, sua incessante e agitada movimentação, seus quiproquós e acontecimentos imprevistos. Autant-Lara encontrou a maneira cinematográfica de reproduzir a vivacidade do texto original pela utilização frenética da câmera e pela interpretação quase histérica dos atores. E há também novidades formais: o roteiro mistura os atores do teatro Palais-Royal com a platéia, que assiste à representação nesse mesmo teatro, vendo-se por exemplo, em mais de uma ocasião, uma família buguesa que assiste ao espetáculo invadir a ribalta para protestar contra a conduta imprópria dos personagens; além disso, um personagem nos é apresentado como ator, antes que ele comece a interpretar o papel que lhe foi atribuído e, em outros momentos, o pano de boca se fecha sobre os atos da peça. Danielle, está encantadora como Amélie, a cocote brejeira que é o centro de todas as atenções.

Danielle Darrieux e Daniel Gelin em Conflitos de Amor

Jean Gabin e Danielle Darrieux em O Prazer

Charles Boyer e Danielle Darrieux em Desejos Proibidos

Os anos cinquenta foram muito favoráveis à atriz. Ela fez vinte e sete filmes em dez anos, entre eles seus maiores sucessos artísticos e/ou comerciais, e interpretou uma grande variedade de papéis: a mulher casada em Conflitos de Amor / La Ronde / 1950 (Dir: Max Ophuls); Princesse Louise em Romance de Amor / Romanzo d’amore (Toselli) / 1951 (Dir: Duilio Coletti); Gabrielle Bonadieu em La Maison Bonnadieu / 1951 (Dir: Carlo Rim); Élisabeth Donge em Amor Traído / La Verité sur Bébé Donge / 1952 (Dir: Henri Decoin); Rosa em O Prazer / Le Plaisir / 1952 (Dir: Max Ophuls); Condessa Anna Slaviska em Cinco Dedos / Five Fingers / 1952 (Dir: Joseph L. Mankiewicz); Christiane em Essas Mulheres / Adorables Créatures / 1952 (Dir: Christian-Jaque); Marie Devrone em Rica, Bonita e Solteira / Rich, Young and Pretty / 1952 (Dir: Norman Taurog); Condessa Louise de … em Desejos Proibidos / Madame de … / 1953 (Dir: Max Ophuls); Janine Fréjoul em Le Bon Dieu sans Confession / 1953 (Dir: Claude Autant-Lara); Geneviève em Château en Espagne El Torero / 1954 (Dir: René Wheeler); Madame de Rénal em Vermelho e Negro / Le Rouge et le Noir / 1954 (Dir: Claude Autant-Lara); Madame Berthier em Criadinha Indiscreta / Escalier de Service / 1954 (Dir: Carlo Rim); Constance Andrieux em Bonnes à Tuer / 1954 (Dir: Henri Decoin); Eléonore Denuelle em Napoleão / Napoléon / 1955 (Dir: Sacha Guitry); Madame de Montespan em Pecadoras de Paris / L’Affaire des Poisons / 1955 (Dir: Henri Decoin); Constance Chatterley em O Amante de Lady Chatterley / L’Amant de Lady Chatterley / 1955 (Dir: Marc Allégret); Agnès Sorel em Si Paris nous était Conté / 1956 (Dir: Sacha Guitry); Olympias em Alexandre Magno / Alexander the Great / 1956 (Dir: Robert Rossen); Isabelle Lindstrom em Le Salaire du Péché / 1956 (Dir: Denys de La Patellière); Françoise Fabre em Tufão sobre Nagasaki / Typhon sur Nagasaki / 1957 (Dir: Yves Ciampi); Caroline Hédoin em As Mulheres dos Outros / Pot Bouille / 1957 (Dir: Julien Duvivier); Brigitte de Lédouville em Le Septième Ciel / 1958 (Raymond Bernard); Thérèse Marken em Vício Maldito / Le Désordre et la Nuit / 1958 (Dir: Gilles Grangier); Monique Lebeaut em A Mentira do Amor / La Vie à Deux / 1958 (Dir: Clément Duhour); Catherine Bourvil em Un Drôle de Dimanche / 1958 (Dir: Marc Allégret); Marie Octobre em Marie Octobre / Marie Octobre / 1959 (Dir: Julien Duvivier); Jeanne Moncatel em Os Olhos do Amor / Les Yeux de l’Amour / 1959 (Dir: Denys de La Patellière).

James Mason e Danielle Darrieux em Cinco Dedos

Entre os filmes citados destacam-se os três filmes que ela fez com Max Ophüls (Conflitos de Amor, O Prazer, Desejos Proibido); Cinco Dedos de Mankiewicz; Vermelho e Negro de Autant-Lara (grande êxito de bilheteria); As Mulheres dos Outros e Marie Octobre de Julien Duvivier; e Amor Traído de Henri Decoin. Quanto aos seus melhores papéis, o meu preferido é o de Bébé Donge em Amor Traído.

Danielle Darrieux e Gérard Philipe em Vermelho e Negro

Gerard Philipe e Danielle Darrieux em As Mulheres dos Outros

Julien Duvivier dirige Danielle Darrieux em As Mulheres dos Outros

Danielle Darrieux em Marie Octobre

No leito de uma clínica, durante uma longa agonia, François Donge (Jean Gabin) recorda o passado. Rico industrial da província e colecionador de amantes, ele casou-se com Elisabeth d’Onneville (Danielle Darrieux), chamada de Bébé, mais por cansaço do que por amor. Bébé, jovem idealista e apaixonada, não encontrou nele o que esperava. Dez anos mais tarde, sentimentalmente decepcionada, ela o envenena. Compreendendo tarde demais os seus erros, François morre. Elizabeth, como um autômato, acompanha o juiz de instrução que veio para prendê-la.

Filme sombrio e desesperado, com uma construção dramática rigorosa e fiel ao universo dos romances de Simenon. O mistério concebido pelo romancista não é policial, mas psicológico: por que Bébé, jovem pura e sincera, envenenou o marido após dez anos de matrimônio? No decorrer dos seus dias nos quais fica entre a vida e a morte, François Donge procura a resposta, faz um exame de consciência e descobre a verdade. A culpa foi dele, que não soube amá-la. Ele espera viver como não vivera até então. Porém, é tarde demais. Esse drama da incompreensão foi magníficamente interpretado pela dupa Gabin-Darrieux, talvez o melhor papel de Darrieux e a composição mais trabalhada de Gabin.

Jean Gabin e Danielle Darrieux em Amor Traído

 

Jean Gabin e Danielle Darrieux em Amor Traído

Jean Gabin em Amor Traído

Danielle Darrieux em Amor Traído

Entre 1960 e 2010, Danielle fez mais quarenta filmes: Assassinato em 45 R.P. M. / Meurtres en 45 Tours / 1960 (Dir: Étienne Périer); L’Homme à Femmes /1960 (Dir: Jacques-Gérard Cornu); Fruto de VerãoThe Grengage Summer /1961 (Dir: Lewis Gilbert); Os Amores de um Rei / Vive Henri IV, Vive L’ Amour! (Dir: Claude Autant-Lara); Os Leões Estão Sôltos / Les Lions Sont Lâchés / 1961 (Dir: Henri Verneuil); Les Bras de la Nuit / 1961 (Dir: Jacques Guymont); Le Crime Ne Paie Pas / 1962 (Dir: Gérard Oury); O Diabo e os Dez Mandamentos / Le Diable et les Dix Commandements / 1962 (Dir: Julien Duvivier); Landru, A Verdadeira História do Barba Azul / Landru / 1963 (Dir: Claude Chabrol); Méfiez-Vous, Mesdames! / 1963 (Dir: André Hunebelle); Du Grabuge Chez Les Veuves / 1964 (Dir: Jacques Poitrenaud); Pourquoi Paris? / 1964 (Dir: Denys de La Patellière); O Desquite de Papai / Patate / 1964 (Dir: Robert Thomas); L ‘Or du Duc /1965 (Dir: Jacques Baratier); Le Coup de Grâce / 1966 (Dir: Jean Cayrol, Claude Durand); Le Dimanche de la Vie / 1967 (Dir: Jean Herman); Duas Garotas Românticas / Les Demoiselles de Rochefort / 1967 (Dir: Jacques Demy); O Homem do Buick / L’Homme à la Buick / 1968 (Dir: Gilles Grangier); Desejo Insaciável / Les Oiseaux Vont Mourir au Pérou /1968 (Dir: Romain Gary); Vingt-Quatre Heures de la vie d’une Femme / 1968 (Dir: Dominque Delouche); La Maison de Campagne / 1969 (Dir: Jean Girault); No Encontré Rosas Para Mi Madre – Rose Rouges et Piments Verts / 1974 (Dir: Francisco Rovira Beleta);Divine / 1975 (Dir: 1975); L’Année Sainte / 1976 (Dir: Jean Girault); Le Cavaleur / 1979 (Dir: Philipe de Broca); Une Chambre en Ville / 1982  (Dir: Jacques Demy); En Haut des Marches / 1983 (Dir: Paul Vecchiali); A Cena do Crime / Le Lieu du Crime / 1986 (Dir: André Téchiné); Corps et Biens / 1986 (Dir: Benoit Jacquot); Quelques Jours Avec Moi / 1988 (Dir: Claude Sautet); Bill en Tête / 1989 (Dir: Carlo Conti); Le Jour des Rois / 1991 (Dir: Marie-Claude Treilhou); Les Mammies / 1992 (Dir: Annick Lanöe); Ça Ira Mieux Demain / 2000 (Dir: Jeanne Labrune); 8 Mulheres / Huit Femmes / 2002 (Dir: François Ozon); Uma Vida a Tua Espera / Une Vie à t’Attendre / 2004 (Dir: Thierry Klifa); Nouvelle Chance / 2006 (Dir: Anne Fontaine); Persepolis / 2007, animação – a voz da avó (Dir: Marjane Satrapi); L’Heure Zero / 2007 (Dir: Pascal Thomas); Piéce Montée / 2010 (Dir: Denys Granier-Deferre).

O único dos seus filmes nesse período que permaneceu na memória de todos os fãs de cinema, foi inegavelmente Duas Garotas Românticas, realização que se tornou cult no decorrer do tempo, e que contribuiu muito para a persistência da notoriedade de Danielle Darrieux entre os jovens cinéfilos de hoje.

Elenco principal de Duas Garotas Românticas

Danielle Darrieux em Duas Garotas Românticas

Recordemos brevemente o enredo do filme: Solange (Françoise Dorléac) e Delphine (Catherine Deneuve) são irmãs gêmeas, dedicam-se à música e à dança, e têm um único sonho: encontrar seus respectivos príncipes encantados. Maxence (Jacques Perrin), marinheiro-pintor que está servindo em Rochefort, onde vivem as irmãs, fizera o retrato da mulher-ideal, que muito se assemelha a Delphine. Andy Miller (Gene Kelly), concertista de piano, encontra uma partitura musical na rua, e deseja conhecer o autor, que não é outra pessoa senão Solange. A mãe (solteira) de Solange e Delphine, Madame Garnier (Danielle Darrieux), dona de um café, vive lamentando ter perdido o homem com o qual se recusara a casar (porque achava seu nome ridículo – não queria ser chamada de Madame Dame), e que desapareceu, sem saber que ele, Simon Dame (Michel Piccoli), abriu recentemente uma loja de instrumentos musicais em Rochefort. Durante uma grande feira comercial na cidade (onde dois caminhoneiros (George Chakiris, Grover Dale) convidam as duas irmãs para substituir suas parceiras no show que pretendem apresentar), os casais vão se formar: Solange com Andy, Yvonne com Simon, e Maxence com Delphine, em um final feliz.

 

Eternamente bela!

Nesta agradável comédia musical francesa à moda americana, movimentada pela câmera de Jacques Demy e embalada pela música e de Michel Legrand, Danielle foi a única que gravou ela mesma suas canções, sem precisar ser dublada. No papel de mãe de Catherine Deneuve, DD tinha 50 anos, e ainda estava muito bem físicamente. Mais tarde, ao 85 anos, reencontrou-se com Catherine em 8 Mulheres, e esta assim se pronunciou a seu respeito: “É a única mulher que me impede de ter medo de envelhecer”.

 

DANIELLE DARRIEUX I

Que outra atriz de cinema no mundo inteiro pode se gabar de ter iniciado sua carreira com quatorze anos incompletos para encerrá-la com a idade de noventa e três anos? Entre 1931 e 2010, mantendo-se sempre miraculosamente bela, ela fez cento e três filmes para o cinema, suscitando a admiração do público e dos realizadores com os quais trabalhou.

Danielle Darrieux

Danielle Darrieux (1917-2017), cujo nome verdadeiro era Danielle Yvonne Marie Antoinette Darrieux, nasceu em Bordeaux, filha do oftalmologista Jean Darrieux e Marie-Louise Witkowski de origem polonesa por parte de pai e alsaciana por parte de mãe. Quando tinha dois anos de idade, seus pais mudaram de domícilio para Paris, instalando-se em um apartamento espaçoso na rue de la Pompe, onde recebiam convidados de renome no mundo musical, pois tanto Jean como Marie-Louise eram melômanos: ela sonhava com uma carreira de cantora e ele tocava piano maravilhosamente bem.

Em 1924, Danielle, então com sete anos, perdeu seu pai, vitimado por um ataque cardíaco, e sua mãe passou a dar lições de canto, tanto por paixão como pela necessidade de sustentar a família que, a esta altura contava ainda com Claudette, a filha mais nova, e o menino Olivier. Desde muito cêdo Danielle demonstrou gôsto pela música, aprendendo a tocar piano e violoncelo, além de cantar com uma voz clara, pura, pouco possante, mas promissora.

Pensando no futuro da filha, Marie-Louise fez com que ela prestasse concurso para o Conservatório Nacional de Música de Paris, onde foi aceita imediatamente, apesar de ter apenas treze anos e meio. Certo dia, por intermédio do marido de uma aluna de sua mãe, Marie Serta, Danielle ficou sabendo que dois produtores, Delac e Vandal, estavam procurando uma heroína de quatore ou quinze anos para sua próxima produção, intitulada Le Bal. O argumento, baseado em um romance de Irène Némirovsky, relatava a história da vingança de uma adolescente, Antoinette Kampf (Danielle Darrieux), cujos pais novos-ricos (André Lefaur, Germaine Dermoz), procuram se introduzir na alta sociedade parisiense, organizando um baile suntuoso em sua residência. Sentindo-se abandonada por sua mãe, Antoinette, encarregada de levar os convites ao Correio, joga os envelopes no Sena. Ninguém comparece na festa, porém a harmonia familiar se fortalece.

Danielle Darrieux (usando o nome de Lydie Darrieux) em Le Bal

A versão alemã, Der Ball, já havia sido filmada por Wilhelm Thiele com Lucie Mannheim e Dolly Haas mas, para a versão francêsa, que seria dirigida também por Thiele, parecia impossível encontrar uma jovem atriz, que respondesse aos critérios exigidos. Danielle apresentou-se nos estúdios Épinay, passou nos testes, e assim estreou na tela mocinha, cantando perfeitamente bem duas canções escritas especialmente para ela, “Le Beau Dimanche” e “La Chanson de la Poupée”, demonstrando desembaraço diante das câmeras.

Quando Le Bal foi lançado em 1931, era o nome de Lydie Darrieux que aparecia nos créditos, pseudônimo que Danielle deixou de usar já no seu segundo filme, Coquecigrole / 1931, que ela fez, emprestada por Delac e Vandal ao produtor Jacques Haik. Nesta adaptação de um romance de Alfred Machard, dirigida por André Berthomieu, Danielle é Coquecigrole, orfã dotada de uma voz fora do comum. Ela é recolhida por um garçom, o velho ator cômico Macarol (Max Dearly) que, juntamente com seu colega Tulipe (Raymond Galle), lança a menina nos palcos. Após alguns incidentes, incluindo o sequestro de Coquecigrole pelo seu pai verdadeiro, ela se casa com Tulipe, nascendo uma filha dessa união.

Danielle Darrieux e Gerard Sandoz em Panurge

No seu terceiro filme, Panurge / 1932, produzido pela Écrans de France e dirigido por Michel Bernheim, Danielle é Régine, uma lavadeira que, seduzida por uma vida de luxo, se afasta temporariamente de seu namorado Panurge (Gérard Sandoz), um pobre sapateiro. No seu quarto filme, Le Coffret de Laque / 1932, um policial produzido por Jacques Haik, dirigido por Jean Kemm e baseado em um romance de Agatha Christie, Danielle é Henriette Stenay, filha de um casal (Alice Field, Maurice Varny), que está entre as pessoas investigadas pelo detetive Préval (René Alexandre), suspeitas de tentativa de roubo de uma fórmula de grande valor para o Ministério da Guerra e do envenenamento do químico que a concebera.Em 1933, após umas férias, Danielle voltou ao estúdio convocada por Geza von Bolvary para participar, com Jaque Catelain, de Château de Rêve, dirigido conjuntamente com Henri Georges Clouzot e co-produzido pela UFA. No enredo, um diretor que está realizando um longa-metragem sobre o Mar Adriático, precisando de figurantes, pede ao comandante de um navio (Jaque Catelain) para usar seus marinheiros e lhe oferece o papel de um príncipe no seu filme. Quando a filmagem passa para o ambiente campesino, a equipe encontra uma bela pastora, Béatrix (Danielle Darrieux) e, como em um conto de fadas, o comandante, que é realmente um príncipe, se apaixona por ela, sem saber que, na verdade, a moça é a filha do castelão local.

Jaque Catelain e Danielle Darrieux em Château de Rêve

Com Volga em Chamas / Volga em Flammes / 1934, de Victor Tourjansky, rodado na Tchecoslováquia, Danielle tem pela primeira vez como companheiro Albert Préjean, com o qual vai logo formar uma dupla célebre do cinema francês (seis filmes juntos ao todo). Trata-se de uma grande producão de aventura histórica, adaptada de um romance de Puchkin, sobre um líder de bandidos, Silatchoff (Valéry Inkijinof), que se proclama tsar do povo e executa seus adversários com muita crueldade. Danielle é Macha, jovem apaixonada pelo Tenente Orloff (Albert Préjean), um oficial que se opõe ao tirano.

Danielle Darrieux e Albert Préjean em Volga em Chamas

De volta a Paris, Danielle filma sob o comando de Billy Wilder (em colaboração com Alexandre Esway), Horas do Diabo / Mauvaise Graine / 1934, cuja ação transcorre na sua maior parte em exteriores, algo inusitado na época. Como Jeannette, irmã do chefe de um grupo de desocupados que roubam carros, ela se apaixona pelo jovem Henri (Pierre Mingand), rapaz honesto que, por fraqueza, se envolvera com os delinquentes. A função de Jeannette é seduzir os proprietários de veículos luxuosos, a fim de que o bando tenha tempo de roubá-los.

Pierre Mingand e Danielle Darrieux em Horas do Diabo

O filme seguinte de Danielle, Mon Coeur T’Appelle / 1934, co-produção franco-italiana realizada por Carmine Gallone e Serge Veber, coloca Danielle nos braços de Jan Kiepura. Ele é Mario Delmonti, tenor talentoso, mas ainda desconhecido, que não perde oportunidade de demonstrar seus dons, cantando nos lugares mais incovenientes. A bordo de um navio que o transporta para Mônaco, onde o chefe de sua trupe (Lucien Baroux) conta com um novo compromisso na Ópera de Monte-Carlo, Mario se apaixona por Nicole Nadin (Danielle Darrieux), uma secretária que havia perdido seu emprego. Ao chegarem ao seu destino, o diretor da Ópera, que parece ser amnésico, se recusa a recebê-los. Ajudado por Nicole, Mario usa todo tipo de astúcia para atrair a atenção do diretor e finalmente consegue seu objetivo, cantando a Tosca no átrio da Ópera de Monte Carlo, ao mesmo tempo que os artistas estão em cena. Por curiosidade, quem assumiu o papel de Danielle na versão alemã, Meu Coração Te ChamaMein Herz ruft nach Dir, foi Martha Eggerth. Martha e Kiepura se odiaram durante a filmagem mas, tempos depois. tornaram-se marido e mulher na vida real.

Danielle mal teve tempo de retornar a Paris para rever seus parentes e amigos, porque um outro compromisso a esperava mais uma vez na Alemanha. L ‘Or dans la Rue / 1934 de Kurt Bernhardt, comédia policial construída em torno dela e de Albert Préjean. Ele é Albert Perret, que se mete em uma trapaça que consiste em fabricar ouro sintético para enganar os incautos, mas acaba sendo desmascarado, e não lhe resta senão fugir para a América na companhia de uma jovem operária, Gaby (Danielle Darrieux), por quem se apaixonara.

Danielle Darrieux e Albert Préjean em L’Or Dans la Rue

Pela segunda vez a dupla Darrieux-Préjean entusiasma os espectadores e portanto os dois estão novamente juntos em La Crise est Finie / 1934, desta vez sob a direção Robert Siodmak. O argumento é simples: uma trupe de comédia musical está desempregada por causa da crise econômica. No centro da companhia encontra-se um casal formado pela atriz Nicole (Danielle Darrieux) e pelo pianista Marcel (Albert Préjean). Em um teatro abandonado eles montam uma revista sob o signo do otimismo, praticando pequenos furtos (e até um sequestro), e entoando uma série de canções bem alegres compostas pelo alemão Franz Wachsmann, futuro Waxman quando ele emigrou para os Estados Unidos para fugir do nazismo.

Albert Préjean e Danielle Darrieux em La Crise est Finie

Em 1934, um sentimento xenófobo se expandiu no meio da indústria do entretenimento. A polícia chegou até a ameaçar a produção de interromper a filmagem e a Nero Film foi constrangida a informar que dos quinhentos técnicos, atores e figurantes , somente sete não eram francêses. Um dia, sobre a porta do estúdio, foi colocado um cartaz, com estes dizeres: “Siodmak, volte para casa!” Soube-se depois que o autor do aviso era Henri Chomette, irmão de René Clair e antigo assistente de Siodmak. Após sete semanas de trabalho, mesmo assim, o filme foi completado, e pôde ser lançado, obtendo um grande sucesso popular.

Danielle Darrieux e Albert Préjean em Dédé

Adaptação de uma opereta, DedéDédé /1934, realizada por René Guissart, brinca com o apelido que Danielle Darrieux passou a receber depois de adquirir certa notoriedade: “DD”. O personagem Dédé, interpretado por Claude Dauphin, é um milionário, que compra uma sapataria, pertencente ao marido de Denise (Danielle Darrieux), mulher que ele ama, a fim de poder se encontrar com ela, sem se comprometer. Porém uma linda vendedora, Odette (Mireille Perrey), não o deixa indiferente, e Denise se consola com Robert (Albert Prejean), rapaz, alegre e decidido, cheio de idéias malucas para atrair a clientela. No elenco encontra-se o nome de algumas futuras vedetes do cinema francês: Ginette Leclerc, Viviane Romance, Suzy Delair e, na parte musical, desenvolvem-se bons números como, por exemplo, o dos grevistas “entregues” às Blue Bell Girls.

No ano seguinte, um outro filme interpretado por Danielle Darrieux e Albert Préjean chega às salas de cinema: Cuidado com Ela / Le Contrôleur des Wagons-Lits, produção franco-alemã, dirigida por Richard Eichberg, A história se passa em 1900 e tem início quando Bernard (Albert Préjean), inventor de um carburador capaz de decuplicar a velocidade dos veículos, é confundido com Mr. Bernard (Lucien Baroux), diretor da fábrica de automóveis Júpiter, e se encontra com uma corista do teatro de revista, Annie Bourguet (Danielle Darrieux), que se faz passar por condessa. No decorrer dos acontecimentos, Bernard descobre a verdadeira identidade da moça e ela verifica que ele é apenas o controlador do carro-domitório de um trem, cujo hobby é a mecânica. Com a ajuda de Annie, Albert toma o lugar do verdadeiro diretor, e experimenta o novo carburador em uma corrida automobilística, finalmente ganha pela Júpiter.

Albert Préjean e Danielle Darrieux em Pequena Sapeca

É ainda com Albert Préjean que Danielle divide o cartaz de Pequena Sapeca / Quelle Drôle de Gosse / 1935, comédia maluca dirigida por Léo Joannon. O argumento, escrito por Yves Mirande, é o seguinte: Alfred Gaston (Lucien Baroux), um quinquagenário patrão de uma fábrica, está apaixonado por uma de suas secretárias, Lucie (Danielle Darrieux). A fim de não fazer um matrimônio desigual, ele decide despedir Lucie, para pedí-la em casamento no dia seguinte. Desesperada com a dispensa, Lucie vai se jogar no Sena, quando é salva por Gaston Villaret (Albert Préjean) que, para impedí-la de pular de novo no rio, leva-a para uma recepção em sua casa. Irritada por ter sido contrariada no seu plano de suicídio, e com o auxílio de alguns copos de uísque, Lucie cria uma imensa confusão (completamente embriagada, a moça caminha titubeando sobre o telhado da residência de Gaston, ameaçando se jogar no vazio diante dos pedestres horrorizados; ela esquece de fechar uma torneira e causa uma inundação). Mas Gaston e Lucie se amam e na manhã seguinte, revelarão um para o outro seus sentimentos mútuos.

Com este papel de garota travessa, a atriz transpôs uma etapa na sua carreira: a partir de agora ela estará sempre no centro do filme, será o motor de toda a ação. A crise de nervos de Danielle Darrieux tornou-se uma espécie de passagem obrigatória em  seus filmes cômicos.

Danielle Darrieux e Pierre Mingand em Mademoiselle Mozart

Em 1936, ela faz Mademoiselle Mozart, comédia musical comandada por Yvan Noé, reunindo-se novamente com Pierre Mingand, que esteve ao seu lado em Horas do Diabo. Mingand é Maxime, rapaz rico que, entediado no meio dos seus e de sua noiva, uma provinciana triste e enfadonha, se interessa por Denise (Danielle Darrieux), a bela proprietária de uma loja de instrumentos musicais na Avenida Mozart. Como os negócios não vão muito bem, ele vem em socorro de Denise e, com a maior discreção, se emprega como vendedor. Depois de muitos incidentes e canções, um cai nos braços do outro na sua loja.

Depois de Mademoiselle Mozart, Danielle participou, mais uma vez ao lado de Jan Kiepura, de J’Aime Toutes les Femmes / 1935, versão francêsa de um filme alemão, Ich liebe alle Frauen, dirigido pelo tcheco Carl Lamac (obs. no Brasil só passou a versão alemã com o título de Amo Todas as Mulheres). Ela fez algumas cenas em Berlim, porém o essencial da filmagem teve lugar em Paris sob a direção de Henri Decoin, substituto de Lamac. Kiepura é o tenor, Jean Morena, que quer se livrar de sua glória e, para isso, envia em seu lugar à uma recepção um rapaz empregado de uma mercearia, Eugène (Jan Kiepura), que se parece muito com ele, provocando inúmeros incidentes com suas respectivas noivas, Danièle (Danielle Darrieux) e Camille (Hélène Robert). Enfim tudo se reolve, quando os dois heróis formam um dueto. Nesta ocasião Danielle e Decoin começaram a namorar.

Subsequentemente, Danielle foi contratada por Alexis Granowsky para atuar em um filme de aventura histórica, Tarass Boulba / Taras Boulba / 1936, baseado em um romance de Nicolas Gogol, ao lado de Harry Baur e Jean-Pierre Aumont. Trabalhar com Harry Baur era um sonho de Danielle, que aceitou imediatamente o papel de Marina, a filha do governador de uma província polonêsa, cujo palácio é sitiado pelo chefe cossaco. Infelizmente, quando ela chegou ao palco da filmagem, ficou sabendo que não iria contracenar com o grande Harry Baur, mas somente com Jean-Pierre Aumont, que personificava André, o filho de Tarass Boulba, o rapaz por quem Marina estava apaixonada. Apenas oito dias de trabalho para Danielle, que lhe deixaram a impressão de ter participado de um simples esquete.

Daniel Darrieux em Mulher Mascarada

Danielle Darrieux e Henri Decoin

No final de 1935, Danielle e Decoin se casaram, ela com 18 anos, ele com 45, um mês depois da atriz ser dirigida por seu marido em  Mulher MascaradaLe Domino Vert,  produzido pela UFA e rodado nos estúdios de Neue Babelsberg simultaneamente com a versão alemã, Dominó VerdeDer grüne Domino, dirigida por Herbert Selpin e estrelada por Brigitte Horney. Danielle faz um papel duplo, o de Hélène de Richemond e o de sua mãe, Marianne. Hélene de Richemond, uma rica herdeira, foi criada por seu tio e a tia após a morte de sua mãe Marianne. Na véspera de seu casamento, Hélène recebe de um tabelião amigo da família, Maitre Laurent, uma carta escrita por sua mãe, revelando que seu verdadeiro pai se chama Henri Bruquier (Maurice Escande) e que ainda está vivo, condenado a vinte e cinco anos de prisão. A pedido de Hélène, Maitre Laurent lhe conta a história de Bruquier. Em 1914, ele era um crítico de arte, esposo pouco feliz de Lily (Jany Holt), que o traía com o escultor Nébel (Charles Vanel); mas Lily, pôs um fim neste relacionamento, para não perder seu marido que, por sua vez, havia se apaixonado por Marianne. Quando Lily é encontrada morta, Bruquier, pensando que foi Marianne a autora do assassinato, se acusa do crime. Desesperada após o encarceramento de Bruquier, Marianne, grávida dele, casou-se com o senhor de Rochemond. Ela morreu ao dar à luz à Hélène. No presente, Hélène promove a defesa do pai e consegue libertá-lo.

Charles Boyer e Danielle Darrieux em Mayerling

Danielle Darrieux e Charles Boyer em Mayerling

Lançado no início de 1936, Mayerling / Mayerling, drama histórico sobre o amor impossível de Marie Vetsera (Danielle Darrieux) e do arquiduque Rodolphe de Habsburg (Charles Boyer), dirigido com delicadeza por Anatole Litvak para a Nero Film, marcou o primeiro grande momento de Danielle como atriz, tanto pela importância da produção como pela profundidade de seu papel. Seu triunfo foi internacional e Hollywood começou a ficar de ôlho nela.

Danielle Darrieux em Só Para Mulheres

Depois de Mayerling, Danielle tomou parte de mais três filmes no ano de 1936. O primeiro, Só Para Mulheres / Club de Femmes, dirigido por Jacques Deval, mostra um grupo de moças – Greta (Betty Stockfield), Juliette (Josette Day), Alice (Else Argal) -, que se refugia na pensão de Gabrielle Aubry (Valentine Tessier) e Madame Fargeton (Ève Francis), para ficar ao abrigo das tentações e dos perigos do cotidiano. Na pensão circulam ainda Hèlene (Junie Astor), a telefonista perversa ligada a um rufião e, enfim, Claire (Danielle Darrieux), corista do Folies Bergères, dançarina ambiciosa e obstinada. No decorrer da narrativa, o ambiente do clube se revela o lugar das experiências infelizes de Greta, Juliette, Alice e Hélène e de uma aventura sentimental de Claire, afinal bem sucedida – desprezando as regras do Clube, ela introduz no estabelecimento seu noivo (Raymond Galle) vestido de mulher.

Adolf Wohlbrück e Danielle Darrieux em Port Arthur

O segundo filme, Port Arthur / Port Arthur, dirigido por Nikolas Farkas, tem como pano de fundo a guerra russo-japonesa de 1904. Danielle faz o papel de Youki, filha de pai russo e mãe japonesa, mas casada com um capitão da marinha russa, Boris Ranewsky (Adolf Wohlbrück), que, perseguida pelo comandante Vassidlo (Charles Vanel), é injustamente acusada de espionagem e prefere morrer nos braços de seu marido.

O terceiro filme, Uma Dupla do Barulho / Un Mauvais Garçon, dirigido por Jean Boyer gira em torno de uma jovem advogada, Jacqueline Serval (Danielle Darrieux), cujo pai quer casá-la com o filho de uma família amiga, os Feutrier. Cansada de brigar com seu progenitor, Jacqueline aceita um acordo: se ela não encontrar um cliente dentro de dezoito meses, terá que esposar o rapaz escolhido. Ela acaba defendendo um escroque simpático, Pierre Mesnard (Henri Garat), por quem se apaixona, sem saber que ele é o filho dos Feutrier.

No período 1937-1939, Danielle fez três filmes sob a direção de seu marido Henri Decoin (Senhorita Minha Mãe / Mademoiselle Ma Mère / 1937, Abuso de Confiança / Abus de Confiance / 1937, A Volta ao Lar/ Retour a L’ Aube / 1938); um filme americano dirigido por Henry Koster, Sensação de Paris / The Rage of Paris / 1938; e Katia / Katia / 1938 sob responsabilidade diretorial de Maurice Tourneur.

Em Senhorita Minha Mãe, após romper quatorze noivados para desespêro de seus pais, a linda e frívola Jacqueline Vignolle (Danielle Darrieux) aceita esposar o “primeiro homem que aparecer”. O felizardo é um viúvo quinquagenário, Albert Letournel (André Alerme); porém ela exige um casamento branco. Mr. Letournel tem um filho de vinte e cinco anos, Georges (Pierre Brasseur), que não resiste evidentemente aos encantos de sua madrasta.

Danielle Darrieux em Abuso de Confiança

Pierre Mangand e Danielle Darrieux em Abuso de Confiança

Em Abuso de Confiança, Lydia (Danielle Darrieux), jovem orfã e sem recursos para estudar Direito, se faz passar pela filha natural de Jacques Ferney (Charles Vanel), um escritor célebre. Mme. Fernay (Valentine Tessier) descobre a fraude, mas se cala, para poupar o marido de uma decepção. Quando Lydia, tomada pelo remorso e apaixonada por Pierre (Pierre Mangand), o secretário de Ferney, confessa sua impostura para Mme. Ferney, esta se cala para sempre, deixando a jovem viver feliz ao lado do seu amado.

Danielle Darrieux em A Volta ao Lar

Em A Volta ao Lar, Anita (Danielle Darrieux), jovem provinciana romântica, esposa de Karl Ammer (Pierre Dux) chefe da estação ferroviária de Thaya, um vilarejo sossegado da Hungria, sonha com uma outra vida, vendo os trens passando em direção a Budapeste, onde ela chega um dia, para assistir ao enterro de uma tia e receber parte da herança. Depois de preencher as formalidades, Anita perde o trem de volta, e se deixa levar pelo turbilhão da vida noturna da capital; mas, retorna finalmente para aquele que lhe traz a verdadeira felicidade.

Douglas Fairbanks Jr e Danielle Darrieux em A Sensação de Paris

Cenas de A Sensação de Paris

Em 1937, Danielle assinou um contrato de sete anos com a Universal, conservando a possibilidade de fazer um filme por ano na França. Ela pediu também que Henri Decoin tivesse o direito de opinar sobre os argumentos e a escolha dos seus parceiros. A estada hollywoodiana do casal iria durar oito meses, no curso dos quais Danielle apareceu no seu primeiro filme americano, A Sensação de Paris / The Rage of Paris (intitulado na França, La Coqueluche de Paris), sob a direção de Henry Koster. Daniele é Nicole de Cortillon, jovem francêsa chegada recentemente em Nova York à procura de um emprego de modelo. Ela entra por engano no escritório de um empresário, Jim Trevor (Douglas Fairbanks Jr.) e, pensando que ele é um fotógrafo profissional, começa a se despir, para posar. Desconfiando que ela é uma chantagista, que quer comprometê-lo, Trevor expulsa Nicole. Sem recursos, ela é recolhida por sua amiga Gloria Patterson (Helen Broderick), que decide se ocupar do futuro de Nicole, ao mesmo tempo que o seu. Com a ajuda de seu comparsa, Mike Lavetovitch (Mischa Auer), um mordomo que deseja abrir seu próprio negócio, Gloria arma um plano para casar Nicole com um milionário, fazendo-a passar por uma rica herdeira. O plano funciona muito rapidamente e o riquíssimo Bill Duncan (Louis Hayward) não resiste aos encantos da linda francesinha. No curso de uma noite na ópera, Bill apresenta a Nicole seu melhor amigo, que não é outro senão Jim Trevor. Ele logo reconhece sua suposta chantagista e, para proteger seu amigo, sequestra Nicole no dia de seu noivado com Bill, levando-a para seu chalé na montanha. Após algumas confrontações, os dois se aproximam e se apaixonam.

John Loder e Danielle Darrieux em Katia. 

Em seguida, Danielle fez Katia, a Tzarina sem Coroa, mas adoeceu, e ficou na França apesar de seu compromisso com a Universal. A ruptura de seu contrato lhe valeu algum prejuízo financeiro, mas a atriz francesa persisitiu em seu desejo de permanecer na sua pátria, alegando principamente sua vontade de escapar à padronização hollywoodiana, à qual queriam submetê-la: “Eles queriam modificar meu rosto, mudar meu penteado, eles queriam me dar uma outra alma, e pois bem, eu estava farta. Gosto daquí e não retornarei aos Estados Unidos”.

Com Katia, filme de orçamento vultoso, dirigido por Maurice Tourneur, os produtores quiseram reiterar o grande sucesso de Mayerling, colocando em cena os amores contrariados do tsar Alexandre II (John Loder) e de sua amante, a aristocrata Cartherine Yourevska Dolgouky, cognominada Katia (Danielle Darrieux). É uma evocação romanceada dos fatos históricos, tentando conciliar as duas facetas da persona de Danielle: a “garota travessa” das comédias e a jovem romântica dos dramas, tudo sob o contrôle rígido do reputado diretor do cinema mudo.

.

 

OS WESTERNS DE SAM PECKINPAH

Recomendado como roteirista de TV pelo seu amigo e mentor Don Siegel, Sam Peckinpah escreveu scripts para alguns episódios de várias séries de westerns inclusive Gunsmoke / Gunsmoke, com James Arness e O Homem do Rifle / The Rifleman com Chuck Connors. Além de roteirista, Peckinpah funcionou também como diretor em The Westerner, cujo ator principal, Brian Keith, o indicou à Pathe America / Carousel Productions, para assumir a direção de O Homem Que Eu Devia Odiar / The Deadly Companions / 1961, seu filme de estréia no cinema. Peckinpah aceitou o encargo, esperando poder melhorar o roteiro que A. S. Fleishman havia escrito, mas o produtor Charles K. FitzSimmons (irmão de Maureen O’Hara) não permitiu que ele fizesse isso.

Sam Peckinpah

No enredo, um ex-sargento (Brian Keith) – apelidado de Yellowleg em razão de uma fita amarela costurada em suas calças do exército da União -, persegue o velho Turk (Chill Wills), um desertor rebelde que tentou escalpelá-lo enquanto estava ferido em um campo de batalha na Guerra Civil. Ele o encontra em uma cantina, salva-o de ser enforcado e, sem revelar sua verdadeira intenção, o convence, juntamente com seu companheiro Billy (Steve Cochran), a se unirem a ele, a fim de roubarem um banco na cidade de Gila, Arizona. Lá eles descobrem que outros bandidos também estão na cidade pelo mesmo motivo. Durante um tiroteio, Yellowleg mata acidentalmente um menino, filho de uma viúva, Kilt Tilden (Maureen O’Hara), que trabalha em um saloon. Quando Kit decide enterrar seu filho ao lado da sepultura de seu marido em Siringo, Yellowleg, dominado pelo remorso, a acompanha, apesar de suas objeções, e força seus companheiros a irem junto. Uma noite, Billy tenta estuprar Kit, Yellowleg intervém, e manda-o embora. Turk o segue e os dois voltam para roubar o banco de Gila. Yellowleg e Kit seguem viagem através do território Apache e chegam exaustos à cidade fantasma de Siringo. Ben e Turk, depois do roubo bem-sucedido, ressurgem, e os três homens se enfrentam em duelo. Billy atira em Turk, mas este fica apenas ferido e consegue matar Billy, atingindo-o pelas costas. Yellowleg quer escalpelar Turk, mas Kit o impede. A cavalaria de Gila chega, atrás dos dois assaltantes. Turk é preso e Kit e Yellowleg, depois do enterro do menino, vão embora, tendo encontrado o amor.

Brian Keith e Maureen O’Hara em O Homem Que Eu Devia Odiar

O argumento – contando o longo e difícil percurso do corpo de um menino morto através de uma região desértica dominada pelos índios; o desejo de vingança de um escalpelado, retardado pelo seu remorso por ter sido o causador da morte da criança; e a presença de um vilão psicopata que deseja criar sua própria República ditatorial com o dinheiro que roubaria, e utilizar os índios como escravos – era original. Entretanto, os poucos recursos da produção, o uso de uma película colorida imprópria para a filmagem em exteriores noturnos, a intromissão calamitosa do produtor na fase de montagem prejudicaram a narrativa, que segue com pouca ação, num tom lúgubre, vislumbrando-se no entanto algumas caraterísticas do cinema de Peckinpah como o gosto pelas cenas sangrentas ou bizarras e a descrição de heróis maltratados pela vida, perdedores ou desajustados, que buscam a redenção.

Brian Keith,Chill Wills e Steve Cochran em O Homem Que Eu Devia Odiar

Depois de O Homem Que Eu Devia Odiar, Peckinpah fez suas três obras-primas, tendo sido inegavelmente o realizador que mais se destacou no gênero na década de sessenta. Seus westerns foram chamados de dirty westerns (westerns sujos), de tal modo que este diretor destruiu os mitos do herói, do cowboy, do xerife, assim como o do soldado de uniforme azul. Ao western clássico, impregnado de bons sentimentos, ele opôs um mundo brutal e sem escrúpulos, de aventureiros amargurados, militares paranóicos, assassinos sádicos, bandidos idosos e fatigados que se matam entre sí em um Oeste agonizante. Seus três westerns admiráveis foram: Pistoleiros do Entardecer / Ride the High Country / 1962, Juramento de Vingança / Major Dundee / 1965 e Meu Ódio Será Sua Herança / The Wild Bunch / 1969.

Joel McCrea e Randolph Scott em Pistoleiros do Entardecer

Randolph Scott e Joel McCrea em Pistoleiros do Entardecer

Em Pistoleiros do Entardecer, o ex-xerife Steve Judd (Joel McCrea) é contratado para escoltar um carregamento de ouro de uma mina para um banco da cidade. Steve convoca como ajudantes seu antigo colega Gil Westrum (Randolph Scott) e o jovem Heck Longtree (Ron Starr). No caminho, junta-se a eles a jovem Elsa Knudsen (Mariette Hartley) que está fugindo de um pai puritano e violento para se encontrar com o noivo Billy Hammond (James Drury) no acampamento dos mineiros. Após uma cerimônia matrimonial grotesca em um bordel, Elsa tem que ser resgatada das atenções brutais dos irmãos de Billy (John Anderson, Warren Oates, L. Q. Jones, John Davis Chandler). Na viagem de volta, perseguidos pelos Hammond, Judd frustra as tentativas de seus dois companheiros para roubar o ouro. Em uma confrontação final com os Hammond, Westrum, que havia fugido, retorna para ajudar Heck e Judd, que morre, ouvindo a promessa de Westrum de conclui a missão.

Cena de Pistoleiros do Entardecer

Mariette Hartley e James Drury em Pistoleiros do Entardecer

Os heróis estão envelhecidos. Logo nas primeiras cenas vemos o primeiro esconder sua miopia e se trancar no banheiro para ler um contrato e o segundo, fantasiado de Buffalo Bill, com cabelos longos e barba postiços, explorando um estande de tiro em um parque de diversões. Antigos guardiães da lei, eles sobreviveram à invasão do Oeste pela civilização e encontrarão juntos a oportunidade de viver sua última aventura, seu último duelo, e de readquirir o respeito próprio.

Não tendo enriquecido, nem formado uma família nem conseguido se estabelecer em algum lugar, Judd se considera um fracassado, mas espera recuperar sua dignidade. Deseja, segundo suas próprias palavras, “morrer justificado” consigo mesmo; daí sua recusa de embolsar o ouro que lhe fora confiado pelos garimpeiros, sua tristeza de se ver traído por um amigo nde sua confiança, e sua morte redentora, pois sabe que Westrum terminará a tarefa que ele não pôde cumprir.

Amoral e oportunista, irônico e mais maleável que Judd, Westrum também está consciente de seu fracasso no plano do êxito social e, ao contrario de Judd, pensa em se apoderar do ouro. Porém, ao ver seus companheiros prestes a serem massacrados por um trio sinistro, não hesitará em intervir e reverter uma situação deseperada. Aceitando concluir a missão de Judd, Westrum irá operar igualmente a sua redenção e recobrará a sua auto-estima.

Mariette Hartley, Ron Starr, Joel McCrea e Randolph Scott em Pistoleiros do Entardecer

De seu passado aventureiro – constantemente relembrado – Judd e Westrum conservaram um certo senso de honra (mesmo Westrum, que queria se apossar do ouro) e de amizade e, em contato com os dois idosos, o jovem Heck aprende a se tornar um homem digno deste nome.

A escaramuça nas montanhas varridas pelo vento é uma das várias cenas magistrais do espetáculo. Há também o jantar, no qual Judd recita versículos dos Provérbios, o pai de Elsa retruca com Isaías e Westrum, encantado com a comida, “cita” Apetite, Capítulo I. Ainda melhor é a festa de casamento em um bordel, celebrada por um juiz bêbado e com as prostitutas como damas de honra.

Na sequência final antológica, Judd, ferido, e Heck, são encurralados em uma vala enquanto Billy e seus dois irmãos atiram neles da casa do rancho e do celeiro. De repente, em uma cavalgada emocionante, Westrum aparece para socorrê-los. Com um sorriso nos lábios Judd e Westrum tornam-se parceiros novamente. Os cinco homens se confrontam e todos são alvejados. Os Hammond morrem. Westrum assegura ao agonizante Judd que vai entregar o ouro “tal como este teria feito”. Judd responde: “Diabos, eu sei, sempre soube. Você apenas esqueceu por alguns momentos. Só isso”. O tom triste e nostálgico e as cores outonais da paisagem celebram a agonia de uma época e dão ao filme não somente grandeza, mas também poesia.

Charlton Heston em Juramento de Vingança

Em Juramento de Vingança, no ano de 1864, o Major Dundee (Charlton Heston), comandante de uma guarnição encarregada da guarda de prisioneiros sulistas e malfeitores de toda espécie, sob o pretexto de vingar o massacre cometido pelo apache Sierra Charriba, organiza uma tropa composta por seus soldados, pelos rebeldes – que só obedecem às ordens de seu chefe, Capitão Tyreen (Richard Harris) – e pelosdetentos civís.

O filme se concentra nos conflitos entre o oficial nortista severo e pragmático e o irlandês extravagante que havia aderido à causa confederada. Dundee, amargurado pelos seus fracassos no passado, encara a missão como um meio de salvação pessoal; Tyreen, romântico incorrigível, questiona seus sentimentos e seu valor. Para ambos a expedição punitiva é ao mesmo tempo a ocasião de resolver seus próprios dramas.

Richard Harris em Juramento de Vingança

Essa busca de identidade pessoal é ligada ao tema paralelo da definição nacional, ou melhor, à reflexão sobre as raízes da América. Soldados da União, prisioneiros confederados e negros cansados de lavar estábulos; ladrão de cavalos e pregador; batedor veterano e corneteiro ingênuo; tenente da artilharia inexperiente e sargento mexicano que conhece bem os Apaches, evocam as anomalias e as divisões da nação que está se formando.

A princípio reina a desconfiança entre os integrantes do grupo heterogêneo, porém ocorre uma aproximação quando eles entram em combate orgulhosamente contra os índios e depois os franceses do imperador Maximiliano. Tal como a nova nação, os homens se mantêm unidos pelo empenho decidido de destruir o inimigo – eles agora têm uma só identidade: são americanos. Apesar das mutilações ordenadas pelo produtor, o espetáculo não perdeu sua força cinematográfica (v. g. a carga da cavalaria francesa através do rio e a morte de Tyreen investindo loucamente contra os lanceiros) e seu significado.

Em um estudo estruturalista (Six Guns and Society, 1975), Will Wright defendeu a tese de que houve uma evolução no western de Hollywood de um interesse pelo herói solitário que luta contra os vilões em defesa da comunidade para uma preocupação com um grupo de heróis de elite que lutam simplesmente para se afirmar como profissionais. Estes novos heróis estão dispostos a defender a sociedade apenas como um emprego, que eles aceitam pelo dinheiro ou pelo prazer de lutar, e não pelo compromisso com as idéias de lei e justiça. A própria luta e a camaradagem que ela cria são uma justificativa suficiente para as suas ações. É o que Wright chamou de western “profissional” cujos representantes mais bem sucedidos foram Sete Homens e um Destino / The Magnificent Seven / 19060 de John Sturges; Os Profissionais / The Professionals / 1966 de Richard Brooks e Meu Ódio Será Sua Herança de Sam Peckinpah.

Robert Ryan em Meu Ódio Será Tua Herança

Ben Johnson, Warren Oates, William Holden e Ernest Borgnine em Meu Ódio Será Tua Herança

A ação do filme de Peckinpah começa na fronteira do Texas, em 1915, onde chega um bando envelhecido de foras-da-lei: Duth Engstrom (Ernest Borgnine), Lyle Gorch (Warren Oates), Hector Gorch (Ben Johnson), Angel (Jaime Sanchez) e Sykes (Edmond O’Brien), liderados por Pike Bishop (William Holden). Após assaltarem uma companhia ferroviária, são perseguidos pelos caçadores de recompensa de Duke Thornton (Robert Ryan), ex-parceiro de Bishop. Os ladrões fogem para o México e verificam que foram logrados (nos sacos de dinheiro havia apenas arruelas sem valor); logo se envolvem com o General Mapache (Emilio Fernandez), para quem assaltam um trem carregado de munição em troca de dez mil dólares em ouro. Angel, o membro mais jovem do bando, é também um revolucionário e, quando o general descobre isto, manda torturá-lo. Os outros companheiros a princípio tentam ignorar o compromisso de Angel mas, traídos por Mapache, eles honram seus princípios, redimindo-se em uma catarse de sangue.

Sam Peckinpah e William Holden na filmagem de Meu Ódio Será Tua herança

A “horda selvagem” é constituída por indivíduos violentos, inadaptados e solitários em uma época que eles não compreendem mais. A única virtude desses homens consiste no senso de honra pessoal e lealdade mútua. Já o magnata da estrada de ferro é totalmente desprovido de escrúpulos, pois permite a matança de cidadãos inocentes ao preparar uma cilada para o bando de Bishop, e depois organiza um grupo de perseguidores raivosos, dispostos a exterminá-los. A ferocidade dos perseguidores e dos perseguidos ainda é superada pela bestialidade dos mexicanos.

Peckinpah não analisa claramente as causas dessa violência, tentando apenas impressionar os espectadores para que estes fiquem horrorizados com ela. O excesso de gore (em cadência lenta) e a evocação de um oeste desglamourizado, levou muitos críticos a considerar Meu Ódio Será Tua Herança como mais uma ode à destruição inspirada pelos “western spaghetti”, obscurecendo o fato de que se trata de um filme de uma grandeza trágica raramente igualada no gênero.

Os outros westerns de Peckinpah, A Morte Não Manda Recado / The Ballad of Cable Hogue /1970 e Pat Garrett and Billy the Kid / Pat Garrett e Billy the Kid / 1973 incluem-se entre os “crepusculares”, pois retomam o tema do fim do Oeste.

Jason Robards em A Morte Não Manda Recado

Abandonado no deserto do Arizona por seus parceiros Bowen (Strother Martin) e Taggart (L. Q. Jones), que o despojam de seu cavalo e de seus bens, o garimpeiro Cable Hogue (Jason Robards) entrega-se à misericórdia de Deus. Após quatro dias perambulando sem destino, ele descobre água. Tomando posse desse pedaço de terra árida, Hogue cria Cable Springs, um oásis para viajantes cansados, servindo aos passageiros da linha de diligências entre Deaddog e Gila. Um desses viajantes itinerantes é um evangelista libertino chamado Joshua Sloane (David Warner), que toma conta do poço enquanto Hogue vai até a cidade de Deaddog para registrar sua descoberta e obter um empréstimo bancário. Lá ele conhece Hildy (Stella Stevens) uma bela prostituta e lhe oferece refúgio, quando ela é expulsa de Deaddog por religiosos. Os dois se apaixonam, mas Hildy parte para são Francisco atrás de um marido rico. Sua partida coincide com a chegada dos ex-parceiros de Hogue, que têm a intenção de roubá-lo; mas o garimpeiro monta uma armadilha para eles, aprisionando-os em um ninho de cobras. Quando Hildy reaparece, viúva e rica, para levar seu amado consigo para New Orleans, Hogue é acidentalmente atropelado pelo seu carro e, ao morrer, recebe a extrema unção pelas mãos de Joshua Sloane.

Jason Robards e Stella Stevens em A Morte Não Manda Recado

A Morte Não Manda Recado, tal como Pistoleiros do Entardecer e Meu Ódio Será Tua Herança, antes dele e Pat Garrett e Billy the Kid depois, é uma obra elegíaca simbolizando o ocaso de uma era e Cable Hogue um símbolo vivo do velho mundo eliminado pelo progresso. Trata-se de um western inusitado na filmografia de Peckinpah, concebido em tom de farsa e cruzando com outros dois gêneros: a comédia – recorrendo à câmera acelerada (quando Hildy chega e Hogue arruma a casa em poucos segundos) e ao desenho animado (o índio da cédula bancária piscando o olho para Hogue) – e o drama (o romance com final trágico entre a prostituta e o rústico empreendedor). Embora surjam aqui e ali algumas cenas interessantes, o espetáculo, acompanhado por canções folclóricas, tem pouca brutalidade e pouco dinamismo, transcorrendo em um ritmo moroso, que frustra o espectador acostumado com os filmes sangrentos e movimentados do diretor.

Kris Kristofferson e James Coburn em Pat Garrett e Billy the Kid

Em Pat Garrett e Billy the Kid os tempos lendários do Oeste não têm mais vez, superados pela modernidade e pelo capitalismo. Percebendo isso, Pat Garrett (James Coburn), que começa a envelhecer, aceita o cargo de delegado, oferecido por poderosos rancheiros (representantes do poder econômico), seus antigos inimigos. Ex-bandido, Garrett é nomeado guardião da lei em troca da promessa de respeitabilidade, e se empenha em prender seu amigo Billy the Kid (Kris Kristofferson), fora-da-lei mais jovem do que ele. Billy personifica o romantismo e o espírito de liberdade de um Oeste selvagem, que está desaparecendo. Garrett adverte-o de que, a partir de agora, estão em lados opostos, mas ele ao contrário ainda acredita no mito – é preso, mas consegue fugir. O perseguidor cumpre sua missão com desgôsto e retarda o momento quando deverá liquidar o amigo. Finalmente, Garrett descobre o paradeiro de Billy e o mata, sem lhe dar a menor chance de defesa. Alias (Bob Dylan) é um trovador, ao qual Peckinpah confiou um pequeno papel enigmático de testemunha da ação e da intriga.

Sam Peckinpah, James Coburn e Kris Kristofferson na filmagem de Pat Garrett e Billy the Kid

O filme, de índole alegórica (resistência a opressão, os tempos que mudam) e fatalista (a inevitabilidade do confront final), tem um ritmo lento, alternando cenas estáticas e lânguidas com sequências de violência gratuita (v. g. a matança dos galináceos a tiros por mera diversão). Compensando em parte a falta de dinamismo do relato, surgem alguns momentos de inspiração, tais como a fuga de Billy e aquela imagem simbólica da embarcação transportando uma família de mudança, com seus pertences e animais, tendo à proa um velho que dispara sua arma sem propósito contra as águas.

Apesar de certos acêrtos diretoriais em ambos, esses dois derradeiros westerns de Sam Peckinpah, abalados também pelos combates do diretor com os respectivos estúdios (Warner / Seven Arts e MGM), não têm a mesma significação artística do que os três que os antecederam.