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ANÁLISE DE CIDADÃO KANE

Produto do sistema de estúdio, Cidadão Kane foi o primeiro filme que fez importantes modificações no cinema clássico, abrindo caminho para o cinema moderno.

Cia. Prod: Mercury Productions / RKO Radio Picrtures

Chefe do Estúdio: George J. Schaefer

Produtor: Orson Welles

Prod. Associado: Richard Baer (Richard Barr)

Assistentes de Produção: William Alland, Richard Wilson

Diretor: Orson Welles

Assistentes de Direção: Eddie Donahue, Freddie Fleck

Roteiro: Herman J. Mankiewicz, Orson Welles

Diretor de Fotografia: Gregg Toland

Assistente de Câmera: Eddie Garvin

Retakes e cenas adicionais: Harry J. Wild

Operador de Câmera: Bert Shipman

Montagem: Robert Wise

Assistente de Montagem: Mark Robson

Efeitos de montage: Douglas Travers

Direção de Arte: Perry Ferguson, Van Nest Polglase (Chefe do Departamento)

Decorador de Interiores: Darrell Silvera

Efeitos Especiais: Vernon L. Walker

Pintor de Matte: Mario Larrinaga (auxiliado por Chesley Bonestell, Fitch Fulton)

Efeitos óticos: Linwood G. Dunn (auxiliado por Cecil Love, Bill Leads)

Fotógrafo de efeitos visuais: Russell Cully

Música / Direção Musical: Bernard Hermann

Canção “Charlie Kane”: Herman Ruby

Figurinos: Edward Stevenson

Som: Bailey Fesler, James G. Stewart

Maquilagem: Maurice Seiderman

Distribuição: RKO

Filmagem: 22 de julho a 23 de outubro de 1940

Duração: 119 minutos

Lançamento nos EUA: 1 de maio de 1941 no RKO Palace em Nova York.

Estréia no Rio de Janeiro: 29 de setembro de 1941 no Cinema Plaza.

Orson Welles

Gregg Toland

ELENCO PRINCIPAL:

Orson Welles – Charles Foster Kane

Joseph Cotten – Jedediah Leland

Susan Alexander Kane – Dorothy Comingore

Agnes Moorehead – Mary Kane, a mãe de Kane

Everett Sloane – Bernstein

George Colouris – Walter Parks Thatcher

Ruth Warryck – Emily Monroe Norton Kane, a primeira mulher de Kane

Paul Stewart – Raymond, o mordomo

William Alland – o repórter

Ray Collins – James W. Gettys

Harry Shanon – Jim Kane, o pai de Kane

Fortunio Buonanova – Matisti

Buddy Swan – Kane com 8 anos de idade

Philip Van Zandt – Mr. Rawlston

RESUMO DO ARGUMENTO:

Charles Foster Kane morre isolado em seu fabuloso castelo. Ninguém consegue explicar a última palavra que pronunciou: Rosebud. É isso que um repórter é encarregado de elucidar quando começa a interrogar os ex-colaboradores e a segunda esposa do falecido. Assim, reconstitui o quebra cabeça da vida de Kane, porém não decifra o enigma. Só nós, espectadores, ficamos sabendo que Rosebud era simplesmente o trenó que Kane possuia quando criança, símbolo da felicidade perdida e jamais recuperada.

GÊNERO DO FILME:

Reportagem biográfica. Drama de mistério. Ensaio para apreender, em uma abreviação dinâmica, a vida de um homem em toda a sua complexidade.

ÉPOCA E LUGAR DA AÇÃO:

A América contemporânea. A duração da “vida de um homem”. Ou seja, de 1871 (Kane com 8 anos) a 1941 (morte de Kane).

Marion Davies e William Randolph Hearst

Harold B. McCormick e Ganna Walska

ROTEIRO:

Trata-se de um roteiro original, escrito por Herman J. Mankiewicz e Orson Welles, utilizando elementos da vida de William Randolph Hearst, conhecido magnata da imprensa americana (1863-1951) e também da vida do próprio Orson Welles. Nós podemos dizer que Cidadão Kane é um film à clef, isto é, muitos dos personagens são inspirados em pessoas reais. Por exemplo: Leland seria o crítico de teatro Ashton Stevens (tio de George Stevens), que era amigo do pai de Welles e que trabalhava para Hearst; Susan seria uma mistura da atriz de cinema Marion Davies, protegida e amante de Hearst e da polonesa Ganna Walska, cantora de ópera de Chicago, protegida e amante de outro magnata, Harold B. McCormick; Bernstein seria uma alusão ao Dr. Bernstein, médico, admirador e possivelmente amante da mãe de Welles e que depois foi seu guardião.

Orson Welles e Herman Mankiewicz

O roteiro foi escrito pelos dois da seguinte maneira: Mankiewciz escreveu o arcabouço da história e Welles depois ia revisando, cortando e / ou acrescentando novos incidentes. A idéia da multiplicidade de pontos de vista foi de Welles, que já a havia usado em uma peça que escrevera nos seus tempos de colégio, intitulada “Marching Song”, versando sobre o líder abolicionista John Brown. A idéia do enigma de Rosebud foi de Mankiewicz. Quem colocou mais fatos sobre a vida de Hearst foi também Mankiewciz, porque conhecia o Hearst intimamente e sabia muitas anedotas a seu respeito. O Welles introduziu mais acontecimentos sobre o outro magnata, McCormick, e sua própria vida. Nesta questão de autoria Mankiewciz contribuiu muito para dar consistência ao roteiro, mas foi Welles que deu o brilho cinematográfico à narrativa, impondo seu extraordinário estilo visual barroco, seu cinema essencialmente dinâmico.

DIVISÃO DO FILME:

O filme se divide em 4 partes:

  1. Um prólogo, mostrando a grade com o aviso No Tresspassing, e a morte de Kane.
  2. O cine-jornal mostrando de forma sucinta e didática (imitando o estilo da série A Marcha do Tempo / The March of Time, produzida nos anos 1935-1951 por Louis de Rochemont) a vida pública, política e sentimental de Kane. O ator William Aland imita a voz estentória do locutor do famoso newsreel, Westbrook Van Voories. Mais de quarenta anos antes de Zelig / Zelig / 1983, de Woody Allen, Welles inseriu o personagem de Kane nas tomadas de arquivo ao lado de figuras históricas famosas como Adolf Hitler e Teddy Roosevelt.
  3. Os trechos com as entrevistas e os flashbacks mostrando de forma prismática a verdadeira vida de Kane.
  4. Um epílogo, mostrando a fumaça que sobe e novamente a grade com o aviso No Trespassing.

 

 

CONSTRUÇÃO DRAMÁTICA:

Podemos observar:

1. O abandono da forma tradicional de narração clássica:

Em lugar do relato linear, Orson Welles optou por um relato “desintegrado”, “atomizado”, justapondo momentos isolados da vida de Kane, peças de um quebra cabeça que se arma diante de nossos olhos, e somente a última peça nos dará a chave do mistério. Através da verdade de cada um, vamos desmontando a personalidade de Kane do exterior para o interior, isto é, da sua vida pública, aparente, superficial, para a sua vida privada, onde se constata uma angústia profunda. Apesar dessa estrutura difusa, dispersiva, os roteiristas conseguiram dar ao relato uma continuidade bastante densa, a continuidade do que passou, do que foi vivido, enfim, conseguiram passar uma dimensão existencial ao relato.

2. A preocupação de não dizer tudo:

O filme inteiro apresenta apenas uma metade de Kane, e só as últimas cenas nos revelam a outra metade, aliás, a mais importante. Existe durante todo o tempo a preocupação de não dizer tudo. O repórter não fica sabendo quem era Kane. A verdade subjetiva de Kane nos é dada como um presente visual; somente nós, espectadores, conseguimos encaixar a última peça do quebra cabeça.

3. O uso original do flashback (uma década antes de Rashomon / Rashômon / 1950, de Kurosawa):

Em Cidadão Kane, o elemento tempo assume uma importância fundamental, tal como ocorre na obra literária de Marcel Proust ou William Faulkner. Para jogar com o tempo, geralmente usa-se o flashback. Só que, em Cidadão Kane, os flashbacks não representam as recordações apenas de uma pessoa, que é a forma mais comum, mas sim de várias pessoas. São cinco pessoas: Thatcher, Bernstein, Leland, Susan, e o mordomo Raymond. Isso além do jornal cinematográfico, que não deixa de ser também um retrospecto. Cada um desses flashbacks começa em um momento posterior àquele que o precede, mas um acontecimento ou período é recordado por dois ou três pontos de vista: a estréia de Susan na ópera é vista no jornal cinematográfico, no retrospecto objetivo de Leland e no retrospecto subjetivo da própria Susan.

Robert Wise, Richard Wilson e Orson Welles

4. O uso do montage como parte da ação:

Não confundir montage com montagem, que em inglês é editing. São duas coisas diferentes. O montage (ou sequência de montagem) é uma série de cenas rápidas condensando acontecimentos. Por exemplo: quando Kane obriga Susan a continuar cantando, vemos cenas rápidas mostrando diferentes teatros e manchetes de jornais estampando o nome de Susan com letras cada vez maiores. Geralmente o montage é usado à margem da ação ou como elemento de transição, mas em Cidadão Kane ele é usado como parte da ação.

TEMA:

Existe um tema filosófico e um tema social.

O tema filosófico é, em primeiro lugar, uma reflexão sobre a felicidade e uma meditação sobre a existência. Charles Foster Kane teve riqueza e poder, mas não conseguiu ser feliz. Talvez fosse até melhor dizer que foi justamente a riqueza e o poder que o impediram de ser feliz. Rosebud simboliza o reconhecimento do seu fracasso existencial, a nostalgia do “paraíso perdido”, que era a sua infância tranquila, antes de ser obrigado a se separar dos pais. Inconsciente de sua ambição desenfreada, de seu delírio de poder, de seu egoismo e de seu orgulho, é só na hora da morte que percebe cruelmente a sua solidão. E aí nós lembramos de uma cena importante do filme, quando Kane, garoto, agride com o trenó o homem que lhe traria a fortuna. Era como se o menino estivesse pressentindo o seu destino. Ainda no plano filosófico, percebemos uma reflexão sobre o conhecimento. O repórter tenta apreender a vida de um homem na sua complexidade, tarefa que, segundo o aviso simbólico na grade de Xanadu, é impossível de realizar. No Trespassing, entrada proibida.

O tema social se desdobra em vários aspectos:

1. a crítica a uma concepção do homem e a uma certa forma de civilização baseada no mito do sucesso e no gigantismo. Crítica ao capitalismo e ao materialismo. Apesar da profusão de obras de arte e de amplos aposentos, Xanadu é um lugar sem vida, onde reina a solidão. Kane não capta o conteúdo espiritual das obras de arte, compra-as como mercadoria, como adorno. Trata-se apenas de acumular riqueza. Kane passou a vida inteira tentando usar seu dinheiro para fazer com que as pessoas gostassem dele. Criado por um banqueiro, em vez de seus pais, foi o dinheiro, e não o amor, que governou seus anos de juventude; portanto é natural que ele pensasse que o dinheiro devesse reger seu relacionamento com as pessoas.

2. a crítica à imprensa venal, à pressão que um truste da comunicação pode exercer sobre a opinão pública, inclusive impondo o sucesso de certos artistas. Apesar das críticas negativas dos demais jornais e do seu próprio comentarista de arte, a temporada lírica de Susan é noticiada nos jornais de Kane com manchetes efusivas e elogiosas. O magnata da imprensa faz tudo o que julga necessário para transformar a sua segunda esposa em uma das grandes cantoras do mundo operístico.3. a crítica aos costumes eleitorais. Ao tipo de publicidade empreendida por Kane contra seu adversário na eleição para governador, “Boss” Jim Gettys (os jornais de Kane publicam desenhos retratando Gettys em um uniforme de presidiário) e à chantagem política (os detetives que Gettys contratou, documentam o envolvimento de Kane com a amante e ele arranja um encontro com Kane e sua primeira esposa Emily no apartamento de Susan). Gettys oferece silêncio em troca da desistência de Kane de disputar a eleição, mas Kane se recusa. Os jornais rivais publicam a história do adultério e Kane perde a eleição – mas seus jornais proclamam que houve fraude.

Ray Collins, Dorothy Comingore, Welles e Ruth Warryck

Essas mensagens trazidas pelo filme eram das mais agressivas até então saídas de Hollywood. Assuntos “audaciosos” como esses, só costumavam ser abordados quando se tratava da adaptação de algum best seller cuja perspectiva de lucro acalmava os produtores como foi, por exemplo, o caso de As Vinhas da Ira / The Grapes of Wrath / 1940 de John Ford. Atacar um “Deus” da América como Kane, mostrar o inverso de sua vida, questionar o mito do sucesso, doutrina pouco conforme àquela que era pregada em 95% dos filmes americanos, trouxe evidentemente muitos inimigos para Orson Welles e explica a cólera de Hearst.

DIREÇÃO:

Com um conteúdo tão original, Cidadão Kane merecia receber uma forma também original e Welles, apropriando-se, com poder de síntese extraordinário, de tudo o que havia de mais expressivo em termos de linguagem cinematográfica até então, renovou-a com o seu gênio. Pode-se dizer que, desde os filmes de Griffith, nenhum outro filme marcou mais a História do Cinema como Cidadão Kane. O cinema que se fazia por ocasião do lançamento de Cidadão Kane em 1941 era praticamente aquele inventado por Griffith com predominância da montagem de planos curtos, e que chegou ao auge no fim do período silencioso com as obras de diretores como Eisenstein, Murnau, Fritz Lang, Stroheim, Chaplin, Victor Sjostrom, Carl Dreyer etc. Esses cineastas foram enriquecendo a linguagem criada por Griffith. Eisenstein, propondo a montagem intelectual; Murnau, mobilizando a câmera ao máximo e projetando, com Fritz Lang, o expressionismo; Stroheim, introduzindo o naturalismo no cinema; Chaplin, o humanismo e a poesia; Sjostrom, a natureza; Dreyer, compondo uma sinfonia com os primeiros planos.

Com o advento do cinema sonoro, houve um retrocesso. A câmera, por imposição da nova tecnologia, ainda não aperfeiçoada, voltou a se imobilizar como nos tempos de Lumière, e o cinema reaproximou-se do teatro. Foi preciso um certo tempo para que outros tantos cineastas inventivos como Rouben Mamoulian, King Vidor, Ernst Lubitsch, René Clair, John Ford etc. reconduzissem o cinema para o seu caminho mais legítimo, porém ainda formulado de acordo com o padrão griffithiano. Em 1939, surgiu o filme famoso que representa bem esse tipo de cinema … E O Vento Levou / Gone With the Wind. A estética do cinema estava nesse estágio, quando um jovem de 25 anos lhe deu uma sacudidela, tornando-se o precursor do cinema moderno.

Orson Welles e Gregg Toland

Welles contava com sua experiência no teatro e no rádio, setores onde havia demonstrado o seu gênio e causado sensação. Mas, de cinema mesmo, não conhecia nada. Foi na sala de uma cinemateca que viu os clássicos pela primeira vez, notadamente No Tempo das Diligência / Stagecoach / 1939 de John Ford e, com espantosa intuição, aprendeu como funcionava o maravilhoso brinquedo, que lhe puseram nas mãos. Antes de Welles, já se usava os big close ups (por exemplo, Dreyer em O Martírio de Joana D’Arc / La Passion de Jeanne D ‘Arc / 1928, os expressionistas e os russos); já se usava a iluminação contrastada (por exemplo, John Ford em O Delator / The Informer / 1935 e os expressionistas); já se usava imagens surrealistas (por exemplo, Cocteau e Buñuel); já se usava cenários com tetos de verdade (por exemplo, Ford em No Tempo das Diligências / Stagecoach / 1939); já se usava a profundidade de campo (por exemplo, Jean Renoir em A Regra do Jogo / La Régle du Jeu / 1939): já se usava a estrutura prismática (por exemplo, William K. Howard em Glória e Poder / The Power and the Glory / 1933) etc. Portanto, Welles não inventou nada. Apenas se apropriou de tudo o que havia sido feito e empregou esses elementos de uma maneira nova.

Orson Welles e Gregg Toland

Muitos acham que há em Cidadão Kane um excesso de efeitos. Esta é a maior crítica que fazem ao fime. Por exemplo, a decisão tomada do uso da câmera baixa ao nível do chão na cena em que Leland está bêbado ou na repetição inútil do lance da grua entrando pela clarabóia da boate. Talvez haja de fato um excesso aqui e ali, mas não prejudicam o filme. Vejamos os acertos, que são abundantes.

  1. Utilização interessante dos meios técnicos:

1.1. No plano visual:

a) o emprego da profundidade de campo (ou foco profundo) e do plano-sequência.

A profundidade de campo tende a substituir as constantes mudanças de planos. Seu objetivo é dar ao espectador maior liberdade em relação ao acontecimento. O crítico francês André Bazin chamou isso de “a democratização da mise-en-scène”. A profundidade de campo enseja o plano-sequência, que registra a ação de uma sequência inteira, sem cortes. Enquanto na decupagem clássica o diretor mostra uma ação em vários planos por meio de cortes, com a profundidade de campo ele permite que a gente veja essa ação de uma só vez como no teatro. A importância de cada momento da ação não é mais acentuada arbitrariamente pelo diretor. O espectador pode escolher o foco de sua atenção entre diversos pontos de interesse, que são mostrados simultaneamente. O diretor de fotografia Gregg Toland disse em uma entrevista: “Nós queríamos que o público, ao ver Cidadão Kane, tivesse a impressão de estar vendo não um filme, mas a própria realidade”. E Welles declarou: “Na vida a gente vê tudo em foco ao mesmo tempo e por que não no cinema?”

O problema era como obter a imagem nítida no fundo do quadro e isso foi solucionado por Toland usando uma lente grande angular (24mm, 28mm) anti-reflexo (AR Coating Lens) e fechando o diafragma ao máximo (f. 8 e f. 16); um filme super sensível (negativo Eastman Kodak Super XX); e forte iluminação, obtida com refletores de alta potência.

Profundidade campo e plano sequência

Em Cidadão Kane podemos apontar vários momentos nos quais se usou a profundidade de campo: nas cenas dos pais de Kane dentro da casa discutindo sobre o futuro do menino e este visto através da janela brincando lá fora na neve; na cena da entrada de Leland no fundo da sala de redação do jornal enquanto Kane está trabalhando na máquina de escrever e acaba por despedí-lo; na cena da lição de canto, quando Kane surge no fundo da sala; na cena do envenenamento de Susan com o frasco com o veneno em primeiro plano; nas cenas do banquete e da festa na séde do Inquirer etc.

b) o emprego do travelling.

Há quatro, magistrais, cada qual um tour de force de fluidez e continuidade: 1. O travelling inicial da grade com o cartaz No Trespassing até a boca de Kane. 2. O travelling na boate El Rancho, quando a câmera sobe verticalmente até as letras de vidro de gás néon e depois desce através da clarabóia. O movimento continua após uma rápida dissolvência (disfarçada por um relâmpago e um trovão), para ir apanhar embaixo Susan Alexander Kane e um repórter conversando em uma mesa no interior do estabelecimento (que era um antigo set da RKO). 3. O travelling vertical nos bastidores do teatro, durante a representação da ópera, até o teto onde estão os maquinistas. 4. O longo travelling final com a câmera sobrevoando o amontoado de caixotes até chegar à lareira, onde é jogado o trenó.

c) o emprego do simbolismo.

O simbolismo da palavra Rosebud, cujo significado nós já vimos: a felicidade perdida etc.o simbolismo das grades de ferro e o aviso No Tresspassing cujo significado nós também já vimos: não se pode penetrar totalmente na vida de um homem etc.

O simbolismo da bola de vidro com a miniatura da cabana de neve, cujo significado é bem claro: a nostalgia da paisagem da infância, les neiges d’antan, como diria o poeta François Villon.

O simbolismo da sombra dominadora de Kane sobre Susan e da boneca de pano de Susan.

O simbolismo das obras de arte encaixotadas, focalizadas do alto, sugerindo a vista aérea de uma grande metrópole e significando a capital do império que Kane construiu para seu uso e gozo.

d) o emprego da elipse.

Por exemplo, uma elipse cronológica quando Tatcher deseja ao pequeno Kane um feliz Natal e logo em seguida um próspero Ano Novo ao mesmo Kane mais velho.

e) o emprego irônico do chicote (whip pan), que é um elemento de pontuação no qual a câmera abandona uma imagem e vai colher a seguinte em uma panorâmica rapidíssima. Por exemplo, o uso de vários chicotes para mostrar a deterioração do casamento de Kane e Emily, sua primeira mulher, na mesa do jantar. Kane aparece cada vez mais vagaroso e Emily acaba lendo o jornal concorrente. São seis cenas de dois minutos, cada uma cobrindo nove anos de matrimônio.

f) o emprego das fusões ou dissolvências (lap dissolves).

Susan Alexander

As dissolvências foram muito usadas em Cidadão Kane. Por exemplo, para resumir em poucas imagens o suplício de Susan na ópera ou combinadas com o movimento de câmera, como no travelling da boate El Rancho.

g) o emprego da iluminação.

O papel da iluminação em Cidadão Kane, aliás tomada da escola expressionista, é importantíssimo, contribuindo frequentemente para a dramaticidade. Welles contou com a inestimável colaboração de um grande diretor de fotografia, Gregg Toland. (1904-1948). Curiosamente, foi Toland quem se ofereceu para trabalhar com aquele jovem de 25 anos, porque sentiu que ia poder ter liberdade para fazer experiências. A relevância da colaboração de Toland está refletida nos créditos do filme, nos quais o seu nome aparece com o mesmo destaque que o do diretor.

Welles não somente encorajou as experimentações de Toland, como positivamente insistiu para que ele fizesse isso. Desde os primeiros dias de trabalho eles mantiveram um espírito de fervor revolucionário com relação ao filme e esta atmosfera continuou a caracterizar o seu relacionamento durante toda a produção.

Há uma tendência no filme para iluminar violentamente os personagens que escutam e deixar na sombra os que falam. Também as luzes, às vêzes, vêm de uma só fonte de iluminação, para aumentar a dramaticidade como, por exemplo, na cena da biblioteca ou quando Kane e Susan estão na enorme sala de visitas de Xanadu, que é iluminada só pelo fogo da lareira.

Durante o comício, somente Leland está visível; o restante da multidão, está obscurecido por sombras. Outro exemplo do uso de sombras ocorre quando, depois da terrível performance de sua esposa na ópera, Kane fica de pé e bate palmas sozinho, vendo-se apenas sua silhueta. Mais um exemplo: Kane apanha um pedaço de papel no qual escreveu a “Declaração de Princípios” e, enquanto lê em voz alta, seu rosto cai na sombra, obscurecendo suas feições.

A utilização da backlighting (contra-luz), que faz com que as figuras apareçam na sombra ocorre na cabine, após a projeção do cine-jornal. Tudo o que vemos são as silhuetas dos jornalistas e o contôrno de suas mãos se movendo.

h) o emprego do surrealismo.

Emprego sutil de imagens surrealistas. Por exemplo: o estranho castelo e o big close up da boca de Kane. Um efeito surreal é a imagem distorcida da enfermeira que entra no quarto de Kane moribundo como se a câmera estivesse vendo através de pedaços quebrados de vidro.

i) o emprego do jump cut (corte interrompido, quebra abrupta da continuidade de uma cena, também chamado de salto de montagem, o efeito que se obtém na tela quando se projetam dois fragmentos que não montam), para acelerar o tempo. Um exemplo é o corte para o discurso político no Madison Square Garden, onde vemos Kane falando diante de seu poster gigantesco.

1.2. No plano auditivo:

a) SOM:

Com sua experiência radiofônica, Welles deu ao elemento sonoro uma importância quase igual à imagem. Podemos notar, por exemplo:

  1. a atmosfera sonora na cena da visita à biblioteca com o emprego dos ecos.
  2. o afastamento progressivo do som à medida em que o travelling vertical nos bastidores do teatro nos conduz até o alto, onde estão os maquinistas.
  3. a lâmpada de cena que se apaga em um decrescendo delirante, exprimindo o esgotamento da personagem incapaz de suportar por mais tempo a vida de cantora medíocre, imposta por seu marido.
  4. o grito da cacatua após a partida de Susan em uma metáfora sonora exprimindo todo o desespêro de Kane. É como se ele estivesse tendo um ataque do coração.

  1. emprego do som para provocar um choque, uma surpresa brutal, uma comoção. Por exemplo, naquele corte para a música estridente iniciando o jornal cinematográfico, “News on the March”.
  2. a montagem sonora por analogia dos aplausos forçados de Kane e os aplausos também falsos de seus partidários.
  3. a montagem sonora pela qual os planos são interligados rapidamente não pela lógica da narrativa de suas imagens mas pela continuidade na trilha de som. Por exemplo, o crescimento de Kane de criança para adulto é transmitido em questão de segundos por uma técnica que Welles chamou de “lightning mix”: o guardião dá um trenó para o menino e lhe deseja “um feliz Natal” montado com o plano do mesmo homem completando a frase, agora endereçada a um adulto: “e um Feliz Ano Novo”. Ou seja, as cenas são ligadas pela trilha de som, e não pelas imagens.

b) MÚSICA:

A música acompanha a ação nas passagens cômicas ou dramáticas e é tão variada quanto o tom do filme. Um leit motif grave persegue Kane o tempo todo. Quando a narrativa ganha tons mais leves, esta gravidade desaparece como na sequência musical na séde do Inquirer. Pode-se notar um efeito interessante de sincronismo com a imagem quando a música para no momento em que se apagam as luzes do castelo.

Bernard Herrmann e orson Welles

O autor da música, Bernard Herrmann, que já havia colaborado com um Welles ainda mais moço na radiofonização de “Macbeth” no Mercury Theater of the Air e seria o futuro colaborador de Alfred Hitchock, compôs uma fictícia Ária de Salammbô (Dorothy Comingore deliberadamente dublada por uma soprano lírico leve, Jean Forward, para dar a impressão de que a personagem era inadequada para interpretá-la) especialmente para o filme, e aproveitou trechos de Chopin, Rossini, Handel, Mendelssohn e música de jazz (“This Can’t Be Love”, com o arranjo do Nat King Cole Trio).

Para simbolizar a deterioração gradual do casamento de Kane com sua primeira esposa, que transcorre na mesa do café da manhã, Herrmann usou um tema de valsa lenta com uma série de variações, que ficam cada vez menos parecidas com uma valsa e mais sombrias, na medida em que o clima entre os dois se torna progressivamente mais frígido.

O significado da palavra Rosebud, em torno da qual o filme inteiro gira, é expresso através da música, muito antes de ser revelado nas imagens. Um fragmento melódico (o motivo de Rosebud) é ouvido desde quando Kane a pronuncia no instante de sua morte e depois esse mesmo motivo é ouvido quando, ainda criança, ele está brincando na neve com o seu trenó, e mais uma vez quando a identidade de Rosebud é revelada visualmente. Outro fragmento melódico (o motivo do Poder) simboliza a sede insaciável de Kane pelo poder e sucesso indiferente às consequências.

c) DIÁLOGOS:

Os diálogos normalmente cumprem sua função de sustentar a progressão dramática ou de expor as idéias do autor. Em Cidadão Kane porém nenhum personagem é porta-voz do autor. Cada personagem dá a sua opinião sobre Kane, mas exprime apenas uma parte da verdade. A verdade total não é revelada pelos diálogos mas pela imagem do trenó se queimando na lareira. As réplicas que os roteiristas puseram na boca de Kane contribuem para exprimir as contradições do seu caráter. E as dos outros personagens também o retratam muito bem como na frase “Tudo o que ele realmente desejava na vida era amor, mas simplesmente não tinha nenhum para dar”, ou esta outra, “Ele só sabia dar gorjetas”.

Nota-se o uso do overlapping (diálogos justapostos) ou seja, quando várias pessoas falam ao mesmo tempo (como na realidade) e não uma depois da outra como fazem no teatro. Diálogos justapostos entre atores principais de um filme já haviam sido utilizados desde 1931 por Lewis Milestone em A Primeira Página / The Front Page, porém não para produzir uma impressão de conversação coletiva, como ocorreu em Cidadão Kane. Um exemplo de diálogos justapostos neste filme ocorre na cabine após a projeção do cinejornal “News on the March”.

Cenas dramaticamente expressivas:

a) a cena da chantagem de Gettys, especialmente nas últimas imagens, quando ele vem em direção à câmera para o primeiro plano com uma expressão de indiferença desdenhosa enquanto, no fundo, Kane explode de raiva.

b) a cena da cólera de Kane , quebrando o quarto de Susan.

Nessas duas cenas, a interpretação de Welles é notável. Ela tem uma grande intensidade dramática e um ritmo ofegante, e os enquadramentos, sensacionais. Por falar em interpretação, todos os atores eram desconhecidos no cinema, oriundos, como Welles, do Mercury Theatre, e por isso a equipe era bastante homogênea. Todos estão ótimos, destacando-se Welles por causa de seu papel mais importante. Outra prova da sua capacidade como ator Welles deu ao personificar com 25 anos um homem em várias fases de idade até a velhice. Mesmo com o auxílio da excelente maquilagem de Maurice Seiderman foi preciso também um esforço interpretativo por parte de Welles.

Toland, Welles e Maurice Seiderman

CENÁRIOS:

Com relação aos cenários, em interiores, aparece o teto. Na maioria dos filmes até então, nunca se via o teto, porque a iluminação vinha de cima. Para fotografar o teto, Toland colocou a câmera ao nível do assoalho com a iluminação também vindo de baixo. Os tetos que aparecem sempre que os ângulos de câmera ficam mais baixos (low angle), eram feitos de tecido (mousseline), e a captação do som, com o microfone atrás do tecido. Os cenários com tetos contribuiam para fechar o universo em que se moviam os personagens, tornando-o mais angustiante, mais “esmagador”.

Darrell Silvera e Van Nest Polglase

A gente pode perguntar qual é o significado daquela imensa biblioteca de estilo expressionista. Será que era para abrir pomposamente o livro da vida daquele homem pomposo ou, mais simplesmente, para criticar o abuso americano dos meios desproporcionados aos seus fins?

Em muitas cenas Welles e Perry Ferguson reutilizaram cenários de outros filmes da RKO e na sequência em Everglades eles usaram tomadas de arquivo de O Filho de King Kong / Son of Kong / 1933.

Perry Ferguson

Cumprindo instruções de Welles, Perry Ferguson desenhou cada cena (story board), pois o diretor queria que os cenários do filme fizessem parte integral da narrativa do filme; eles deveriam contribuir para a ação do filme, e não meramente funcionar como seu pano de fundo.

O principal interior de Xanadu é uma vasto salão definido por uma escadaria muito alta de pedra, uma lareira gigantesca e estátuas colossais – frequentemente a única companhia do casal. A esposa de Kane se entretem com um jogo de quebra cabeças enorme – tudo neste lugar é demasidamente grande. Neste aspecto Cidadão Kane é um refêrencia aos filmes de horror como Drácula / Dracula / 1931 realizados anteriormente por Charles D. Hall na Universal.

EFEITOS ESPECIAIS:

Em Cidadão Kane há um trabalho consideravelmente maior de efeitos especiais do que na maioria dos filmes de Hollywood na época. Uma das razões é de ordem financeira. Cidadão Kane foi realizado dentro de um orçamento que, devido à natureza e extensão de seu tema, era bastante limitado, e todo o empenho foi necessário para manter seu custo reduzido. Por exemplo, Welles foi obrigado a recorrer a artifícios óticos: nos planos do Madison Square Garden, somente a plataforma dos oradores é um set de ação com atores; o gigantesco salão e a platéia são pintados.

Na RKO, ao contrário de outros estúdios, as funções dos efeitos especiais estavam agrupadas em um departmento único e integrado, chamado Efeitos de Câmera, dirigido por Vernon L Walker. Havia câmeras especificamente projetadas ou adaptadas para a filmagem de efeitos. Mario Larrinaga era o pintor de matte e Linwood Dunn operava a trucagem ótica. Há no filme muito pouca projeção de fundo; essa técnica opunha-se à paixão de Welles pela profundidade de campo e pelo movimento sofisticado da câmera.

Vernon L. Walker e Linwood Dunn

Quanto ao uso do matte (que ocorre quando um elemento da cena sendo filmada é ação ao vivo e o remanescente é uma imagem pintada), temos dois exemplos notáveis: 1. Na cena em que os empregados do Inquirer têm o primeiro vislumbre da noiva de Kane apenas um detalhe do set foi realmente construído. O edifício e seus arredores foram pintados por Larrinaga; 2. Na cena do cortejo para o piquenique em Everglades, a ação com atores foi filmada na praia de Malibu, onde o terreno em volta é montanhoso. Larrinaga pintou um panorama mais nivelado e uma vegetação mais típica de uma locação na Flórida. O castelo de Xanadu foi inspirado na mansão de San Simeon de propriedade de Hearst e no famoso Mont Saint Michael da França.

Um efeito ótico memorável providenciado por Lindwood Dunn foi aquele travelling já mencionado nos bastidores da ópera: Welles lhe pediu que o movimento de câmera fosse bem longo para que ela chegasse até o teto. Dunn construiu uma miniatura e, na medida em que a câmera subia, alternaram-se imagens da miniatura com as reais. Cinquenta por cento das tomadas de Cidadão Kane foram obtidas por efeitos especiais.

 

ATORES E ATRIZES BRASILEIROS NA ANTIGA HOLLYWOOD

Como todos sabem, Carmen Miranda foi a estrela brasileira que mais brilhou no céu de Hollywood. A vida e a obra da “pequena notável” foram abordadas exaustiva e exemplarmente por Ruy Castro, de modo que nada mais posso acrescentar à sua magnífica biografia. Vou lembrar apenas outros artistas brasileiros que tentaram se infiltrar no cinema americano.

Syn de Conde

O primeiro a chegar a Hollywood parece ter sido o paraense Sinésio Mariano de Aguiar, com o nome de Syn de Conde (1894 – 1990).  Por ocasião de uma exposição em sua homenagem na Cinemateca do MAM em 6 de março de 1974, ele já estava com quase oitenta anos de idade e não se lembrava com exatidão de todos os seus papéis e do número de filmes nos quais participou, mas sua presença é assinalada em pelo menos oito filmes, tendo sido identificados alguns dos personagens que interpretou: Revelação / The Revelation / 1918, estrelado por Alla Nazimova (Duclos);

Alla Naziomva e Syn de Conde em Revelação

A Defesa de uma Inocente / Out of the Shadow / 1919; A Garota Que Ficou em Casa / The Girl Who Stayed at Home, de D. W. Griffith / 1919 (Count de Brissac); Mary Regan / 1919 ; Rosa do Norte / Rose of the West / 1919; A Chama do Deserto ou A Chama do Amor / Flame of the Desert / 1919 (Abdullah); Audaz Conquista / Rouge and Riches / 1920 (Jose); Dinheiro da Lua / Moongold / 1921 (Arlequim ). Sobre sua atuação no filme de Griffith, Sinésio contou: “D. W. Griffith era um deus no estúdio. Não se ouvia um barulho. Um respeito extraordinário. Ele soube de mim por causa de Revelation com a Nazimova. Precisava de um francês, alguém que soubesse namorar, cativar uma moça … Quando Griffith queria filmar, só fazia um gesto assim, e tudo parava”.

Outro paraense, Archimedes Machado de Labor (1896 – 1943) esteve nos EUA no começo dos anos vinte. Com o nome artístico de Antonio Rolando, trabalhou como figurante em Romance das Planícies / Prairie Trails / 1920, western de Tom Mix; A Mulher que Deus Mudou / The Woman God Changed / 1921; Tesouro Tentador / Buried Treasure / 1921; Sacrifício de Mulher / A Virgin’s Sacrifice / 1922; A Volta ao Mundo em 18 Dias / Around the World in 18 Days / 1921; Fascinação / Fascination / 1922; A Lei Comum / The Common Law / 1923.

No Brasil, sua filmografia como ator inclui: Dioguinho / 1916; Ubirajara / 1919; Corações em Suplício / 1925; Filmando Fitas / 1926 (tb. como diretor); Anchieta entre o Amor e a Religião / 1931; Rosa de Sangue / 1934 (tb. como arg. e diretor); Caçando Feras / 1936 (tb. como ass. direção); Alma e Corpo de uma Raça / 1938; Sedução do Garimpo / 1941; O Dia é Nosso / 1941. Produziu com Luiz de Barros: Vivo ou Morto / 1915. Foi maquilador em A Carne / 1925. Segundo Jurandyr Noronha (Dicionário de Cinema Brasileiro, EMC Edições, 2008), Antonio Rolando retornou aos EUA, adquiriu a cidadania norte-americana, e embarcou com os comboios que levavam material bélico para os russos na Segunda Guerra Mundial, morrendo quando seu cargueiro foi torpedeado.

Os próximos brasileiros que tiveram contacto com a cinematografia americana foram Lia Torá e Olympio Guilherme,vencedores, entre rapazes e moças anônimos e outros candidatos que já atuavam no cinema nacional (Lelita Rosa, Luiz Sucupira, Georgette Ferret, Amanda Maucery, Diogenes Nioac, Bruno Mauro – nome artistico de Francisco Mauro, irmão de Humberto Mauro -, Carlos Modesto e Olyria Salgado), do Concurso de Beleza Fotogênica Feminina e Varonil realizado pela Fox Film em 1927, para escolher um casal de brasileiros, que seria contratado pelo estúdio em Hollywood.

Adhemar Gonzaga, Olympio Guilherme, Lia Torá e o crítico Pedro Lima

Um júri no Rio de Janeiro (composto pelos escritores Coelho Neto e Rosalina Coelho Lisboa; pelo crítico teatral do Jornal do Brasil, Mario Nunes; por José Mariano Filho, diretor da Escola de Belas Artes; Alberto Rosenval, diretor-geral da Fox Film no Brasil; e pelo publicista, José Matienzo), selecionou cinco candidatos, e um júri em Nova York (composto por William Fox, Winfield Sheehan, Sol Wurtzel e outros do alto escalão da companhia) escolheu entre estes cinco os ganhadores. O cinegrafista Paul Ivano (que havia sido operador de câmera de Ouro e Maldição / Greed / 1924 de Erich von Stroheim e diretor de fotografia de 2a unidade de Ben-Hur / Ben-Hur / 1925 de Fred Niblo) veio especialmente ao Brasil para filmar os concorrentes escolhidos pelo júri. No Rio os testes foram feitos no estúdio da Benedetti Filme e em São Paulo, nos estúdio da Redondo Filme no Parque Antártica.

A carioca Lia Torá (1907 – 1972), cujo verdadeiro nome era Horacia Corrêa d’Avila, viveu parte da infância no Rio de Janeiro e depois foi com a família para a Espanha, onde cursou a Academia de Dança de Barcelona e integrou o corpo de dança da Companhia de Revistas Velasco. Voltando a sua pátria, apaixonada pelo cinema, inscreveu-se no concurso da Fox e obteve a primeira colocação.

Lia Torá

Olympio Guilherme

Olympio Guilherme (1901-1973), nascido em Bragança Paulista, já com vinte anos era repórter de A Gazeta na capital do Estado e foi este jornal que o designou para acompanhar o concurso da Fox. Como nenhum dos rapazes já fotografados tivesse agradado aos chefões da Fox em Hollywood, Ivano resolveu fazer um teste com o repórter da Gazeta, que aceitou o desafio, por ver nele um bom assunto jornalistico, e acabou sendo o escolhido.

Os brasileiros foram lançados ainda em 1927 como figurantes em uma comédia curta, A Low Necker (Dir: Wallace MacDonald), juntamente com os vencedores de um concurso semelhante realizado na Espanha (obs. houve outros também na Argentina, Chile e Itália), Maria Casajuana e Antonio Cumellas. Nenhum dos quatro sairia vencedor do duro páreo do estrelato se bem que, com o nome de Maria Alba, a espanhola chegasse a obter alguns papéis mais destacados.

Olympio Guilgerme e Lia Torá mestres de cerimônia em O Rei do Jazz

Lia e Olimpio tornaram a trabalhar juntos como extras em Bastará ser Rico / Making the Grade / 1928 (Dir: Alfred E. Green) e em 1930 atuaram como mestres de cerimônia na versão brasileira de O Rei do Jazz / King of Jazz (Dir: John Murray Anderson). Lia fez pontas e pequenos papéis em outros filmes e, em 1919, ela e seu marido, o piloto automobilista e herdeiro de uma grande fortuna, Julio de Moraes, venderam para a Fox um argumento de sua autoria intitulado Mud (Lama), que foi transformado em roteiro e, sob a direção de Emmett Flynn, resultou no filme A Mulher Enigma / The Veiled Woman. Esta produção deu a Lia o seu único papel de protagonista no referido estúdio.

Com o fim do contrato com a Fox, Lia e o marido fundaram sua própria companhia nos Estados Unidos, a Brazilian Southern Cross, e rodaram o filme Alma Camponesa / 1929 (preliminarmente intitulado Progresso e Justiça e Num Cantinho de Portugal), estrelada pela atriz e dirigida por ele. Era a história de pequenos proprietários rurais que se sentiam prejudicados com a abertura de um estrada de rodagem e o elenco compunha-se ainda de: Agostino Borgato, Sherman Ross, Alfredo Sabato, Clélia Torá (irmã de Lia), Mariza Torá (sobrinha de Lia), Zacharias Yaconelli, Luiz Reis, Nina Rei, Luiz Monteiro. Mariza subiu ao palco do Cine Glória na Cinelândia para apresentar o filme em pré-estréia aos brasileiros.

Cena de Alma Camponesa

Julio de Moraes, Lia Torá e Adhemar Gonzaga

Em 1930, Lia apareceu brevemente em A Soldier’s Plaything (Dir: Michael Curtiz) e em Martini Cocktail / Dry Martini de Harry D’Abadie D’Arrast e suas demais aparições foram em filmes dialogados em espanhol ou versões de filmes americanos em espanhol, com os quais Hollywood procurava na época manter seus mercados nos países que falavam esse idioma (Don Juan Diplomático / 1931 / versão em espanhol de The Boudoir Diplomat (Dir: George Melford); Soñadores de la Gloria / 1931 (Dir: Miguel Contreras Torres); Hollywood, Cidade do Sonho / Hollywood, Ciudad de Ensueño / 1931 (Dir: George Crone;) Eram Treze / Eran Trece / 1931/ versão em espanhol de Charlie Chan Carries On (Dir: David Howard) com Lia e Raul Roulien como coadjuvantes. O filme passou em São Paulo com o título em português de À Meia-Noite). Um ano antes de morrer, Lia apareceu em As Confissões de Frei Abóbora (Dir: Bras Chediak / 1971).

Lia Torá e Alfred Gran em Martini Cocktail

Olympio Guilherme logo percebeu que não ia conseguir se projetar na Terra do Cinema. Passavam-se as semanas e os meses e o pessoal do estúdio nada mais fazia senão tirar fotografias dele para testar uma nova maquilagem ou ver como uma determinada roupa fotografava. Mas, aproveitando a viagem, estudou Economia e Filosofia na Universidade do Sul da California em Los Angeles e produziu, atuou, e dirigiu por conta própria o filme, Fome / Hunger / 1929, responsabilizando-se também pelo argumento e roteiro. Inspirado em Pudovkin, Olympio quis fazer um filme realista, e, para isso, cerca de oitenta por cento da metragem foram obtidos com a câmera escondida, através do uso de teleobjetivas, para mostrar a “alma popular”, sem disfarce de espécie alguma, sem exagêros e sem mentiras. Pouquíssimo visto nos Estados Unidos e na Europa, Fome, foi exibido no Rio de Janeiro no Cinema Parisiense. O comentarista da Cinearte não gostou do filme, achando que ele tinha “má linguagem cinematográfica”, e acrescentando: “Além disso, Olympio não foi feliz com a fotografia. Nem com os ângulos da máquina que escolheu. Nem com a representação. Nota-se que todos se sentem vacilantes e incertos”.

Olympio Guilherme em Fome

Em 1931, Olympio e Lia voltaram para o Brasil, ambos decepcionados com a “fábrica de sonhos”. Na verdade, o concurso de fotogenia da Fox tinha sido um golpe para a companhia ganhar publicidade de graça no Brasil. De regresso ao seu país, Olympio escreveu um livro intitulado A Verdadeira Hollywood (Freitas Bastos, 1933), revelando-se como escritor. Redator-chefe do Observatório Econômico e Financeiro entre 1936 e 1940, diretor de O Jornal entre 1942 e 1943, manteria sempre um grande interesse pelo jornalismo político e econômico. Entre seus livros estão A Margem da História Americana, A Realidade Norte-Americana, A Revolução Capitalista Norteamericana, Homens e Coisas Norteamericanas, A Luta pela Liberdade nas Américas etc.

Raoul Roulien

Ao contrário de Olympio Guilherme e Lia Torá, um outro artista brasileiro se deu bem em Hollywood: Raul Roulien (1905 – 2000), nome artístico de Raul Salvador Intini Pepe Roulien, natural do Rio de Janeiro. Apesar de ser carioca, ele se tornou conhecido primeiramente na Argentina como Raul Peppe, cantor, pianista e compositor, recebendo o título de Rei do Tango das Américas. De volta ao Brasil, já como Raul Roulien, trabalhou no teatro e gravou discos, entre eles, dois clássicos da música popular brasileira, Guacyra e Favela, de Heckel Tavares e Joraci Camargo. Em 1928, a Companhia Brasileira de Sainetes Abigail Maia – Raul Roulien, organizada por Oduvaldo Viana, lançou um novo tipo de espetáculos (oitenta minutos sem intervalo e a preços de cinema no Trianon) e um novo gênero teatral, “o teatro da frivolidade”, tendo à frente do elenco Abigail e Raul. Outro trabalho de Roulien nos palcos brasileiros foi a formação da Companhia de Filmes-Cênicos, mais uma modalidade de teatro aproximando-se do espetáculo cinematográfico, apresentando números cantados e dançados no velho Teatro Lírico.

Raul Roulien e Janet Gaynor em Deliciosa

Raul Roulien em A Marcha dos Séculos

Em 1931, Roulien casou-se com a atriz e bailarina Diva Tosca, que fazia parte de sua companhia, e resolveu ir para os Estados Unidos levando para a Paramount uma carta de recomendação de Tibor Rombauer, diretor dessa empresa no Brasil, apresentando-se nos estúdios de Long Island em Nova York. Coincidiu entretanto que Raul chegou justamente quando a Paramount fechava estes estúdios e assim mandaram que fosse fazer um teste em Joinville, na França, onde a empresa acabara de abrir novos estúdios para filmagem com elencos estrangeiros. Ele então se lembrou da Fox, onde conseguiu um contrato e estreou em Eram Treze / Eran Trece / 1931, versão em espanhol de Charlie Chan Carries On / 1931, dirigida por David Howard na qual ele canta um tango, um samba, e uma canção de apache.

Sua carreira prosseguiu como coadjuvante ou como protagonista em filmes americanos propriamente ditos ou hablados en español: Deliciosa / Delicious / 1931 (Dir: David Butler com Janet Gaynor e Charles Farrell); Mulheres e Aparências / Careless Lady / 1932 (Dir: Kenneth MacKenna com Joan Bennett e John Boles); Promotor Público / State’s Attorney / 1932 (Dir: George Archainbaud com John Barrymore); A Mulher Pintada / The Painted Woman / 1932 (Dir: John G. Blystone com Spencer Tracy); O Último Varão Sobre a Terra / El Último Varon Sobre la Tierra / 1933, versão em espanhol de It’s Great to Be Alive / 1933 (Dir: James Tinling com Rosita Moreno); Primavera no Outono / Primavera en Otoño / 1933 (Dir: Eugene Forde com Caterina Bárcena e Antonio Moreno); Não Deixes a Porta Aberta / No Dejes la Puerta Abierta / 1933 versão em espanhol de Pleasure Cruise / 1933 (Dir: Lewis Seiler com Rosita Moreno):

Rosita Moreno e Raul Roulien em O Último Varão Sobre a Terra

Conchita Montenegro e Raul Roulien em Granadeiros do Amor

O Homem Que Ficou para Semente / It’s Great to Be Alive / 1933 (Dir: Alfred L. Werker com Edna May Oliver e Gloria Stuart ); Voando para o Rio / Flying Down to Rio / 1933 (Dir: Thorton Freeland com Dolores Del Rio, Gene Raymond, Fred Astaire, Ginger Rogers); Granadeiros do Amor / Granaderos del Amor /1934 (Dir: John Reinhardt com Conchita Montenegro); A Marcha dos Séculos / The World Moves On / 1934 (Dir: John Ford com Madeleine Carroll e Franchot Tone); Assegure a su Mujer / 1935 (Dir: Lewis Seiler com Conchita Montenegro ); Piernas de Seda / 1935, versão em espanhola de Silk Legs / 1927 (Dir: John Boland com Rosita Montenegro); Te Quiero con Locura / 1935 (Dir: John Boland com Rosita Moreno). Em Deliciosa, Roulien tornou famosa a canção do mesmo nome de George Gershwin, sucesso que repetiria em Voando para o Rio com o tango Orquídeas ao Luar de Vincent Youmans.

Dolores Del Rio e Raul Roulien em Voando para o Rio

Gene Raymond, Ginger Rogers, Raul Roulien e Fred Astaire em um intervalo de filmagem de Voando para o Rio

Na noite de 27 de setembro de 1933, Diva Tosca morreu em um acidente automobilístico, atropelada pelo filho de um ator famoso, Walter Huston, o futuro roteirista e diretor John Huston. O rapaz, que dirigia embriagado, já havia se envolvido em outro desastre: há pouco tempo o veículo de John Huston havia se chocado com o de Zita Johann, ferindo-a bastante.

Em 1935, durante a filmagem de Granadeiros do Amor, Roulien conheceu sua segunda mulher, Conchita Montenegro, na companhia da qual retornou em definitivo ao Brasil um ano depois. Aqui dirigiu e atuou como ator em O Grito da Mocidade / 1937 (com Conchita Montenegro, Jaime Costa, Jorge Murad, Alzirinha Camargo), um grande êxito de público, e filmou ainda: Aves sem Ninho /1939 (com Déa Selva, Rosina Pagã, Lídia Matos, Celso Guimarães e a menina Elza Mendes,); Asas do Brasil / 1940 (concluído, mas nunca lançado, porque um incêndio na Sonofilmes destruiu os negativos. Em 1947, a Atlântida comprou o argumento de Roulien e refilmou a história com os antigos atores principais, Celso Guimarães e Alma Flora); Jangada /1949 (com Fada Santoro que ficou inacabado); e Maconha, a Erva Maldita / 1950 (também inacabado). Roulien fez ainda uma “pontinha” não creditado em A Caminho do Rio / Road to Rio / 1947 (Dir: Norman Z. McLeod), uma das comédias da série Road to … com Bob Hope e Bing Crosby.

De volta ao teatro, Roulien formou uma companhia teatral, onde Cacilda Becker teve sua primeira experiência professional e, segundo consta, um romance muito discreto com Raul. Nos anos 60, Roulien trabalhou na televisão (v. g. dirigiu com Benjamin Cattan a primeira telenovela da TV Cultura, A Muralha / 1961). No mesmo ano, fundou a Placard Produções, empresa especializada na organização de concursos e exposições. Tenta um retorno ao cinema nos anos 80, propondo-se a filmar a vida de Oswaldo Cruz, entre outros projetos não realizados. Faleceu de infarto aos 94 anos e foi enterrado no Cemitério da Consolação em São Paulo. Seu clube favorito, o Botafogo, homenageou-o cobrindo o caixão com a bandeira alvinegra.

Outros brasileiros tentaram a sorte em Hollywood, porém nenhum deles alcançou a projeção de Roulien. No campo masculino: Zacharias Yaconelli, William Schocair, Paulo Portanova, Mario Marano, Carlos Modesto, Wilson Morelli, Eugenio Carlos, Paulo Monte. No campo feminino: Aurora Miranda, Eros Volúsia, Leonora Amar, Maria Belmar, Leonor Rodrighero.

Zacharias Yasconelli

Zacharias Yaconelli (1896 – 1976), um paulista que nasceu com o nome de Zacharias Iaconelli, trabalhou cinco anos em teatro, na companhia da Família Lambertini, tendo atuado como ator também no filme O Grito do Ipiranga / 1917 (Dir: Giorgio Lambertini), produzido pelos Lambertini. Em 1922, aos 25 anos, Yaconelli trabalhava em uma firma americana em São Paulo, quando ganhou um prêmio de viagem para Nova York, onde ficou por dois anos, e depois partiu para Hollywood. No começo só conseguiu aparecer em “pontas”ou como extra, tal como ocorreu por exemplo em O Rei dos Reis / The King of Kings / 1927 de Cecil B. DeMille. Para se sustentar melhor, Yaconelli trabalhou com intérprete nos tribunais de Los Angeles Seu nome constava no Central Casting Bureau com a seguinte informação: fala cinco idiomas: inglês, português, espanhol, italiano e ídiche. Teve um papel de destaque ao lado de Lia Torá em Alma Camponesa / 1929 e a revista Cinearte mostrou uma foto confirmando sua presença como garçom em Voando para o Rio / Flying Down to Rio / 1935. A Fox contratou-o para ser o diretor de diálogo (english instructor) de Carmen Miranda na filmagem de Uma Noite no Rio / That Night in Rio / 1941 e Aconteceu em Havana / Week-End in Havana / 1941. Para o primeiro filme, ele ainda escreveu a letra para They Met in Rio a ser cantada em português por Don Ameche. Yaconelli foi também tradutor e dublador. Foi ele quem dublou o apresentador Deems Taylor na versão brasileira de Fantasia / Fantasia / 1940 e narrou em português o documentário de Osa e Martin Johnson, Casei-me com a Aventura / I Married Adventure / 1940. Quando veio ao Brasil em 1941, acompanhando D. Maria, a mãe de Carmen Miranda, Yaconelli conheceu Joaquim Rolla, que o empregou como diretor artístico do Cassino da Urca.

Zacharias Yaconelli )à esq.) ao lado de Raul Roulien em Voando para o Rio

Nos anos 50, de novo em Hollywood, Yaconelli continuou figurando em várias produções: The Stork Pays Off / 1941; Amazon Quest / 1949; Holiday in Havana / 1949; O Barão Aventureiro / The Baron of Arizona / 1950; Terra em Fogo / Crisis / 1950; Paraíso Proibido / September Affair / 1950; Heróis da Retaguarda / Up Front / 1951; O Grande Caruso / The Great Caruso / 1951; A Lei e a Mulher / The Law and the Lady / 1951; O Poder da Mulher / Westward the Women / 1951; O Convite / Invitation / 1952; Dois Caipiras em Paris / Ma and Pa Kettle on Vacation / 1953; A Espada de Damasco / The Golden Blade; 1953; Meu Amor Brasileiro / Latin Lovers / 1953; Sob o Comando da Morte / The Command / 1954; A Fonte dos Desejos / Three Coins in the Fountain / 1954; O Segredo dos Incas/ Secret of the Incas / 1954.

Paulo Portanova

Paulo Portanova e Charlie Murray em Com a Boca na Botija

O paulista Paulo Portanova, trabalhou na Companhia Italo Brasileira de Seguros em São Paulo e foi para Hollywood a conselho de amigos que o julgavam parecido com Valentino. Trazendo uma carta de um Banco em Nova York que emprestava dinheiro para a First National, ele conseguiu uma figuração em A Vida Privada de Helena de Tróia / The Private Life of Helen of Troy / 1927 de Alexandre Korda. Depois apareceu em um outro filme de Korda, Hás de Ser Minha / Yellow Lily / 1928 e em O Preço da Virtude / The Heart of a Follies Girl / 1928; A Arca de Noé / Noah’s Ark / 1928 (é o almofadinha que não quer dar lugar para um padre); Com a Boca na Botija / Do Your Duty / 1928; Castigada / Disgraced / 1933; Um Brinde ao Amor / Here’s to Romance / 1935; Serenata Tropical / Down Argentine Way / 1940.

William Shocair e o anúncio de A Lei do Inqulinato

Apaixonado por Cinema, o carioca William Schocair (1902 – 1969) emigrou em 1921 para os Estados Unidos e lá trabalhou fazendo pontas em filmes mudos, inclusive de Rodolfo Valentino, adquirindo experiência na cinematografia então emergente. Voltou para o Brasil e filmou Lei do Inquilinato / 1926 e a comédia burlesa futurista Maluco e Mágico / 1927, nos quais também atuou como ator.

Mario Marano à extrema direita em uma cena de Sombras do Passado

Mario Marano atuou somente em um filme, Sombras do Passado / Out of the Past / 1927, no papel de Juan Sorrano. A revista Cinearte sentenciou: “Argumento batido e já abandonado. Não dá mais nada. Principalmente com um tratamento horrível como o que lhe deram Dallas Fitzgerald (obs. o diretor) e Tipton Stock (obs. o argumentista). Não se aproveita nada. Robert Frazer e Mildred Harris fazem muito mal o par de heróis. Mario Marano, brasileiro, tem um papel secundário. Aliás, esta foi uma das oportunidades de encetar carreira em que ele meteu os pés estupidamente”. Desiludido, Marano foi para Paris, onde conseguiu figurar em A Minha Noite de Núpcias / 1931, a versão portuguesa de Sua Noite de Núpcias / Her Wedding Night / 1930, com Leopoldo Froes e Beatriz Costa. Marano era o porteiro do hotel, cantando uma canção em francês.

Eva Schnoor e Carlos Modesto em Barro Humano

Eva Schnoor, Carlos Modesto e Lia Torá

Carlos Modesto (Carlos Modesto e Souza), estudante de medicina, descoberto por Adhemar Gonzaga quando dançava em um espetáculo do João Caetano foi o candidato de Cinearte ao concurso da Fox Film e o ator principal de Barro Humano / 1929 de Adhemar Gonzaga. Quando concordou em posar para Barro Humano, ele só impôs uma condição: mudar seu nome. Prestes a se formar em medicina, peferiu ocultar o seu nome verdadeiro. Passou a chamar-se Reynaldo Mauro. Mas ninguém o chamou assim. De longe, do Rio Grande do Sul, onde nasceu, chegavam muitas cartas, todas endereçadas a Carlos Modesto e ele acabou assumindo sua verdadeira identidade. Carlos representou o papel de Rodolfo Valentino em um espetáculo teatral para a sociedade beneficente “Pro Matre” e ficou conhecido como o Valentino brasileiro (lembrando que em Barro Humano ele dançou um tango com Carmen Violeta). Em Hollywood, só apareceu em um brevíssimo momento de Capitão dos Cossacos / Un Capitan de Cossacos / 1934, hablado en español estrelado por José Mojica e Rosita Moreno. Modesto logo desistiu do cinema, casando com a atriz Eva Schnoor (sua companheira no filme de Adhemar Gonzaga) e se dedicou integralmente à sua carreira de médico.

Wilson Morelli

Wilson Morelli, um dos elementos mais destacados do corpo de baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, após terminar o curso de aperfeiçoamento em Nova York com Igor Schwezoff, foi para Hollywood, tentar o cinema. Ele trabalhou como chorus boy em Meu Coração Canta / With a Song in my Heart / 1952; O Professor e a Corista / She’s Working Her Way Through College / 1952; Hans Christian Andersen / Hans Christian Andersen; Três Cadetes em Apuros / About Face / 1952; Morrendo de Medo / Scared Stiff / 1953; Sua Excelência, a Embaixatriz / 1953; Furacão de Emoções / South Sea Woman / 1953; Cabeça de Pau / Knock on Wood / 1954; Rose Marie / Rose Marie / 1954.

Wilson Moreelli

Morelli, fez parte do show da boate “Moulin Rouge”(ex-Earl Carrol’s) e de espetáculos periódicos de dança espanhola com a famosa dupla Antônio e Luisa Triana. Ele lecionou coreografia na escola de Nico Charisse (o primeiro marido de Cyd Charisse) e se tornou partner de Tamara Toumanova, o primeiro bailarino brasileiro a alcançar tal prestígio. Participou também do Balé da Juventude, o grupo de dança que Schwezoff, de volta ao Brasil, transformou em um legítimo balé nacional, e constou dos créditos de um filme brasileiro, Jardim do Pecado / 1946 (Prod: Alexandre Wulfes; Dir: Leo Marten) juntamente com outros bailarinos (Carlos Leite, Tamara Capeller, Adalija Autran, Adelino Palomano etc.), seus colegas no Balé da Juventude.

Eugenio Carlos (de Almeida Barbosa), pernambucano, nascido em 1930, estreou no palco pelas mãos de Paschoal Carlos Magno no T.E.B., e depois, no Teatro Duse, representando inclusive um papel difícil, o de Osvald Alving, em Os Espectros de Henrik Ibsen. No início dos anos cinquenta, foi estudar arte dramática na Pasadena Playhouse em Los Angeles. Nesta escola teve professores como Michael Chekhov. A certa altura, ele foi envolvido no processo de divórcio do ator John Carradine, que acusava sua esposa, Sonia Sorrell, de ter cometido adultério com o jovem brasileiro.

Eugenio Carlos, Sonia Sorrell e John Carradine

Na filmografia de Eugenio Carlos constam duas co-produções: Escravos do Amor das Amazonas / Love Slaves of the Amazons / 1957 (Co-Prod. Brasil / Estados Unidos, Dir: Curt Siodmak, filmado na Amazonia, protagonizado por Don Taylor) e Tumulto de Paixões / The Witch Beneath the Sea / 1959 (Co-Prod. Brasil / Alemanha, Dir: Zygmond Sulistrowski, protagonizado por John Sutton). Em 1958, Eugenio atuou em um filme alemão, Peter Voss, Ladrão de Milhões / Peter Voss, der Millionenlieb (Dir: Wolfgang Becker com O. W. Fischer como Peter Voss) e participou como ator convidado na peça Os 7 Gatinhos de Nelson Rodrigues, fazendo o papel de Bibelot. No início dos anos 60, comandou o programa Notorious na TV Tupi. Depois se tornou artista plástico como entalhador de madeira, ficando conhecido como o entalhador Batista. Ele e sua esposa, a pintora Mady tornaram-se mundialmente conhecidos como “Os Embaixadores da Alma Brasileira”.

Paulo Monte

Paulo Monte

Paulo Monte (1921 – 2014) começou sua carreira como cantor de músicas norte-americanas, apresentando-se nas rádios Mayrink Veiga, Cruzeiro do Sul e Educadora. Logo após, ingressou na orquestra de Carlos Machado participando dos shows dos antigos cassinos da Urca, Icaraí, Copacabana e Atlântico. Fez várias temporadas em Buenos Aires, tendo atuado na rádio Belgrado. Em 1945 viajou para os Estados Unidos, onde foi contratado pelo Copacabana Night Club de Nova York. Em seguida fez várias tournés pelo país com a orquestra dos Lecuona Cuban Boys. Em 1946, permaneceu durante oito meses, cantando e apresentando shows nas cidades do México e Acapulco. Em 1947 retornou aos Estados Unidos, fixando-se em Los Angeles na Califórnia. Ingressou na UCLA, fazendo um curso de arte dramática com Maria Ouspenskaya. De volta ao Brasil tornou-se um dos melhores animadores no rádio e na televisão nos anos 60, servindo como exemplo É Pra Cabeça, programa de prêmios de muito sucessso na TV Tupi. Em 1971 ele lançou na TV Rio o Show de Turismo, transmitido, a partir de 1978, pela TV Bandeirantes: em 8 de julho de 1996, o programa comemorou o recorde de 25 anos de apresentações ininterruptas. No cinema, Paulo fez pontas nos filmes americanos Romance no Rio / Thrill of Brazil / 1946 e Resgate de Sangue / We Were Strangers / 1949; integrou o elenco dos filmes brasileiros Luz Apagada / 1953 (Dir: Carlos Thiré), O Gigante de Pedra / 1954 (Dir: Walter Hugo Khoury) e Sai de Baixo / 1956 (Dir: J. B. Tanko); estava, juntamente com Tonia Carrero, Norma Benguell, Norma Blum, Laura Suarez, Paulo Goulart, Jardel Filho, Sady Cabral, Agildo Ribeiro e Francisco Dantas, coadjuvando Jean-Pierre Aumont nada co-produção Brasil – Estados Unidos –Argentina, Sócio de Alcova / 1961 (Dir: George M. Cahan).

Aurora Miranda

Aurora Miranda da Cunha (1915 – 2005), conhecida como Aurora Miranda, a “outra pequena notável”, como lhe chamou Cesar Ladeira, nasceu no Rio de Janeiro no bairro da Tijuca. Irmã de Carmen Miranda, frequentava a Rádio Mayrink Veiga nos dias do programa de Carmen, quando, aos dezoito anos de idade, em 1932, chamou a atenção de Josué de Barros, e acabou ingressando na emissora no Programa de Ademar Casé. Em 1933, Aurora despertou a curiosidade de Assis Valente. que insistiu com Felicio Mastrangelo, diretor artístico da emissora para fazer um teste de voz com ela. O resultado foi muito bom e Assis a convidou para gravar na Odeon em dupla com Francisco Alves, a sua marchinha junina Cai, Cai Balão. O “Rei da Voz” levou Aurora para cantar esta mesma música com ele no Teatro Recreio, marcando a estréia oficial da jovem cantora diante do público. Pouco depois, ele a convidou para gravarem juntos o foxtrote de Noel e Helio Rosa, Você só … mente. As duas músicas fizeram sucesso e no mesmo ano houve mais um triunfo: a marchinha Se a Lua Contasse de Custódio Mesquita. Outro grande êxito de Aurora foi Cidade Maravilhosa de André Filho que ela iria cantar (além de Ladrãozinho de C. Mesquita) no seu primeiro filme brasileiro, Alô, Alô, Brasil / 1935, produzido por Adhemar Gonzaga e Wallace Downey e dirigido por W. Downey, João de Barro e Alberto Ribeiro).

Aurora e Carmen Miranda em Alô, Alô Carnaval!

Antes de partir para os Estados Unidos, Aurora integrou o elenco de mais dois filmes de Gonzaga e Downey – Estudantes / 1935 (Dir: W. Downey), no qual cantou Onde está o seu carneirinho de C. Mesquita) e Alô, Alô Carnaval! / 1936 (Dir: W. Downey, João de Barro, Alberto Ribeiro) no qual cantou Cantoras do Rádio de João de Barro, Lamartine Babo e Alberto Ribeiro, em dupla com Carmen, acompanhadas pela orquestra de Simão Boutman e Molha o Pano com Benedito Lacerda e seu conjunto – e, finalmente, Banana da Terra / 1939, produzido pela Sonofilmes (Alberto Byington Jr., W. Downey) e dirigido por Ruy Costa, no qual cantou Menina do Regimento de João de Barro e Alberto Ribeiro.

Depois de anos de sucesso na Odeon, Aurora transferiu-se para a Victor em fins de 1938. Em 1940, casou-se com Gabriel Richaid, e começou a pensar em uma carreira americana. Graças ao prestígio da irmã, Aurora recebeu a proposta de um teste na MGM para uma participação em Lourinha do Panamá / Panama Hattie, filme que teria Red Skelton e Ann Sothern nos papéis principais, porém Carmen, achou o salário que estavam oferecendo muito baixo e encerrou o assunto (Lena Horne acabou sendo a escolhida). Aurora foi avaliada na Warner, vestida de baiana e acompanhada pelo Bando da Lua para um filme que se chamaria Carnival in Rio, mas foi reprovada no teste, e o filme nunca foi feito.

Aurora Miranda em Você Já Foi a Bahia?

Aurora Miranda

Finalmente, no ano de 1944, Aurora foi contratada por Walt Disney, para contracenar com figuras de desenho animado em Você Já Foi à Bahia? / The Three Caballeros / 1945. Ela dança com o Zé Carioca e o Pato Donald sob o som de Quindins de Iaiá de Ary Barroso, que fala no filme, contando a história de um pobre pinguim friorento que vivia no Polo Sul e cujo sonho dourado era passsar o resto da vida em uma ilha de sol nos trópicos. A nova técnica experimentada por Disney encantou o público e, em um dos momentos mais espantosos dessa reunião de criaturas de carne e osso com personagens de animação, Aurora dá um beijo no Pato Donald.

Aurora Miranda e Walt Disney

Enquanto Você Já Foi à Bahia era finalizado, com a inclusão dos desenhos, o contrato de Aurora com Disney já havia expirado e ela aceitou pequenas participações em filmes de outros estúdios: Conspiradores / The Conspirators / 1944 (Prod: Warner. Dir: Jean Negulesco, com Hedy Lamarr, Paul Henreid, Sydney Greenstreet, Peter Lorre, Victor Francen) no qual aparece cantando o fado Rua do Capelão; Brasil / Brazil / 1944 (Prod: Republic. Dir: Joseph Santley, com Tito Guizar, Virginia Bruce, Edward Everett Horton) no qual aparece em um número musical tal como Roy Rogers e Trigger e a dupla de dançarinos Veloz e Iolanda, sendo que a canção Rio de Janeiro de Ary Barroso e Ned Washington foi indicada para o Oscar de Melhor Canção);

Aurora Miranda em A Dama Fantasma

A Dama Fantasma / Phantom Lady / 1944 (Prod: Universal. Dir: Robert Siodmak, com Franchot Tone, Ella Raines, Alan Curtis) no qual é creditada apenas como Aurora, e faz o papel da cantora temperamental Estela Monteiro que, irritada ao ver na platéia uma mulher (a dama fantasma do título) com o mesmo vestido que o seu, entra no camarim gritando em português “Que coisa horrorosa!” -convenientemente, no anúncio que saiu nos jornais brasileiros a publicidade fez o nome de Aurora Miranda encabeçar o elenco. Em 1945, Aurora fez mais um specialty act em Conte Tudo às Estrelas / Tell it to a Star (Prod: Republic. Dir: Frank McDonald, com Ruth Terry e Robert Livingston).

De volta ao Brasil, Aurora, além trabalhar na Rádio Mayrink Veiga, atuou no Cassino da Urca na revista Circo de Luiz Peixoto, tendo como colegas Mesquitinha, Manoel Pera, Grande Otelo e os Anjos do Inferno e no Night and Day em um estupendo show de Carlos Machado, Mister Samba, que, sem ser uma biografia cronológica de Ari Barroso, fez uma apresentação teatral do que havia de melhor em sua imensa bagagem musical. Ao lado de Aurora estavam Grande Otelo, Elizete Cardoso, Vera Regina, Marina Marcel, Norma Benguel, Elizabeth Gasper, Norma Tamar, Irma Alvares e Gina le Feu. Em 1989, surgiu em um filme de Cacá Diegues, Dias Melhores Virão.

Eros Volusia

Eros Volusia (1914 – 2004), natural do Rio de Janeiro, filha do poeta Rodolfo Machado e da poetisa Gilka Machado, que lhe deram o nome de Heros Volúsia Machado, pode-se dizer que nasceu bailarina, demonstrando, desde os quatro anos, vocação para a dança. Quando Gilka Machado percebeu a tendência artística da filha, colocou-a em uma escola de balé. Um de seus melhores professores nessa fase de aprendizado foi Ricardo Nemanoff que, vindo ao Brasil com a trupe de Anna Pavlova, aqui se radicara. Depois de aprender a técnica de balé clássico Eros buscou elementos do lundu, do maxixe, do maracatu e das danças indígenas sem contudo romper com as manifestações do academicismo, uma miscigenação que atendia ao que pregava o Manifesto Antropofágico. O jornalista e poeta Carlos Maul saudou-a como “A Bailarina do Brasil”. Eros ganhou projeção internacional quando a revista Life publicou sua foto na capa da sua edição de 22 de setembro de 1941, apresentando-a como uma bailarina exótica em cujas veias fervia o sangue das três raças dominantes no Brasil. O sucesso da brasileira após ilustrar a capa da Life levou-a a ser contratada pela Metro-Goldwyn-Mayer e assim ela seguiu para os Estados Unidos para participar em um número musical (começando com o Tico-Tico no Fubá de Zequinha de Abreu e finalizando com Oia a Conga de Benedito Lacerda) do filme Rio Rita / Rio Rita / 1942 (Dir: S. Sylvan Simon), estrelado por Bud Abott e Lou Costello.

Eros Volusia em Rio Rita

Eros Volusia e Eleanor Powell

Apesar do sucesso que foi essa aparição cinematográfica, Eros resolveu voltar para o Brasil onde, além de se dedicar ao ensino do balé no Curso Prático de Dança do Serviço Nacional do Teatro (dentre suas alunas destacavam-se Mercedes Baptista, que foi a primeira negra a integrar o corpo de baile do Teatro Municipal, e a polêmica Luz Del Fuego); trabalhou nos Cassinos da Urca, Atlântico e Copacabana, no Teatro Municipal e no Teatro de Revista (v. g. com Mesquitinha em Pudim de Ouro; com Walter D’Avila em Passo da Girafa), sempre aclamada como “A Dona dos Ritmos Morenos do Brasil”. Além do filme hollywoodiano, Eros atuou em filmes nacionais: Favela dos meus Amores / 1935 (Dir: Humberto Mauro); Samba da Vida / 1937 (Dir: Luiz de Barros); Caminho do Céu / 1943 (Dir: Milton Rodrigues), Romance Proibido / 1944 (Dir: Adhemar Gonzaga); Pra Lá de Boa / 1949 (Dir: Luiz de Barros).

Leonora Amar

Leonora Amar (1926 – 2014) nasceu no Rio de Janeiro e começou a cantar com apenas quinze anos no programa de calouros de Ari Barroso na Rádio Cruzeiro do Sul. Tendo sido gongada, cantou “Palpite Infeliz” em outro programa desse gênero na Rádio Ipanema, sob a direção de Afonso Scola, e saiu vitoriosa. Desejava estudar medicina, porém foi contratada por essa última emissora, onde permaneceu alguns anos, abandonando a idéia de se tornar médica. A seguir, cantou na Rádio Mayrink Veiga e depois na Rádio Nacional, onde encerrou sua carreira de cantora radiofônica. Em 1943 seguiu para Hollywood, disposta a tentar o cinema americano. Naquela ocasião, anunciou que estava contratada pela Warner para fazer um filme com Errol Flynn, intitulado Equador, que nunca foi realizado. Ela seguiu para Nova York, onde cantou na boate Copacabana e na N.B.C. (National Broadcasting Corporation). De volta ao Brasil, ingressou no Cassino Atlântico como crooner, de onde logo saiu para cantar na Rádio Tupi. Em seguida, sua atuação foi no Cassino da Urca, onde participou de Yes, Carnaval!, show dirigido por Chianca de Garcia.

Cantinflas e Leonora Amar em O Mago

Em 1945, foi para o México, onde se tornou artista brasileira do cinema azteca (cognominada pelos mexicanos “A Vênus do Brasil”), tendo feito O Desquite / El Desquite / 1947; Sob o Céu de Sonora / Bajo El Cielo de Sonora / 1948; Paixão Cigana / Zorina / 1949; Comisario en Turno / 1949; O Mago / El Mago / 1949 (com Cantinflas); Curvas Perigosas / Curvas Peligrosas / 1950 (filme que inaugurou sua própria companhia produtora, Produciones Sol); e Cuide do Seu Marido / Cuide a su Marido / 1950. No Brasil, foi eleita Rainha do Carnaval de 1951 e, em 1952, contratada pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz, estrelou Veneno (Dir: Gianni Pons) ao lado de Anselmo Duarte e Ziembinski. Voltou para o México onde, enfim, fez um filme americano, Capitão Scarlett / Captain Scarlett, dividindo o topo dos letreiros com Richard Greene.

Leonora Amar e Anselmo Duarte em Veneno

Leonora foi amante de Miguel Alemán Valdès, presidente do México entre 1946 e 1952, um político que, segundo a revista Time, sabia conquistar os homens e encantar as mulheres. Suas aventuras amorosas foram censuradas na imprensa mexicana devido ao contrôle exercido pelo govêrno sobre os meios de comunicação, mas foram divulgadas em revistas e jornais americanos. Logo, esses namoricos chegaram a figurar em relatórios elaborados pelos diplomatas estadunidenses para o Departamento de Estado, inclusive seu romance com Leonora. Ela conheceu Miguel Aléman quando ele ainda era candidato do Partido Revolucionário Institucional (PRI) à Presidência. Seus encontros íntimos foram mantidos no mais estrito segrêdo, mas Leonora não foi capaz de guardá-lo para sí e começou a contar para várias amigas que era amante do “próximo presidente do México”. Essa indiscrição transbordou e foi crescendo entre os círculos politicos. Alfred Blumenthal, administrador do Hotel Reforma, que havia contratado Leonora para atuar uma temporada na boate do hotel, solicitou à Embaixada Americana um visto para levar Leonora para os Estados Unidos. O documento pelo qual ele pediu o visto está publicado no livro Mexico in the 1940’s: Modernity, Politics and Corruption, Stephen R. Niblo, Rowland & Littlefield, 2000.

Maria Belmar

A paulista Maria Belmar apareceu no elenco de Eterna Esperança / 1937 -1940 (Dir: Leo Marten) e foi para os Estados Unidos, onde desfilou em um concurso de beleza norte-americano sob o título de Miss Brasil. Após nove anos de ausência, voltou à sua pátria e, em visita à redação da revista Carioca, declarou:”Já viajei por toda a América do Norte, tomando parte em shows, teatro, cinema, sem ter a pretensão de ser Greta Garbo … e participei em 37 filmes, entre os quais O Último Romance da Warner Bros. com Janis Page, Don De Fore, Jack Carson. ”(obs. o título correto do filme era Romance em Alto Mar / Romance on the High Seas). Na capa de sua edição de 23 de novembro de 1950, a revista estampou uma foto de Maria ao lado de Bob Hope. A Revista da Semana de 27 de abril de 1946 mostrou uma foto dela com Humphrey Bogart.

Maria Belmar e Humphrey Bogart

Além da sua aparição como passageira do navio em Romance em Alto Mar, só pude confirmar sua presença como uma escrava em Perdidos no Harem / Lost in a Harem / 1944 e como uma mulher espanhola em A Maleta Fatídica / Nightfall / 1956, mas é provável que tenha feito uma ponta ou figuração em Passagem para Marselha / Passage to Marseille / 1944; Desde Que Partiste / Since You Went Away / 1944; Meu Coração Canta / With a Song in My Heart / 1952; Os Sinos de Santa Maria / The Bell of St. Marys / 1945. Quantos aos outro trinta filmes, não tenho nenhuma confirmação.

A carioca Leonor Rodrighero desembarcou em Nova York em pleno inverno, trajando um belíssimo casaco de pele inteiramente branco, procurando causar sensação, mas teria conseguido apenas um pequeno papel em um seriado protagonizado por Marguerite Clayton, As Treze Noivas / Bride 13 / 1920. Entretanto, o crítico Pedro Lima, que deu esta notícia na revista O Cruzeiro, acrescentou que viu o filme da Fox, mas nunca soube que papel ela teve ou que fim tomou a esperançosa patrícia. No livro Serials and Series, A World Filmography , 1912-1956 de Buck Rainey não consta o nome dela no elenco. Quando o filme passou no Rio de Janeiro o anúncio de jornal mencionava o nome dela.

Três outras atrizes brasileiras quase chegaram a fazer um filme americano: Laura Suarez, Eva Wilma e Alzirinha Camargo,

Laura Suarez (1909-1990), carioca, filha de espanhóis, nasceu com o nome de Laura Soler Pedrosa y Suarez. Em 1927, aos 18 anos, foi eleita Miss Ipanema. Em 1932 estreou no teatro ao lado de Paulo Gracindo (ainda Pelopidas nos letreiros) na revista musical Plaquette de Henrique Pongetti (produzida por Francisco Pepe, irmão do Roulien) e no cinema em Céu Azul / 1940 (Dir: Ruy Costa). Contratada pela rede NBC de rádio, rumou para Los Angeles com seu marido William Melniker, diretor da MGM para a América Latina. Ela chegou a ser indicada para contracenar com Tyrone Power em Sangue e Areia / Blood and Sand / 1941 no papel de Dona Sol (depois entregue a Rita Hayworth), mas um incidente frustrou a ascensão da brasileira na Meca do Cinema.

Laura Suarez

Laura contou, em depoimento para Simon Khoury (em Bastidores – I, Leviatã, 1994): “Estava tudo acertado para o início das filmagens, o papel era meu e houve um coquetel de apresentação dos artistas da fita (…) Numa noite, fui jantar em companhia de um dos figurões lá do estúdio, num dos restaurantes mais conhecidos da época, o Victor Hugo, e enquanto tomávamos alguns aperitivos, ele tentou me acariciar por debaixo da mesa, de maneira pouco convencional. Mostrei meu desagrado; ele insistiu e fui obrigada a empurrá-lo com certa violência. O big shot perdeu o equilíbrio e, para não estatelar no chão, afundou a mão numa gigantesca sorveteira e, daí, deu-se um pequeno escândalo. Um batalhão de fotógrafos espocou seus flashes, houve corre-corre e eu, às pressas, retirei-me do local. Fui diretamente para casa, fiz as malas de qualquer maneira e regressei ao Brasil, pois tinha certeza de que minha carreira no cinema norte-americano estava liquidada”.

Eva Wilma

Eva Wilma, cujo verdadeiro nome é Eva Wilma Riefle Buckup Zarattini, nasceu em São Paulo em 1933, iniciou sua carreira artística como bailarina e depois se consagrou como atriz de teatro, cinema e televisão. Em entrevistas recentes, ela falou sobre o teste que fez para o papel de uma cubana no filme Topázio / Topaze / 1969 de Alfred Hitchcock. Tudo começou quando o governo americano a premiou com uma viagem de 45 dias aos Estados Unidos para assistir peças e filmes. Durante a viagem, Eva Wilma visitou o estúdio da Universal Pictures, onde o mestre do suspense estava trabalhando. Após ter visto filmes produzidos pela Universal, Wilma chamou a atenção de um agente do estúdio, que pediu licença para tirar fotos, porque Hitchcock estava precisando de uma atriz latino-americana para o papel de uma cubana no filme Topázio. “Tirei as fotos e voltamos para o Brasil. Ele mandou pedir currículo, material filmado e mandaram me buscar”. Infelizmente ela não aprovou e quem ficou com o papel da cubana Juanita de Cordoba foi a atriz alemã Karin Dor.

Alzirinha Camargo e Ciro Rimac

Alzirinha Camargo, declarou para a Scena Muda (outubro 1942, número 1126), que fez um teste na Metro, mas não atuou em nenhum filme. Não consegui confirmar a existência do dito teste. O que apurei foi que em 1939, ela se apresentou no Cassino Atlântico com uma orquestra norte-americana regida pelo peruano Ciro Rimac. Eles se casaram e viajaram para os Estados Unidos, onde  participaram em shows na cadeia de cinemas da Metro com um repertório parecido com o de Carmen Miranda.

RAYMOND GRIFFITH

Walter Kerr, no seu livro The Silent Clowns (Da Capo,1980), colocou-o em um respeitável quinto lugar – depois de Charles Chaplin, Buster Keaton, Harold Lloyd e Harry Langdon – no panteão da comédia silenciosa. Os “Quatro Grandes” Comediantes (Chaplin, Keaton, Lloyd e Langdon), todos produziram eles mesmos os seus melhores filmes e tinham o contrôle sobre os argumentos, orçamentos, horário de trabalho e escolha do elenco, mas Raymond Griffith (que não tinha nenhum parentesco com David Wark Griffith nem com Richard Griffith, o sucessor de Iris Barry como Curador da Biblioteca do Museu de Arte Moderna de Nova York), era um simples artista contratado na Famous Players-Lasky / Paramount. Enquanto Chaplin fazia um filme a cada três anos e os outros apareciam em apenas dois filmes por ano, Griffith era obrigado a participar de quatro por temporada.

Raymond Griffith

O maior problema ao se avaliar o status de Raymond Griffith entre os grandes comediantes da cena muda é a disponibilidade de seus filmes. A maioria dos filmes que ele estrelou se perderam ou estão guardados em arquivos como o do MOMA ou do BFI e, que eu saiba, somente dois (felizmente seus maiores sucessos, Pelos Caminhos do Paraíso / Paths to Paradise / 1925 e Golpes de Audácia / Hands Up! / 1926, dirigidos por Clarence Badger), saíram em dvds e um, Casamento por Compra / The Night Club / 1925, ainda existe em VHS.

O personagem de Griffith era diferente de qualquer outro comediante do seu tempo. Seu traje era a cartola e o smoking, estava sempre sorridente, e cada situação em que se encontrava era um jogo, no qual ele tinha que usar a esperteza para salvar sua pele. William K. Everson (American Silent Film, Oxford University, 1978) disse que ele combinava a sofisticação de Adolph Menjou com o humor sêco de Keaton e os clímaxes da comédia-de-arrepios de Lloyd. Kevin Brownlow (The Parade’s Gone By, Da Capo, 1980) achava que ele era um cruzamento de Adolphe Menjou e Max Linder e que seu personagem era o de um homem refinado e auto-confiante, que ficava completamente desnorteado pelas mulheres. Nos Estados Unidos ganhou o apelido de “The Silk Hat Comedian” e no Brasil ficou conhecido como “O Cômico da Cartola Reluzente”.

Raymond Griffith

 

Raymond Griffith (1895-1957) nasceu em uma família teatral em Boston, Massachussets. Seu pai, James Henry Griffith, era um ator de San Francisco, Califórnia. Mary Guichard, sua mãe, era uma atriz nascida na França. O avô de Griffith, Gerald Griffith, também era ator assim como seu bisavô, Thomas Griffith.

De acordo com sua biografia oficial, providenciada pela Paramount em 1927, Raymond tinha quinze meses de idade, quando fêz sua estréia no palco, interpretando um bebê na companhia teatral de seus progenitores. Com sete anos, ele foi Little Lord Fauntleroy e, com oito, fez o papel de uma menininha em uma produção de “Ten Nights in a Barroom”.

Raymond perdeu a voz quando ainda era criança, ficando apenas com um sussurro rouco, ao contrair difteria respiratória, que danificou sua cordas vocais. Durante algum tempo na sua infância ele trabalhou em um circo e depois se juntou a um grupo de pantomima, que fez uma turné pela Europa. Arrumou também emprego dançando em espetáculos de vaudeville. Em janeiro de 1910, mentindo sobre sua idade, Griffith alistou-se na Marinha, onde serviu por dois anos e meio.

Cena de An Aerial Joy Ride

Ele iniciou sua carreira cinematográfica, como Ray Griffith, nas comédias da L-KO Kompany (Lehrman Knock-Out Comedies) em 1915, a maioria delas dirigida por Henry “Pathé” Lehrman e Craig Hutchinson. Em março de 1916, Griffith deixou a L-KO e foi para o estúdio de Mack Sennett na Triangle, onde apareceu em cinco comédias curtas, quase sempre em papéis secundários. Frustrado, afastou-se brevemente da Triangle, surgindo em uma comédia da Fox, An Aerial Joy Ride / 1917. Quando Harry Aitken, o presidente da Triangle, resolveu produzir uma série de comédias de um rolo, chamada Triangle Komedies, Griffith participou de uma dúzia delas. Em 1918, ele procurou Mack Sennett – que havia deixado a Triangle – porém não conseguiu convencê-lo a aproveitá-lo como ator; ele foi contratado como gagman, argumentista e assistente de direção, funcionando em conjunto com Johnny Grey e Albert Glassmeyer. O time Griffith-Grey-Glassmeyer funcionava assim: Griffith escrevia a história, Glassmeyer fornecia os gags, e Grey providenciava os intertítulos.

Em 1921, Griffith passou a trabalhar com um ex- aluno de Mack Sennett, Reggie Morris, em uma série de comédias que não foi bem sucedida financeiramente. Quando Griffith se tornou um astro, essas short comedies foram reunidas em um longa-metragem intitulado When Winter Went / 1925. Posteriormente, Griffith transferiu-se para a unidade independente de Marshal Neilan e Primeiro os Loucos / Fool’s First / 1922 foi um dos melodramas criminais nos quais Griffith figurou como coadjuvante. No ano seguinte, Clarence Badger dirigiu-o em Luzes Cor de Sangue / Red Lights, filme de mistério mais ou menos sério. Badger foi outro aluno de Sennett que posteriormente dirigiria os dois maiores sucessos de Griffith, citados no segundo parágrafo deste artigo.

Juntamente com outras celebridades – tais como Charles Chaplin, King Vidor, Erich von Stroheim, Fred Niblo, Florence Vidor etc – Griffith fez o papel de si mesmo no melodrama Almas à Venda / Souls for Sale, produzido pela Goldwyn em 1923 e, no mesmo ano, foi um dos atores principais em O Tigre Branco / White Tiger. Neste drama da Universal, três vigaristas internacionais, Sylvia (Priscilla Dean), Roy (Raymond Griffith) e “Conde Donelli” (Wallace Beery) chegam na América. Sylvia e Roy não sabem que são irmãos, mas os três se juntam para roubar ricas mansões, usando um artifício conhecido como máquina de jogar xadrês. Eventualmente, Sylvia e Roy descobrem seu parentesco, e ficam sabendo que o “Conde Donelli”, que se chama na verdade Hawkes, matara o pai deles. O diretor Tod Browning, teve problemas de alcoolismo na época e o produtor Irving Thalberg ficou desapontado com o resultado do filme, que recebeu péssimas críticas. Por causa disso, Browning foi impedido de dirigir O Fantasma da Ópera / The Hunchback of Notre Dame / 1923, um grande êxito de Lon Chaney.

Cena de Senhorita Barba Azul

Ainda em 1923, o ator Douglas McLean decidiu produzir seus próprios longas-metragens para a Associated Exhibitors e Griffith escreveu o argumento para o primeiro filme, Pelos Ares / Going Up, que foi um sucesso. Enquanto trabalhou para McLean, Griffith incumbiu-se da adaptação para O Cônsul Americano / The Yankee Consul / 1924 e redigiu outra história, desta vez para É um Caso Sério / Never Say Die/ 1924. Em 1924, Griffith começou a prestar serviço na Famous Players-Lasky / Paramount como ator contratado. Ele era um simples coadjuvante mas conseguia sempre “roubar” o filme de suas “bigger stars”. São desta época, Vamos Trocar de Mulher? / Changing Husbands / 1924 (Dir: Cecil B. DeMille, com Leatrice Joy), Uma Noite de Amor / Open All Night / 1924 (Dir: Paul Bern, com Viola Dana) e Senhorita Barba Azul / Miss Bluebeard / 1925 (Dir: Frank Tuttle, com Bebe Daniels).  Neste último filme, escreveu o crítico Mordaunt Hall no New York Times, “Griffith faz o espectador morrer de rir quando tenta imitar um gato.

Pelos Caminhos do Paraíso foi o primeiro grande sucesso de Raymond Griffith como comediante, formando par com Betty Compson. Griffith e Compson são dois trapaceiros rivais, tentando roubar um valioso colar de diamantes. Para penetrar na mansão onde o está guardado, Griffith faz-se passar por detetive e Compson por uma criada. Após várias tentativas rivais, os dois decidem agir juntos, desenrolando-se cenas de suspense muito engraçadas como aquela em que intervem um detetive de verdade pateta (Edgar Kennedy), que está tomando conta do cofre. Uma dos momentos mais divertidos é a dança de roda sublimemente coreografada, quando os dois ladrões, alternadamente, tentam abrir o cofre durante uma festa, seguindo-se o balé frenético de Griffith, quando ele tenta atravessar o aposento escuro carregando o cofre, até ser iluminado pelo feixe de luz de uma lanterna elétrica enquanto o detetive pateta esforça-se para arrancar a lanterna de um cachorro.

Raymond Griffith e Betty Compson em Pelos Caminhos do Paraíso

Depois de muitas reviravoltas, Griffith e Compson finalmente se apossam do colar e rumam para a fronteira com o México, perseguidos por centenas de motociclistas da polícia em uma sequência onde ocorrem gags visuais hilariantes. Finalmente, eles cruzam a fronteira em segurança mas, em um momento de dúvida, pensam se não seria melhor se entregarem e devolverem o colar ao seu legítimo dono. Originariamente, o filme terminava com eles fazendo isso, porém esta cena não consta na cópia que podemos ver hoje.

Golpes de Audácia é unânimemente considerado o melhor filme de Griffith. Ele interpreta o papel de um espião Confederado durante a Guerra Civil Americana que tenta desviar um carregamento de ouro, do qual o Norte necessita desesperadamente. Em vez da sensação de autenticidade do período histórico que encontramos no filme de Buster Keaton O General / The General / 1926, em Golpes de Audácia estamos diante de um mundo de pura fantasia. Griffith vagueia nele com sua capa e cartola de mágico imperturbável pela explosão do prédio diante dele; ao ensinar o Charleston para índios sanguinários; e ao sobreviver de um pelotão de fuzilamento, jogando pratos para o alto, levando os soldados a participar de uma competição de tiro ao alvo.

Cena de Golpes de Audácia

Convém descrever esta última sequência com mais detalhes, porque ela é muito engraçada: capturado como espião, Griffith está na frente de uma casa, diante de uma fileira de soldados que lhe apontam suas armas. O comandante do esquadrão dá a ordem para atirar, mas eis que chegam dois soldados, cada qual com uma pá, e tiram as medidas do futuro executado, para prepararem sua cova. Quando eles terminam esta tarefa, o comandante ordena novamente o fuzilamento porém, desta vez, abre-se a porta da casa, e sai uma velha com uma cesta cheia de pratos. Griffith aproxima-se da mulher, e diz (através do intertítulo): “Perdoa-me – esta é uma execução particular “. Ao ouvir isto, ela deixa cair a sua cesta e foge horrorizada. Griffith apanha a cesta e corre atrás dela, a fim de devolvê-la. Trazido de volta pelos soldados ele apanha um prato da cesta. Quando nova ordem de atirar é dada, ele arremessa o prato para o ar. Naturalmente, os soldados atiram no prato. Perturbado, o comandante dá mais uma ordem para atirar. Outro prato vai ao ar e os soldados atiram nele novamente. Griffith aplaude o seu próprio pelotão de fuzilamento pela sua precisão. O comandante puxa seu revólver. Griffith segura um prato com uma de suas mãos e o comandante o despedaça com um tiro. Griffith segura outro prato com a outra mão e ocorre o mesmo. Ele aplaude o tiro certeiro e põe o comandante no seu lugar sob sua mira. Desesperado, o comandante manda amarrar Griffith de costas para a parede …

Cena de Golpes de Audácia

Ainda mais audaciosamente, Griffit conhece duas irmãs (Marian Nixon, Virginia Lee Corbin). Ambas se apaixonam por ele que retribui as afeições delas com igual ardor. No final, Griffith continua um homem livre exceto que tem duas jovens pretendentes à sua eterna adoração diante de si. O que fazer? Miss Nixon se oferece para abrir mão dele para Miss Corbin. Miss Corbin se oferece para abrir mão dele para MIss Nixon. Logo as duas estão brigando calorosamente para decidir qual delas vai abrir mão dele. Griffith faz a paz, jurando seu amor absoluto pelas duas.

Cena de Golpes de Audácia

Cada irmã reclina sua cabeça em um de seus ombos e os três formam um lindo trio – solução muito arrojado para a época. Uma carruagem chega pela estrada poeirenta. Um homem barbudo, descendo, reconhece as jovens como suas antigas amigas. Ele apresenta sua esposa, Anna, quando ela sai da carruagem. Ele introduz sua esposa, Grace, quando ela desce da carruagem, ele apresenta sua esposa, Jane, Helen, e muitas outras, porque seu amor é múltiplo. Ele é Brigham Young, o líder Mormon, e este final gratificante deixa o público menos perplexo.

O filme foi muito bem recebido pelo público brasileiro e assim o anunciou o jornalista do Correio da Manhã, um pouco preocupado com seu atrevimento temático: “Raymond Griffith em Golpes de Audácia propõe-se ainda a defender a poligamia no mundo inteiro. Diz o nosso herói que esta coisa de casar um homem só com uma mulher, não está certo: desde que o felizardo possa sustentar, não uma, porém seis ou oito mulheres e desde que as escolhidas do “sultão” se encontrem de perfeito acordo, que mal pode haver para os terceiros, que nada tem a ver com as dimensões do coração de quem tanto ama ?! O Império (o Cinema Império) vai, portanto, colaborar nessa obra de evolução social de grande alcance, a qual se propôs realizar o simpático Raymond Griffith. Resta saber se o nosso mundo social lhe acatará as idéias avançadas talvez demais!”.

Em 1926, Griffith compareceu ainda em duas comédias comandadas por Arthur Rosson, Núpcias Trocadas ou Pintado de Fresco / Wet Paint, Juiz Janota / You’d Be Surprised, o primeiro muito apreciado pelos críticos – o da revista Pictures achou alguns de seus esquetes dignos de Chaplin.

Em 1927, Griffith decidiu romper amigavelmente seu contrato com a Famous Players Lasky e esta decisão quase destruiu sua carreira, pois a empresa praticamente não promoveu seus últimos filmes, O Colar de Brilhantes / Wedding Bills e Na Hora do Amor / Time to Love. Em 8 de janeiro de 1928, Griffith casou-se com Bertha Mann, um atriz de teatro que havia participado de um filme mudo, The Blindness of Divorce / 1918 e seria vista em vários filmes falados no início dos anos trinta. Em 1929, Griffith fez seu último filme silencioso, Trent’s Last Case, produzido pela Fox e dirigido por Howard Hawks.

Hawks considerava o livro de E.C. Bentley uma das melhores histórias de detetives de todos os tempos e se empenhou entusiasticamente na realização daquele que seria o seu primeiro filme falado. Passado em uma imponente mansão britânica, a história diz respeito a um homem, Sigsbee Manderson, que resolve cometer suicídio por meio de circunstâncias que dariam a entender que ele foi assassinado pelo seu secretário, que está apaixonado por sua mulher. Depois que as autoridades fizeram um trabalho mal feito, entra em cena o criminalogista amador, Philip Trent, para investigar o caso. A Fox comprou o romance com a expectativa de produzir um filme silencioso porém, com o advento do som, decidiu transformá-lo em sonoro.

 

Entretanto, mal Hawks havia começado a filmar as primeiras cenas de Murder Will Out (o primeiro título dado a Trent’s Last Case), ele foi comunicado de que deveria voltar a filmá-lo como um filme mudo, porque a voz de Griffith, que faria o papel de Trent seria inapropriada para um filme falado. Hawks, pelo contrário, achava que Griffith seria um sucesso no cinema sonoro precisamente por causa de sua voz. De qualquer maneira, como pensava o cineasta, o papel de Griffith (Philip Trent) poderia ter sido facilmente entregue a outro ator sem necessidade de se fazer um filme silencioso. A verdade, de fato, foi que o departamento legal da Fox havia adquirido apenas o direito para a realização de um filme mudo. Inconformado por terem lhe puxado o tapete e conhecendo o senso de humor particular de seu amigo Griffith, Hawks tratou o romance policial mais como uma comédia, sempre que possível (Todd McCarthy, Howard Hawks -The Grey Fox of Hollywood, Grove, Press, 1997). Como o mercado para filmes puramente silenciosos estava desaparecendo rapidamente, Trent’s Last Case nunca foi exibido comercialmente ou para a imprensa nos Estados Unidos. Na Grã Bretanha, foi um fracasso, mas aqui no Brasil, onde recebeu o título em português de Quem é o Culpado? teve melhor acolhida.

Griffith finalmente aderiu às comédias sonoras no estúdio de Al Christie. Ele assinou um contrato para fazer uma dúzia de comédias de dois rolos, mas apareceu em apenas duas: Post Mortems / 1929 e The Sleeping Porch / 1929, dirigidas por Leslie Pierce. Sua derradeira intervenção no cinema como ator ocorreu no filme Sem Novidade no Front / All Quiet on the Western Front (produzido pela Universal e dirigido por Lewis Milestone), no qual ele interpreta o papel de Gerard Duval, um soldado francês durante a Primeira Guerra Mundial. Em uma cena pungente, ele é morto em uma trincheira pelo personagem de Lew Ayres, Paul Baumer, um soldado alemão. Enquanto Duval agoniza (sem dizer uma palavra), Baumer percebe o horror da guerra. O filme ganhou o Oscar de 1930.

Lew Ayres e Raymond Griffith em Sem Novidade no Front

Lew Ayres e Richard Griffith em Sem Novidade no Front

Por volta de 1932, Griffith já era bastante conhecido como “script doctor”, tendo exercido esta função em cinco filmes neste ano. Quatro desses trabalhos foram feitos para a Warner Bros. Depois, sob a proteção de Darryl Zanuck, Griffith foi promovido a produtor associado e produziu vários filmes mesmo tempo, incluindo títulos como Três Ainda é Bom / Three on a Match, 20.000 Mil Anos em Sing Sing / 20.000 Years in Sing Sing e O Tubarão / Tiger Shark.

Zanuck trocou a Warner pela 20thCentury Pictures, que logo se fundiu com a Fox, e levou Griffith com ele. Griffith produziu filmes estrelados por Shirley Temple, Sonja Henie, os irmãos Ritz, Ao Rufar dos Tambores / Drums Along the Mohawk / 1939 e A Marca do Zorro / The Mark of Zorro / 1940. Ele e Zanuck foram indicados para o Oscar de Melhor Filme por A Casa de Rotschild / The House of Rotschild / 1934.

Griffith aposentou-se em 1940. Na noite de 25 de novembro de 1957, ele estava no Masquer’s Club, clube privado para atores e produtores em Los Angeles jantando na companhia de dois amigos, quando faleceu. A princípio, parecia que ele havia morrido de um ataque do coração e seus obituários apontaram esta como a causa mortis. Porém uma autopsia, realizada em 27 de novembro, determinou que ele havia sido sufocado pela comida, e morreu de asfixia.

FILMOGRAFIA COMPLETA COMO ATOR:

1915 – Vendetta in a Hospital; Gertie’s Joy Ride; Scandal in the Family; Under New Management; Tears and Sunshine; Ready for Reno; A Saphead’s Revenge; Blackmail in a Hospital; A Scandal at Sea. 1916 – Billie’s Reformation; Mr. McIdiot’s Assassination; Cupid at the Polo Game; A September Morning; Elevating Father; Blue Blood But Black Skin; A Bath House Blunder; The Bankruptcy of Boggs and Schultz; A Dash of Courage; The Great Smash; A Busted Honeymoon; How Stars Are Dade; The Surf Girl; A Scoundrel’s Toll. 1917 – An Aerial Joy Ride; A Royal Rogue; His Social Rise; His Thankless Job; His Fatal Move; His Hidden Talent; His Foothill Folly; Caught in the End; His Busy Day; False to the Finish; A Counterfeit Scent. 1918 – Ruined by a Dumbwaiter; His Double Life; Mud; Their Neighbor’s Baby; The Village Chestnut (todos curtas ); The Red-Haired Cupid. 1919 – The Follies Girl. 1920 – Love, Honor and Behave. 1922 – Nas Encruzilhadas de Nova York / The Crossroads of New York; Primeiro os Loucos / Fools First; Minnie / Minnie. 1923 – Luzes Cor de Sangue / Red Lights; O Eterno Dilema / The Eternal Three; Confiança e Convicção / The Day of Faith; Almas à Venda / Souls for Sale;

O Tigre Branco / White Tiger. 1924 – Paraíso Envenenado / Poisoned Paradise: The Forbidden Story of Monte Carlo; O Problema da Felicidade / The Dawn of a Tomorrow; Flor da Moda / Nellie the Beautiful Cloak Model; Vamos Trocar de Mulher? / Changing Husbands; Lírio do Lodo / Lily of The Dust; Uma Noite de Amor / Open All Night; Casamento por Compra / The Night Club; Senhorita Barba Azul / Miss Bluebeard; O Defensor Desfrutável / Forty Winks; Pelos Caminhos do Paraíso / Paths to Paradise; Amor a Crédito / Fine Clothes; Vida de Príncipe / A Regular Fellow; When Winter Went. 1926 – Golpes de Audácia / Hands Up!; Núpcias Trocadas ou Pintado de Fresco / Wet Paint; Juiz Janota / You’d Be Surprised; The Waiter from the Ritz (Não chegou a ser lançado). 1927 – O Colar de Brilhantes / Wedding Bills; Na Hora de Amar / Time to Love. 1929 – Post Mortems (curta); Quem é o Culpado? / Trent’s Last Case; The Sleeping Porch (curta). 1930 – Sem Novidade no Front / All Quiet on the Western Front.

 

CHARLES LAUGHTON II

Nos anos cinquenta e sessenta, Laughton fez (impondo sempre sua presença na tela) mais uma dúzia de filmes, de qualidade artística variável (os melhores são assinalados por um asterisco) – Ainda Há Sol em Minha Vida / The Blue Veil / 1951 (Dir: Curtis Bernhardt / RKO); O Tirano / The Strange Door / 1951 (Dir: Joseph Pevney / Universal); Páginas da Vida / O. Henry’s Full House / 1952 (Dir: Henry Koster / 20thCentury-Fox); Piratas da Perna de Pau / Abbot and Costello Meet Captain Kid / 1952 (Dir: Charles Lamont / Warner Bros.); A Rainha Virgem / Young Bess / 1953 (Dir: George Sidney / MGM); Salomé / Salome / 1953 (Dir: William Dieterle / Columbia); Papai é do Contra / Hobson’s Choice * (Dir: David Lean / British Lion);

Charles Laughton e Jane Wyman em Ainda Há Sol Em Minha Vida

Charles Laughton em O Tirano

Marilyn Monroe e Charles Laughton em Páginas da Vida

Charles Laughton, Bud Abbott e Lou Costello em Pirata da perna de Pau

Charles Laughton em A Rainha Virgem

Charles Laughton, Rita Hayworth e Stewart Granger em Salomé

Charles Laughton, Brenda de Banzie e John Mills em Papai é do Contra

Testemunha de Acusação / Witness for the Prosecution / 1957 * (Dir: Billy Wilder / Arthur Hornblow); Sob Dez Bandeiras / Sotto Dieci Banderi (Dir: Diulio Coletti / Dino de Laurentiis); Spartacus / Spartacus / 1960 * (Dir: Stanley Kubrick / Universal); Tempestade sobre Washington / Advise and Consent / 1962 (Dir: Otto Preminger / Columbia) – mas, com exceção do seu trabalho em Testemunha de Acusação, sua energia criativa foi mais direcionada para outro domínio artístico (o teatro, como professor, ator, diretor e declamador) e outra função no campo da cinematografia (como diretor em Mensageiro do Diabo / The Night of th Hunter / 1955).

Cecil Parker e Charles Laughton em Sob Dez Bandeiras

John Gavin, Charles Laughton e Stanley Kubrick na filmagem de Spartacus

Charles Laughton e Walter Pidgeon em Tempestade sobre Washington

Foi em marco de 1944 que Charles Laughton conheceu Berthold Brecht pessoalmente, na casa de Salka Viertel em Mayberry Road, Santa Monica. Segundo Salka, Laughton ficou “hipnotizado” por Brecht. Certamente um ficou gostando do outro com a paixão de duas pessoas que desejavam algo que somente o outro poderia dar: no caso de Brecht, uma produção, no caso de Laughton, um papel. Entretanto, o que começou como um interêsse mútuo, logo se transformou em algo mais rico e gratificante, tanto pessoal como criativamente. No momento em que Laughton leu (através de uma tradução) “Leben des Galilei (que Brecht havia escrito em 1938 e estava tentando encená-la nos Estados Unidos), ele ficou entusiasmado, não só para interpretar o papel principal como também com a possibilidade de ter uma participação ativa na redação de uma versão radicalmente nova da peça, o que afinal dominou a vida de ambos durante três anos, somente com as interrupções necessárias para que o ator ganhasse algum dinheiro no cinema.

Bertold Brecht e Charles Laughton

Finalmente, no final de 1945, a nova versão, “The Life Of Galileo”, estava pronta para ser produzida com a ajuda financeira de Edward Hambleton, um jovem mecenas do Texas. Laughton começou a fazer leituras privadas da peça para o compositor austríaco Hanns Eisler, os Viertels (Salka e Berthold Viertel) e o romancista e dramaturgo Lion Feuchtwanger, entre outros; e mais uma, para Orson Welles que, imediatamente manifestou interesse em dirigí-la. Brecht gostava dele e Laughton também, embora tivesse sondado outros diretores possíveis, inclusive, Alfred Lunt. A busca continuou de Elia Kazan a Harold Clurman, mas o escolhido afinal foi Joseph Losey, que aceitou, mesmo sabendo que iria ser o diretor nominal, pois Laughton e Brecht é que estariam verdadeiramente no comando. Em todas as apresentações os ingressos logo se esgotaram, porém a peça ficou pouco tempo em cartaz. Os planos para encená-la em Londres falharam, discussões para transformá-la em filme, também não prosperaram. Brecht foi para a Suiça, depois de ter prestado seu famoso depoimento diante da HUAC (House of the Un-American Activities Committee) e, quando as intimações para depor se alastraram, Laughton ficou alarmado e talvez feliz por ter se livrado da obra tão perigosa. Quanto a Brecht, conseguiu o que queria: uma produção americana satisfatória de uma peça sua, e foi Laughton que tornou isso possível. Por outro lado, o ganho de Laughton, em termos de auto-respeito e confiança intelectual, foi enorme.

Laughton-Galileo

No final dos anos quarenta, Laughton deu aulas – com imenso prazer – para um grupo Shakespereano de atores e atrizes americanos (entre eles Suzanne Cloutier, Robert Ryan, Shelley Winters), que se reunia três noites por semana em sua casa em Pacific Palisades. A certa altura, a atriz Eugénie Leontovich, que também havia constituído um grupo de estudo, propôs a Laughton que os dois se unissem para a encenacão de “O Jardim das Cerejeiras”: ela contribuiria com o seu teatro (Stage Theater), ele seria o diretor, ambos interpretariam os papéis principais, e os alunos dele (e nenhum dela) completariam o elenco. A peça estreou em 6 de junho de 1950 e os críticos previram um futuro brilhante para a companhia; mas isso não aconteceu por várias razões, que se concretizaram na introdução de Paul Gregory na vida de Laughton.

Gregory, um agente junior na MCA, a poderosa agência de talentos presidida por Lew Wasserman, tinha visto Laughton ler um episódio do Livro de Daniel na televisão no Ed Sullivan Show, e teve uma idéia brilhante: convenceu Laughton de que ele iria ganhar muito dinheiro, apresentando-se em auditórios por todo o país para uma noite de leituras. Os espetáculos fizeram muito sucesso, até mais do que as projeções entusiásticas de Gregory. Laughton encontrou (ou melhor, Gregory encontrou para ele) um meio ideal para expor o seu dom para memorizar e recitar textos de livros famosos ou peças de teatro, poemas, discursos célebres ou salmos e, desde então, ele passou a usar seus filmes para dar publicidade às suas excursões com esta finalidade.

Charles Laughton,Charles Boyer, Agnes Morehead e Cedric Hardwicke

Charles Laughton como Bottom em A Midsummer’s Night Dream

Entre um filme e outro, estimulado por Gregory, Laughton dirigiu no palco “Don Juan in Hell” (1951 como o Diabo, ao lado de Charles Boyer (Don Juan), Sir Cedric Hardwicke (Estátua) e Agnes Moorehead (Dona Anna) e “Major Barbara (1956 como Andrew Undershaft) de Bernard Shaw e The Party” de Jane Arden (1958 como Richard Brough). Subsequentemente, Laughton dirigiu Tyrone Power, Judith Anderson e Raymond Massey em “John Brown’s Body” de Stephen Vincent Benet (1953) e Henry Fonda, John Hodiak e Lloyd Nolan em “The Caine Mutiny Court Martial” de Herman Wouk (1954) e foi somente ator, como Bottom em “A Midsummer Night’s Dream” (1959) e como Lear em “King Lear” (1959) de Shakespeare no espetáculo comemorativo da centésima temporada do famoso Memorial Theatre de Stratford-upon-Avon organizado pelo seu diretor na época, Glen Byan Shaw

Foi Gregory quem armou o projeto de filmagem de Mensageiro do Diabo / The Night of the Hunter / 1955. Laughton exerceu pela única vez na sua carreira a função de diretor de cinema e convidou Robert Mitchum para o papel do Pregador Harry Powell. O roteiro, inicialmente escrito por de James Agee, baseou-se em um romance best seller de Davis Grubb sobre um fanático religioso e assassino. Na cadeia, o reverendo Powell descobrira que seu companheiro de cela, Ben Harper (Peter Graves), havia escondido dez mil dólares, e, após o enforcamento do homem, se dedica à tarefa de encontrar o dinheiro, para empregá-lo na construção de um templo. Com essa intenção, casa-se com a viúva, Willa Harper (Shelley Winters), do morto, mata-a, e depois ameaça e persegue os dois enteados (Billy Chapin e Sally Jane Bruce), que sabem onde está o dinheiro. Os dois jovens fogem pelo rio e são recolhidos por uma mulher forte e independente, Rachel (Lillian Gish), que os protege.

Charles Laughton diretor

Laughton teve uma forte intuição de que o mundo visual apropriado para Mensageiro do Diabo era o de David Wark Griffith; em consequência, reexibiu todos os seus filmes, e ficou impressionado com o trabalho de Lillian Gish. Quando Lillian lhe perguntou porque ele a queria no filme, ele respondeu: “Quando fui ao cinema pela primeira vez, eles (os espectadores) sentavam direito na poltrona e se inclinavam para a frente. Agora se afundam na poltrona com a cabeça para trás ou comem balas e pipoca. Eu quero que eles se sentem direito outra vez” (Simon Callow).

Lillian Gish em Mensageiro do Diabo em mensageiro do Diabo

James Agee tinha um problema sério de alcoolismo (ele morreu no mesmo ano) e o script que entregou era muito longo para o padrão de Hollywood. Laughton teve que reduzí-lo a uma extensão mais apropriada. Com a ajuda dos irmãos Terry e Denis Saunders (seus diretores de segunda unidade), transformou o romance de Davis Grubb em algo parecido com um conto de fadas gótico (passado em uma Virginia rural) com todos os seus elementos clássicos – crianças orfãs em perigo, um guardião malvado, um segredo que deve ser mantido a todo custo, uma jornada mágica pela margem de um rio povoado de criaturas do mundo animal e coberto de sombras, uma fada madrinha que salva as crianças do vilão -, porém mantendo aquela que ele considerava ser a sua mensagem essencial: uma condenação à confiança cega na religião organizada. Para ele, a fé era melhor praticada por uma velha fazendeira de bom coração do que por um homem que se chamava de “Pregador” e justificava a sua criminalidade em nome da Bíblia.

Charles Laughton dá instruções para Robert Mitchum na filmagem de Mensageiro do Diabo

Charles Laughton e Lilian Gish em um intervalo da filmagem de Mensageiro do Diabo

Em relação direta com a religião, a sexualidade desempenha um papel importante tanto no texto de Grubb como na adaptação de Laughton repleta de imagens demasiadamente chocantes para o público de 1955, por exemplo, quando, no teatro burlesco, o criminoso sexual assiste aos movimentos dos quadris de uma bailarina, ele não se contém ante o impacto erótico do corpo feminino, a sua faca, em um símbolo fálico chocante, rompe abruptamente o seu bôlso; ou na noite de seu casamento, o pastor sublima a impotência que entra provavelmente como uma das causas de sua insanidade, e reage à expectativa da mulher pela sua noite de núpcias, mandando-a mirar-se em um espelho (“Você está vendo o corpo de uma mulher, templo da maternidade, carne de Eva que o homem desde Adão tem profanado. Este corpo foi feito para gerar filhos, não para servir à luxúria dos homens”), deixando bem claro que o seu casamento jamais envolverá consumação.

Robert Mitchum na filmagem de Mensageiro do Diabo

Robert Mitchum em Mensageiro do Diabo

Muito da força do filme é devido à performance de Robert Mitchum, perfeito na sua composição do psicótico reprimido, sendo inesquecível aquela cena da descrição da luta entre o Bem e o Mal que coexistem em todas as criaturas Nos dedos da mão direita, a do Bem, ele tem tatuada a palavra LOVE, e nos da esquerda, HATE; as duas mãos lutam e ele, hipocritamente, faz a mão do Amor vencer a do Ódio.

Stanley Cortez e Laughton na filmagem de Mensageiro do Diabo

Laughton entendeu-se muito bem com o fotógrafo Stanley Cortez. “Antes de começarmos a filmar, eu ia à casa de Charles todo domingo durante seis semanas, e explicava meu equipamento de câmera para ele, peça por peça.        Queria lhe mostrar através da câmera o que as lentes podem ou não podem fazer. Mas logo o instrutor virou um aluno. Não em termos de conhecimento sobre a câmera, mas em termos do que ele tinha para dizer, sua idéias para a câmera … Além de Ambersons (Soberba / The Magnificent Ambersons / 1942), a experiência mais excitante que eu tive no cinema foi com Charles Laughton em Night of the Hunter” (Simon Callow). O ponto alto do filme é, sem dúvida, a sua plasticidade, de inspiração expressionista e / ou surrealista, que pontua a narrativa de imagens marcantes: o cadáver de Willa no fundo do rio, os cabelos se confundindo com a vegetação subaquática; o cântico que cantam a duas vozes Rachel sentada na sua varanda com um fusil sobre seus joelhos e o Pregador que a espreita no jardim; as crianças no estábulo pressentindo e depois vendo a aproximação do cavaleiro sinistro cuja silhueta se recorta na linha do horizonte; a fuga das crianças rio abaixo no bote do pai, cercados por cenas fantasmagóricas da natureza, o semblante de Lillian Gish aparecendo em um céu estrelado no final do filme.

Após o término da produção de Mensageiro do Diabo, Laughton deu início imediatamente às preparações de uma adaptação de “The Naked and the Dead” de Norman Mailer; porém o fracasso comercial do seu primeiro filme e as críticas indefinidas que recebeu, tirou-lhe a motivação artística como diretor. Ele pôs fim à sua parceria com Paul Gregory (por razões que nunca foram bem explicadas) e voltou a trabalhar como ator e diretor no palco e apenas como ator na tela, além de retormar seus recitais de leitura. Levou várias décadas para que o primeiro esforço diretorial de Laughton no cinema fosse reconhecido como uma obra-prima

Como ator na tela, sua última grande interpretação foi como Sir Wilfred Robarts em Testemunha de Acusação, brilhante adaptação da peça de Agatha Christie feita por Billy Wilder e Harry Kurnitz. Ele está absolutamente sublime como o renomado advogado inglês, recém recuperado de um enfarte, proibido pelos médicos de beber e fumar, e também de aceitar causas criminais. Apesar de ser vigiado o tempo todo por uma enfermeira (Elsa Lanchester), Sir Wilfrid sempre encontra um meio de tomar o seu conhaque e conseguir um charuto, e acaba aceitando defender um homem (Tyrone Power) acusado de assassinato. A própria esposa do acusado (Marlene Dietrich) presta testemunho contra; mas o velho causídico descobrirá a verdade inesperada e incrível.

John Williams, Marlene Dietrich e Charles Laughton em  Testemunha de Acusação

Henry Daniell, Tyrone Power e Charles Laughton em Testemunha de Acusação

Charles Laughton em Testemunha de Acusação

A satisfação infantil de Sir Wilfrid ao manobrar o elevador particular; suas artimanhas para conseguir um charuto ou um conhaque; o uso do monóculo e o reflexo da luz nele para prescrutar a reação das pessoas; seu fingimento de que está ignorando os testemunhos na côrte, contando as pílulas do remédio; suas réplicas brilhantes nos interrogatories; seu piscar de olhos e sua voz poderosa que ele usa sensacionalmente quando grita “LIAR!” para a personagem de Marlene Dietrich, obrigando-a a se desdizer no tribunal, mostram o ator no auge de sua arte. Uma grande performance e uma grande direção. Um filme admirável e empolgante.

Charles Laughton e Marlene Dietrich em Testemunha de Acusação

Marlene Dietrich e Charles Laughton em Testemunha de Acusação

Em uma entrevista, Cameron Crowe perguntou a Billy Wilder se algum ator o teria levado às lágrimas durante uma filmagem, e ele respondeu: “Não sei se me levou às lágrimas, mas algumas vêzes simplesmente me comoveu. Fiquei extasiado com o maior ator que jamais existiu, Mr. Charles Laughton” (Conversations with Wilder, Alfred Knopf, 2001). Laughton foi indicado mais uma vez para o Oscar de Melhor Ator, mas o troféu da Academia foi para Alec Guiness por sua atuação em A Ponte do Rio Kwai / The Bridge on the River Kwai / 1957.

No começo de 1962, embora não estivesse bem de saúde, Laughton fez outra excursão como declamador; em Flint, Michigan, levou um tombo quando estava tomando banho, e quebrou seu ombro. Constatou-se que era câncer; nunca se recuperou. No dia quinze de dezembro do mesmo ano, ele faleceu.

 

CHARLES LAUGHTON I

Ele nasceu em 1 de julho de 1899 no Victoria Hotel – na verdade um esplêndido bed and breakfast – em Scarborough, North Yorkshire, Inglaterra, do qual seus pais, Robert e Elizabeth, eram proprietários. Muito ocupados com o seu estabelecimento, os Laughton pouco viam Charles e seus irmãos Tom e Frank, mesmo antes deles serem matriculados em vários colégios católicos (Mrs. Laughton, de descendência irlandesa, era uma católica muito devota) – os meninos ficavam mais aos cuidados dos empregados do hotel

Charles Laughton

Os primeiros passos na educação de Charles foram dados em uma escola preparatória local; depois em um convento na cidade vizinha de Filey, onde ele aprendeu um francês perfeito; finalmente, em Stonyhurst, sob o regime austero dos jesuitas. Quando voltou para Scarborough, por ser o filho mais velho, teve que assumir, relutantemente, a posição de herdeiro do negócio dos seus progenitores, agora donos do Pavilion Hotel. Sua mãe enviou-o para Londres, a fim de fazer um treinamento no luxuoso Hotel Claridge, e foi então que ele começou a frequentar os teatros, impressionando-se sobretudo pela arte interpretativa do eminente ator Gerald du Maurier.

Em 1918, o jovem de dezoito anos de idade alistou-se no exército, não para um cargo que sua educação e classe social ensejariam, mas como soldado raso, pois não se sentia preparado para comandar; após passar um ano nas trincheiras, na última semana antes do armistício, Charles sofreu uma intoxicação de gás, que lhe causou danos nas costas recorrentes durante toda a sua vida e danificou sua laringe e traquéia.

Novamente no seu recanto natal, ele se dedicou à administração do hotel, mas se consolou de sua indesejada sucessão, juntando-se a um dos grupos de amadores locais, o Scarborough Players, interpretando todo tipo de papel, causando boa impressão como o Willie Mossop de “Hobson’s Choice”, que John Mills interpretaria no filme de David Lean de 1954.

Em 1922, com o consentimento da família, ingressou na Royal Academy of Dramatic Art (RADA), onde Claude Rains lecionava; porém foi a professora Alice Gachet, que percebeu seu enorme talento e fez com que ele o revelasse em cena. Em 26 de abril de 1926, contratado por Theodore Komisarjevsky, Laughton fez sua primeira aparição como profissional no Barnes Theatre como Osip na peça “O Inspetor Geral de Gogol, sucedendo-se duas peças de Tchecov (“O Jardim das Cerejeiras”, “Três Irmãs”) e “Liliom” de Ferenc Molnar, na qual ele chamou a atenção da crítica pela sua composição de Ficsur, o batedor de carteiras.

Charles e Elsa Lanchester

Após mais alguns trabalhos, Komisarjevsky incluiu Laughton no elenco de “Mr. Prohack” de Arnold Bennett, papel que, não somente lhe trouxe a fama, como também o relacionamento central de sua vida com a jovem atriz de vinte e cinco anos que interpretava sua secretária: Elsa Lanchester, uma ruiva boêmia, oriunda dos espetáculos de cabaré, filha de pais irlandeses marxistas radicais, aluna de dança de Isadora Duncan (que ela detestava), modelo para fotografias de nú artístico, contratada para ser “co-responsável” em casos de divórcio enfim, uma criatura exorbitante. Eles se casaram e foram morar em Dean Street … na velha residência de Karl Marx.

Depois de “Mr. Prohack” vieram uma performance espantosa de Laughton no papel de Crispin em “A Man with Red Hair” de Hugh Walpole (a primeira de suas composições primorosas como vilão diabólico) e o sucesso retumbante de “On the Spot”, cujo personagem principal, Tony Perelli, foi escrito especialmente para ele por Edgar Wallace. A peça seguinte, “Payment Deferred” de C. S. Forester, tornou-se um ponto crucial na vida e na carreira de Laughton, pois foi durante o ensaio que Elsa tomou conhecimento da homosexualidade de seu marido. Reproduzo a seguir as informações dadas por Simon Callow em Charles Laughton – A Difficult Actor, Vintage, 2012 (uma das melhores biografias de atores que eu já lí e de onde colhí informações para este artigo). “Uma noite, ele chegou em casa na companhia de Jeffrey Dell, o adaptador da peça, e um policial. Disse para Elsa que precisava falar com ela a sós. Quando ficaram sozinhos, ficou perturbado, e lhe contou que as vêzes cedia a um impulso homosexual. O jovem com o qual fizera sexo por dinheiro, estava lhe assediando, pedindo mais. Um policial interveio, e esta foi a consequência. Elsa imediatamente assegurou-lhe que estava “tudo bem” … Ela simplesmente perguntou se ele havia feito sexo com o homem na casa deles. Ele havia. Onde? No sofá. Muito bem. Livre-se do sofá. Nada mais foi dito. Jamais”.

Charles e Elsa

Em 1931, Laughton e Elsa foram para Nova York, onde ficaram amigos de Ruth Gordon, cujo namorado, Jed Harris, persuadiu Laughton a repetir, sob sua direção, o Hercule Poirot que ele fizera em Londres na peça “Alibi”, baseada no romance de Agatha Christie e renomeada “Fatal Alibi” nos Estados Unidos. Quando a temporada chegou ao fim, e Laughton já tinha embarcado em um navio para retornar à Inglaterra (para onde Elsa já havia partido), ele recebeu um telegrama de Jesse Lasky da Paramount, oferecendo-lhe um contrato de três anos, com o direito de escolher seus papéis. Diante da insistência da Paramount, Elsa e Laughton voltaram para a América.

A experiência de Laughton no cinema até então era mínima. Em 1928, ele havia se envolvido em dois curtas-metragens escritos para Elsa por H. G. Wells e dirigidos por Ivor Montagu: Blue Bottles e Day Dreams. Em 1931, Laughton fez três “quota quickiesWolves, Comets e Down River, dos quais nunca mais se ouviu falar. Seu único outro filme pré-Hollywood, é de outra categoria: Picadilly / 1929, com Anna May Wong e dirigido por Ewald A. Dupont, o diretor do admirável filme da UFA, “Varieté”; mas Laughton aparece em apenas uma cena.

Raymond Massey, Charles Laughton, Gloria Stuart, Ernest Thesiger em A Casa Sinistra

Gary Cooper, Tallulah Bankhead e Charles lLughton em Entre Duas Águas

Como o roteiro do seu primeiro filme na Paramount, Entre Duas Águas / Devil and the Deep / 1932 (Dir: Marion Gering) estava demorando para ficar pronto, o estúdio “emprestou-o” para a Universal, onde ele fez A Casa Sinistra / The Old Dark House / 1932 (Dir: James Whale), que somente foi lançado depois. Em Entre Duas Águas, o comandante de submarino, Charles Sturm (Charles Laughton), tem um ciúme doentio de sua esposa Diana (Tallulah Bankhead), embora ela seja inocente de infidelidade, e acaba jogando-a nos braços do Tenente Sempter (Gary Cooper); em A Casa Sinistra, no País de Gales, durante uma tempestade, cinco viajantes (Philip (Raymond Massey) e Margaret (Gloria Stuart) Waverton, seu amigo Penderel (Melvyn Douglas), Sir William Porterhouse (Charles Laughton) e sua amante, a corista Gladys du Cane (Lilian Bond), procuram abrigo em uma casa sombria, onde se confrontam com seus estranhos ocupantes, entre eles, Horace Femm (Ernest Thesiger), um histérico, sua irmã Rebecca (Eva Moore), uma religiosa fanática, e Morgan (Boris Karloff), um mordomo brutal e mudo.

Charles Laughton em O Sinal da Cruz

Cenas de O Sinal da Cruz

No projeto subsequente da Paramount para Laughton, O Sinal da Cruz / The Sign of the Cross / 1932 (Dir: Cecil B. DeMille), o ator personificou um Nero efeminado e gorducho com rosto de bebê. Simon Callow conta que, a seu pedido, o diretor consentiu em colocar um jovem despido sentado no chão ao lado de seu trono. Laughton teria sugerido Elsa no papel do rapaz, mas esta solicitação Mr. DeMille não aceitou.

Charles Laughton em Se Eu Tivesse Um Milhão

Cena de A Ilha das Almas Selvagens

 

Charles Laughton e Dorothy Peterson em Castigo do Céu

Laughton fez mais dois filmes para a Paramount – Se Eu Tivesse Um Milhão / If I Had a Million / 1932 (Dir: Ernest Lubitsch, Norman Taurog, Stephen Roberts, Norman Z. McLeod, James Cruze, William A. Seiter, Bruce Humberstone, Edward Sutherland) e A Ilha das Almas Selvagens / Island of Lost Souls / 1932 (Dir: Erle C. Kenton) – e um para a MGM, Castigo do Céu / Payment Deferred / 1932 (Dir: Lothar Mendes). No primeiro filme, composto por esquetes com astros e estrelas do estúdio, um milionário excêntrico, antes de morrer, resolve repartir sua fortuna entre sete pessoas desconhecidas. Laughton aparece no episódio quase silencioso, dirigido por Ernst Lubitsch, como Phineas V. Lambert, humilde empregado que, ao receber o cheque, atravessa as salas de vários subalternos até à do patrão, e se despede, colocando ruidosamente a língua para fora. No segundo filme, baseado em um romance de H. G. Wells, Laughton é o Dr. Moreau, cientista louco isolado em uma ilha remota, onde transforma feras da selva em criaturas semi-humanas como, por exemplo, uma mulher-pantera (Kathleen Burke). No terceiro filme, repetindo o papel que fizera no palco, Laughton é William Marble, um bancário que, desesperado por dinheiro para pagar as contas da família, decide matar um sobrinho rico (Ray Milland).

Cenas de Os Amores de Henrique VIII

Laughton e Elsa a caminho da cerimônia do Oscar, quando ele levou a estatueta por seu trabalho de Os Amores de Henrique VIII

Em 1933, Laughton estava mais uma vez em Londres com a intenção de continuar sua carreira brilhante no teatro e se aprimorar tecnicamente, introduzindo-se no repertório clássico do Old Vic. Antes disso, porém, teve que cumprir dois compromissos no cinema: um na Inglaterra: Os Amores de Henrique VIII / The Private Life of Henry VIII (Dir: Alexander Korda), biografia histórica, com boa dose de humor, na qual ele é o monarca inglês e Elsa Lanchester, uma de suas esposas, Ana de Cleves; outro em Hollywood, para a Paramount: O Ídolo Branco / White Woman (Dir: Stuart Walker), drama no qual ele é Horace H. Prin, proprietário cruel e ciumento de uma plantação de tabaco na Malásia, que se casa com uma cantora de cabaré (Carole Lombard) e ela o trai com o seu capataz (Kent Taylor).

Carole Lombard e Charles Laughton em O Ídolo Branco

Korda construiu seu império a partir do sucesso de seu filme e Laughton ganhou o Oscar de Melhor Ator, tornando-se um astro famoso no mundo todo. Duas cenas foram muito comentadas: a do banquete, quando o Rei destrincha um frango com as mãos, devorando-o, e aquela cena em que ele, ao entrar no quarto para a noite núpcias com a feia Ana de Cleves, murmura, suspirando: “As coisas que eu já fiz pela Inglaterra!”.

Após a estréia de Os Amores de Henrique VIII, Laughton, já de volta a Inglaterra, começou a ensaiar para uma série de apresentações no Old Vic, nas quais, dirigido por Tyrone Guthrie, interpretou sucessivamente: Lopakhin em O Jardim das Cerejeiras (Tchecov), Henrique VIII em Henry VIII (Shakespeare), Angelo em Measure for Measure (Shakespeare), Prospero em The Tempest (Shakespeare), Canon Chasuble em The Importance of Being Earnest (Oscar Wilde), Tattle em Love for Love (William Congreve), Macbeth em Macbeth (Shakespeare). No final da temporada, descontente com as condições de trabalho no Old Vic, insuportavelmente frustrantes para o seu perfeccionismo, Laughton achou que no cinema teria mais liberdade para atuar de modo correto, e foi novamente para Hollywood, disposto a fazer algo extraordinário.

Fredric March, Charles Laughton e Norma Shearer em A Família Barrett

Charles Laughton em A Família Barrett com Maureen O’Sullivan e Norma Shearer

A Família Barrett / The Barretts of Wimpole Street / 1934, produção da MGM descrevendo o romance entre os poetas Elizabeth Barrett (Norma Shearer) e Robert Browning (Fredric March) apesar da oposição do pai tirânico da moça, Edward Moulton-Barrett (Charles Laughton), não foi obviamente o filme que lhe permitiu fazer o que pretendia, pois seu papel não era o mais importante e o aspecto mais original do personagem, qual seja a relação incestuosa com a filha foi abafado no roteiro em antecipação às objeções do Código Hays de autocensura. Além disso, o diretor Sidney Franklin era totalmente contra a escolha de Laughton para personificar Moulton-Barrett.

O ator se comprometeu a fazer outro filme na MGM, e se preparou para ser o Micawber de David Copperfield / David Copperfield / 1935; porém quando a filmagem começou, ele perdeu a sua confiança completamente, sentindo que não era o ator ideal para encarnar a extrovertida figura dickensiana, e pediu para ser dispensado de sua obrigação, sendo substituído por W. C. Fields.

Charles Laughton e Leo McCarey na filmagem de Vamos à América

O próximo filme de Laughton (o último acertado com a Paramount), Vamos à América / Ruggles of Red Gap / 1935, é uma comédia deliciosa, dirigida com precisão por Leo McCarey, na qual ele interpreta Ruggles, o mordomo que um lorde inglês (Roland Young) perde no jôgo de pôquer para seu primo, um novo-rico do Oeste americano (Charles Ruggles), casado uma mulher socialmente ambiciosa (Mary Boland). O tímido criado aos poucos vai se emancipando, e se torna senhor do próprio destino. Laughton retrata um tipo humano e simpático, diferente dos personagens sinistros ou exóticos que estava acostumado a interpretar. Não somente ele, mas todo o elenco (que inclui ainda Zasu Pitts) está impagável. Em um momento inesquecível, Ruggles recita o discurso de Abraham Lincoln em Gettysburg, performance que aumentou muito a popularidade de Laughton na América.

Friedrich March e Charles Laughton em Os Miseráveis

Charles Laughton e Clark Gable (à direita) em O Grande Motim

A partir de então, foram surgindo as grandes criações do formidável ator britânico, destacando-se inicialmente o Javert de Os Miseráveis / Les Misérables / 1935 (Dir: Richard Boleslawski, o introdutor do Método Stanislavsky no teatro americano) e o Capitão Bligh de O Grande Motim / Mutiny on the Bounty / 1935 (Dir: Frank Lloyd). Laughton evoca a alma de Javert e do Capitão Bligh, com uma força dramática inesquecível, mostrando como a aplicação rígida da lei se infiltrou de tal maneira no seu cérebro, afastando qualquer vestígio de ternura. Seu desempenho ofuscou as atuações dos astros principais dos dois filmes, respectivamente Fredric March e Clark Gable e lhe proporcionou sua primeira indicação para o Oscar de Melhor Ator, afinal ganho por Victor McLaglen por sua atuação em O Delator / The Informer / 1935.

Korda estava ansioso para trabalhar com Laughton novamente, pensando nele para o papel de Cyrano de Bergerac, porém este projeto não foi adiante, surgindo em seu lugar a proposta de uma cinebiografia de Rembrandt. Desde a sua juventude o ator era apaixonado por tudo que era Arte. Quando administrava o Hotel Pavillion, pôde decorá-lo com gravuras e pinturas primeiramente de artistas locais e depois de artistas cujas obras ele havia visto em Londres. Mais tarde, em Nova York, influenciado pelo Dr. Alfred Barnes, dono de uma coleção substancial de impressionistas, tornou-se um colecionador importante

Charles Laughton / Rembrandt

Em Rembrandt / Rembrandt / 1936 Laughton teve a oportunidade de imergir na vida do pintor, lendo todos os livros escritos sobre ele e visitando o Museu Rembrandt. Ele se envolveu em cada detalhe da filmagem, estando sempre presente nas reuniões com o diretor de arte Vincent Korda (o talentoso irmão de Alexandre), com o fotógrafo Georges Périnal e, durante a escolha dos intérpretes, indicou o nome de muitos de seus colegas no Old Vic como Roger Livesey e Marius Goring. Elsa interpreta Hendrickje Stoffles, a criada e depois amante do pintor viúvo. Na sua composição do grande artista, Laughton conseguiu obter o máximo de simplicidade, uma coisa rara no seu currículo cinematográfico. Suas cenas com Elsa foram as melhores que os dois jamais fizeram juntos. Porém o filme, apesar de conter belos trechos – inclusive uma leitura que Laughton faz da Bíblia – não passa de um relato insípido do relacionamento do pintor com suas várias mulheres.

Charles Laughton / Rembrandt

Sem conseguir concretizar dois projetos com Laughton – uma comédia fantástica que René Clair faria com Robert Donat sob o título de Um Fantasma Camarada / The Ghost Goes West / 1935 e uma adaptação do livro de Romola Nijinsky sobre seu esposo, com Laughton como Diaghilev, Korda finalmente encontrou um assunto perfeito para seu eminente ator que, ao mesmo tempo, tinha elementos espetaculares suficientes para conquistar uma audiência internacional: a festejada obra de Robert Graves, “I Claudius”.

Korda não estava conseguindo pagar uma dívida de mil dólares que tinha com Marlene Dietrich pela participação dela em O Amor Nasceu do Ódio / Knight Without Armour / 1937. Marlene concordou em perdoar a dívida, se ele colocasse como diretor do seu novo filme o seu famoso mentor Josef von Sternberg o qual, segundo ela, poderia talvez fazer por Merle Oberon (cujo relacionamento amoroso com Korda estava inteiramente dependente dele impulsionar sua carreira de uma maneira decisiva), o que ele havia feito por ela.

Josef von Sternberg, Merle Oberon e Charles Laughton na filmagem de I Claudius

A história da filmagem conturbada de I Claudius já é muito conhecida através de um esplêndido documentário de TV, The Epic That Never Was, narrado por Dirk Bogarde; de modo que vou contar apenas o desfêcho. Além da decepção de Laughton por não encontrar em von Sternberg um diretor que o ajudasse a compor seu personagem, ocorreu o acidente de automóvel com Merle Oberon. Os ferimentos de Merle eram de fato muito menores do que pareciam à primeira vista, mas ela ficou em estado de choque, e se recusou a continuar filmando. Porém Merle estava calma, quando recebeu a visita de Herbert Wilcox. Ele ficou surpreso com a extensão modesta do seu dano físico e mais surpreso ainda quando ela lhe disse que a filmagem seria encerrada não por causa dela, mas por causa do “pobre Joe”. “Onde ele está?, Wilcox queria saber. “Charing Cross Hospital Psychiatric Unit”, foi a resposta

Charles Laughton e Elsa Lanchester posam para uma foto de cena de Náufragos da Vida

Vivien Leigh e Charles
Laughton em Nos Bastidores de Londres

Charles Laughton, Maureen O’Hara e Robert Newton em A Estalagem Maldita

Os três filmes seguintes de Laughton na Inglaterra, Náufrago da Vida / Vessel of Wrath / 1938 (Dir: Erich Pommer, reintitulado nos EUA The Beachcomber), Nos Bastidores de LondresSt. Martin’s Lane / 1938 (Dir: Tim Whelan, reintitulado nos EUA Sidewalks of London) e A Estalagem Maldita / Jamaica Inn / 1939 (Dir: Alfred Hitchcock), foram produzidos pela Mayflower Productions, a nova companhia que Pommer, ex- chefe de produção do grande estúdio germânico UFA, acabara de fundar. Pommer convidou Laughton para ser seu sócio, e ele aceitou, porque Pommer, responsável por filmes como O Gabinete do Dr. Caligari, Dr. Mabuse, Os Nibelungos e Metrópolis, era uma garantia de integridade e altos valores de produção. Entretanto, as produções da Mayflower não corresponderam à sua expectativa.

No primeiro filme, baseado em um conto de Somerset Maugham, Laughton é Ginger Ted’ Wilson, vagabundo beberrão e preguiçoso, que é convertido pela irmã (Elsa Lanchester) de um missionário (Tyrone Guthrie). No segundo filme, com roteiro da romancista Clemence Dane, Laughton é Charlie Staggers, um busker (artista de rua) do West End que percebe o talento para a dança de uma jovem batedora de carteiras, Libby (Vivien Leigh), e a acrescenta ao seu número. Eis que surge Harley Prentiss (Rex Harrison), compositor da classe alta, que se apaixona pela moça, escreve um musical para ela, torna-a uma grande estrela, e os dois se casam enquanto Charlie fica para trás, perdido no seu amor sem esperança. No terceiro filme, baseado em um romance de Daphne du Maurier, Laughton é Sir Humphrey Pengallan, chefe de uma quadrilha que afunda navios e mata seus tripulantes, para se apropriar de suas cargas. Apesar de possuirem certos méritos artísticos e sempre interpretações apreciáveis de Laughton, nenhum dos três filmes obteve um grande êxito crítico ou comercial. Debilitado financeiramente por causa do fraco faturamento da Mayflower, Laughton aceitou a proposta da RKO de pagar suas dívidas como parte de um contrato para fazer cinco filmes, e embarcou para a América no verão de 1939.

Seu primeiro filme na RKO foi O Corcunda de Notre Dame / The Hunchback of Notre Dame / 1939 (Dir: Wiliam Dieterle) para o qual Perc Westmore (cedido por Jack Warner) produziu várias versões de maquilagem para o ator, todas rejeitadas por ele. Laughton queria que a corcunda fôsse muito mais pesada. O perito propôs então que ele simplesmente fingisse que era um corcunda, e Laughton, indignado, o insultou. Quando a maquilagem do rosto e da corcunda finalmente ficou pronta, Perc pediu a seu irmão mais novo, Fred, que não fosse à escola naquele dia, porque havia algo que queria que ele visse. Perc introduziu – o no estúdio como seu assistente. Laughton (como Perc havia prometido) ajoelhou-se sobre suas mãos e joelhos (“como um porco”, disse Perc) e entrou na corcunda – uma armação de alumínio forrada de espuma de borracha sobre a qual uma camada fina de elástico foi esticada. Perc começou a ajustar a máscara. Laughton já estava suando copiosamente. Tudo estava ocorrendo como Perc disse que iria ocorrer. “Estou com sêde”, Perc. Me dá uma bebida, por favor” pede Laughton. ”Claro”, responde Perc, aproximando dele uma garrafa de 7-Up, que ele agita para cima e para baixo. “Não Perc, você não vai fazer isto!” grita o ator preso e ajoelhado. “Sim, eu vou”, diz Perc, e borrifa o conteúdo da garrafa sobre o rosto de Laughton. Em seguida, ele vai para o outro lado de Laughton e lhe dá um pontapé no traseiro. “Isto é por tudo o que você me fêz. Eu trouxe meu irmão hoje, porque precisava de uma testemunha, para dizer que isto nunca aconteceu, se você tentar dizer que aconteceu. Mas você não vai fazer isso Mr. Laughton, não vai” (Simon Callow).

 

 

Laughton afinal conseguiu impressionar como Quasimodo mais do que o grande Lon Chaney na versão muda e, a seu lado, a Esmeralda de Maureen O’Hara (fotografada por Joseph August), era a própria Beleza em pleno êxtase. Em um momento dilacerante, o corcunda, confrontado com a beleza resplandecente de Esmeralda, murmura, envergonhado, de cabeça baixa: “Eu nunca percebi até agora como sou feio. Não sou um homem, não sou uma bêsta”. Depois, dá uma gargalhada desesperada e diz: “Sou como o Homem da Lua!”. Um tour de force interpretativo raramente igualado.

Chafrles Laughton e Deanna Durbin em Raio de Sol

Charles Laughton em Para Sempre e um Dia

À direita: Robert Taylor e Charles Laughton em Às Portas do Inferno

Em todos os personagens que Laughton interpretou nos seus filmes da década de quarenta, uns muito bons (assinalados por um asterisco), outros mais fracos – Tony Patucci em Não Cobiçarás a Mulher Alheia / They Knew What They Wanted / 1940 (Dir: Garson Kanin / RKO); Jonathan Reynolds em Raio de Sol / It Started With Eve / 1941 (Dir: Henry Koster / Universal); Charles Smith em Seis Destinos / Tales of Manhattan / 1942 * (Dir: Julien Duvivier / 20thCentury-Fox); Jonas em A Vida Assim é Melhor / The Tuttles of Tahiti (Dir: Charles Vidor, RKO); Bellamy, o mordomo em Para Sempre e um Dia / Forever and a Day /1943 (Dir: René Clair, Edmund Goulding, Cedric Hardwicke, Frank Lloyd, Victor Saville, Robert Stevenson, Herbert Wilcox) / RKO Radio); Jacko Wilson em A Vida Tem Cada Uma / The Man From Down Under / 1943 (Dir: Robert Z. Leonard / MGM); Contra-Almirante Stephen Thomas em Às Portas do Inferno / Stand by for Action / 1943 (Dir: Robert Z. Leonard); Albert Lory em Esta Terra é Minha / This Land is Mine / 1943 *(Dir: Jean Renoir, RKO);

Ella Raines e Charles Laughton em Dúvida

Charles Laughton, Richard Wallace eDeanna Durbin em Por Causa Dele

Charles Laughton em Arco do Triunfo

George Montgomery, Dorothy Lamour e Charles Laughton em A Garôta de Nova York

Ava Gardner e Charles Laughton em Lábios Que Escravizam

Sir Simonde Canterville – o Fantasma em O Fantasma de Canterville / The Canterville Ghost / 1944 (Dir: Jules Dassin / MGM); Philip em Dúvida / The Suspect / 1945 * (Dir: Robert Siodmak / Universal); Capitão William Kidd em Capitão Kidd / Captain Kidd (Dir: Rowland V. Lee / Benedict Bogeaus); Sheridan em Por Causa Dele / Because of Him / 1946 (Dir: Richard Wallace / Universal); Earl Janoth em O Relógio Verde / The Big Clock /1947 *(Dir: John Farrow / Paramount); Haake em Arco do Triunfo / Arch of Triumph / 1948 / Dir: Lewis Milestone / MGM; Sir Simon Flaquer em Agonia de Amor / The Paradine Case / 1948 (Dir: Alfred Hitchcock / David O. Selznick); O Bispo em A Garôta de Nova York / Girl from Manhatan / 1948 (Dir: Alfred E. Green / Benedict Bogeaus); Inspetor Maigret em Fugitivo da Guilhotina / Man on the Eiffel Tower / 1949 (Dir: Burgess Meredith / RKO); J. J. Bealler em Lábios que Escravizam / The Bribe / 1949 (Dir: Robert Z. Leonard / MGM) – ele continuou colocando seu enorme talento, mas somente como Charles Smith em Seis Destinos e como Albert Lory em Esta Terra é Minha funcionou como um artista fundamentalmente criativo, como foi como Nero, Capitão Bligh, Javert, Quasimodo e até Phineas V. Lambert.

Charles Laughton e Victor Francen em Seis Destinos

Sua atuação em Seis Destinos é mais eficiente do que a da dezena de astros que participam do filme, cada qual com seu episódio. O fio condutor entre os episódios é uma casaca rasgada vestida sucessivamente por Charles Boyer, Henry Fonda, Edward G. Robinson e Paul Robeson. Laughton interpreta um compositor empobrecido, que finalmente tem sua grande chance, quando um maestro rigoroso (Victor Francen), em cuja orquestra seu melhor amigo toca, concorda em incluir o seu Scherzo no programa. O próprio Smith, vestindo a velha casaca, que sua esposa (Elsa Lanchester) comprou para ele em uma casa de penhor, rege a orquestra. À medida em que a agitação de sua batuta vai se tornando mais vigorosa, a casaca começa a se romper nas costuras. O público primeiramente dá uma risada nervosa, depois passa a gargalhar; finalmente, todo o auditório está rindo estrepitosamente, com uma histeria incontrolável. Laughton, abalado com isso, para de reger, e senta pateticamente na beira do palco de mangas de camisa, tendo rompido o restante da casaca. O maestro estava vendo tudo isto do seu camarote com uma raiva contida. De repente, ele se levanta. O público silencia, quando ele tira o seu fraque. Lentamente de início, e depois cada vez mais rápido, todo homem na platéia faz a mesma coisa. Laughton pega sua batuta, termina o Scherzo, e no final recebe uma tremenda ovação. Não somente neste momento, mas durante todo o transcorrer da história, sua performance é delicada, precisa, e tocante. Muito bem controlada por Julien Duvivier.

Charles Laughton em Esta Terra é Minha

Laughton ficou contente ao receber o script de Esta Terra é Minha e ao saber que o diretor seria Jean Renoir. Ele conhecia Jean há alguns anos; a propriedade da grande tela a óleo do pai de Renoir, “Le Jugement de Pâris”, foi o ponto de partida de sua amizade. Laughton foi testemunha no casamento de Jean e Dido Freire, e havia lido Shakespeare para o casal durante seu exílio americano.

Seu personagem, Albert Lory, é um covarde, mimado e dominado pela mãe, um professor incapaz de controlar sua classe, apaixonado (platônicamente) por sua colega de trabalho, Louise (Maureen O’Hara), aterrorizado pelos bombardeios, e inquestionavelmente obediente às exigências da fôrça de ocupação. Esse filme de propaganda de guerra traça sua passagem da covardia para a resistência, demonstrando que a necessidade de um envolvimento político de todo cidadão submetido ao jugo nazista.

Charles Laughton e Una O’Connor em Esta Terra é Minha

Tal como fizera em Rembrandt, Laughton interpreta Lory com o máximo de comedimento, pois afinal ele é um professor de provincia tímido e inibido. A cena com sua mãe (Una O’Connor) na hora do café da manhã quando ela o sufoca com um beijo, enquanto ele dá comida para o gato, apanha o jornal, e ouve pacientemente a velha falar na cozinha sobre seu problema com o reumatismo é uma demonstração sutil da dependência emocional que existe entre eles. A cena no abrigo subterrâneo, onde a rebeldia de sua progenitora, a coragem das crianças e o idealismo de Louise são contrastados com o terror abjeto de Lory e a cena da leitura que ele faz da Declaração dos Direitos do Homem pouco antes de ser preso, são emocionantes assim como aquele beijo que Louise dá em Lory quando ele é levado preso, um beijo de paixão física, e não de amizade, como se ele tivesse conquistado a Beleza através da Coragem.

 

EDDIE POLO, O ROULLEAUX

Eddie foi um dos ídolos mais famosos dos espectadores de cinema dos anos dez e vinte no Brasil, desde que surgiu na tela do Cinema Iris na rua da Carioca, RJ no seriado mudo A Moeda Quebrada / The Broken Coin / 1915. Sem ser bonito, sem fazer papéis de galã romântico, Eddie Polo (1875-1961) dominou a cidade: não só o público infantil, que vibrava com ele, mas também o adulto, que admirava suas proezas audaciosas e suas brigas fenomenais, nas quais pegava um bandido, levantava- no ar, e o atirava longe com uma facilidade incrível.

Eddie Polo

Algumas fontes indicam que Eddie nasceu em San Francisco, Califórnia, com o nome de Edward Wyman, mas o mais provável é que veio ao mundo como Eddie Weimer em Viena, Austria, no seio de uma família de artistas de circo, que excursionava pela Europa. Os negócios da trupe não iam bem e, aos seis anos de idade, ele passou por um período de treinamento com Henry Wolf, astro do mundo circense europeu. Passados cinco anos, Eddie, fugiu do circo de Wolf e montou por conta própria alguns espetáculos; eventualmente, foi parar na Inglaterra, onde se infiltrou como clandestino em um navio cargueiro, e rumou para os Estados Unidos (cf. Kalton C. Lahue, Bound and Gagged, The Story of the Silent Serials, A. S. Barnes, 1968).

Eddie Polo

Reproduzo aquí trechos de uma entrevista de Eddie à imprensa, que pode ter sido inventada pela publicidade da Universal: ”… Aos quatro anos eu já andava, com as mãos, de cabeça para baixo, mas não me lembro de quando comecei a dar pulos e cambalhotas no ar … Fui o primeiro homem a aparar um acrobata depois de uma tríplice cambalhota no ar! … Uma vez em Paris, fiz um barulho enorme com um aeroplano e um pára-quedas … Subí no aeroplano a mais de mil pés e depois deixei-me cair de pára-quedas … No cinema luto de verdade! Alguns ensaiadores, no que diz respeito a cena de violência, contentam-se com lutas impressionistas, mas os da Universal, insistem sempre no maior realismo para os seus filmes em séries. Por isso quando eu me bato com doze homens numa grande cena, eu luto de verdade, empregando tudo quanto sei e posso da nova arte de boxing, esforçando-me deseperadamente pela vitória, como pede o argumento”

Eddie Polo

Após dezessete anos de sua vida passados como trapezista sob a tenda do Circo Barnum and Bailey e depois do Ringling Brothers, Eddie resolveu se transferir para o vaudeville no Olympic Theater em Nova York. A esta altura, ele havia se casado com Pearl Grant, ex-artista de circo, com a qual teve uma filha (Malvina, que posteriormente apareceu em alguns filmes mudos, sendo mais lembrada como Marietta Ventucci, a jovem débil mental violentada pelo personagem de Erich von Stroheim em Esposas Ingênuas / Foolish Wives / 1922 e como Paulette em Casamento ou Luxo / A Woman of Paris / 1923 de Charles Chaplin), e começou a pensar em arranjar um emprego, que lhe desse segurança financeira.

Malvina Polo e Stroheim em Esposas Ingênuas

Com este propósito, Eddie se aproximou do cinema, começando por arranjar um pequeno papel na série Slippery Slim da Essanay. Em 1914, ingressou na Universal atuando algum tempo como stuntman em algumas comédias (v. g. Cupid in a Hospital, de Henry Lehrman, com Billie Ritchie). Quando se contundiu em uma cena arriscada, Grace Cunnard e Francis Ford, que estavam preparando o seriado A Moeda Quebrada em 22 episódios, confiaram-lhe alguns serviços ocasionais (em Os Campbell Chegam ou A Revolução nas Índias em 1857/ The Campbells are Coming, The Hidden City e Nabbed, todos de 1915) e depois, como Eddie era um artista de circo experiente e bom acrobata, eles o incluiram no seriado.

A intriga de A Moeda Quebrada, diz respeito a uma moeda, na qual está um mapa, que levaria seu dono a um imenso tesouro. O problema que põe a narrativa em andamento é o fato de que a moeda tem duas partes: uma não vale nada sem a outra.A jornalista Kitty Gray (Grace Cunard) comprou uma parte da moeda em uma loja de curiosidades e, ao saber de seu possível valor e interessada em escrever uma grande história, vai ao pequeno reino de Gretzhoffen à procura da outra parte, que está em poder do rei enfraquecido, Michael II (Harry Schumm). Em Gretzhoffen, ela se confronta com o cruel Conde Frederick (Francis Ford), que pretende se apoderar da fortuna e do trono. Eddie interpreta um personagem chamado Rolleaux, que está sempre ajudando a heroína a sair das dificuldades, e assim logo começou a receber cartas dos fãs, elogiando seu trabalho. O sucesso lhe subiu à cabeça e um dia chegou ao palco de filmagem sem a maquilagem requerida para seu personagem e anunciou que estava cansado de parecer daquele jeito e iria mudra a aparência de seu personagem. Apesar do seu protesto, ele foi obrigado a usar a maquilagem até Miss Cunard retirá-lo do seriado, fazendo com que Rolleaux morresse em um naufrágio no vigésimo episódio. Quem sabe ao certo a razão da dispensa? Foi punição ou ciúme de seus famosos colegas do filme?

 

Cena de A Moeda Quebrada

A direção de Francis Ford imprimiu muita rapidez ao relato cheio de ação que, inclusive, mostrava em algumas cenas Carl Laemmle, o dono da Universal, como o editor-chefe do jornal onde Kitty trabalhava e, em outras cenas, um jovem chamado Jack Ford (depois John), o irmão mais moço de Francis. Para se ter uma idéia do fascínio que o seriado suscitou, vale recordar o relato de Gilberto Souto em um artigo para o Correio da Manhã por ocasião da morte de Eddie Polo aos 86 anos em 1961. Segundo Gilberto, Adhemar Gonzaga, fundador da Cinédia e homem de cinema dos mais conhecidos, lhe contara que, durante as exibições de A Moeda Quebrada, o Íris estava em obras, para transformar-se em um confortável salão e (para a época) um colosso de cimento armado. Durante a primeira etapa da demolição do velho prédio, com o telhado já parcialmente retirado, começou a chover. O público não se alarmou. Calmamente, abriu seus guarda-chuvas, e continuou a torcer pelo herói. “Rolleaux era à prova d’água”, concluiu Gilberto com muita graça. O ator faria outros papéis na tela, mas o público continuou chamando-o de Rolleaux ou Rolô, como diziam alguns.

No ano seguinte, Eddie foi novamente dispensado, desta vez do seriado A Filha do Circo / The Adventures of Peg O’ the Ring. No enredo, Peg (Grace Cunard) faz um papel duplo, primeiro como a mãe que foi ferida pelas garras de um leopardo enfurecido antes do nascimento de sua filha; depois, como a filha que, por causa desta influência prenatal, torna-se sujeita a acessos de loucura toda noite à meia-noite, constituindo uma ameaça para quem está perto dela.. Francis Ford é o seu meio-irmão (ambos compartilham o mesmo pai), que se apaixona por ela, sem saber a sua história ou o fato de que são parentes. Ruth Stonehouse e Eddie Polo substituiram Cunard e Ford, quando eles deixaram a produção por força de uma disputa com a Universal. Algumas semanas depois, Cunard e Ford voltaram ao trabalho, as cenas que Ruth e Eddie tinham feito foram eliminadas, e os dois substitutos excluídos da filmagem.

Entre os dois seriados citados, Eddie fez pequenos papéis nas séries The New Adventures of Terrance O’ Rourke / 1915, Subôrno / Graft / 1915 e Aventuras de Lord John ou O Caminho de Lord JohnLord John’s Journal / 1915 e nos dramas O X nº 3 / 1916 e The Voice of the Tempter/ 1916. Após A Filha do Circo, ele apareceu em dois filmes estrelados por Marie Walcamp, o drama Onda of the Orient / 1916 e o seriado Liberdade ou A Herança Fatal / Liberty, a Daughter of the USA / 1916, o primeiro no gênero western.

Nele, o coronel Horton, pai de Liberty (Marie Walcamp) morre, deixando a tutela de sua filha e a administração de sua vasta propriedade rural no Novo México aos cuidados de seu amigo Major Winston (Neal Hart) e de seu antigo sócio, Jose Leon (L. M. Wells) até que Liberty complete os 21 anos exigidos pela lei. Seu testamento especifica que, se Liberty se casar antes dessa idade, sem o consentimento dos seus tutores, perderá o direito à propriedade. O velho coronel não esqueceu de seu bom camarada, Capitão Rutledge dos Texas Rangers (Jack Holt), deixando para ele seu cavalo favorito, nem de Pedro (Eddie Polo), o fiel criado, para o qual legou mil dólares e pediu para que fosse para sua filha o que sempre fôra para ele. Entretanto, Jose Leon, que o coronel supunha seu amigo, arma um plano para se apossar das terras e casar seu filho Manuel (Bertrand Grassby) com Liberty enquanto que, paralelamente, o capataz da fazenda, Pancho Lopez (Raymond Nye), um líder rebelde, sequestra Liberty, esperando usar o dinheiro do resgate, para financiar uma revolução. Mas Liberty é salva por Pedro e no final tudo termina bem, com a união amorosa da moça com o Capitão Rutledge.

Em 1917, em outro papel coadjuvante, mas sempre chamando a atenção do público, Eddie contracenou com Harry Carter e Priscilla Dean em uma aventura que dizia respeito ao roubo, praticado pelo Fantasma Pardo (Harry Carter), de um colar valiosíssimo, que estava destinado a ser um presente de casamento para uma dama da nobreza. Os dois primeiros episódios  de The Grey Ghost mostravam o planejamento e a execução do roubo de uma joalheria em plena luz do dia, seguindo-se as situações envolvendo a descoberta e captura do audacioso ladrão.

Enquanto a diretoria do estúdio estava decidindo o que fazer com ele, Eddie integrou como coadjuvante alguns filmes bem modestos da Universal (Good Morning Judge / 1916, A Noiva de Bronze / The Bronze Bride / 1917, Money Madness / 1917, Em Casa AlheiaA Kentucky Cinderella / 1917, The Plow Woman / 1917 e finalmente obteve seu primeiro papel principal no seriado Roulleaux, o Invencível ou Cody, o Invencível / Bull’s Eye / 1917. Este tem como ponto de partida a luta entre criadores de ovelhas e pecuaristas. A ação transcorre na sua maior parte no rancho Bull’s Eye. Quando seu pai – o dono do rancho – é assassinado, Cora Clayton (Vivian Reed), auxiliada pelo capataz, Cody (Eddie Polo), procura descobrir o culpado. Embora inicialmente enamorada de um agente do serviço secreto e assediada pelo chefe dos bandidos, ela acaba nos braços do destemido Cody. Com uma trama complicada em dezoito episódios, este seriado deu a Eddie ampla oportunidade de mostrar seus dotes físicos e acrobáticos. Rolleaux Invencível arrastou multidões ao cinema da rua da Carioca. A sua lotação de seiscentos lugares esgotava-se o dia inteiro, de uma hora da tarde às onze da noite, além de que cêrca de cem pessoas ficavam de pé, pelos corredores.

A trajetória fílmica de Eddie prosseguiu com mais um seriado, Sedução do Circo / The Lure of the Circus / 1918, seguindo-se um grupo de westerns de dois rolos da série Roulleaux, o Ciclone ou Roulleaux Ciclone / Cyclone Smith (v. g. O Mensageiro Branco / The White Messenger / 1922). O retorno aos seriados ocorreu quando ele foi com uma equipe para a Inglaterra, a fim de filmar cenas para The Broken Idol, depois intitulado The 13th Hour, e finalmente lançado como A Punhalada Misteriosa ou Punhal Maravilhoso / The Vanishing Dagger / 1920. Em ambos os seriados Eddie continuou suscitando a devoção dos seus admiradores, sempre anunciado como “o hércules dos músculos de aço”; mas seus colegas de elenco e da equipe técnica não estavam mais aguentando a sua vaidade.

Em 1920, ele ainda fez o seriado O Rei do Circo / King of the Circus e, após umas férias, retornou em O Sinete de Satanás / Do or Die / 1921. O mais lembrado pelos fãs foi O Rei do Circo, no qual Eddie King (Eddie Polo) é um acrobata do circo de James Gray (Henry Madison), indivíduo cruel, que tem um medo instintivo de símios. Mary Warren (Kittoria Beveridge,), a parceira de Eddie no número principal, foi adotada por Gray em um orfanato, mas a moça parece não confiar nele. Quando um velho palhaço meio caduco chamado John Winters (Charles Fortune) sofre um acidente, que o faz recuperar a memória, ele informa a Eddie que Gray foi responsável pela morte de seu pai, o dono originário do circo. Determinado a esclarecer o assunto, Eddie se confronta várias vezes com Gray e seus capangas e, no decorrer dos acontecimentos, conhece Helen Howard (Corrine Porter), filha de um médico eminente, que vem a desempenhar um papel importante na história. O espetáculo apresenta todos as atrações do mundo circense, impressionando notadamente a criançada.

Uma das razões principais para a imensa popularidade de Eddie Polo com a meninada era o fato de que seus seriados tinham um ritmo rápido e ação ou suspense ininterruptos, mas era preciso dispensar a coerência e aceitar completamente as coincidências como, por exemplo, em O Sinete de Satanás, cuja história era implausível em muitos trechos, mas a movimentação furiosa e o andamento bem ligeiro tomaram o lugar da lógica.

O relacionamento entre Eddie Polo e a Universal foi interrompido ao terminar a filmagem de Os Quatro Agentes Secretos ou Os Quatro Secretas / The Secret Four / 1920, seu último seriado para a empresa. Eddie havia sido anunciado como o astro de Adventures of Robinson Crusoe / 1922, porém houve uma mudança na administração e Julius Stern, um sobrinho de Carl Laemmle, ocupou o cargo de gerente do estúdio, quando Irving Thalberg foi para a MGM. Eddie era controlável sob as ordens de Thalberg, mas com Stern isto não aconteceu. Eddie saiu da Universal e fundou a sua companhia, The Star Serial Corporation, planejando produzir seis seriados independentes, entregando a presidência para Joe Brandt, contratando J. P. Mc Gowan como diretor e alugando o Peerless Studio em New Jersey.

A Universal fez o seu Robinson Crusoe / The Adventures of Robinson Crusoe /1922 com Harry Myers no papel principal e, no mesmo ano, a Star Serial lançou O Capitão Kid / Captain Kid / 1920 em cujo enredo Edward Davis (Eddie Polo), depois de ouvir de sua avó moribunda uma história ocorrida no século dezessete com um de seus ancestrais que se apoderara de um mapa indicando o local do tesouro do famoso bucaneiro, resolve sair à procura dessa fortuna, mas tem de enfrentar seu primo, que cobiça não somente o ouro escondido como também sua noiva, Louise (Katheryne Myers). Infelizmente, Eddie gastou mais do que devia para produzir o seriado que, submetido à distribuição pelo sistema do states rights, foi um fracasso, resultando em consequência a dissolução a firma.

Eddie Polo em Der Teufelsreporter

Eddie fez mais três filmes na América, Preparado para Morrer / Prepared to Die / 1923, The Knock on the Door / 1923 e A Hora do Perigo / Dangerous Hour / 1923, todos dirigidos por William Hughes Curran, e depois partiu para a Alemanha, onde ficou por vários anos trabalhando no cinema (Die Eule / 1927, Der Geheimtresor / 1927, Eddy Polo im Wespennest, Eddie Polo mit Pferd und Lasso / 1918, Hände hoch, hier Eddy Polo / 1928, Ist Eddy Polo schuldig? 1928, Der gefesselte Polo / 1928, Auf der Reeperbahn nachts um halb eins /1929, Der Teufelsreporter / 1929, Geheimpolizisten / 1929, Rache für Eddy /1929, Auf Leben und Tod / 1930, Zeugen gesucht / 1930, Es geht um alles / 1932).

A partir de 1940, já de volta à América, Eddie passou a ser visto brevemente, muitas vêzes sem ser creditado, em seriados (v. g. Don Winslow na Marinha / Don Winslow of the Navy / 1942, filmes de Deanna Durbin (Rival Sublime / It’s a Date / 1940, Parada da Primavera / Spring Parade / 1940), westerns de Johnny Mac Brown (O Filho do Mandão / Son of Roaring Dan /1940, A Lei Manda / Law and Order / 1940, Homens Heróicos / Deep in the Heart of Texas / 1942), e outros filmes (v. g. como um frequentador de igreja em O Lobishomem / The Wolf Man / 1941, como um operário cênico em Climax / The Climax / 1944). Em 1946, ele fez sua derradeira aparição como um garçom em O Rouxinol Mentiroso / Two Sisters from Boston, filme estrelado por Kathryn Grayson e June Allyson.

Eddie Polo, Adhemar Gonzaga e Paulo Wanderley fotografado pela Cinearte

Em março de 1927, Eddie Polo passou discretamente pelo Rio de Janeiro a caminho de Buenos Aires, a bordo do transatlântico alemão “Alcântara”, que fazia sua viagem inaugural à América do Sul. No cais da Praça Mauá, os estivadores reconheceram Rolleaux, pedindo-lhe autógrafos e fotografias. Eddie visitou a agência da Universal e deu entrevista à revista Cinearte. Adhemar Gonzaga e Paulo Wanderley estiveram com ele e, dias depois, a revista publicou grande reportagem a seu respeito. Antonio Rolando, da revista Selecta, também foi saudar o ator, tirando uma foto ao seu lado.

 

POLA NEGRI

Foi a estrela mais exótica do cinema nos anos vinte. Tinha uma vida de rainha da tela rica-e-famosa, em uma mansão luxuosa de Beverly Hills. Quando saía para dar uma volta pela cidade em uma limousine da marca Piece-Arrow conduzida por um chofer de libré, usava um casaco de pele, cobria-se de jóias caríssimas, e levava consigo seus dois cães russos, sentados um de cada lado de sua dona.

Pola Negri

Jeanine Basinger (Silent Stars, Wesleyan University, 1999) reforça a lenda de que ela desfilava com um tigre de coleira pelo Sunset Boulevard e confirma o fato real de que foi ela quem lançou a moda do turbante e também pintar as unhas dos pés e das mãos com um vermelho da cor de um carro de bombeiros. Sergio Delgado deu ao seu livro sobre a atriz – do qual extraí algumas informações – o subtítulo de “The Temptress of Silent Hollywood” (McFarland, 2016). Aquí no Brasil, onde desfrutava de muita popularidade, ela era chamada de “A Divina Dominadora”.

Pola

Pola Negri, cujo verdadeiro nome era Barbara Apolonia Chalupec, nasceu no dia 3 de janeiro de 1897 na cidade de Lipno em uma Polonia ocupada pelos russos, filha de Jerzy Mathias Chalupec e Eleonora de Kielczewska. Seu pai era um imigrante eslovaco e tinha sangue cigano nas veias. Ele foi preso em 1902 pelos russos por atividades revolucionárias, julgado por um tribunal militar, e mandado para a Prisão Pawiac em Varsóvia. Subsequentemente, Apolonia e sua mãe se mudaram para lá a fim de ficarem perto de Jerzy. Eleonora vendeu a casa da família e, com o dinheiro, comprou uma mercearia na Rua Browarna nº11 embora não tivesse a menor experiência neste negócio; a mercearia acabou fechando, e ela foi trabalhar como cozinheira na casa de uma senhora judia rica.

Pola

Em 1911, Apolonia foi aceita no Academia de Balé Imperial de Varsóvia e passou os próximos dois anos estudando a técnica e aguardando sua estréia profissional na dança. Durante este tempo, o recurso interposto por seu pai foi negado e as autoridades russas o tranferiram para uma prisão na Sibéria. Após sua graduação em 1913, Apolonia ingressou na Companhia de Balé de Varsóvia e sua primeira apresentação solo foi no papel da boneca dançarina no balé Coppelia, coreografado por Michael Folkine. Seu desempenho chamou a atenção do rico patrono das artes ucraniano Kazimierz Hulewicz. Ele se interessou pelo bem-estar da família e se tornou uma espécie de figura paterna substituta para Apolonia.

Pola

Quando ela foi vitimada pela tuberculose, Hulewicz pagou seu tratamento em um sanatório em Zakopane nos Cárpatos. Apolonia se recuperou da enfermidade, mas não ficou com um estado de saúde que lhe permitisse seguir a carreira de bailarina. Ela então decidiu entrar para a Academia Imperial de Artes Dramáticas, mas como sua mãe e Hulewicz, preocupados com sua saúde, se opuzessem, Apolonia inscreveu-se sem que eles soubessem, usando um pseudônimo. A escolha de “Pola” como primeiro nome era natural, mas ela precisava de um sobrenome para ocultar sua identidade. Lembrando-se de um livro da poetisa italiana Ada Negri, que admirava quando criança, Apolonia adotou seu último nome como uma homenagem. Assim, Apolonia Chalupec tornou-se “Pola Negri”.

Pola

Como performance para a sua graduação, Pola interpretou o papel de Hedwig em Vildanden (O Pato Selvagem) de Henrik Ibsen, e se saiu tão bem, que recebeu um convite para ingressar no Rozmaitosci, o teatro nacional da Polonia. Hulewicz aconselhou-a a recusar a oferta, sugerindo-lhe que aguardasse até que eles lhe fizessem uma proposta para interpretar papéis importantes. Ele persuadiu Kazimerz Zalewski, dono do Pequeno Teatro de Varsóvia, a dar a oportunidade para Pola. Ela estreou como Aniela na peça Sluby Panienskie. Logo depois, tal como Hulewicz previra, o Teatr Rozmaitosci voltou a fazer uma oferta, desta vez oferecendo a Pola o papel principal feminino em uma nova versão de O Pato Selvagem e em Hanneles Himmelfahrt de Gerhart Hauptmann.

Pola

Em 1914, Pola fez seu primeiro filme, Niewolnika zmysló, dirigido por Jan Pawlowski para uma pequena companhia denominada Sfinx Films. Em seguida, a Sfinx contratou-a para mais 8 filmes dirigidos por Aleksander Hertz: Zona /1915, Czarna ksiazecka / 1915, Studenci / 1916, Pokoj Nr. 13 / 1917, Bestia / 1917; Tajemnica Alej Ujazdowskioch / 1917, Arabella / 1917, e Jego ostatni czyn / 1917.

Pela em Bestia

Como resultado de sua atuação como “A Dançarina do Deserto” na versão do Rozmaitosci da patomima-balé Sumurun, Pola recebeu convite de Max Reinhardt para aparecer na reencenação da peça em Berlim. Sua personagem era interpretada inteiramente em pantomima, e para isso o seu treinamento de balé ajudou. A temporada de Sumurun, colocou-a em contato com Ernst Lubitsch, que fazia parte do elenco. Lubitsch estava ansioso para dirigir filmes e convenceu Pola a assinar um contrato com a UFA. Antes porém, ela fez seis filmes para Saturn Films: Sonho que se Desfaz / Nicht lange täuschte mich das Glück / 1917; Zügelloses Blut / 1917; Rosen, die der Sturm entblättert / 1917; Die toten Augen / 1917; Küsse, die Man stiehlt in Dunkeln / 1918; Wenn das Herz in Hass erglüth / 1918, todos dirigidos por Kurt Matull.

Emil Jannings e Pola Negri em Múmia

Harry Liedtke e Pola Negri em Carmen

Pola ficou três anos sob contrato na UFA fazendo filmes com e sem Lubitsch atrás das câmeras. Em 1918, ela apareceu em Mánia / Mania, Die Geschichte einer Zigarettenarbeiterin (Dir: Eugen Illés); Múmia / Die Augen der Mumie Ma (Dir: Ernst  Lubitsch); O Passaporte Amarelo / Der gelbe Schein (Dir: Eugen Illés, Viktor Janson) e Carmen / Carmen (Dir: Ernst Lubitsch). Em 1919: Madame DuBarry / Madame DuBarry (Dir: Ernst Lubitsch); O Circo da Vida / Das Karussell des lebens (Dir: Georg Jacoby); Crucificai-a / Kreuzig Sie! (Dir: Georg Jacoby); Condessa Doddy ou Meio Milhão por um Marido / Komtesse Doddy (Dir: Georg Jacoby); Vertigem / Rausch (Dir: Ernst Lubitsch) e Vendetta / Vendetta (Dir: Georg Jacoby). Em 1920: A Marquesa D’Armiani / Die Marchesa d’Armiani (Dir: Alfred Halm); Sumurum / Sumurun (Dir: Ernst Lubitsch); Martírio ! / Das Martyrium (Dir: Paul L. Stein); Die geschlossene Kette (Dir: Paul L. Stein) e Violeta / Arme Violetta (Dir: Paul L. Stein). Em 1921: Gatinha Amorosa / Die Bergkatze (Dir: Ernst Lubitsch); Sapho / Sappho (Dir: Dimitri Buchowetzki); A Modista de Montmartre / Die Flamme (Dir: Ernst Lubitsch).

Os melhores – segundo opinião dos que viram todos – foram os filmes dirigidos por Lubitsch, sobre os quais já me manifestei mais longamente no meu artigo Ernst Lubitsch I de 12 / 9/ 2011, ao qual remeto o leitor.

Madame DuBarry, causou sensação. Os críticos ficaram maravilhados com sua suntuosidade e elogiaram a habilidade de Lubitsch ao conduzir as cenas de multidão, o que lhe valeu o título de “O Griffith Alemão”. Pola recordou mais tarde um momento tenso durante a produção do filme. Em 1919, o nível de desemprego era muito alto na Alemanha. Quando Lubitsch pôs um anúncio recrutando mil figurantes para uma cena de multidão, mais de três mil se apresentaram no estúdio pela chance de ganhar alguns marcos por um dia de trabalho. Eles se recusaram a serem rejeitados, e a A UFA, temendo uma tumulto, contratou todos.

Cena de Madame DuBarry

Emil Jannings e Pola Negri em Madame DuBarry

Cena de Madame DuBarry

Gosto muito de uma cena do filme na qual a DuBarry, astuciosamente, senta no colo de Louis XV (Emil Jannings), deixando seu peito bem debaixo do nariz dele. Ela colocara sua petição sob o vestido a fim de que o rei tivesse que retirá-la dali. Ele faz isso, lê cuidadosamente o que está escrito no pedido, assina, e então, também espertamente, insiste em colocar o documento de volta no seu “envelope”.

Após terminar Madame DuBarry, Pola retornou ao seu país natal pela primeira vez em três anos. No final da guerra, a Polonia havia se libertado dos seus ocupantes russos e era agora uma nação independente. Pola estava muito contente em rever sua mãe e passou algum tempo visitando alguns velhos amigos. Logo a UFA estava chamando-a de volta para começar seu próximo filme, mas seu regresso à Alemanha foi retardado inesperadamente pelo seu casamento em 1920 com o Conde Eugene Dombski. O matrimônio durou menos de um ano.

Pola Negri e Harry Liedtke em Sumurum

Pola Negri e Ernst Lubitsch em Sumurum

O próximo filme de Pola na UFA foi uma adaptação de Sumurun, dirigido por Lubitsch. O papel deu-lhe a oportunidade de expressar toda a sua sensualidade na tela. Na vida real, ela iniciou uma relação amorosa com Wolfgang Schleber, rico industrial alemão, que ela apelidou de “Polonius”, porque o perfil dele lembrava uma escultura romana.

Cena de A Gatinha Amorosa

PolaNegri e Alfred Abel em A Modista de Montmartre

Pola Negri em Sapho

Quando três dos seus filmes foram exibidos nos Estados Unidos: Carmen, reintitulado de Gypsy Blood; Madame DuBarry reintitulado de Passion e Sumurun, reintitulado de One Arabian Night, o público norte-americano ficou perplexo com a beleza e o magnetismo pessoal de Pola Negri. Diante da popularidade de Passion em Nova York, a Famous Players Lasky, obteve a concordância de Lubitsch e Pola de irem para a América, assim que seu contrato com a UFA expirasse. Os dois artistas fizeram ainda na Alemanha, Gatinha Amorosa na UFA e A Modista de Montmartre na Europäisch Film-Allianz (EFA), sendo que Pola ainda trabalhou para a UFA em Sapho sob a direção do russo Dimitri Buchowetzki. A saída da Alemanha significou o fim do relacionamento de Pola com Schleber que, na verdade, não quís mais saber dela. Na véspera de sua partida para a América, Pola recebeu a documentação a respeito de seu divórcio de Eugene Dombski.

Antonio Moreno e Pola Negri em A Dançarina Espanhola

Herbert Brenon orienta Pola na filmagem de A Dançarina Espanhola

Pola Negri e Adolphe Menjou em A Dançarina Espanhola

Dos vinte filmes de Pola na Famous Players Lasky (denominada Paramount Famous Lasky Corporation a partir de 1927) – A Bela Diana / Bella Donna / 1923 (Dir: George Fitzmaurice); Beijos que se Vendem / The Cheat / 1923 (Dir: George Fitzmaurice); A Dançarina Espanhola / The Spanish Dancer / 1923 (Dir: Herbert Brenon); Pecados de Paris / Shadows of Paris / 1924 (Dir: Herbert Brenon); Homens … / Men / 1924 (Dir: Dimitri Buchowetzki); Lírio do Lodo / Lily of the Dust / 1924 (Dir: Dimitri Buchowetzki); Paraíso Proibido / Forbidden Paradise / 1924 (Dir: Ernst Lubitsch); Escrava de sua Beleza / East of Suez / 1925 (Dir: Raoul Walsh); A Irresistível / The Charmer / 1925 (Dir: Sidney Olcott); Flor da Noite / Flower of the Night /1925 (Dir: Paul Bern); A Condessa Democrata ou A Condessa Tatuada / A Woman of the World / 1925 (Dir: Malcolm St. Clair);

Pola Negri e Noah Beery em Lírio do Lodo

Pola Negri em Beijos que se Vendem

Pola Negri em Mentiras

Mentiras / The Crown of Lies / 1926 (Dir: Dimitri Buchowetzki); A Viuvinha Americana / Good and Naughty / 1926 (Dir: Malcolm St. Clair) ; Hotel Imperial / Hotel Imperial / 1927 (Dir: Mauritz Stiller); Amai-vos uns aos Outros / Barbed Wire / 1927 (Dir: Rowland V. Lee); A Ré Amorosa / The Woman on Trial / 1927 (Dir: Mauritz Stiller); A Hora Secreta / The Secret Hour /1928 (Dir: Rowland V. Lee); Morta para o Mundo / Three Sinners / 1928 (Dir: Rowland V. Lee); Rachel ou Os Amores de uma Atriz / Loves of an Actress / 1928 (Dir: Rowland V. Lee); Coração de Eslava / The Woman from Moscow / 1928 (Dir: Ludwig Berger) – a maioria se perdeu; um filme ainda existe em versão muito reduzida (A Dançarina Espanhola); outros, completos, em arquivos europeus (A Bela Diana) ou americanos (Paraíso Proibido); e três, também na forma original, disponíveis em dvds de domínio público (A Condessa Democrata, Hotel Imperial, Amai-vos uns aos Outros).

Claude Gillingwater, Einar Hansen e Pola Negri em Amai-vos uns aos Outros

Pola na filmagem de Coração de Elsava com o diretor Ludwig Berger e Norman Kerry

Seus melhores filmes no período de sua permanência nos Estados Unidos foram Paraiso Proibido e Hotel Imperial. Sobre o primeiro, encaminho o leitor mais uma vez para o meu artigo sobre Lubitsch postado em 12 / 9/ 2011. Nesta combinação feliz de comédia, romance e intriga Pola interpretou o papel da Czarina Catarina da Rússia, papel perfeito para ela, e teve como coadjuvante um elenco excelente que incluía o simpático Rod La Roque como seu amante Alexei, Adolphe Menjou como um chanceler cortês, e Pauline Starke como a ingênua que ama Alexei. Segundo Janine Basinger, percebendo quanto Pola é eficiente neste filme, podemos dar crédito ao parecer expressado por alguns historiadores do cinema, segundo o qual Hollywood na verdade destruiu Pola Negri, porque não lhe proporcionou sempre um material sofisticado e inteligente, para que ela demonstrasse a amplitude de seu talento.

Rod La Rocque e Pola Negri em Paraíso Proibido

Ernst Lubitsch dirige Pola em Paraíso Proibido

Hotel Imperial, dirigido por Mauritz Stiller, produzido por Erich Pommer, roteirizado por Jules Furthman e fotogafado por Bert Glennon, foi refilmado em em 1939 como Hotel Berlim / Hotel Berlin / 1945 (Dir: Peter Godfrey) e sua trama não é muito diferente do entrecho de Cinco Covas no Egito / Five Graves to Cairo / 1943 (Dir: Billy Wilder). Durante a Primeira Guerra Mundial, seis hussardos húngaros, cansados de lutar, rumam para uma cidade da fronteira, e descobrem que ela está ocupada pelas tropas russas. Durante um combate intenso, o Tenente Paul Almasy (James Hall) foge, perseguido pelos russos. Ele os engana, saltando do seu cavalo, e procurando abrigo no Hotel Imperial, aparentemente abandonado. Paul adormece, e, na manhã seguinte, é descoberto pelos criados Anna (Pola Negri), Elias (Max Davidson) e Anton (Otto Fries), que o levam para um quarto no andar de cima. Quando Paul acorda, eles lhe dizem que ele terá que ficar ali, porque não há jeito de levá-lo de volta para a sua unidade. Os russos, sob o comando do General Juschkiewitsch (George Siegmann), entram na cidade e estabelecem seu quartel-general no hotel. Anna convence Paul a passar por garçom até que ele encontre um meio de fugir. O general tenta seduzir Anna com perfumes e roupas caras e ela pede que ele poupe Paul, quando este é preso por estar sem documentos oficiais. Chega ao hotel um espião russo, Tabakowitsch (Mikhail Vavich), que havia roubado os planos de ataque dos húngaros. Paul decide interceptá-lo antes que ele os revele para o general. Durante um festa, Anna defende-se do assédio sexual do general enquanto Paul mata o espião no seu banho. Quando a morte é descoberta, Paul é interrogado pelos russos. Anna salva-o, mentindo que ele passara a noite com ela. Paul escapa durante a noite e o exército austro-húngaro contra-ataca. Os russos são expulsos da cidade e a unidade de Paul chega como libertadora. Paul e Anna se encontram brevemente, sabendo que eles terão pouco de tempo juntos antes dele seguir novamente para a luta.

Mauritz Stiller orienta Pola na filmagem de Hotel Imperial. À direita de Pola: Erich  Pommer

George Siegmann e Pola Negri em Hotel Imperial

Pola Negri em Hotel Imperial

Neste filme, Pola tem a chance de mostrar, mais do que nunca, todo seu talento e beleza. Sua personagem é linda e graciosa e lhe permite uma interpretação naturalista nos seus gestos, particulamente nas suas expressões faciais de medo, amor e ódio. Na melhor cena do espetáculo, quando o general, ao ouvir o alibi que Anna forjou para Paul, tenta tirar do seu corpo as roupas que ele lhe dera e ela o surpreende rasgando-as dramaticamente na frente de todos, o olhar de fúria de Pola é aterrador.

Após seu divórcio do Conde Dombski, Pola apareceu em manchetes e colunas de mexericos envolvida em romances com celebridades, mais notadamente com Charles Chaplin e Rudolph Valentino.

Charles Chaplin e Pola Negri

Pola conheceu Chaplin no Palais Heinroth em Berlim em 1919 e depois seu relacionamento se tornou um caso muito noticiado pela imprensa, dando origem à muitos rumores sobre o noivado dos dois, reproduzidos pela imprensa brasileira. Mas isto não aconteceu.

Rudoph Valentino e Pola egri

Ela foi apresentada a Valentino em uma festa à fantasia organizada por Marion Davies e William Randolph Hearst em San Simeon e, segundo consta – mas pode ter sido um golpe promocional por parte dos dois -, teria sido amante dele até a morte do ator em 26 de agosto de 1926. Pola causou sensação na mídia no enterro do grande latin lover em Nova York, onde “desmaiou” várias vêzes, porém a imprensa, entendeu que se tratava de um lance de publicidade. Ela sempre afirmou, durante toda a sua existência, que Valentino foi o grande amor de sua vida, mas, logo depois da morte dele, casou-se com o “Príncipe” Serge Mdivani. Serge e seus irmãos, David e Alexis, eram notorious mau caráter, falsos príncipes exilados, hábeis em persuadir mulheres ricas a se casarem com eles. Pola e Midvani divorciaram-se em 1932. Serge esbanjou o dinheiro de Pola; David deu o golpe em outra estrela, Mae Murray, e também torrou o numerário dela

Pola Negri e Serge Mdivani

A popularidade de Pola de fato caiu devido principalmente a uma série de filmes medíocres que ela fez e pelo cansaço do público da publicidade cheia de exagêros que a consumira. Além disso, Pola não era uma garota tipicamente americana. Seu tipo de mulher mundana e sofisticada tinha um poder de atração limitado, desagradando o público das cidades pequenas. Portanto, não foi uma surpresa a Paramount ter desistido de renovar seu contrato.

Hans Rehmann e Pola Negri em Almas Perdidas

Quando a filmagem de seu derradeiro filme para a Paramount Famous Lasky terminou, Pola saiu do estúdio para sempre e, após passar algum tempo no seu castelo em Seraincourt (com seus 42 quartos, 22 criados, uma capela particular, vastos jardins floridos, riachos cheios de trutas, e uma rêde de labirintos subterrâneos que ligavam sua propriedade à cidade mais próxima), ela voltou para a frente das câmeras no Elstree Studio na Inglaterra como uma prostituta francêsa em Almas Perdidas ou A Rua das Almas Perdidas / The Way of Lost Souls (também conhecido como The Woman he Scorned) / 1929, produção de Charles E. Whittaker / Imperial Filmgesellschaft, dirigida por Paul Czinner. Foi seu último filme silencioso e um fracasso estrondoso, grande decepção para ela, que contava com uma carreira cinematográfica na Europa para melhorar sua reputação artística e recuperar sua glória nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, Pola sofreu outro dissabor, quando a Quebra da Bolsa de Valores de Nova York extirpou milhões de dólares de sua fortuna pessoal.

Ela retornou à América em maio de 1931, para assumir o maior risco de sua carreira profissional: o cinema falado. Porém agora possuia algo extra para oferecer aos produtores: uma voz de cantora aproveitável, para apoiar sua capacidade dramática.

Os testes na RKO mostraram que ela gravou com uma voz de contralto e com um forte sotaque, mas perfeitamente compreensível e, em consequência, propuzeram-lhe um contrato de três anos com um salário de 3 mil dólares semanais, menos da metade do que ela havia ganho no auge dos seus dias na Paramount. O projeto escolhido para a estréia de Pola no cinema sonoro foi Rainha e Mártir / A Woman Commands / 1932 (Dir: Paul Stein), a história de Maria Draga, cantora de cabaré que se tornou brevemente rainha da Sérvia. Apesar de todas as esperanças despositadas no novo projeto, o filme foi um desastre. O estúdio manteve Pola no seu quadro de artistas por algum tempo, e então deixou que o contrato dela expirasse.

Pola Negri e André Lafayette em Fanatisme

Em 1933, Pola foi para a França, onde fez Fanatisme (Dir: Tony Lekain e Gaston Ravel), no qual interpretava o papel de uma dançarina italiana, Rosine Savelli, que é envolvida em uma conspiração contra Napoleão III; mas o espetáculo afundou nas bilheterias e a sua produtora, Via Film, quebrou.

Sem perspectivas na América, aconselhada por Carl Laemmle, ela aceitou o convite para estrelar um filme alemão, Mazurka / Mazurka / 1935 produzido pela Cine-Allianz (companhia fundada por Arnold Pressburger e Gregor Rabinovitch) e dirigido por Willi Forst. Laemmle assegurou Pola que, como católica, ela não teria problemas com o governo nazista. Entretanto, dois dias antes do início da filmagem os produtores receberam a notícia de que Goebels a havia proibido de estrelar o filme sob o fundamento de que ela era “não ariana”. O Ministro da Propaganda alegou que teria em seu poder cartas detalhando sua participação em atividades anti-germânicas durante a Primeira Guerra Mundial. Furiosa, Pola dirigiu-se ao embaixador polonês e lhe pediu para informar ao Dr. Goebbels que, se não pudesse trabalhar no filme, ela deixaria a Alemanha imediatamente. Enquanto fazia as malas para deixar o país, o estúdio recebeu a informação de que Hitler havia assinado uma ordem contradizendo a interdição de Goebbels.

Pola Negri em Mazurca

Pola Negri em Mazurca

No enredo de Mazurka, Lisa (Ingeborg Theek), aluna do conservatório de música, envolve-se românticamente com um maestro famoso, Grigorij Michailow (Albrecht Schoenhals), que a leva para uma boate, onde Vera Kowalska (Pola Negri), ex-cantora de ópera, se apresenta todas as noites. Quando Vera avista Michailow beijando Lisa durante o seu número, ela desmaia, e é carregada para o seu camarim. Reanimada, Vera pega uma arma e, enquanto Lisa e Grigorij se dirigem para a saída da boate, ela grita o nome de Grigorij e o alveja mortalmente. Durante o julgamento de Vera, vem à tona o motivo do crime. No passado, Vera era pupila de Grigorij, seu admirador; porém se casara com outro, com quem teve uma filha, Lisa. Quando o marido foi para a guerra, Vera se embriagou em uma festa e se entregou ao maestro. O marido, sabendo de tudo, deixou-a, e se casou novamente, obtendo a guarda de Lisa, que nunca soube que Vera era sua verdadeira mãe. Ao ver Lisa com Grigorij, Vera o mata, para defender a filha de um canalha.

Mazurka foi um sucesso (disseram que era o filme favorito de Hitler) e, em consequência deste êxito, Pola fez mais cinco filmes na Alemanha: Moscou-Xangai / Moskau- Shanghai / 1936 (Dir: Paul Wegener), A Mulher que Amou Demais /  Madame Bovary / 1937 (Dir: Gerhard Lamprecht), Tango Noturno / Tango Notturno / 1937 (Dir: Fritz Kirchoff) e Falsária / Die fromme Lüge / 1937 (Dir: Nunzio Malasomma) e Die Nacht der Entscheidung /1938. (Dir: Nunzio Malasomma).

Refugiando-se da guerra, Pola voltou para a América. Cheia de dívidas, seu nome só era mencionado em relação a cobranças judiciais propostas contra ela. Acabou aceitando um pequeno papel coadjuvante como uma cantora de ópera de temperamento vulcânico em uma comédia maluca da United Artists, Casados sem Casa / Hi Diddle Diddle / 1943, dirigida por Andrew Stone.

Adolphe Menjou e Pola Negri em Casados sem Casa

Em Hollywood, Pola Negri “já era”. Então começou a cantar em boates, interpretando sempre sua canção mais conhecida, “Paradise”, e recordando incidentes ocorridos no seu tempo na “Cidade dos Sonhos” enquanto os colunistas recordavam sua “rivalidade” com Gloria Swanson, seu romance com Valentino, ou outros mitos como aquele passeio com um tigre pela rua. Um jornalista chegou a dizer que certa vez ela jogou o animal em cima de um repórter.

Margaret e Pola

Novamente sem dinheiro, Pola encontrou uma grande amiga em Margaret West, personalidade do rádio, muito famosa no começo dos anos 30, que fôra casada com um negociante de obras de arte. Margaret ajudou-a financeiramente, e insistiu para que Pola retornasse à Europa em 1948, a fim de vender as jóias e outros bens que ainda possuia lá, e trazer sua mãe, Eleonora, para a América. Na sua volta, mãe e filha mudaram-se com Margaret para uma casa de praia alugada em Santa Monica. Depois, Pola e Margaret viveram juntas em outros locais, e Eleonora preferiu alugar uma moradia só para si. Pola diria que este foi o período mais feliz da sua vida. Ela e Margaret viveram uma vida social ativa, investiram em imóveis, e levantaram fundos para campanhas de caridade católicas.

Pola Negri em O Segredo das Esmeralda Negras

Em 1951, Pola tornou-se cidadã naturalizada americana. Em 1955, Eleonora faleceu aos 93 anos de idade. Em 1960, Pola ficou novamente sob a luz dos refletores, quando recebeu uma estrela na Calçada da Fama do Holywood Boulevard. Em 1963, recebeu um convite da Walt Disney Company para aparecer em O Segredo das Esmeraldas Negras / The Moonspinners / 1964, a ser filmado na Inglaterra com Hayley Mills na frente do elenco. Ela inicialmente relutou em fazer uma viagem longa por uma pequena aparição, mas Margaret convenceu-a a fazer um último filme, para se retirar da tela formalmente como uma estrela. Pouco antes de Pola partir, Margaret morreu subitamente, vítima de um ataque cardíaco.

No seu derradeiro filme, Pola, aos 67 anos, está quase irreconhecível como Madame Habib, uma colecionadora de jóias pitoresca; porém seu solilóquio no final – quando, antes de se retirar para o seu quarto seguida por um leopardo de estimação, fala de seus casamentos fracassados e as guerras das quais sobreviveu – soa como um resumo de sua vida e uma homenagem à sua persona fílmica.

Em 1964, ela recebeu um prêmio pela sua contribuição para a indústria cinematográfica germânica. Em 1970, publicou a autobiografia, “Memoirs of a Star”, classificada pelos críticos como “uma obra de ficção”. Em 1975, o diretor Vincente Minelli ofereceu-lhe um pequeno papel em Questão de Tempo / A Matter of Life, mas Pola não pôde aceitar por causa de seu estado de saúde debilitado.

A “Divina Dominadora” sucumbiu a um câncer no cérebro em 1 de agosto de 1987, sendo enterrada perto de sua adorada mãe.

 

GÉRARD PHILIPE II

Ainda em 1952, Gérard Philipe fez um filme de esquetes, Os Sete Pecados Capitais / Les Septs Pechés Capitaux e outro filme dirigido por René Clair, Esta Noite é Minha / Les Belles de Nuit.

Gérard Philipe em Os Sete Pecados Capitais

No primeiro, realizado por diretores (Eduardo de Filippo, Jean Dréville, Yves Allégret, Carlo-Rim, Roberto Rosselini, Claude Autant-Lara, Georges Lacombe) e interpretado por atores (Isa Miranda, Eduardo de Filippo (ep. A Avareza e a Cólera); Noel-Noel (ep. A Preguiça); Viviane Romance, Frank Villard (ep. A Luxúria); Henri Vidal, Claudine Dupuis (ep. A Gula); André Debar (ep. A Inveja); Michèle Morgan, Françoise Rosay (ep. O Orgulho) francêses e italianos, Gérard participou do esquete de ligação, no qual, como meneur du jeu em um parque de diversões, ele atrai os curiosos e ilustra para eles os sete pecados capitais. Finda a ilustração, aconselha a multidão a não sucumbir ao oitavo pecado capital: a imaginação e a nunca fazer um julgamento baseado apenas nas aparências.

No segundo, ele é Claude, jovem professor de música da província, que acha a vida real muito difícil e dorme para poder sonhar. Ele se vê como maestro de sucesso em 1900 e amado por uma grande dama, Edmée (Martine Carol), na realidade a mãe de uma de suas alunas; oficial vitorioso na Conquista da Argélia em 1830 e amado por Leila (Gina Lollobrigida), uma odalisca, na realidade a moça da caixa de um café onde ele costuma se encontrar com seus amigos; tribuno revolucionário em 1793, raptando a filha de um marquês, Suzanne (Magali Vendeuil), na realidade a filha de um mecânico seu vizinho etc. Logo os seus inimigos o seguem através dos séculos até a pré-história.

Martine Carol e Gérard Philipe em Esta Noite é Minha

Gérard Philipe e Gina Lollobrigida em Esta Noite é minha

 

Esta aventura imaginária conta essencialmente um “sonho acordado”. Claude, o compositor de talento, mas sem êxito, sonha suas próprias quimeras, que o conduzem sucessivamente aos braços de lindas mulheres com a aparência corporal das personagens reais. A idéia de “como a gente era mais feliz antigamente” se repercute em cada época, remetendo para aquela que a precede. Até que essa fuga através dos séculos transforma-se em um pesadêlo angustiante. Um assunto como esse, que balança sem cessar entre o sonho e a realidade, deu a René Clair a possibilidade de fazer uma incrível demonstração de virtuosidade técnica, uma coreografia de imagens, cujas formas inventivas se associam com uma graça constante.

Quando se examina a filmografia de Gérard Philipe percebe-se sua fidelidade a alguns diretores como Yves Allégret, Claude Autant-Lara, René Clair e Christian-Jaque, pois ele fez três filmes com cada um. No restante da década de cinquenta, entre seus melhores trabalhos estavam  Les Orgueillleux / 1953, de Yves Allégret e As Grandes Manobras / Les Grandes Manouevres / 1955, de René Clair.

Gérard Philipe e Michèle Morgan em Les Orgueilleux

Em Os Orgulhosos, Gérard é Georges, médico francês que se tornou alcoólatra, e vive em uma pequena cidade mexicana como um mendigo. Um dia chega um carro trazendo um casal: Tom (André Toffel), o marido, está gravemente enfermo equanto sua mulher, Nellie (Michèle Morgan), está sozinha e sem recursos. Uma epidemia de meningite cérebro-espinhal se propaga pela cidade. Tom morre diante de Nellie e Georges, que acabara de conhecê-los. Nellie se sente atraída por Georges e procura compreender seus problemas. Georges aconselha Nellie a deixar a cidade, mas Nellie fica a seu lado e, daí em diante, ele ajuda o médico local a combater a epidemia.

Yves Allégret deu densidade dramática a essa história de amor e redenção, criando uma atmosfera asfixiante e ruidosa em torno dos personagens. Porém o equilíbrio do filme dependia da atuação dos dois intérpretes centrais. Cada qual tem seu momento solo excepcional. O de Michèle Morgan acontece no quarto de hotel enquanto Nellie , tentando se livrar do calor, se despe com certo erotismo. O de Gérard PHilipe ocorre quando Georges dança na taberna, servindo de espetáculo, abjetamente, em troca de uma garrafa de aguardente

Em As Grandes Manobras, em uma pequena cidade da provincia, nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, Armand de la Verne (Gérard Philipe), tenente dos dragões reputado por seu donjuanismo, aposta com seus colegas de farda que vai seduzir, antes das grandes manobras, a mulher que o acaso designará. Assim, ele conquista Marie-Louise Rivière (Michèle Morgan), modista divorciada, que um burguês, Victor Duverger (Jean Desailly), hesita em esposar, com medo dos comentários. Armand não tarda a se apaixonar de verdade, mas quando Marie-Louise fica sabendo, através de uma careta anônima, de que foi objeto de uma aposta, ela prefere romper.

Gérard Philipe e Michèle Morgan em As Grandes Manobras

Cena de As Grandes Manobras

Dany Carrel e Gérard Philipe em As Grandes anobras

Passando do vaudeville ao drama com grande delicadeza, René Clair reconstitui de maneira perfeita a atmosfera das cidades do interior que têm tropas aquarteladas, nas quais, no início do século XX, os oficiais afugentavam o tédio cortejando as belas jovens provincianas. Entre um sarau beneficente e um concerto em praça pública, ata-se e desata-se um amor sem amanhã, que termina de maneira triste. A perfeição dos cenários e figurinos, o equilíbrio das cores, a interpretação contida de Michèle Morgan e o charme de Gérard Philipe põem em evidência o caráter sufocante de uma sociedade que aprisiona os protagonistas em uma rede de ritos, da qual eles não podem sair.

Nos anos cinquenta Gérard esteve ainda diante das câmeras sob as ordens de René Clément (Um Amante sob Medida / Monsieur Ripois / 1953; Sacha Guitry (Se Versalhes Falasse / Si Versailles m’était Conté / 1953 e Si Paris Nous était Conté / 1955); Gianni Franciolini (O Parque dos Amores / Les Amants de la Villa Borghese / 1953); Claude-Autant-Lara de novo (Vermelho e Negro / Le Rouge et le Noir / 1954);

Yves Allegret de novo (Correntes da Violência / La Meuilleure Part / 1955); Jacques Becker (Os Amantes de Montparnasse / Montparnasse 19 / 1956); Clément Duhout, (A Mentira do Amor / La Vie a Deux / 1957; Julien Duvivier (As Mulheres dos Outros / Pot Bouille / 1957; Claude Autant-Lara ainda mais uma vez (Le Joueur / 1958; Roger Vadim (Ligações Amorosas / Les Liaisons Dangereuses / 1959); Luis Buñuel (Os Ambiciosos / La Fièvre Monte a El Pao / 1959 e dirigiu e atuou em As Aventuras de Till / Till l’Espiègle / 1956.

Entre os filmes citados destacam-se Um Amante sob Medida, O Vermelho e o Negro, Os Amantes de Montparnasse e As Mulheres dos Outros.

Gérard Philipe e Joan Greenwood em Um Amante sob Medida

Em Um Amante sob Medida, cansada das infidelidades de seu marido, André Ripois (Gérard Philipe), Catherine (Valerie Hobson), uma inglesa rica, pede o divórcio. Enquanto isso, Ripois tenta seduzir Patricia (Natasha Parry), amiga de Catherine, contando-lhe seus amores passados Anne (Margaret Johnson), Norah (Joan Greenwood), Marcelle (Germaine Montero), e manifestando o desejo de se regenerar. A confissão de Ripois não produz sobre Patricia o efeito desejado. Ele faz uma última investida para conquistá-la simulando uma tentative de suicídio, mas cai de fato de uma varanda. Catherine pensa que o gesto do marido foi provocado pelo seu pedido de divórcio e resolve ficar ao lado dele, imobilizado para sempre em uma cadeira de rodas.

Gérard Philipe em Um Amante sob Medida

História de um Don Juan moderno abatido pelo golpe de uma justiça imanente e tardia. Vítima de sua última manobra, ele chama para si o castigo. E não haveria nada de mais cruel para esse homem sedento de liberdade, sempre em busca de alguma aventura, do que ficar prisioneiro em uma cadeira de rodas, enfraquecido e, por sua vez, à mercê de todos. Clément filmou Gérard Philipe às escondidas nas locações em Londres, mostrando aspectos da cidade raramente vistos no cinema inglês, e lhe retirou os atributos trágicos do Cid, para transformá-lo em uma espécie de anti-herói pré-Nouvelle Vague.

Vermelho e  Negro, se passa por volta 1830, na província e em Paris. Julien Sorel (Gérard Philipe), filho de um carpinteiro, destina-se ao seminário. Por indicação do abade Chélan (André Brunot), ele obtém um emprego como preceptor dos filhos de M. de Rênal (Jean Martinelli), prefeito de Varrières. Humilhado por este homem sêco e arrogante, ele é atraído por Louise, Mme de Rênal (Danielle Darrieux), mulher muito bela, mas também muito distante, embora ele sinta a sua fragilidade. Julien decide conquistá-la e ela cede porém, como este relacionamento não pode durar porque na pequena cidade não se tarda a falar sobre o amor deles, Julien volta para o seminário. Aliando-se ao abade Pirard (Antoine Balpêtre), quando este cai em desgraça, Julien acompanha-o a Paris, onde Pirard lhe arruma um novo emprego desta vez como secretário do Marquês de la Mole (Jean Mercure). Mais uma vez, as humilhações não lhe são poupadas. Por espírito de revanche, Julien seduz a filha do marquês, Mathilde (Antonella Lualdi). Ele mantém a jovem à sua mercê mesmo se em público ela se mostre altiva. Graças a M. de la Mole, Julien torna-se o cavaleiro Sorel de La Vernaye, tenente dos hussardos e o marquês aceita seu casamento com sua filha; porém pede referências sobre seu futuro genro à Mme. de Rênal. Esta, aconselhada por seu confessor, denuncia Julien como um intrigante. O orgulhoso Julien não pode admitir essa acusação e mais ainda o desmoronamento de suas ambições. Na igreja de Varrières ele desfecha dois tiros de revólver contra Mme. De Rênal, mas o ferimento de Louise não põe sua vida em perigo. No tribunal, Julien, resignado, assume sua culpa, sabendo que é toda uma casta que o julga. E que esta casta, injuriada, será impiedosa. Mme de Rênal, vai visitá-lo na prisão, e ele a acolhe com alegria. Depois, caminha sem medo para a guilhotina. Três dias depois, Mme de Rênal, morre abraçando seus filhos.

Gérard Philipe e Danielle Darrieux em  Vermelho e  Negro

Gérard Philipe e Antonella Lualdi em  Vermelho e  Negro

Danielle Darrieux e Gérard Philipe em  Vermelho e  Negro

Cena de Vermelho e  Negro

Os argumentistas Jean Aurenche e Pierre Bost, habituais colaboradores de Claude Autant-Lara, limitaram-se a conservar o espírito do autor. O script mantém apenas os episódios principais da obra de Stendhal e expõe com clareza as atitudes dos personagens em um ritmo que, embora lento, não chega a ser cansativo. As reações psicológicas de Julien (Gérard Philipe), Mathilde (Antonella Lualdi) e Louise (Danielle Darrieux), o estudo de suas personalidades, é o que há de mais importante no espetáculo. E, de fato, os três possuem temperamentos adversos. Julien Sorel é o arrivista perfeito. O amor para ele é apenas um meio de atingir certa confiança em si mesmo, necessária à consecução de seus fins, e a sua própria satisfação. Já o amor de Mathilde de la Môle é, todo ele, cerebral. Para ela, Julien representa um ser superior, sendo, portanto, o único que poderia dominá-la. Louise de Rênal, por sua vez, é uma mulher frágil. Passa a adorar o jovem preceptor, com a mesma ingenuidade com que cederá, mais tarde, a outros conselhos. Por outro lado, os cenários imaginados por Max Douy, a cor, o vestuário e a música do filme recriam, com perfeição, a atmosfera da época. Os diálogos (às vêzes substituidos por monólogos interiores) acentuam o caráter subjetivo da narrativa. Pode-se dizer que Gérard Philipe e Danielle Darrieux são protagonistas insubstituíveis.

Gérard Philipe e Anouk Aimée em Os Amantes de Montparnasse

Em Os Amantes de Montparnasse, Amedeo Modigliani (Gérard Philipe) tem um relacionamento com a escritora inglesa Beatrice Hastings (Lili Palmer) e depois conhece Jeanne Hébuterne (Anouk Aimée), uma estudante que abandona sua família burguêsa para ir morar com ele. Léopold Sborowsky (Gérard Sety), amigo de Modigliani, tenta em vão vender os quadros do pintor. Após um período de felicidade ao lado de Jeanne, Modigliani, alcoólatra, tuberculoso e miserável, morre em um hospital. O mercador de quadros Morel (Lino Ventura) procura Jeanne imediatamente e compra todas as telas do pintor.

Jacques Becker filma Os Amantes de Montparnasse

Anouk Aimée e Gérard Philipe em Os Amantes de Montparnasse

Gérard Philipe e Anouk Aimée em Os Amantes de Montparnasse

A cinebiografia de Modigliani ia ser filmada por Max Ophüls, porém a morte de Ophüls pôs fim ao projeto. Escolhido para substituí-lo, Jacques Becker não poderia trabalhar com um roteiro que não fôsse próprio, pois seu estilo cinematográfico não tinha nenhuma afinidade com o de Ophüls. Becker despojou sua encenação ao extremo, preocupando-se mais com o ângulo humano e suprimindo todo o pitoresco tradicional do gênero – o cineasta recusou-se inclusive a usar a cor, o que parece a priori um contrassenso em um filme sobre pintura, o que levou André Bazin a dizer que este é o filme mais bressoniano do diretor.

Em As Mulheres dos Outros, na segunda metade do século XIX, um jovem arrivista, Octave Mouret (Gérard Philipe), vindo de sua Provença natal, hospeda-se no terceiro e último andar de um imóvel burguês de Paris. Sedutor e cínico, ele conquista as mulheres (solteiras e casadas) que passam diante de sua porta, não só por prazer, mas porque elas são úteis para quem tomou a inabalável decisão de vencer na vida no mundo dos negócios. Octave torna-se logo uma presa ideal para Mme. Josserand (Jane Marken), ansiosa para casar suas filhas, entre as quais Berthe (Dany Carrel), que se apaixona pelo belo rapaz. Diante da indiferença de Octave, Berthe, decepcionada, casa-se com um homem pouco atraente, Auguste Vabre (Jacques Duby). Empregado na loja deste último, Octave fará sua fortuna tornando-se ao mesmo tempo amante de Berthe. Entrementes, a ascenção social de Octave prossegue graças ao seu poder de sedução sobre as mulheres e a sua aptidão para os negócios. Ele conquista o coração de Caroline Hédouin (Danielle Darrieux), proprietária de uma loja luxuosa, casa-se com elae faz prosperar o seu comércio, com o qual irá inaugurar mais tarde a primeira grande loja de departamentos parisiense: “Au Bonheur des Dames”.

Gérard Philipe e Danielle Darrieux em As Mulheres dos Outros

Gérard Philipe e Dany Carrel em As Mulheres dos Outros

Nessa adaptação do romance de Emile Zola, Julien Duvivier afastou-se do naturalismo da obra original e encaminhou – com a ajuda dos diálogos cáusticos de Henri Jeanson – , esse quadro de costumes para o vaudeville sarcástico. Gérard Philipe, um novo Rastignac, passeia com desembaraço nesse universo decadente, seduz todas as mulheres sem qualquer esforço, e domina o filme totalmente. Jane Marken é, como sempre, impressionante. Danielle Darrieux também, cúpida e calculista sob suas maneiras de grande dama irreprensível.

Gérard Philipe como D’Artagnann em Se Versalles Falasse

Em Se Versalhes Falasse e Si Paris m’était Conté, aulas de História (e Pequena História) da França à maneira de Sacha Guitry, ilustradas por um elenco notável de astros e estrelas, Gérard Philipe encarnava respectivamente D’Artagnan e um cantor de rua. Em outro filme constituido por episódios, O Parque dos Amores, Gérard Philipe contracenava com Micheline Presle em um momento de ruptura de um casal no parque famoso de Roma. Em Correntes de Violência, Gérard é o engenheiro Perrin, inteiramente dedicado à construção de uma barragem nos Alpes, mesmo quando abatido por uma doença cardíaca.

Claude Autrant-Lara e e Gérard Philipe nafilmagem de Le Joueur

Cena de Le Joueur

Em A Mentira do Amor, Gérard Philipe é Désiré, o criado de quarto de uma cantora interpretada por Lili Palmer em um dos esquetes do filme, que foi baseado em uma peça de Sacha Guitry. Em Le Joueur é Alexei Ivanovitch, o célebre personagem de Dostoievski. Em Ligações Amorosas, versão modernizada do romance de Choderlos de Laclos, Gérard é o libertino Valmont ao lado de Jeanne Moreau no papel de Juliette. Em Os Ambiciosos, Gérard é Ramon Vasquez, secretário do ditador de uma cidade mexicana que, após este ser assassinado, envolve-se com sua viúva (Maria Felix) e com uma revolta para derrubar o novo governador cruel e despótico (Jean Servais).

Gérard Philipe e Jeanne Moreau em Ligações Amorosas

Durante muito tempo Gérard Philipe pensou em encarnar na tela Thil Uylenspiegel, o herói criado pelo romancista belga Charles de Coster. Uma adaptação feita por René Wheeler deveria ter sido realizada por Christian-Jaque com Gérard no papel principal mas, por falta de capital, o projeto não foi adiante. Entretanto, Gérard não desanimou, e após negociações com a firma DEFA da Alemanha Oriental, ficou decidido que Gérard, além de intérprete, seria co-produtor e diretor do filme com a assistência do documentarista holandês Joris Ivens.

Les aventures de Till l’espiègle – 1956 (de Gérard Philipe et Joris Evens)

O personagem de As Aventuras de Till / Les Aventures de Till L’espiegle / 1955 é um jovem ágil, audaz e astuto que, na Flandres do século XVI, jurou vingar a morte de seu pai, Cloes (Fernand Lewdoux), queimado vivo pelos espanhóis ocupantes de seu país. Ele abandona sua noiva, Nele (Nicole Berger) e, acompann bhado de seu amigo Lamme (Jean Carmet), percorre as aldeias incitando os habitantes à rebelião e salvando os que se encontram em perigo. Till se introduz como bufão no palácio do Duque de Alba (Jean Vilar) e consegue salvar o Príncipe de Orange (W. Koch-Hooge) e seus partidários da morte certa. Os estrangeiros são perseguidos e expulsos enquanto o Principe reune os representantes das províncias e proclama a independência dos Países Baixos. Till regressa ao seu povoado, onde o aguarda sua prometida.

Cena de As Aventuras de Till

Fracasso artístico e crítico, esse filme foi visto como um erro na carreira do ator. Ele tentou reencontrar a receita mágica que fez o sucesso de Fanfan-la-Tulipe, porém não soube lhe imprimir o ritmo esfuziante daquela realização. Nem o próprio Gérard conseguiu repetir sua atuação: Till não foi um pândego e espadachim tão emocionante como Fanfan. Os pontos positivos do espetáculo foram os cenários, os figurinos e as paisagens magníficas mas, com seu roteiro mal costurado e sua mise-en-scène pesadamente teatral, todos os esforços do ator-diretor malograram.

Em 25 de novembro de 1959, no apogeu de sua popularidade, assim que acabou a filmagem de Os Ambiciosos no México, Gérard foi vitimado por um câncer no fígado fulminante, poucos dias antes do seu 37º aniversário, deixando seus fãs inconsolados. Conforme suas declarações de última vontade, ele foi enterrado, vestido com a roupa de Don Rodrigue (o Cid), no pequeno cemitério de Ramatuelle.

 

GÉRARD PHILIPE I

Ele foi um dos grandes atores do cinema francês ao lado de Harry Baur, Raimu, Louis Jouvet, Fernandel, Jean Gabin, Jean Marais e Pierre Fresnay, sobre os quais já me pronuncei em artigos anteriores. Sua imagem juvenil e romântica permanece na mente de todos os que o viram representar no teatro ou na tela.

Gérard Philipe

Gérard Philipe nasceu no dia 4 de dezembro de 1922 em Cannes, França, filho de Marcel Philip e Marie Elisa Villette (“Minou”), de ascendência tcheca e tida como uma cartomante notável. O pai era advogado e depois se tornou um hoteleiro rico, proprietário de diversos estabelecimentos na Côte d ‘Azur e em Paris. Gérard e seu irmão mais velho, Jean, estudaram no colégio interno Stanislas dos irmãos maristas. Gérard terminou seu ensino secundário no início da Segunda Guerra Mundial e seu pai o matriculou na Faculdade de Direito em Nice, mas o rapaz já pensava em seguir uma carreira de ator.

Minou, Gérard e seu irmão Jean

Durante a Ocupação, vários diretores, produtores e atores se refugiaram na Côte d’Azur, que estava situada na Zona Livre. Em 1941, Marc Allégret, um desses diretores, soube por acaso das sessões de vidência de Mme. Philip no Hôtel Parc de propriedade de seu marido, e foi com seus amigos consultá-la. Sabendo que seu filho queria fazer teatro, “Minou” persuadiu Allégret a fazer um teste com Gérard.

Entre os anos 30 e 50, Marc Allégret era considerado um grande descobridor de talentos, pois foi ele quem deu a primeira chance à maioria das vedetes da época: Simone Simon, Jean-Pierre Aumont, Michèle Morgan, Jean-Louis Barrault, Louis Jourdan, Daniel Gélin, Dany Robin, Jeanne Moreau e muitos outros, sem esquecer Brigitte Bardot. Por telefone, Allégret pediu a Gérard que aprendesse uma cena da peça de Jacques Deval, “Etienne”, e após a prova ficou surpreso com os dons do rapaz, muito raros em um principiante, faltando-lhe apenas a prática e as manhas do ofício de ator.

Allégret aconselhou-o a seguir o curso de arte dramática de Jean Wall e Jean Huet em Cannes. Um dia. Jean Huet aconselhou-o a procurar Claude Dauphin, que estava para encenar “Une Grande Fille Tout Simple” de André Roussin no Cassino de Nice. “O quê você preparou?”, perguntou Dauphin. Gérard lembrou-se de um poema, Les Poissons Rouges, de Franc-Noain. O nome do poeta arrancou um sorriso dos lábios de Dauphin, que era sensível às recomendações de Allégret e Huet, porém mais ainda ao nome de Franc-Noain. Gérard recitou o poema e Dauphin lhe confiou o papel de Mick, um jovem adolescente. Ele se revelou um ator completo, que não tardaria a mostrar que era capaz de interpretar qualquer papel.

Em 1941, Marc Allégret contratou-o para fazer uma “ponta” no filme A Tentadora / La Boîte aux Rêves (lançado somente em 1945) de seu irmão Yves Allégret. Em 1943, Gérard teve sua verdadeira primeira oportunidade na tela em Les Petites du Quai aux Fleurs de Marc Allégret, filme sobre uma juventude ardente que desperta para a vida e para o amor, no qual abundam os namoricos, rivalidades e reconciliações das quatro filhas (Odette Joyeux, Simone Sylvestre, Danièle Delorme, Colette Richard) de um livreiro (André Lefaur), em torno das quais gravitam vários rapazes (Louis Jourdan, Bernard Blier, Jacques Dynam, Gérard Philipe), fazendo com que o livreiro fique por vezes a ponto de perder a sua costumeira serenidade.

Gérard Philipe e Colette Richard em Les petites du Quai aux Fleurs

No mesmo ano, Gérard obtém seu primeiro sucesso e a celebridade, aos vinte anos de idade, no papel do anjo em “Sodome et Gomorre” de Jean Giraudoux, e entra para o Conservatório Nacional de Arte Dramática, onde acompanhou os cursos de Denis d’Inès e depois o de Georges Le Roy, o homem que iria marcar sua carreira teatral e orientá-la de maneira definitiva. A confiança mútua era tão grande que, a cada etapa importante de sua carreira, Gérard ia consultar Le Roy.

Antes das provas do final de ano, Gérard pediu seu desligamento do Conservatório porque o teatro e o cinema o solicitavam, e ele iria se consagrar a eles com todo o seu entusiasmo. Em 1945, participou de uma nova peça, “Fédérigo”, de René Laporte, um filme de Georges Lacombe, Le Pays sans Étoiles e, finalmente, de outra peça, “Caligula”, de Albert Camus. Atendendo ao conselho de “Minou”, Gérard acrescentou um “e” ao seu nome, para obter treze letras com o seu nome e prenome, uma cifra de boa-sorte, segundo sua progenitora.

Gérard Philipe em Le Pays sans Etoiles

Le Pays sans Étoiles é um filme no gênero fantástico, com um roteiro muito inventivo, no qual, Simon (Gérard Philipe), jovem ajudante de escrivão sonhador e romântico, tem uma visão perturbadora de um crime cometido em 1830, no qual um tal de Frédéric (Gérard Philipe) assassinara o irmão, Frédéric-Charles (Pierre Brasseur) por causa de uma mulher, Aurélia (Jany Holt). Ele revive no tempo presente o mesmo drama do passado, ao qual é atraído por sonhos premonitórios e um sentimento inquietante de reencarnação. Agora, seu irmão chama-se Jean-Thomas (Pierre Brasseur) e Aurélia, atende pelo nome de Catherine (Jany Holt).

Em 24 de dezembro de 1945, o pai de Gérard foi condenado à morte por contumácia por ter colaborado com o inimigo e pertencer a um grupo antinacional, sem que nenhuma prova tivesse instruído seu processo. Ele se refugiou em Barcelona na Espanha, onde se tornou professor de francês. Posteriormente, veio a ser anistiado pelo General de Gaulle.

Gérard Philipe no palco como Calígula

A interpretação de Gérard Philipe em “Caligula”, de Albert Camus, foi uma espécie de revolução. Gérard fez uma composição inesquecível, metade-anjo, metade-demônio, elogiado por uma crítica entusiasmada e aclamado pelos espectadores e por seus próprios colegas. Foi então que Georges Lampin lhe deu sua segunda boa chance no cinema: o papel do príncipe Muichkine de O Idiota / L’Idiot / 1946.

A história é muito conhecida. Em síntese, o príncipe Muichkine volta a São Petersburgo, depois de passar cinco anos em uma clínica. Sofrendo de epilepsia e acreditando na bondade, ele passa por um idiota. Seu parente, o general Epantchine (Maurice Chambreuil), quer casar sua filha Aglaé (Nathalie Nattier) com Totsky (Jean Debucourt), mas é preciso afastar a amante deste, Nastasia Philippovna (Edwige Feuillère). O secretário do general, Gania (Michel André), aceita, mediante uma polpuda soma, casar-se com Nastasia. Humilhada e infeliz, Nastasia propõe se vender a quem pagar mais. Para salvá-la dessa humilhação, Muichkine lhe propõe casamento, porém ela prefere aceitar a proposta do mercador Rogojine (Lucien Coëdel), que lhe oferece cem mil rublos.

Gérard Philipe em O Idiota

Edwige Feuillère e Gérard Philipe em O Idiota

Gérard Philipe e Lucien Coëdel em O Idiota

O romance de Dostoiévski foi despojado de sua profundidade espiritual, porém Lampin, cineasta de origem russa, conseguiu reconstituir uma atmosfera plausível. O filme vale, sobretudo pelas interpretações de Edwige Feuillère e Gérard Philipe, notadamente em duas sequências de grande impacto dramático. A primeira, na residência de Nastasia Philippovna, quando ela joga o pacote dos cem mil rublos no fogo da lareira diante dos convidados atônitos, depois de relembrar, emocionada, incidentes de sua vida infeliz. A segunda, no final, quando Rogojine, com uma vela na mão, conduz Muichkine pelos corredores de sua casa até o quarto onde jaz o corpo de Nastasia. Aí termina o drama, com o primeiro plano do rosto do príncipe, chorando com um riso de louco nos lábios.

Gérard repousava em uma pequena cidade dos Pireneus, quando recebeu um telegrama de Paris. Claude Autant-Lara desejava lhe confiar o papel de François em Adúltera / Le Diable au Corps / 1947. O enredo tratava do seguinte: no enterro de Marthe Lacombe, um rapaz, François Jaubert (Gérard Philipe), cheio de tristeza, recorda o passado. Em 1917, ele conheceu e se apaixonou por Marthe (Micheline Presle), mas ela estava noiva. Alguns meses mais tarde, François reencontra Marthe já casada e os dois se tornam amantes enquanto o marido dela, Jacques (Maurice Lagrenée) está lutando na guerra. Marthe engravida, porém François hesita em assumir suas responsabilidades e Marthe morre no parto, pronunciando o nome do amante. Jacques vai educar a criança, sem saber que ela não era sua.

Gérard Philipe e Micheline Presle em Adúltera

Micheline Presle e Gérard Philipe em Adúltera

Micheline Presle e Gérard Philipe em Adúltera

Tal como o romance de Raymond Radiguet, o filme provocou o escândalo por abordar uma relação de adultério entre dois jovens enquanto milhares de homens estavam morrendo para salvar a pátria. Os defensores da moral não perceberam que tanto o livro como o filme proclamavam antes de tudo o direito ao amor e ao prazer reprimidos pelas guerras e que os dois amantes eram vencidos pelo que Jean Cocteau chamou de “furor público contra a felicidade”. A adaptação e a realização são impecáveis, sobressaindo a utilização muito feliz do retrospecto por meio da diminuição do som dos sinos da igreja. Micheline Presle e Gérard Philipe transmitem com emoção um relacionamento ao mesmo tempo tórrido e imaturo. Os protestos moralistas se atenuaram quando Gérard Philipe ganhou o Grande Prêmio de Interpretação Masculina no Festival de Bruxelas.

Logo depois de Adúltera, Gérard foi convidado por Christian-Jaque para filmar em Roma La Chartreuse de Parme / 1948, que aqui levou o título de A Sombra do Patíbulo ou Amantes Eternos. O argumento conta como em Parma, Fabrice del Dongo (Gérard Philipe), conquistador impenitente, apaixona-se por Clélia Conti (Renée Faure), enquanto sua bela tia, La Sanseverina (Maria Casarès), arde de um amor secreto pelo sobrinho. Ocorrem muitas peripécias, envolvendo ainda: o primeiro-ministro, conde Mosca (Tullio Carminatti), amante de La Sanseverina; o sinistro chefe de polícia Rassi (Lucien Coëdel), que quer ocupar o lugar de Mosca; o monarca Ernest IV (Louis Salou), interessado em La Sanseverina; e o anarquista Ferrante Palla (Attilio Dottesio), que durante uma revolução assassina Ernest. Finalmente, Fabrice se interna para o resto de sua existência em um convento.

Gérard Philipe e Maria Casarès em A Sombra do Patíbulo

Gérard Philipe em A Sombra do Patíbulo

Gérard Philipe e Renéee Faure em A Sombra do Patíbulo

Christian-Jaque adaptou com muita liberdade a obra de Stendhal, transformando um grande romance em um mero filme de aventuras. Concentrado no simples jogo das intrigas, o espetáculo é muito bom, graças aos acontecimentos rocambolescos – aos quais o diretor deu bastante vivacidade -, aos esplêndidos cenários, ao cuidado com que foram compostas as imagens e aos serviços prestados por intérpretes experientes. Entre eles, destaca-se a presença de Gérard Philipe, um Fabrice ardente e romântico à altura do herói stendhaliano.

Os dois filmes seguintes de Gérard, Une Si Jolie Petite Plage / 1948 e Tous les Chemins Mènent à Rome / 1948, tiveram resultados diferentes: o primeiro filme, resultou bem melhor do que o segundo.

Em Une Si Jolie Petite Plage, dirigido por Yves Allégret, Pierre Monet (Gérard Philipe) chega em uma noite chuvosa a uma praia no norte da França. Ele se dirige ao hotel de Mme. Mayeu (Jane Marken), sobrinha do antigo proprietário paralítico, que parece reconhecer o rapaz, mas não pode falar. Mme. Mayeu maltrata um órfão de 15 anos da Assistência Pública, que uma ricaça usa para seus caprichos sexuais. Pierre esteve outrora nessa mesma situação. Foragido da Assistência Pública, maltratado pelo velho hoteleiro, ele fugiu com uma cantora mais velha, assassinou a amante e, procurado pela polícia, voltou ao lugar de sua adolescência. Marthe (Madeleine Robinson), uma criada do hotel, tenta ajudá-lo, mas ele se suicida.

Gérard Philipe e Madeleine Robinson em Une Si Jolie Petite Plage

Trata-se de um drama profundamente triste, típico do realismo negro, que sucedeu no pós-guerra ao realismo poético. A história que tem suas raízes no passado, é contada em um estilo indireto, sem nenhum retrospecto. A verdade é revelada pouco a pouco, através do comportamento de Pierre e da cantora assassinada, evocada por um velho disco, que os clientes do hotel costumam escutar. A ação transcorre em uma atmosfera pesada de chuva e nevoeiro incessantes, criada por uma excepcional fotografia em preto e branco. Gérard Philipe vive um de seus melhores papéis no cinema, compondo com muita sobriedade o perfil do jovem criminoso atormentado, que retorna àquela “pequena praia tão bonita”, para encontrar seu destino

Em Tous le Chemins Mènent à Rome, dirigido por Jean Boyer, Gabriel Pégase (Gérard Philipe), jovem geômetra amalucado, vai para Roma com sua irmã Hermine (Marcelle Arnold), a fim de participar de um congresso. No caminho, eles encontram Laura Lee (Micheline Presle), uma atriz. Obcecado por romances policiais, Gabriel pensa que esta última está sendo perseguida por gangsters e se oferece para protegê-la. Laura, que procura viajar incógnita, aproveita da ingenuidade do jovem para escapar dos jornalistas. Depois de perseguições inverossímeis, Gabriel e Laura chegam a Roma, onde eles descobrirão a felicidade.

Micheline Presle e Gérard Philipe em Tous les Chemins Mènent a Rome

Infelizmente, um ponto de partida inteligente e situações originais imaginadas pelo roteirista Jacques Sigurd foram desperdiçados por uma direção fraca, que transformou a possibilidade de uma boa comédia à moda americana em um espetáculo que suscita tímidos sorrisos apesar do esforço dos intérpretes para dar credibilidade aos seus personagens.

Entre a Mulher e o Diabo / La Beauté du Diable / 1949 marcou o primeiro encontro de Gérard Philipe com René Clair. Embora costumasse escrever sozinho o argumento e os diálogos de seus filmes, o cineasta apelou para a colaboração do conhecido dramaturgo Armand Salacrou, para ajudá-lo a atar e desatar os fios das maquinações deste Fausto moderno. Na versão deles, o velho professor Fausto (Michel Simon) recebe a visita de Mefistófeles (Gérard Philipe). Fausto se recusa a lhe vender sua alma em troca da juventude, o que, no entanto, Mefistófeles lhe concede sem fazer nenhuma exigência. Fausto recupera sua aparência de vinte anos e encontra a cigana Margarida (Nicole Besnard), que se apaixona por ele. Porém, ele se dá conta de que a juventude não vale nada sem dinheiro e assina o pacto com o diabo. Mefistófeles, que tomou as feições do velho Fausto, ensina-lhe a fabricar ouro e o introduz na corte do príncipe regente. Fausto recebe todas as honrarias e se torna amante da princesa (Simone Valère). Quando Mefistófeles cobra a sua parte no acordo, Fausto não quer mais cumprí-lo.

Gérard Philipe em Entre a Mulher e o Diabo

Gérard Philipe e Michel Simon em Entre a Mulher e o Diabo

René Clair dirige Gérard Philipe e Nicole Besnard em Entre A Mulher e o Diabo

Nicole Besnard e Gérard Philipe em Entre Deus e o Diabo

Gérard Philipe e Simone Valère em Entre a Mulher e o Diabo

Eis aqui a velha lenda do Fausto, que exprime dois grandes temas da humanidade: a nostalgia da juventude perdida e a tentação do poder. Apesar da magnitude e da seriedade do assunto, René Clair tratou seu filme em um tom de fantasia. O espetáculo propicia um confronto entre dois atores absolutamente fora de série: Gérard Philipe como um Fausto diabolicamente rejuvenescido e Michel Simon como um diabo truculento. As cenas nas quais Fausto ainda não está habituado com o seu corpo de jovem e conserva a maneira de andar e os tiques de um ancião ou aquelas nas quais, até então desligado dos bens deste mundo, ele é subitamente habitado por um anjo do mal barbudo, debochado e concupiscente, bastam para demonstrar o talento extraordinário dos dois intérpretes.

Nos anos cinquenta, os filmes em esquetes estava na moda e Gérard participou de dois: Lembranças do Pecado / Souvenirs Perdus / 1950 de Christian-Jaque e Conflitos de Amor / La Ronde / 1950 de Max Ophuls

No primeiro filme, quatro objetos perdidos e depois encontrados – uma estatueta de Osiris, uma corôa mortuária, uma echarpe de peliça e um violão – fornecem os temas de quatro esquetes, cada qual interpretado por grandes atores do cinema francês (Edwige Feuillère, Pierre Brasseur, François Périer, Bernard Blier, Yves Montand. Suzy Delair, Armand Bernard). Gérard Philipe participou do episódio da echarpe, como um homem que estrangulou sua antiga amante e depois o médico que mandou interná- lo em um asilo. Ao fugir da polícia, ele encontra uma jovem (Danièle Delorme) prestes a se suicidar nas margens do Sena, e a leva para um quarto, onde lhe revela que foi internado por sórdidas questões de interesse: sua família colocou-o no asilo para se apropriar de sua fortuna. Ele acaba estrangulando a jovem com a echarpe.

Simone Signoret e Gérard Philipe em Conflitos de Amor

No segundo filme, um narrador (Anton Walbrook) faz a A Roda do Amor girar como um carrossel e apresenta os amores da prostituta Léocadie (Simone Signoret) com o soldado Franz (Serge Regiani). Depois, Franz seduzindo a empregadinha Marie (Simone Simon) que iniciará no sexo o jovem de boa família Alfred (Daniel Gélin) que, por sua vez, faz sucumbir a virtude de Emma (Danielle Darrieux), uma mulher casada. Emma se reune com seu marido Charles (Fernand Gravey) em seu leito conjugal. Charles busca uma aventura amorosa com a costureirinha Anna (Odette Joyeux), que é presa fácil do poeta-dramaturgo Robert Kuhlenkampf (Jean-Louis Barrault), que a abandona, para se encontrar com a atriz (Isa Miranda) que, a seu turno, se entregará ao conde (Gérard Philipe). Ele não voltará para um segundo encontro, passando a noite com Léocadie. E assim a Roda termina, precisamente onde havia começado.

Gérard já era um ator célebre quando atuou em Juliette ou la Clé des Songes / 1950 e seu diretor, Marcel Carné, desde o primeiro dia de filmagem ficou surpreso com a atitude deste jovem tão diferente dos outros, que procurava aprofundar, sem cessar, seu personagem. Durante seu trabalho, ele não deixava nada ao acaso ou à improvisação, tudo era estudado, calculado, anotado. “Um dia em que nós discutíamos calmamente – como sempre era o caso com ele – a entonação de uma frase, ele abriu a sua cópia do roteiro e me mostrou o que havia escrito à margem de uma cena, neste lugar preciso, o sentimento que ele pretendia exprimir. Ele não podia modificá-la, porque – ele virava as páginas procurando – dez páginas mais adiante uma outra réplica, que estava igualmente anotada, um outro sentimento expresso, contrabalançava com o anterior. Todo o roteiro era assim repleto de reflexões, de observações ou de reações, formando um todo bastante meditado, do qual ele não tinha intenção de se afastar.”(Marcel Carné em Ma Vie À Belles Dents – Mémoires, l’Archipel, 1996).

Gérard Philipe e Suzanne Cloutier em Juliette ou la Clé des Songes

No filme de Carné, Gérard Philipe é Michael Grandier, um jovem vendedor, que ama Juliette (Suzanne Cloutier), sua companheira de trabalho. Para oferecer à sua colega algumas horas de perfeita felicidade à beira mar, ele rouba dez mil francos da caixa registradora de seu patrão, Monsieur Bellanger (Jean-Roger Caussimon). Quando retornam, Michel é preso e na prisão, ele adormece e sonha. Subitamente, o rapaz se vê livre e do lado de fora depara com um ambiente campestre, céu azul e o canto dos pássaros. Ele chega ao topo de uma montanha e avista uma aldeia totalmente branca. Todos os habitantes perderam a memória. Apenas um acordeonista (Yves Robert) é capaz de lembrar do passado enquanto está tocando seu instrumento. Na aldeia, Michel encontra Juliette novamente, mas ela também perdeu a memória. Ele a segue até um castelo, habitado por um nobre estranho e barbudo, (Jean Roger Caussimon), que é uma espécie de Barba Azul. Ao saber que o Barba Azul subjuga Juliette e vai se casar com ela, Michel subleva os aldeões e os lança em um assalto ao castelo. Arrombando as portas dos armários, eles encontram vestidos sujos de sangue e alianças. Quando finalmente Michel tenta arrancar Juliette do poder do Barba Azul, ouve-se um som estridente. Este toque, que é o da prisão, desperta Michel na sua cela. Ele é conduzido à presença do comissário, que é o retrato vivo de um guarda que ele encontrara no País das Pessoas Sem Memória, e lhe informa que seu patrão, a pedido de Juliette, retirou a queixa contra ele. Michel vai ser libertado. Um pouco mais tarde, ele ouvirá da própria Juliette, que ela vai se casar com seu patrão, que ele reconhece como o Barba Azul do seu sonho. Michel foge de novo. Juliette corre atrás dele. Michel para diante de uma placa, onde está escrito: Perigo de Morte. Juliette passa sem vê-lo, e ele empurra uma porta, que atravessa sem hesitar. Suicídio ou evasão, Michel volta para o País das Pessoas Sem Memória.

Gérard Philipe em Juliette ou la Clé des Songes

 

Jean Cocteau havia adaptado para o cinema a peça de Georges Neveu. Sob direção de Marcel Carné, André Paulvé deveria ser o produtor e Jean Marais o intérprete principal. Dificuldades impediram a realização do filme, que só veio a ser produzido mais tarde por Sacha Gordine, sem Jean Marais, e com uma adaptação de Jacques Viot, bem diferente daquela feita por Cocteau. Selecionado para o Festival de Cannes, o filme foi um fracasso retumbante. Entretanto, Juliette ou la Clef des Songes não é um filme desprezível. Embora não tivesse sido um espetáculo perfeito, por causa da percepção de uma certa frieza no conjunto desse conto de fadas, os cenários soberbos de Alexandre Trauner, iluminados e filmados por Henri Alekan, (as cenas na floresta são absolutamente maravilhosas), a música melodiosa de Joseph Kosma, e a técnica experiente do diretor, conseguiram criar uma atmosfera onírica, que não deixa de ter o seu encanto. Quanto à Gérard Philipe, ele teve uma interpretação digna do seu talento nos limites do papel que lhe foi confiado.

Gérard Philipe no palco como Le Cid

Em 1951, Jean Vilar, que assumira a direção do Théâtre National Populaire (TNP), convida Gérard a integrar sua trupe e interpretar “Le Prince de Hombourg” de Kleist e “Le Cid” de Pierre Corneille, e ele aceita com entusiasmo. Os que viram “Le Cid” e a performance de Gérard no papel mais mumificado da tragédia francêsa, jamais o esquecerão. Fogoso, apaixonado, sensível, romanesco, ele conseguiu o que o teatro não havia conhecido desde Mounet-Sully: uma criação de instantes perfeitos”. (Armand Gatti – Paris-Match, citado por Maurice Périsset no seu magnífico livro Gérard Philipe ou la jeunesse du monde, Ouest-France 1985).

Gérard Philipe e Jean Vilar

Gérard Philipe no palco com Gaby Silvia em Ruy Blas

Gérard garantiu um imenso sucesso popular ao repertório clássico em Paris, em excursões, e no Festival de Avignon, participando de várias peças também como diretor ou sob as ordens de Jean Vilar, notadamente em Ruy Blas (1954), dizendo com perfeição os belos versos tão numerosos de Victor Hugo.

Gérard e sua esposa Anne

Em 29 de novembro de 1951 Gérad se casou com Nicole Fourcade, uma etnóloga com a qual já vivia desde 1946, na prefeitura de Neuilly-sur-Seine, após o divórcio dela. Ele pediu a sua esposa que readotasse seu primeiro prenome, Anne, que ele achava mais poético. Eles tiveram dois filhos, Anne-Marie Philipe, que se tornou escritora e atriz e Olivier Philipe.

Gérard não abandonou o cinema e em 1952 fêz Fanfan la Tulipe / Fanfan la Tulipe de Christian-Jaque. Eis o resumo do argumento: a bela cigana Adeline (Gina Lollobrigida) revela a Fanfan (Gérard Philipe) que ele se cobrirá de glória no exército e se casará com a filha do rei. Fanfan consegue salvar de uma emboscada a Marquesa de Pompadour (Geneviève Page) e a própria Henriette de France (Sylvie Pélayo). Desejoso de rever Henriette, Fanfan penetra clandestinamente no castelo, mas é preso e condenado à fôrca. Adeline, que o ama, obtém a graça do rei. Mas como ela se recusa a “agradecer” o gesto do monarca, este encarrega seu homem de confiança, Fier-à-Bras (Nöel Roquevert), de raptá-la. Mas Fanfan vai salvá-la.

Gérard hilipe em Fanfan la Tulipe

Gérard Philipe e Gina Lollobrigida em Fanfan la Tulipe

Gérard Philipe e Gina Lollobrigida em Fanfan la Tulipe

Seguindo a fórmula de Alexandre Dumas, Christian-Jaque entrecruza personagens da história da França, em particular Luis XV e madame de Pompadour, com criaturas de ficção, em um redemoinho de peripécias cheias de charme, fantasia e humor. Fanfan torna-se, graças ao talento de Gérard Philipe, uma espécie de herói saltitante à maneira de Douglas Fairbanks, pronto para enfrentar o irascível ferrabrás (magnificamente composto por Nöel Roquevert) com uma agilidade e um entusiasmo que eletrizam o público. É preciso render homenagem ao diretor, que impôs ao espetáculo uma animação que não se enfraquece em nenhum momento, seja nas cenas de ação ou nas passagens mais intimistas.