JACQUES FEYDER II

Foi na América que Jacques Feyder fez seu último filme mudo, O Beijo / The Kiss / 1930, escrevendo, com  Hans Kraly, a adaptação de uma história de Georges M. Saville, cujo resumo é o seguinte: casada com Charles Guary (Anders Randolf), um empresário brutal de Lyon, à beira da falência, Irene Guarry (Greta Garbo) ama o advogado André Dubail (Conrad Nagel), mas afasta-se dele,  sentindo-se incapaz de trair o marido. O jovem Pierre Lassalle (Lew Ayres), filho do sócio de Charles, apaixona-se por Irene e, quando vai partir de Lyon para ingressar em uma faculdade, ela o beija inocentemente como despedida; porém o marido os surpreende e, louco de ciúme, arrasta Pierre para o seu escritório, a fim de matá-lo. Irene tenta separá-los, ouve-se um tiro de revólver e o marido morre. Irene é defendida por Dubail que, de boa fé, alega suicídio. Absolvida, Irene confessa a Dubail, que matou seu marido, para evitar que ele matasse Pierre. Eles irão refazer sua vida juntos.

Apesar do assunto melodramático, O Beijo é um filme muito elegante, com uma fotografia magnífica (Greta Garbo soberbamente enquadrada por Feyder e pelo cinematographer William Daniels, que tantas vezes teve por missão restituir na tela a beleza da “Divina”), uma encenação dinâmica obtida por uma câmera extremamente móvel, belos cenários Art-Déco (providenciados por Cedric Gibbons), e figurinos perfeitos (desenhados por Adrian).

Feyder, como sempre dedicando-se à fabricação de um vocabulário visual, oferece uma decupagem engenhosa como, por exemplo, na cena do jantar, a sucessão de planos sobre os diferentes convidados associada à travellings ligeiros ou, na cena do interrogatório de Irene, em que o relato é quase que inteiramente traduzido pela imagem: quando ela hesita, a imagem hesita, as janelas se abrem e fecham misteriosamente, os ponteiros do relógio tremem, antes de fixar a hora exata.

Os dirigentes da MGM pediram então para Feyder dirigir Le Spectre Vert, a versão francêsa de The Unholy Night (Dir: Lionel Barrymore) e Si L’Empereur Savait Ça e Olympia, respectivamente versões francêsa e alemã de His Glorious Night (Dir: Lionel Barrymore). No Brasil, Le Spectre vert passou com o título em português de O Fantasma Verde, igualmente conferido à versão original americana. Quanto às versões de His Glorious Night, entre nós foi somente exibida a versão espanhola Olimpia (Dir: Chester M. Franklin, Juan de Homs), com o título em português de Olimpia. Na MGM, Feyder encarregou-se também da versão alemã de Anna Christie (Dir: Clarence Brown) e de dois filmes estrelados por Ramon Novarro, Alvorada / Daybreak e O Filho do Oriente / Son of India, ambos produzidos em 1931.

Greta Garbo causou sensação ao pronunciar a sua primeira frase no cinema falado, “Gimme a visky, ginger ale on the side – and don’t be stingy, baby’”, e o sucesso do filme foi tanto que a MGM decidiu lançar uma versão alemã. A realização ficou a cargo de Feyder e atores germânicos foram contratados para os papéis coadjuvantes (Salka Steuermann (depois Viertel), substituindo Marie Dressler, Theo Shall no lugar de Charles Bickford e Hans Junkermann no papel antes confiado a George F. Marion. A “Divina” dizia ”Whisky – – aber nicht zu knapp!” e vários articulistas da época, comparando as duas versões, afirmaram, com toda razão, que o filme de Feyder se beneficiava de diálogos mais precisos, de um figurino mais austero para Anna e, sobretudo, de uma intérprete mais à vontade falando alemão do que inglês. Segundo seu biógrafo, Barry Paris, Garbo teria confidenciado para amigos, que a versão alemã de Anna Christie, filmada em apenas vinte dias, fôra o seu melhor trabalho no cinema”.

Em O Filho do Oriente, Ramon Novarro é Karim, filho de um mercador de jóias que, antes de morrer durante um ataque de bandidos ao seu acampamento, dá ao seu herdeiro um valioso diamante. Karim é salvo por um homem santo, Rao Rama, e parte para Bombaim. Depois de algumas tribulações, Karim enriquece com a venda do pedra preciosa e se apaixona por uma americana, Janice Darsay ( Madge Evans) – mas ele renuncia ao seu amor, porque sabe que não poderá esposá-la. Em Alvorada, Ramon é Willi Kasda, jovem oficial da guarda imperial austríaca, apaixonado por uma professora de piano, Laura Taub (Helen Chandler), que ele conheceu em um bordel de luxo, onde ela, inocentemente se encontrava. Willi a salva dos avanços libidinosos de um ricaço, Herr Schnabel (Jean Hersholt) e, depois de beberem alguns drinques, passa à noite com ela. Na manhã seguinte, Willi parte e Laura descobre com horror, que ele deixara algum dinheiro para ela. Decepcionada, Laura torna-se amante de Schnabel. Willi perde uma quantia enorme no jogo para Schnabel, que lhe dá duas opções: ou paga tudo o que deve ou se mata, como o código de honra militar o exigia.

Nesses dois filmes, Feyder trabalhou dentro dos limites do sistema de estúdio, sem poder criar algo original em termos de cinema, explorando apenas o charme de um grande astro, dando ênfase às cenas de amor com suas lindas parceiras, Madge Evans e Helen Chandler.

O contrato de Feyder com a MGM previa uma licença de seis meses na França e a possibilidade dele realizar um filme durante este período. O cineasta acertou com a Pathé-Natan a produção de 1940, um filme de antecipação, cujo roteiro ele havia escrito com Charles Spaak, e no qual Françoise Rosay deveria interpretar o papel de uma deputada; porém o projeto não se concretizou. Feyder voltou para a América com a vã esperança de dirigir Greta Garbo em Como Me Queres / As You Desire Me /1932. Decepcionado, ele retornou definitivamente à França e, após ter sido abortado o projeto de filmar Madame Bovary, aceitou a proposta da Films de France, escolhendo outro roteiro seu e de Spaak, A Última Cartada / Le Grand Jeu / 1934.

Na história, que se passa no Marrocos, Pierre Martel (Pierre Richard-Willm) se desonrou, cometendo alguns desfalques, por Florence (Marie Bell), uma amante indigna. Ele se alista na legião Estrangeira e encontra Irma (Marie Bell), uma prostituta desmemoriada muito parecida com Florence, no cabaré de Clément (Charles Vanel) e de sua esposa Madame Blanche (Françoise Rosay), que é cartomante. Pierre surpreende Clément assediando Irma e o mata acidentalmente. Ao receber uma herança, ele decide voltar para a França na companhia de Irma, mas se depara com Florence, que o rejeita novamente. Ele dá todo o seu dinheiro para Irma  e promete seguí-la nos próximos dias. Após a partida do navio, Pierre se alista de novo na Legião e Blanche, em uma última cartada, prediz sua morte.

Impregnado de fatalismo e desesperança existencial, o filme já anuncia o realismo poético. Feyder deu credibilidade a uma trama romântica  convencional e a elevou ao nível de um drama pirandelliano, utilizando os cenários e o quadro geográfico, para completar a psicologia dos personagens.  Além de uma utilização feliz da dublagem (no papel de Florence, Marie Bell preservou a própria voz; no de Irma, Claude Marcy emprestou-lhe a sua), o espetáculo retrata de uma maneira bastante realista a vida colonial: a atmosfera dos cabarés frequentados pelos legionários, seu embrutecimento sob o calor sufocante do deserto, sua nostalgia, fossa ou decadência.

Na cena final, Pierre se embebeda com Blanche no cabaré. Ele pede a ela que leia as cartas. Um par de noves – prenúncio da morte – aparece. Pierre se despede, sabendo que vai partir em sua última missão. Blanche espalha as cartas e elas caem no chão.  Ela se ajoelha, soluçando, e as apanha uma a uma. Ouve-se a marcha do regimento que parte. A câmera recua lentamente, afastando-se de Blanche, como se estivesse com medo de ser carregada pelo seu desespero.

Em A Última Cartada Feyder teve como assistente de direção Marcel Carné, que continuaria colaborando com o mestre em Pensão Mimosas e A Quermesse Heróica. Nas palavras de Carné, Monsieur Feyder, como ele o chamava respeitosamente, foi “ao mesmo tempo um amigo, um pai espiritual, um conselheiro e um guia, ao qual devo tudo o que sou”.

Realizado com o mesmo rigor, que caracteriza toda a sua filmografia, o filme seguinte de Feyder / Spaak, Pensão Mimosas (TV) / Pension Mimosas / 1934 é um drama, no qual ele faz a análise psicológica de um amor frustrado, de um amor impossível, baseado em uma situação sem saída.

Em Nice, Gaston (André Alerme) e Louise (Françoise Rosay) Noblet têm uma pensão familiar, As Mimosas. Casal sem filhos, eles recolheram o pequeno Pierre Brabant (Paul Bernard), cujo pai cumpria pena em uma prisão. Ao ser libertado, o pai verdadeiro leva o menino, então com doze anos de idade. Já adulto, e morando em Paris, Pierre continua escrevendo para a sua “madrinha”, que lhe envia dinheiro. Inquieta, Louise  vai para a capital e descobre que Pierre vive do jogo e tem uma amante, Nelly (Lise Delamare). Devido a uma briga, Pierre se refugia  na pensão. Louise se apaixona por Pierre, e então ocorre uma tragédia.

Jacques Feyder vai direto ao essencial das situações. O almoço da primeira comunhão, perturbado pela chegada do pai de Pierre, é de uma objetividade espantosa. Françoise Rosay, com, todo o vigor de sua capacidade artística, mostra como o sentimento maternal de uma mulher madura se transforma em amor por um rapaz desencaminhado, que ela tenta livrar do vício. Louise faz tudo para salvar Pierre. Ela primeiro consegue afastar Nelly. Depois, vai jogar no cassino, onde ganha a soma desejada. Mas, durante  esse tempo, Pierre engolira um veronal. As últimas imagens do filme mostram a janela se abrindo repentinamente e o vento espalhando as cédulas pelo quarto em volta da cama, onde Louise, prostrada sobre o corpo inerte de Pierre, grita desesperada: “Volte a ser criança”.

Nessa fase de muita inspiração do cineasta belga surgiu sua obra-prima no cinema sonoro, A Quermesse Heróica / La Kermesse Heroique / 1935 (cuja versão alemã, Die Klugen Frauen, também foi dirigida por ele), que recebeu o Grand Prix du Cinéma Français em 1936.

No século  XVII, uma pequena cidade de Flandres aguarda atemorizada a chegada do duque de Olivares (Jean Murat). Os homens são covardes e deixam a iniciativa às mulheres. Enquanto o burgomestre (André Alerme)  se faz passar por morto, sua esposa Cornélia (Françoise Rosay) organiza um banquete para os espanhóis. O anão (Delphin) que serve ao duque descobre a farsa do burgomestre, mas promete ficar calado mediante boa soma de dinheiro, que lhe é logo arrebatada pelo capelão (Louis Jouvet). Após uma noite de romance com Olivares, a lúcida Cornélia casa sua filha Siska (Micheline Cheirel) com o jovem pintor Jan Brueghel (Bernard Lancret), união que vinha sendo contrariada pelo seu acovardado marido.


Farsa irônica (que também deve muito a Spaak, co-roteirista e autor da história original e ao dialoguista Bernard Zimmer) inspirada no tema da Lysistrata de Aristófanes, ridicularizando alguns dos estereótipos da mística da guerra: coragem, heroismo, o mito do inimigo bárbaro e sedento de sangue. A sátira é reforçada por certos personagens secundários, como o anão tirânico e esperto ou o capelão, que lembra com volúpia as diversas torturas que praticou com mulheres como “inquisidor” e vende indulgências “autênticas e certificadas”. Feyder realiza uma síntese cinema-pintura por meio de uma pesquisa pictórica dos pintores flamengos aplicada não somente aos cenários (Lazare Meerson, assistido por  Alexandre Trauner e Georges Wakhévitch) e figurinos (Georges K. Benda) e à composição das imagens (magnificamente obtida pelas lentes de Harry Stradling, Louis Page), mas também ao espírito e ao tom geral da obra.

Continuando a atrair com sucesso os melhores talentos estrangeiros, o produtor Alexander Korda levou Feyder para a London Films na Inglaterra, entregando-lhe o comando de uma superproducão, adaptada por Frances Marion do romance de James Hilton, e cuja ação transcorre na Rússia revolucionária.

Em O Amor Nasceu do Ódio / Knight Without Armour / 1937, Ainsley J. Fothergill (Robert Donat), um inglês que trabalha como tradutor e jornalista na Rússia czarista em 1913, é recrutado pelo Serviço Secreto Britânico com a  missão de se infiltrar no movimento revolucionário em São Petersburgo; porém ele é capturado pela Polícia Secreta e enviado para a Sibéria. Três anos depois, os prisioneiros da Sibéria são libertados. Na prisão, Fothergill faz amizade com um líder comunista, que se torna uma figura poderosa no regime Bolchevista. Em consequência, o inglês é nomeado comissário e encarregado de escoltar a bela Condessa Alexandra Vladinoff (Marlene Dietrich) para Petrogrado. Fothergill e a condessa se apaixonam e tentam desesperadamente escapar da polícia secreta, envolvendo-se no meio de uma Guerra Civil entre os exércitos Branco e Vermelho.

Feyder e o fotógrafo Harry Stradling criaram um épico visualmente atraente com boas cenas noturnas e de multidão, e exploraram bem a fotogenia dos trens e das estações ferroviárias. Em uma destas cenas, ocorre uma momento memorável, na qual a tensão psicológica causada pela guerra civil é condensada de uma maneira comovente, quando o chefe da estação continua a executar suas funções, fazendo sinais para trens que nunca chegam e instruindo passageiros inexistentes, para embarcarem em trens inexistentes.

Outra cena marcante é aquela em que a condessa acorda e percebe que está sózinha no palácio. Ela chama os criados, mas ninguém responde. Confusa, ela vagueia pelas terras de sua propriedade até que, subitamente, uma horda de camponeses revolucionários surge no topo da serra e avança raivosamente em sua direção.

O entrosamento dos dois intérpretes principais também contribui para o bom resultado do espetáculo; eles conseguem dar credibilidade ao amor improvável que seus personagens estão vivendo. Focalizada em belíssimos primeiros planos, Marlene está deslumbrante, e consegue combinar perfeitamente altivez e vulnerabilidade.

Foi na Alemanha que Feyder fez seu próximo filme, produzido pela Tobis Film Kunst Povo Errante Les Gens du Voyage / 1938, que teve uma versão alemã, Fahrendes Volk, na qual Hans Albers e outros atores germânicos substituíram os atores francêses, com exceção de Françoise Rosay, mantida no papel principal.

A ação transcorre em um circo itinerante. Flora (Françoise Rosay), a domadora, esconde na sua carroça, seu antigo amante, Fernand (André Brulé), fugitivo da colônia penal de Caiena, com quem tivera um filho, Marcel (Fabien Loris) há vinte anos.  Flora arruma emprego para Fernand no circo. Marcel, que não sabe que é filho de Fernand, ama Yvonne (Sylvia Bataille), uma das filhas do dono do circo, M. Barlay (Guilaume de Saxe), mas é também amado por Suzanne (Louisa Carletti), a irmã de Yvonne, e por Pepita (Mary Glory), sua parceira em um número equestre. M. Barlay fica furioso ao saber do romance entre Yvonne e Marcel e manda a filha para longe em companhia de uma tia. Furioso, Marcel agride M. Barlay, e sai do circo. Mais tarde, ele é encontrado por Fernand, na companhia de Pepita, ambos vivendo e trabalhando juntos em um circo de luxo. Forçado pelos seus antigos comparsas, Fernand os ajuda a assaltar o circo Barlay, apagando as luzes no meio do espetáculo. Durante o pânico, Flora fica dentro da jaula dos tigres às escuras.  Para desagrado de Pepita, Fernand convence Marcel a retornar para a companhia da mãe, que fôra ferida pelos animais.  Para se vingar, Pepita denuncia Fernand às autoridades e ele é perseguido e morto pelos policiais. Yvonne volta clandestinamente para o circo de seu pai e dá a luz um menino na carroça de Flora, que juntamente com M. Barlay e todos os artistas, comemoram felizes  o nascimento da criança.

Através desse argumento (dele e de Jacques Viot), entrelaçando intrigas sentimentais e policiais, Feyder reconstitui com apuro o ambiente circense, e a verdadeira vida daquele “povo errante”, obtendo dos atores um rendimento de ótimo nível, sobressaindo a atuação de Françoise Rosay e de André Brulé. Françoise soube traduzir admiravelmente a personalidade daquela mulher que aprendeu a não confiar mais em nenhum homem, mas que ainda parece sentir alguma amizade pelo ex-companheiro (quando ele parte e a beija na face, ela chora). André, por sua vez, compõe magnificamente um personagem que, apesar de seu passado nada virtuoso, transmite muita simpatia pois, no fundo, tem um bom coração.

Sob o ponto de vista cinematográfico merece destaque  o número de Flora com os tigres e depois a cena em que ela fica sozinha na jaula com as feras; a cena em que Suzanne rasga suas roupas e grita histericamente com se tivesse sido atacada por alguém, a fim de chamar a atenção do namorado da irmã; o número de Pepita e Marcel paralelamente à fuga de Fernand pelos telhados, e sua queda, escorregando por eles, ao ser atingido pelos tiros.

Depois de Povo Errante, Feyder realizou para o produtor Adolphe Osso, A Lei do Norte / La Loi du Nord / 1942, baseado no romance Telle qu’elle était de son vivant de Maurice Constantin-Weber, escrevendo o roteiro conjuntamente com Alexandre Arnoux (também responsável pelos diálogos).  O filme foi selecionado em 1939 para o primeiro festival de Cannes, anulado por causa da guerra. A cópia ficou nos cofres da censura até ser liberado em 1942 com cortes e um novo título: La Piste du Nord.

Na trama, Robert Shaw (Pierre-Richard Willm), poderoso industrial americano, mata friamente Ellis Lowton, amante de sua mulher. Para salvá-lo da cadeira elétrica, seu  advogado o faz passar por louco. Robert foge do asilo psiquiátrico com a cumplicidade de sua secretaria, Jacqueline Bert (Michèle Morgan), e eles vão para o Canadá. Ali conhecem o caçador Louis Dumontier (Jacques Terrane) e o guarda Dalrymple (Charles Vanel) da Polícia Montada. Dalrymple descobre a identidade dos fugitivos e sai em sua perseguição. Os três homens se apaixonam por Jacqueline, porém ela morre de fadiga no caminho de volta.

O filme é um estudo psicológico sobre o relacionamento de três homens e uma mulher, que eles tentam proteger na imensidão branca do Grande Norte canadense. Mas como foi realizado com uma preocupação de realismo no que se refere às dificuldades da viagem de trenó em uma região árida e gelada, o espetáculo tem também um aspecto de drama de aventura.

Feyder soube sugerir, com uma sobriedade de estilo magistral, a desolação que envolve seus heróis, a sua solidão trágica. É muito bela a última cena, quando Shaw, Dumontier e Dalrymple deixam para trás um túmulo coberto de neve, cada qual guardando dentro de si a lembrança de Jacqueline, “tal como era era enquanto viva”.

Finalizada a filmagem de A Lei do Norte, para não ter que trabalhar para a Continental (firma destinada a produzir na França filmes com capital alemão e mão de obra francesa), Feyder se refugiou na Suiça, onde realizou seu último filme como diretor creditado, Identidade desconhecida / Une Femme Disparait / 1944.

No relato (extraído do romance de Jacques Viot), uma atriz famosa, Fanny Helder (Françoise Rosay), vai repousar na companhia da filha, casada com um diplomata mas, sentindo que sua presença desagrada o casal, desaparece misteriosamente. A descoberta de um corpo sem qualquer identificação, leva três pessoas à sala do comissário encarregado do inquérito (Claude Dauphin): um jovem camponês-vinhateiro cuja velha criada sumiu, sem deixar rastro; uma diretora de pensionato cuja irmã desapareceu; e um barqueiro volúvel abandonado pela mulher depois de uma discussão. A investigação dos policiais permite encontrar as três mulheres e a certeza de que o corpo era mesmo da atriz, que se suicidara. Porém, a pedido do empresário da artista (Henri Guisol), o caso será arquivado e a glória da mãe infeliz permanecerá inabalada.

Em torno do mistério do corpo não identificado desenrolam-se três esquetes, que mostram as razões que cada uma das mulheres apontadas tinham para se suicidar. Françoise Rosay interpreta quatro papéis no filme – a atriz, a criada, a irmã da diretora do pensionato e a esposa enciumada do barqueiro – , que lhe permitem demonstrar sua enorme versatilidade. Foi o que constataram os comentaristas da época.

Feyder trabalhou ainda como supervisor do diretor novato Marcel Blistène (ele só havia feito Étoile sans Lumière / 1945 com Edith Piaf) em Hotel Clandestino / Macadam / 1946, um filme com uma história sórdida de crime e paixão, que transcorre no bairro de Montmartre em Paris.

Madame Rose (Françoise Rosay), proprietária do Hotel BiJou recebe a visita de seu antigo cúmplice, Victor Memnard(Paul Meurisse). Perseguido pela polícia, Victor lhe mostra uma mala cheia de dinheiro, com o qual pretende refazer sua vida na América do Sul. Desejando se apoderar do dinheiro, Madame Rose (que já havia matado seu marido, cuja honestidade estava atrapalhando seu negócios) usa um cabelereiro informante da policia, para delatar Victor, fazendo crer que este fora denunciado por François (Jacques Dacqmine), um camelô por quem tanto sua filha Simone (Andrée Clement) como a amante de Victor, Gisèle (Simone Signoret) estão apaixonadas. Victor consegue fugir da prisão, e volta para acertar as contas com Madame Rose e François. Victor mata Madame Rose e é morto por Simone. François parte com Gisèle enquanto que Simone, agora rica, com o dinheiro da mala, transforma o hotel, de suspeito, para estabelecimento de luxo.

Blistène era de fato muito inexperiente e Feyder não conseguiu evitar que a narrativa se tornasse em certos trechos um pouco maçante pelo excesso de diálogos (vg. na cena da bebedeira de Madame Rose) e / ou complicada (afinal, François gosta de Simone ou de Gisèle?) No entanto, a intriga policial (de Jacques Viot) prende a atenção dos espectadores, e os atores compõem bem seus tipos, destacando-se Françoise Rosay na sua criação robusta da hoteleira truculenta e inescrupulosa.

Em 1947, Feyder preparou com Bernard Zimmer um roteiro baseado em La Dame de Pique, previsto para ser filmado com Gaby Moraly, mas o projeto foi abandonado pelo produtor.

Em 1948, o mundo perdeu um dos seus grandes cineastas clássicos.

JACQUES FEYDER I

Foi um daqueles poucos cineastas, que realizaram grandes filmes tanto no cinema silencioso quanto no sonoro e souberam conciliar arte e entretenimento. Sua obra cinematográfica merece ser melhor estudada.

Jacques Léon Louis Frédérix (1885-1948) nasceu em Ixelles, Bélgica, estudou na École Régimentaire em Nivelles e foi destinado pela família para a carreira militar, porém resolveu ser ator, para desespero de seus pais. Ao saber da decisão do filho, o pai de Léon proibiu-o de usar o nome da família no palco e ele então adotou o sobrenome de Feyder. O rapaz partiu para Paris e, no ambiente teatral, conheceu a atriz Françoise Rosay, com a qual se casou em 1917.

Logo, Feyder encaminhou-se para o cinema, figurando na féerie Cendrillon ou La pantoufle mystérieuse / 1912 (com Méliès em Montreuil) e em filmes de outros estúdios (vg. travestido de mulher em Le Troisième Larron / 1912, à cavalo em Protéa, la course à la mort / 1913, ao lado de Françoise Rosay em uma cena curta de Os Vampiros / Les Vampires / 1915 de Louis Feuillade), até que se tornou assistente de Gaston Ravel na Gaumont.

Em 1916, Feyder trabalhava como ator em Monsieur Pinson policier e assumiu a direção do filme, quando Ravel foi prestar serviço militar. Na Gaumont, Feyder continuou sua formação atrás das câmeras, fazendo em seguida vários filmes curtos: Le bluff / 1916, História de Pés e Mãos /Le Pied qui étreint / 1916, Cabeças de Mulheres … Mulheres de CabeçaTêtes de femmes, femmes de tête / 1916, Un conseil d’ami / 1916, L’Homme de compagnie / 1916, Tiens , vous êtes à Poitiers? / 1916, Le Frère de lait / 1916, L’Instinct est maître / 1917, Le Billard cassé / 1917, Le Pardessus de demi-saison / 1917, Abrégeons les formalités / 1917, La Trouvaille de Buchu / 1917, Les Vieilles Femmes de l’hospice / 1917, Le Ravin sans Fond / 1917 (co-dirigido por Raymond Bernard).

Em 1917, sua carreira foi interrompida, por ele ter sido convocado pelo exército belga (onde participou, com Victor Francen e Fernand Ledoux, do Théatre des Armées) e, após seu desligamento das forças armadas, realizou La Faute d’ortographe / 1919. O insucesso dessa última produção causou sua demissão da Gaumont. O jovem cineasta então realizou o longa-metragem Atlântida/ L’Atlantide / 1921, seu primeiro filme importante, que inaugurou uma das carreiras cinematográficas mais expressivas no cinema francês e internacionalmente durante a primeira metade do século vinte.

Feyder fez ao todo 22 longas-metragens, dos quais vi todos, com exceção de: L’Image /1926; Thereza Raquin / Thérèse Raquin / 1928; Identidade Desconhecida / Une Femme Disparait / 1942; O Fantasma Verde / Le Spectre vert / 1930 (versão francêsa de The Unholy Night); Si l’Empereur savait ça / 1930 (versão francêsa de His Glorius Night); e Olympia / 1930 (versão alemã de His Glorious Night).

Atlântida, com roteiro do próprio Feyder baseado no romance de Pierre Benôit, premiado pela Académie Française, é uma superprodução em termos orçamentários, financiada pelo Banco Thalman et Compagnie, pertencente ao tio de Feyder, Alphonse Frédérix, com a participação também de Pierre Descourcelles da SCAGL (Société Cinématographique des Auteurs et  Gens des Lettres) na operação.


A história versa sobre o paraíso perdido de uma rainha, soberana de uma cidade perdida no deserto de Sahara, onde ela seduz exploradores europeus, tomando-os como amantes, e depois os assassina e os transforma  em estátuas de ouro. O filme dura 2.40 hs. e o relato é voluntariamente lento e complexo (com digressões e retrospectos), começando por uma primeira parte bastante longa, concentrada no mistério e na expectativa, até a chegada ao reino mítico; porém  sem jamais perder a fluência narrativa.

A equipe transportou-se para vários locais na Argélia, durante oito meses e essa proeza de filmagem deu ao espetáculo uma autenticidade documentária, que se opõe radicalmente à representação do palácio de Antinéa na elaboração do qual o cenógrafo Manuel Orazi, inspirado no imaginário dos exploradores das civilizações antigas, deu livre curso à sua imaginação e, através de um sincretismo cultural, chegou ao kitsch. Assim, ao lado de cenas de uma teatralidade sobrecarregada (resquícios do velho cinema), nas quais uma Antinéa (Stacia Napierkowska) gorducha (“com os contornos à la Rubens, e tendendo mesmo para Jordaens”, como recordou Feyder em Le Cinéma Notre Métier, Éditions Pierre Callier, pg. 51, 1946) e caricaturalmente vampiresca aparece no meio de uma desordem de objetos extravagantes, tapetes, lâmpadas, tecidos e animais selvagens, o cineasta mostra a sobriedade majestosa do deserto, sendo justamente esta mistura de realismo e exotismo, que faz a magia do filme.

Após o sucesso de público e de crítica de Atlântida, Feyder realizou Crainquebille / 1923, sua adaptação da novela de Anatole France, L’Affaire Crainquebille, que conta a trajetória de Jérôme Crainquebille (Maurice de Féraudy), velho verdureiro das ruas de Paris que, injustamente acusado por desacato a um policial, vai para a cadeia.  Ele não se sente incomodado na prisão (onde goza de conforto, boa comida, e ainda ganha um exame médico gratuito e remédio para a tosse); porém, ao deixar o cárcere, vem a ser vítima de uma sociedade cruel e indiferente. O velho perde os freguêses, cai no alcoolismo e está prestes a cometer suicídio, quando é impedido por um pequeno jornaleiro sem lar, La Sourie (Jean Forest), que ele ajudara, e o garoto lhe renova a esperança e o gosto de viver.

Esta simplicidade da trama ajusta-se perfeitamente ao estilo realista  de Feyder, que filmou em exteriores no antigo mercado de Les Halles, reproduzindo com exatidão a movimentação de carroças e transeuntes nesta localidade; mas ele também deu alguns toques artísticos impressionistas, entre os quais o uso da câmera subjetiva e de trucagem, para mostrar o ponto de vista do acusado durante o julgamento (vg. seu advogado diminui de tamanho para expressar sua ineficiência, a estátua da Justiça adquire vida e contempla  com desaprovação o dito defensor).

Para fazer o exame satírico agridoce da injustiça social, o cineasta apoiou-se em dois excelentes intérpretes: Maurice de Féraudy, grande ator de teatro, e na revelação de ator infantil, Jean Forest (que trabalharia depois com Feyder em Visages d ‘Enfants e Gribiche), oferecendo-nos um final Chaplinesco, de tocar o coração.

Depois de Crainquebille, Feyder realizou Visages d’enfants / 1925. Ele escreveu seu único roteiro original, assistido por sua esposa Françoise Rosay, abordando o drama psicológico de filhos de pais que se casaram de novo de uma forma simples, sóbria, sólida (não obstante, palpitante de vida) e com um conhecimento profundo da alma e do comportamento infantís. Toda a estrutura narrativa do filme é um modelo de rigor e equilíbrio e o espetáculo, impregnado de beleza e intensidade espiritual.

No enredo, o prefeito de uma cidade do Haut Valais na Suiça, Pierre Amsler, pai de Jean (de dez anos de idade) e Pierrette (de cinco anos) perde sua mulher. Quando ele casa de novo com uma jovem viúva, Jeanne Dubois, que tem uma filha, Arlette, Jean, traumatizado pelo desaparecimento de sua mãe, não aceita a madrasta e implica com Arlette. Após algumas demonstrações de animosidade com relação à menina, ele joga a boneca de Arlette em uma estrada, quando a família está voltando para casa de trenó, e a convence de ir apanhá-la de noite. Arlete perde-se na neve e é vítima de uma avalanche. Ela é salva, mas Jean fica com remorso e, se sentindo como um miserável, tenta se suicidar, jogando-se em uma correnteza. Avisada por Arlette, a madrasta salva Jean, que a aceita enfim como sua segunda mãe.



As ambições artísticas de Feyder foram muito ajudadas pelo talento natural do ator infantil Jean Forest no papel principal (expressando com o rosto uma dor verdadeira), e pelas cenas exteriores fotografadas por Léonce-Henri Burel (colaborador regular de Abel Gance e de Feyder em Crainquebille), que soube exaltar a beleza rude das paisagens valaisianas, tornando-a um dos personagens do drama, à semelhança dos grandes filmes suecos de Sjöstrom e Stiller.

Feyder e Burel realizaram algumas proezas técnicas como a cena noturna iluminada unicamente pelas tochas, quando os aldeões partem à procura da menina perdida na neve, e as tomadas da avalanche em câmera subjetiva. A sequência do velório e do enterro, até que o garoto desmaia, é admirável, destacando-se ainda, entre outras, a cena simbólica na qual pai e filho seguem rumos diferentes o primeiro, para ver sua futura noiva e o último, para colocar flores no túmulo de sua falecida mãe – o pai sai de cena e o filho permanece, como se não estivesse mais no pensamento do pai e estivesse se separando subconscientemente dele. Desta vez, Feyder usou poucos efeitos impressionistas como, por exemplo, o retrato da mãe mudando de acordo com os pensamentos de Jean: o retrato se apaga, quando Jean se repreende por ter pôsto Arlette em perigo ou rí, quando Jean aceita sua madrasta como sua  segunda mãe.

Após sua restauração completada em 1985 pelo Netherlands Film Museum e sua exibição na 22ª Giornate del Cinema Muto de Pordenone em 2003, Visages d’enfants foi reconhecido como uma obra-prima e incorporado no cânone do cinema mudo.

Como não ví L’Image / 1926, realizado por Feyder para a Vita-Film de Viena, reproduzo apenas a impressão que ele causou no produtor Alexandre Kamenka, da companhia Albatros: “Foi um dos filmes mais belos que ví na minha vida … A poesia que dele se desprendia e era absolutamente extraordinária e por meios de uma grande simplicidade e sinceridade. Era muito avançado para a sua época”.

O roteiro original de tema Pirandelliano, foi escrito por Jules Romains e dizia respeito a quatro homens, um pintor, um dramaturgo, um engenheiro e um seminarista, que se apaixonavam perdidamente por uma mulher desconhecida, cuja imagem eles tinham visto na vitrine de um fotógrafo. Obcecados por aquela que eles achavam que era a imagem de uma mulher ideal, cada um deles, sem se conhecerem, abandona sua profissão para encontrá-la.

Em maio de 1925 Feyder terminou  L’Image e conheceu Kamenka, com o qual assinou um contrato para a realização de Gribiche e com quem faria ainda Carmen e Les Nouveaux Messieurs. O roteiro de Feyder foi oriundo de uma novela, escrita por Frédéric Boutet  especialmente para o cinema.

Em uma grande loja de departamento, um menino de doze anos, Antoine Belot, apelidado de Gribiche (Jean Forest), avista a bolsa que uma senhora deixou cair. Ele lhe entrega a bolsa e recusa o dinheiro que ela lhe oferece como recompensa. Gribiche vive com sua mãe, jovem viúva de guerra, operária de uma fábrica, em um pequeno apartamento do bairro popular de Grenelle. A senhora, Edith Maranet (Françoise Rosay na sua estréia oficial na tela, uma vez que anteriormente havia sido vista em breve aparições nos filmes de seu marido), uma americana viúva de um diplomata francês, pertence à alta sociedade. Ela se dedica à obras de higiene social e dirige uma creche, onde, com ar doutoral, dá suas palestras. Durante um passeio com sua mãe e o contramestre da fábrica, Gribiche percebe que se tornou um obstáculo para o casamento deles. No dia seguinte, tocada pela honestidade da criança, Edith propõe à mãe de Gribiche adotar o menino, a fim de lhe dar uma boa educação, tal como ela a concebe. A mãe recusa, mas Gribiche aceita. Ele vai viver em uma rica mansão, mobiliada no estilo “Art Déco” e, naquela atmosfera de luxo,  descobre um novo modo de vida, protocolar e sem alma, que lhe pesa cada vez mais até que, no 14 de julho, resolve fugir. Ele volta para casa e encontra sua mãe e o contramestre já casados, que o acolhem calorosamente. Decepcionada com aquilo que ela acha uma ingratidão, Edith declara para seu irmão que “somente a caridade coletiva é boa, a caridade individual é desanimadora, falsa, injusta”. Mas quando Gribiche e a mãe chegam com um buquê de flores para lhe agradecer, ela ainda lhe dá um cheque “para sua educação”.

Feyder escapa do melodrama, porque faz uma sátira mordaz da sociedade burguêsa, da qual denuncia a vaidade e a hipocrisia, e descreve com realismo o meio popular de Paris (notabilizando-se na filmagem das cenas noturnas e de multidão, das quais ele gostava tanto). A intenção satírica do filme é mais explícita nas cenas no curso das quais, por duas vezes, Edith (que adora exibir seu pequeno Gavroche) conta como ela encontrou Gribiche. Cada relato (apresentado em retrospecto), torna-se mais exagerado, mais sentimentalista, até que, finalmente, o menino está vestido de farrapos e sua mãe quase morrendo de fome em um sótão. O espectador, que não ignora a “realidade” dos fatos, que lhe foram contados no início do filme, se  diverte, percebendo a diferença entre os relatos.

O cenário desenhado por Lazare Meerson (na sua primeira colaboração com Feyder), particularmente para a casa luxuosa e moderna de Edith, desempenha um papel essencial no filme, marcado plasticamente pela diferença entre o interior “Art Déco” da mansão da americana  e o apartamento simples da mãe de Gribiche. Cada elemento do cenário, cada pequeno objeto um atributo emblemático do personagem.  Por exemplo, Edith usa óculos e Gribiche deverá usá-los também, como um sinal de distinção. Esta preocupação com o detalhe significativo aparece igualmente nas diversas cenas de refeição, onde o motivo recorrente do guardanapo, funciona explicitamente como símbolo de ascenção social.

É para lhe dar a educação que convém à sua “natureza de elite”, que Edith Maranet vai procurar o menino na casa de sua mãe. Gribiche é submetido a uma instrução burguesa, cerimoniosa, formal, que ele repudia, optando por uma pedagogia prática, mais próxima da vida real, pela cultura que ele adquire por si mesmo, como a aprendizagem da mecânica, que ele acha mais interessante do que suas aulas de matemática.

O próximo filme de Feyder para Kamenka, Carmen / 1926, com roteiro dele próprio baseado na novela de Prosper Mérimée, foi uma superprodução, de duração quase tão longa quanto Atlântida, rodada na sua maior parte em exteriores na Espanha. Em síntese, é a história dramática de um homem vítima de uma paixão fatal. Enfeitiçado por uma bela cigana, Carmen, Don José Lizzarabengoa trai seu dever de soldado, torna-se um contrabandista, ladrão e assassino e, finalmente, abandonado por ela, ele a mata, sem deixar de amá-la.

Com exceção da fábrica de cigarros, reproduzida nas cercanias de Nice, o filme de Feyder foi quase que inteiramente fotografado (por Maurice Desfassiaux e Paul Parguel) em cenários naturais da Navarra e da região de Ronda na Andaluzia. Em uma longa e admirável sequência – quando Carmen, escoltada por Don José e seguida por curiosos, é levada a pé para a prisão -, filmada em um estilo próximo do documentário, o diretor usou o travelling do ponto de vista de Carmen, para mostrar a arquitetura, a paisagem ou os figurantes. Perto do final do filme – quando Carmen vai em um coche para a arena ao encontro de seu novo amante, o picador Lucas – Feyder usou novamente o travelling subjetivo, para exprimir o estado de espírito da heroína, nesse breve instante de alegria que a separa da morte. Os interiores de Lazare Meerson foram desenhados com um senso exato do detalhe para complementar a autenticidade da filmagem em locação.

Entre as melhores cenas, além das já citadas, estão a cena da briga entre Carmen e uma outra operária na fábrica; a cena do duelo entre Don José e seu comandante; as cenas noturnas no acampamento cigano na montanha; a cena da fuga dos contrabandistas pelo deserto perseguidos pelos soldados; as cenas do duelo à faca com Garcia; as cenas da tourada; a cena da morte de Carmen – todas dignas de um grande espetáculo.

Carmen sempre foi um papel para estrelas (Geraldine Farrar, Theda Bara, Pola Negri, Viviane Romance, Rita Hayworth) e o filme de Kamenka, feito primordialmente para Raquel Meller. Feyder declarou ironicamente que “não lhe pediram para fazer um filme sobre Carmen com Raquel Meller, mas sim fazer com Raquel Meller algo sobre Carmen”. O cineasta e a estrela não viam o personagem da mesma maneira. Nas palavras dele, “essa atriz espanhola era perfeita para Carmen mas … por causa de seus princípios morais ela só queria interpretar mulheres puras e de bom coração. Fiquei preocupado porque eu via aquela cigana apaixonada e inconstante tornando-se mais e mais uma garota insípida e virtuosa, cujo amor por Don José era estritamente platônico”. De fato, Raquel não foi uma Carmen tão sensual como deveria ser.

Infelizmente, o filme seguinte de Feyder (depois de abortado o projeto indochinês de Au Pays du roi lépreux /1927), Thérèse Raquin / 1928, rodado nos estúdios da Deutsche Film Union (Defu) em Berlim, com Gina Manès no papel principal e exibido no Brasil como Thereza Raquin, é considerado perdido. Paulo Vanderley, na revista Cinearte, escreveu um comentário longo, concluindo: “Thereza Raquin  é um dos maiores filmes francêses que tenho visto. É uma obra digna de um grande diretor. É um drama real que termina tragicamente sem por um centímetro sequer beirar o sentimental e o exagero próprio do dramalhão”. As críticas francêsas foram igualmente elogiosas. Segundo Denis Marion (em Cinéa-Ciné pour tous), “Seu último filme ultrapassa de longe não somente o que ele já fez, mas mesmo o que o que se poderia razoavelmente esperar dele”. Maurice Bardèche e Robert Brassilach (na sua Histoire du Cinéma, André Martel, 1953), classificaram Thereza Raquin como a obra-prima de Feyder no cinema mudo, acrescentando: “ele foi rodado na Alemanha, e é quase um filme da escola alemã, com uma arte perfeita das luzes e das sombras”.

Antes de partir para Hollywood (e após ter escrito o roteiro de Gardiens de Phare / 1929 de Jean Grémillon), Feyder realizou Les Nouveaux Messiers / 1929,  comédia romântica com uma sátira sobre o mundo político. O argumento, adaptado de uma peça de sucesso de Robert de Flers e Francis de Croisset, gira em torno de três personagens centrais: Suzanne Verrier (Gaby Morlay), bailarina sem grande talento do Théâtre National de l’Opera, é sustentada pelo conde de Montoire-Grandpré (Henry Roussell), deputado de direita. Ela conhece Jacques Gaillac (Albert Préjean), eletricista que trabalha no teatro, e é sindicalista. Quando ocorre uma greve, Jacques transforma-se em um deputado importante de esquerda e depois Ministro do Trabalho. Ele acaba se acomodando com o cargo e suas vantagens e namora Suzanne. Entretanto, em virtude de uma crise, o governo é derrubado, e o conde, pertencendo à nova maioria, é convidado para ocupar um cargo de Ministro; ele não aceita, mas pede a nomeação de Jacques (cuja ligação com Suzanne descobríra) para um posto no exterior. Jacques diz a Suzanne, que lamenta, mas foi obrigado a aceitar, e ela volta para seu antigo protetor.

Contando pela primeira vez com a colaboração de Charles Spaak na elaboração do roteiro, Feyder, se liberta dos constrangimentos da cena teatral, fazendo com que a ação ocorra em vários outros lugares (vg. os bulevares e as margens do Sena, onde Jacques e Suzanne se banham; o subúrbio de Saint-Denis, local da greve: e a província, na qual se situam o parque do castelo do conde e uma cidade operária no Norte) e evitando ao máximo os intertítulos, que são de caráter quase sempre informativo.

Quanto aos interiores (novamente de Lazare Meerson), destacam-se o apartamento bem moderno de Suzanne; a sede do sindicato, exemplo de arquitetura industrial moderna; a reconstituição detalhada da Câmara dos deputados; e o gabinete clássico do Ministro do Trabalho.

O cineasta respeita o espírito dos autores (vg. todos os discursos se equivalem; os dois cartazes eleitorais são semelhantes, mudando somente os nomes dos candidatos e dos partidos; a ambição está acima de tudo; os parlamentares são velhos libidinosos; não sabem se comportar durante as sessões etc.), mas desenvolve, com inventividade e malícia, uma comicidade essencialmente visual, empregando numerosos efeitos técnicos como a superimpressão (nas conversas telefônicas), o soft focus (no centro do espaço semi-círcular onde ficam as bancadas), as panorâmicas rápidas mostrando as bancadas; a câmera acelerada (na inauguração da vila operária); sem falar na sequência em que um deputado entediado adormece durante uma sessão da Câmara dos Deputados e sonha que seus colegas se transformaram em jovens bailarinas, que dançam com as urnas de votação.

Preocupado com o retrato desrespeitoso da Câmara dos Deputados e de seus membros, o Ministro do Interior, André Tardieu, interditou a exibição do  filme. Depois de alguns meses de questionamentos e pequenos cortes, a proibição foi suspensa, ocorrendo a estréia em 5 de abril de 1929. Porém, a esta altura, Feyder já havia partido para a América, em dezembro de 1928.

MOVIMENTO DO FILME DOCUMENTÁRIO BRITÂNICO 1929-1939

O desenvolvimento mais importante e influente internacionalmente no Cinema Britânico foi o movimento do filme documentário, caracterizado por filmes baseados na realidade e feitos fora da indústria comercial, como reação aos filmes escapistas de Hollywood, que então dominavam as telas britânicas.

Este movimento resultou basicamente dos esforços de um escocês  de nascença chamado John Grierson (1898-1972). Criado perto de Stirling, ele foi fortemente influenciado desde a juventude pelo trabalhismo, que era então chamado de “Red Clydeside” ou “Clydeside Socialism”, porque era oriundo de um distrito de operários situado nas margens do Clyde River em Glasgow.

Grierson passou a maior parte da Primeira Guerra Mundial na Marinha. Quando deu baixa em 1919, entrou para Universidade de Glasgow. Após sua formatura em 1923, deu aulas por um breve período em Newcastle-on-Tyne, onde obteve uma bolsa da Fundação Rockefeller, para prosseguir suas pesquisas sobre opinião pública e meios de comunicação de massa nos Estados Unidos.

Ele partiu para a América em 1924 e escolheu a Universidade de Chicago por causa de sua afamada faculdade de ciências sociais. Grierson ficou fascinado pela novidade e originalidade da cultura americana e pela maneira na qual europeus estavam sendo transformados em americanos. Essa assimilação dos estrangeiros pela cultura americana e o papel que a imprensa popular desempenhou na sua educação, ocupou sua atenção durante todo o tempo em que conviveu em Halsted Street com a população poliglota composta por alemães, italianos, gregos, russos e poloneses, e depois no campus da universidade.

Como ele veio a compreender, os tablóides – a imprensa Hearst, como o Herald-Examiner e seus imitadores – proporcionaram mais educação para a cidadania do que escolas, igrejas e governo. Um livro que influenciou Grierson profundamente na época foi Public Opinon, do escritor, jornalista e comentarista político Walter Lippmann, publicado em 1922. Foi Lippmann quem sugeriu a Grierson que os filmes – e não a imprensa – seriam a forma mas apropriada para educar os cidadãos.

Grierson admirava o cinema soviético, não apenas pelas suas inovações artísticas, mas também porque o regime imposto pela Revolução de 1917 havia patrocinado filmes destinados a influenciar o povo intelectualmente. Ele também aprovara a tática de Robert Flaherty de buscar financiamento fora da indústria do filme comercial para Nanook do Norte / Nanook of the North / 1922; porém achava que Flaherty era fascinado demais por culturas primitivas e pouco preocupado com a sociedade moderna.

Em 1927, convencido de que o filme documentário deveria não somente proporcionar um “tratamento criativo da realidade”, mas também ser usado pelo Estado para despertar a consciência dos espectadores, Grierson voltou para a Inglaterra, onde encontrou um apoio na pessoa de Stephen (depois Sir Stephen) Tallents, Secretário da Empire Marketing Board, instituição do governo encarregada de promover o comércio e a cooperação econômica entre os países membros da Comunidade Britânica. Tallents conseguiu financiamento para Grierson realizar um documentário, Drifters, sobre a indústria da pesca de arenques no Mar do Norte.

Em 1930, a Empire Marketing Board contratou-o para formar uma unidade de produção permanente. Ele recrutou um punhado de jovens (alguns com formação acadêmica), que aprenderam não somente a fazer cinema como também assumiram aquela espécie de compromisso social, que o motivava. O que Grierson desejava era realizar filmes que fizessem o Estado e a Sociedade funcionarem melhor. Entre os alunos estavam, entre outros: Basil Wright, Paul Rotha, Arthur Elton, Edgar Anstey , Stuart Legg, Evelyn Spice. Harry Watt chegou depois, assim como Humphrey Jennings. Alberto Cavalcanti juntou-se ao grupo como co-produtor e co-professor com Grierson. Eles ganhavam muito pouco, mas todos estavam animados com a possibilidade de colocar a arte a serviço do social. Cada qual possuía talentos e interesses pessoais: o de Wright era poético, o de Elton, tecnológico e científico, o de Legg, político, e assim por diante.

Além de formar cineastas, Grierson se preocupava em criar mais espaço para os documentários, desenvolvendo um método de distribuição e exibição não comercial. Ele emprestava gratuitamente cópias dos filmes em 16mm enviadas pelo correio, incluindo depois projeções itinerantes por meio de vans, que percorriam a zona rural. Grierson e seus colegas escreviam artigos em jornais e davam palestras incessantemente. Elas ajudaram na fundação e orientação de três publicações sucessivas – Cinema Quaterly, World Film News e Documentary New Letter -, que serviram como jornais de uso interno para o documentário.

Em 1933, no auge da Depressão, a Empire Marketing Board foi dissolvida face à necessidade de economia por parte do governo. Tallents passou a cuidar das relações públicas para o General Post Office (GPO), que supervisionava não somente os correios, mas também a telefonia, a radiodifusão, a caixa econômica, e outros serviços estatais. Tallents levou Grierson e seu círculo de colaboradores consigo, e eles se tornaram a GPO Film Unit.

Inquieto diante das restrições dos orçamentos governamentais e das exigências departamentais, Grierson começou a buscar financiamento adicional na  indústria privada. A indústria do petróleo foi particularmente receptiva. Assim surgiu a Shell Film Unit, muito respeitada por seus filmes sobre assuntos científicos e tecnológicos (Edgar Anstey foi o primeiro diretor da Shell Film Unit, depois sucedido por Arthur Elton).

O sistema britânico de financiamento, produção e distribuição de documentários tornou-se um modelo para subsequentes desenvolvimentos em outros países. Muitos visitantes estrangeiros – especialmente das nações da Comunidade Britânica e colônias –  foram a Londres, para inspecionar  minuciosamente este novo uso do filme – e, em 1937, Paul Rotha partiu para uma expedição missionária de seis meses aos Estados Unidos, com o objetivo de divulgar os documentários britânicos. Na Feira Mundial de Nova York de 1939, eles foram exibidos para um público relativamente grande com evidente sucesso.

Jack C. Ellis e Betsy A. McLane no seu livro A New History of Documentary Film (Continuum, 2006), que muito me ajudou na elaboração deste artigo, apontam três linhas ou tendências principais de tema/ objetivo/ estilo, que emergiram aproximadamente na ordem em que serão abordados adiante.

Primeiro, seguindo-se a Drifters / 1929, estavam os documentários que procuraram explicar uma parte do império – ou uma região da Grã Bretanha, uma de suas indústrias ou um de seus serviços públicos.- para a população como um todo. Quase sempre poéticos e experimentais, esse grupo incluía filmes como Industrial Britain / 1933, Granton Trawler / 1934, Song of Ceylon / 1934 e Coal Face / 1935.

O primeiro filme de Grierson, Drifters (fotografado por Basil Emmott), tinha uma estrutura narrativa simples. Os pescadores de arenque embarcam em suas traineiras no porto, rumam para o Mar do Norte, jogam suas redes, recolhem os peixes durante uma tempestade, e voltam apressadamente para vender o pescado nas margens do cais. Nota-se reflexos de Nanook do Norte de Flaherty, nas cenas que mostram homens corajosos, ganhando a vida com dificuldade, enfrentando a fúria dos elementos atmosféricos. Os planos longos são cortados e ajuntados em uma montagem Eisensteiniana e as proezas individuais de Nanook são substituídas pelo esforço coletivo de uma tripulação.  Entretanto, em vez do exotismo de Flaherty ou do heroísmo dos soviéticos, vemos em Drifters o dia de trabalho cotidiano. Finalizando o filme com os peixes sendo vendidos no mercado e depois sendo exportados, Grierson situa a atividade dos pescadores firmemente no contexto da realidade econômica da Grã Bretanha, dando à classe trabalhadora uma importância até então inusitada, apresentando seus membros com dignidade (e não como figuras cômicas), observando-os clara e intimamente. Antes da palavra FIM, diz um letreiro: “Então, para os confins da terra vai a colheita do mar”.

A tese de Industrial Britain é a de que o sucesso da indústria deveu-se à habilidade de seus artífices. “O fator humano continua sendo, nesta era da máquina, o fato decisivo”, acentua o narrador. A estrutura do filme – Parte I, Vapor; e Parte II, Aço – corporificando o tema “velhas mudanças cedem lugar às novas”, sublinha a transformação ocorrida na produção industrial.

Flaherty aceitou o convite de Grierson para fazer um filme sobre esse assunto; porém, desde o início do projeto, surgiram divergências teóricas e temperamentais entre os dois homens. No começo do filme percebe-se o traço de Flaherty nas imagens encantadoras de artífices tradicionais (assopradores de vidro) e de antigos ofícios (cerâmica) –  “Olhem para estas mãos”, exclama o narrador. -, enfatizando a perícia, personalidade e dignidade, que os distinguiam. De repente, um intertítulo em letras enormes, AÇO, vem em nossa direção, acompanhado de uma música portentosa, anunciando o progresso industrial, cujas cenas evidenciam claramente a marca de Grierson.

Granton Trawler pode ser visto como uma versão mais curta de Drifters.  Trata também da pesca de arenque. Grierson filmou-o no Mar do Norte, Edgar Anstey montou-o sob sua supervisão (tal como ocorreu em Industrial Britain) e depois Cavalcanti adicionou o som. A trilha sonora é constituída pelo ruído rítmico das máquinas da embarcação, pelo ranger dos cordames, pelos gritos das lindas gaivotas brancas, pelo barulho metálico das amarras, pelos trechos repetidos de uma canção triste, executada em um acordeão e pelos comentários quase ininteligíveis dos membros da tripulação. Não há nenhuma narração, somente imagens belíssimas, que dizem tudo. Uma obra-prima de cinema puro!

Os sons foram todos pré-gravados, na verdade, imitados no estúdio (uma das vozes dos “pescadores” é a de Grierson). Simples assim, a trilha sonora providenciada por Cavalcanti é um componente notável do filme. Essa montagem de sons aparentemente naturais, arbitrariamente modificados e arrumados, era o que depois seria chamada de música concreta. Os sons são acompanhados por uma sucessão de imagens impressionistas de partes da embarcação, das atividades dos pescadores e do horizonte móvel, que se torna vertiginoso no alto-mar. É como se os realizadores do filme, e por conseguinte os espectadores, estivessem dentro da traineira que se balança sobre as ondas agitadas, quase cobrindo a embarcação.

Patrocinado pela Ceylon Tea Propaganda Board e tendo Basil Wright como seu principal criador, Song of Ceylon é um hino comovente a um povo nativo, seu trabalho, seus costumes, seus valores espirituais em conflito com exigências impostas pelo progresso. O filme é dividido em quatro partes: 1. The Buddha 2. The Virgin Land 3. The Voice of Commerce 4. The Apparel of God. As duas primeiras partes e o final da última fornecem (com base em um livro sobre o Ceilão / hoje  Sri Lanka, escrito pelo viajante Robert Knox) uma descrição apreciativa da vida tradicional cingalesa por meio de belas imagens (vg. das crianças aprendendo a dançar apoiando-se em um tronco de árvore, das estátuas do Buda, dos homens dançando, todos enfeitados, sob o som do tambor) e de sons (repercussões dos sinais de gongo e dos cânticos). Na terceira sequência e começo da quarta, irrompe uma discordância com aquele lugar paradisíaco, parecido com a Samoa de Flaherty em Moana. Apitos de cargueiros, ordens dadas pelo telefone ou pelo código Morse, vozes inglesas ditando cartas de negócios e anotando cotações do chá na Bolsa de Valores, navios, docas e operações de carregamento de mercadorias sugerem que o comércio moderno foi uma intrusão naquela sociedade. Essa mistura de sons e mais a trilha musical composta e conduzida por Walter Leigh, foram  supervisionadas por Cavalcanti.

Em Coal Face, Cavalcanti, continuou a experimentação formal com o som, prestando desta vez  um tributo  entusiasmado  às vidas dos mineiros  britânicos.

Junto a Grierson e Cavalcanti e sua equipe estavam o poeta W. H. Auden e o compositor Benjamin Britten, que trabalhariam juntos e separadamente em documentários subsequentes. Coal Face é uma combinação de informação de fatos exposta através de imagens fantásticas das minas de carvão com uma música moderna, na qual predominam o piano e a percussão, o canto coral (que a certa altura ascende a uma espécie de lamentação) e fragmentos de conversas e assobios dos mineiros. O filme mostra a monotonia e privação das vidas dos homens assim como sua resistência à dureza do trabalho que praticam, coragem e dignidade – tudo isso sublinhado pela poesia de Auden, recitada e cantada por um coro de mulheres.

A segunda linha do documentário britânico, que começou nos meados dos anos trinta, teve como objetivo chamar a atenção pública para os problemas urgentes da nação. Constituia-se de filmes para os quais Grierson procurou atrair o patrocínio de grandes indústrias privadas. Os temas incluíam cortiços (Housing Problems / 1935), subnutrição entre os pobres (Enough to Eat? / 1936), poluição do ar (The Smoke Menace / 1937), e as deficiências da educação pública (Children at School / 1937 etc. Estes filmes consistiam de reportagem e debate. Eles utilizavam bastante as tomadas de arquivo e cine-jornais, ganhando coerência e eficiência retórica através da  montagem e do comentário em voz over. Ao contrário de outros documentários britânicos, não eram artísticos ou poéticos, mas jornalísticos. Não obstante, incorporavam experiências formais e técnicas. A mais notável entre elas foi a entrevista direta – com os moradores dos cortiços em Housing Problems, por exemplo – pressagiando o método posterior do cinema-verdade.

Subsidiado pela British Commercial Gas Association, Housing Problems foi realizado por Arthur Elton, Edgar Anstey , John Taylor e Ruby Grierson (a irmã mais moça de John) com a finalidade de promover a demolição de cortiços e sua substituição por novos edifícios, que trariam a modernização e o aumento no uso do gás. Elton e Anstey experimentaram a gravação direta do som em locação, para entrevistar pessoas da classe trabalhadora nos seus próprios apartamentos, que estão em péssimas condições de habitabilidade. A população fala sobre a morte de suas crianças e o contato diário com doenças, e vemos ainda a imagem das casas bem estragadas, baratas subindo pelas paredes, rebocos envelhecidos, telhados desmoronados etc. Em seguida, aparecem várias maquetes de conjuntos habitacionais, propostas para melhorar os padrões de vida daqueles locais e, no final, as pessoas depõem novamente, satisfeitas com as providências tomadas pelos serviços de utilidade pública.

Lançado pouco depois de Housing Problems, Night Mail / 1936 inaugurou a terceira tendência do documentário britânico – a narrativa. Seu tema era simples: uma típica jornada do trem noturno diário de Londres para Glasgow. Todavia, sua forma era complexa e lírica. Um jovem e talentoso compositor, Benjamin Britten, contribuiu para o score e W.H. Auden escreveu um comentário em versos, ditos em voz over.

Como observaram Ellis e McLane, Night Mail foi a derradeira mistura do ético de Grierson (propósitos sociais) com o estético (qualidades formais). Ele é um modelo de propaganda tão entrelaçada com a arte, que o espectador sente prazer enquanto absorve a mensagem, que é a seguinte: a entrega da correspondência é um empreendimento grandioso e complicado, que requer a atenção do governo nacional em favor de todos os cidadãos; este serviço governamental é uma coisa esplêndida, envolvendo velocidade, eficiência e processos intrincados aprendidos  perfeitamente e regulados cuidadosamente; os funcionários que desempenham essas tarefas variadas formam um grupo coeso – paciente e cuidadoso, apesar de uma irritabilidade ocasional ou de uma piadinha durante a execução de suas atividades.


Nessa jornada de trabalho alternam-se sequências expositórias e poéticas, avultando a montagem rítmica dos sacos de correspondência sendo descarregados e apanhados pelo trem em alta velocidade e os trechos de versos escritos por Auden (e ditos por Grierson e Stuart Legg), quando o trem entra na Escócia (“All Scotland Waits for her”, diz o texto). Tal como em Coal Face, as palavras são combinadas com a música de Britten (com a supervisão do som feita por Cavalcanti). Entrelaçada com a poesia de Auden, surgem um comentário fatual, estatístico (como se fosse do próprio General Post Office) e o diálogo das conversas dos funcionários do correio durante a execução de suas funções.

É preciso lembrar que a GPO também se ocupou com vários projetos “experimentais” (com a cor e o movimento), tais como  A Colour Box / 1935, Rainbow Dance / 1936 e Trade Tattoo / 1937 de Len Lye ou The Tocher / 1938 de Lotte Reiniger.

Em junho de 1937, Grierson demitiu-se como produtor da GPO Film Unit, para instalar (com Arthur Elton e Stuart Legg) uma agência central (Film Centre) de coordenação e consultoria, cuja finalidade era colocar patrocinadores em contato com produtores (e vice-versa), supervisionar produções, planejar a promoção e a distribuição, e assim por diante.

Em consequência, realizadores que não eram considerados como parte do seu grupo, foram designados para posições chave, inclusive J. B. Holmes, nomeado para o novo posto de Supervisor de Produção. Quando ficou demonstrado que ele era um administrador ineficiente, Alberto Cavalcanti assumiu o cargo de Produtor Senior e Holmes e Harry Watt tornaram-se Diretores Senior. Estes três supervisionaram a produção na GPO Film Unit, até que ela foi absorvida pelo Ministério da Informação no começo da Segunda Guerra Mundial. Em 1939, Grierson tornou-se Canadian Film Commissioner e passou os anos de guerra supervisionando a National Film Board of Canada.

Sob o comando de Cavalcanti, a GPO Film Unit deu prioridade à produção de filmes de propaganda do governo propriamente ditos e, embora o cineasta brasileiro não tivesse a mesma capacidade de organização de Grierson, ele foi mais inovador e trouxe uma abordagem nova para o trabalho da unidade, introduzindo no filme documentário várias técnicas ficcionais, que seu antecessor abominava. Diversamente de Grierson, Cavalcanti não teorizava sobre os objetivos dos filmes documentários, dizendo: “Detesto a palavra ‘documentário.’ Penso que ela cheira a poeira e tédio. Acho que ‘filmes realistas’, é muito, muito melhor”.

A diferença mais importante entre Grierson e Cavalcanti era provavelmente a ênfase que este último dava à relação mútua entre os três elementos fundamentais do filme documentário: o social, o poético e o técnico. Grierson insistia que o elemento social era o mais importante; para Cavalcanti, todos os três elementos deviam ser considerados importantes.

O movimento do filme documentário britânico ganhou respeito e prestígio para a indústria cinematográfica da Grã Bretanha e se firmou como uma permanente contribuição para o desenvolvimento do cinema mundial. O impacto a longo prazo desse movimento – tanto patrocinado pelo governo como independente – foi a sua preparação de cineastas e do povo para o esforço coletivo que seria exigido deles na Segunda Guerra Mundial.

FILMOGRAFIA:

1929

Drifters

1933

Aero-Engine

Contact

Industrial Britain

The Coming of the Dial

Cable Ship

1934

Granton Trawler

Shipyard

Song of Ceylon

Weather Forecast

John Atkins Saves Up

Air Post

The Glorius Sixth of June

Pett and Pott

6.30 Collection

1935

B.B.C. – The Voice of Britain

Coal Face

Housing Problems

A Colour Box

The King’s Stamp

Worker and Jobs

Sixpenny Telegram

1936

Enough to Eat?

Night Mail

Rainbow Dance

Calendar of the Year

The Fairy of the Phone

1937

Line to Tschierva Hut

The Saving of Bill Blewitt

We Live in Two Worlds

Roadways

Trade Tattoo

Big Money

N or NW

A Job in a Million

Book Bargain

1938

North Sea

What’s On Today

Love on the Wing

The Horsey Mail

The H.P. O.

News for the navy

Mony a Pickle

Penny Journey

The Tocher

God’s Chillun

1939

Men in Danger

Transfer to Power

GRANDES DUBLÊS DO CINEMA AMERICANO DE OUTRORA

Os verdadeiros criadores de tensão e das emoções nos seriados, westerns e filmes de aventura eram de fato os dublês, que anônimamente planejavam e executavam a sucessão contínua de sequências perigosas, supostamente envolvendo os atores. Veteranos do cinema mudo como Bob Rose e Richard Talmadge abriram caminho para a realização de sequências intrincadas, envolvendo manobras com veículos (lanchas, trens, aviões e todas as espécies de carros) e acrobacias.

Bob Rose (1901-1993) nasceu em Telecoe Plains, Tennessee e começou a trabalhar no cinema nos seriados de Ruth Roland, interpretando o irmão mais jovem da protagonista e dublando-a nas cenas mais arriscadas (Rose era muito baixinho – tinha sido jóquei antes de ir para Hollywood – de modo que podia dublar meninos e mulheres). Ele foi geralmente reconhecido como o primeiro dublê a fazer uma transferência com risco de morte de um veículo em alta velocidade para outro – e até de um aeroplano para outro sem pára-quedas -, tornando-se um especialista nestas proezas precisamente cronometradas. Outros astros da cena muda foram dublados por ele tais como Buster Keaton, Ben Turpin, Tom Mix e Harry Houdini (porém era o mágico que fazia seus truques e ilusionismos) e, no período sonoro, ele dublou, por exemplo, uma queda de grande altura de Fay Wray em King Kong / King Kong / 1933 e outra de Jack Palance em Morte Sem Glória / Attack! / 1956.

Rose nunca havia sofrido um arranhão em todos os seus anos como dublê até o acidente ocorrido durante a filmagem de O Vôo do Fenix / Flight of the Phoenix / 1965. Rose estava no avião, quando se deu o desastre em Buttercup Valley no Arizona. O stunt pilot Paul Mantz morreu instantaneamente, mas Rose sobreviveu com alguns ossos quebrados. Rose e seu colega Paul Malvern foram ambos sobreviventes de outra tragédia na filmagem de Sedução do Ouro / Trail of ’98 / 1928  no Alaska, na qual quatro dos oito dublês morreram afogados nas correntezas geladas do Copper River. Rose escreveu a história original e co-estrelou em Demônios do Ar / Lucky Devils / 1933, o primeiro filme a abordar a vida dos stuntmen nos estúdios de Hollywood.

Richard Talmadge (1892-1981), cujo verdadeiro nome era Sylvester Alphonse Metz, nasceu em Camburg, Alemanha e chegou na América em 1910, como membro da Mazetti Troupe, de famosos acrobatas, contratada pelo Barnum & Bailey Circus. Ele iniciou sua carreira no Cinema trabalhando para Douglas Fairbanks, não tanto como dublê, mas mais como modelo. Douglas ficava observando Talmadge e depois realizava aquelas acrobacias extraordinárias em escadas, sacadas, telhados, cortinas, candelabros, diante das câmeras; o ator só era substituido pelo stuntman, quando havia muito perigo de ser ferido. Talmadge tornou-se ele próprio um ator, aparecendo em filmes como Vamos! / Let’s Go / 1923, Através das Chamas / Through the Flames / 1923,  O Campeão do Mundo/ The Speed King / 1923,  O Tesouro dos Piratas / Pirate Treasure / 1934 (seriado). The Live Wire / 1935 etc.

Posteriormente, destacou-se como diretor de segunda unidade em filmes de grande produção como A Conquista do Oeste /  How The West Was Won / 1962 e A Maior História de Todos os Tempos / The Greatest Story Ever Told / 1965. No Brasil, Talmadge ficou conhecido como “o Homem de Borracha” e “o Rival de Douglas Fairbanks”.

Inúmeros dublês demonstraram suas aptidões nos westerns B e seriados: porém, como acontece em todas as atividades profissionais, houve os mestres, aqueles que são considerados “autoridades no assunto”: Cliff Lyons, David Sharpe e Yakima Canutt.

Cliff Lyons (1901-1974), nasceu em uma fazenda em Madison, South Dakota. Depois de chamar a atenção nos concursos de rodeio, ele começou sua carreira cinematográfica alternando com Al Hoxie os papéis de vilão e herói em sete westerns baratos produzidos por Bud Barsky. Os dois atores prosseguiram juntos em outra série, produzida por Morris R. Schlank e, anunciado como Cliff “Tex” Lyons, ele parecia encaminhado para se tornar um astro do western “B” ; porém sua voz não se adaptou bem ao som. Entretanto, ele adquiriu prestígio dublando grandes cowboys como Tom Mix, Ken Maynard, Buck Jones, Johnny Mack Brown, Hopalong Cassidy, George O’Brien e outros. Em 1936, Lyons trabalhou com John Wayne pela primeira vez, e consolidou uma amizade  pessoal e profissional, que duraria três décadas.

Lyons era aquele dublê (que chamavam de ramrod ou stunt coordinator), ao qual o diretor mostrava um esboço da sequência que ia filmar e ele então, para realizá-la, escolhia e supervisionava os outros colegas. O passo seguinte foi a direção de segunda-unidade, tarefa que desempenhou muito bem em vários filmes de John Ford, espetáculos como Sangue de Bárbaros / The Conqueror / 1956, O Álamo / The Alamo / 1960, Taras Bulba / Taras Bulba / 1962 etc,  e também em seriados da Republic, Columbia e Mascot.

David Sharpe (1910-1980),  chamado de “Crown Prince of Daredevils”, foi um dos dublês mais respeitados e requisitados de Hollywood. Ele nasceu em St. Louis, Missouri e cresceu em Los Angeles, interesssando-se por todo tipo de atletismo, especialmente aqueles esportes que exigiam uma regulação cuidadosa de tempo e coordenação física (natação, saltos ornamentais, esgrima e acrobacia), dominando também boxe, luta-livre, judô e jiu-jitsu. Foi o vencedor do National A.A.U. Tumbling Championship por dois anos seguidos (1926-1927). Sua primeira aparição no cinema deu-se quando tinha 12 anos de idade em Robin Hood / Robin Hood / 1922 de Douglas Fairbanks. Dave, o mestre do “salto voador”, seria o treinador e dublê de Douglas Fairbanks Jr. nos anos 40 e 50, inclusive em Sinbad, o Marujo / Sinbad, the Sailor / 1947.

No início dos anos 30, ele interpretou papéis juvenis  e foi um dos astros da série The Boy Friends, produzida por Hal Roach para a MGM. Nessa década, participou  como ator de seriados e westerns “B” (vg. dois filmes curtos dirigidos com Flash, the Wonder Dog, Wild Waters e Death Fangs, produzidos por William Berke). A reputação de Sharpe como dublê  começou a crescer quando ele entrou para a Republic (participando de  A Volta de Dick Tracy / Dick Tracy Returns / 1938), onde, além de dublar os atores principais, ele foi um dos protagonistas de Os Demônios do Círculo Vermelho / Daredevils of the Red Circle / 1939.

Sharpe tornou-se um membro vital do time de dublês da Republic, e assumiu a sua liderança, quando Yakima Canutt começou a alargar suas atividades em filmes classe “A”. Sua agilidade  e coordenação perfeita pode ser notada em O Rei da Polícia Montada / King of the Royal Mounted / 1940 e Polícia Montada Contra a Sabotagem / King of the Mounties / 1942 (dublando Allan Lane); O Misterioso Dr. Satan / The Mysterious Dr. Satan / 1940 (dublando Robert Wilcox); Aventuras de Red Ryder / 1940 (dublando Don Barry); O Homem de Aço / Adventures of Captain Marvel / 1941 (dublando Tom Tyler); O Terror dos Espiões / Spy Smasher / 1942 (dublando Kane Richmond); e Os Perigos de Nyoka / Perils of Nyoka / 1942 (dublando até Kay Aldridge em sequências não designadas para Babe DeFreest ou Helen Thurston).

Em 1941, o produtor Ed Finney  formou o trio Dave Sharp, LeRoy Mason e Chief Thunder Cloud em Silver Stalllion na Monogram. E quando Ray “Crash” Corrigan deixou temporariamente a série Os Três Valentes ou Os Três Destemidos / Range Busters, Sharpe  entrou no seu lugar ao lado de John King e Max Terhune em quatro filmes produzidos nos anos de 1942-1943.

Depois da Segunda Guerra Mundial, na qual serviu como piloto, Sharpe continuou a atuar no cinema como ator, dublê e diretor de segunda unidade (sendo o favorito de vários diretores entre eles John Ford,  Howard Hawks e John Huston). Como ator, os fãs de westerns devem tê-lo reconhecido notadamente em uma cena de luta memorável com Roy Rogers em Os Sinos de San Angelo / Bells of San Angelo / 1947, filmada em glorioso trucolor.

Enos Edward Canutt (1896-1986) nasceu perto de Colfax, Washington e, após conquistar o título de “World’s All-Around Cowboy” em 1919, 1920 e 1923 e outros troféus em rodeios, nos quais ganhou o apelido de “Yakima’, ingressou no cinema como ator e/ou dublê (vg. nos westerns The Heart of a Texan / 1922 e The Forbidden Range / 1923, ambos estrelados por Neal Hart; nos seriados O Fio do Destino / LIghtning Bryce / 1919, A Febre do Ouro / Days of ’49 / 1924 e O Cavaleiro das Sombras / The Riddle Rider / 1924; em vários outros filmes do mesmo gênero em companhias pequenas com destaque para The Human Tornado / 1925).

Outros filmes de Canutt entre 1926 e 1930 foram os westerns The Devil Horse (com o cavalo Rex), The Fighting Stallion (com o cavalo Boy) e Canyon Hawks, os seriados A Caixa dos Mistérios / The Mystery Box e O Oeste Bravio ou O Tesouro do Passado / The Vanishing West. Canutt apareceu como ator/dublê em 19 dos  westerns de John Wayne filmados entre 1933 e 1937.

Quando a Republic iniciou a série Os Três Mosqueteiros ou Os Três Sertanejos / The Three Mesquiteers em 1937, ele de novo teve a chance de trabalhar com seu amigo Wayne em Bandoleiro Inocente / Wyoming Outlaw, Forcas e Facas / Santa Fe Stampede e Bandidos Encobertos / Overland Stage Raiders e em mais nove filmes da mesma série.

Canutt foi o primeiro a dar um pulo do solo para um cavalo em movimento, derrubando seu cavaleiro e criou o lance famoso no qual caía do topo de uma diligência entre a parelha de cavalos, deixava que os cavalos e a diligência passassem sobre ele, e depois se agarrava ao eixo das rodas traseiras e conseguia subir de novo ao topo, para continuar a briga. Seu estupendo salto voador para a frente passando do pescoço de um cavalo para outro (conhecido como The Flying W) foi outra das façanhas quase lendárias que aperfeiçoou (ele a executou dublando John Wayne em No Tempo das Diligências / Stagecoach / 1939). Em …E O Vento Levou / Gone With the Wind / 1939, Yak, dublando Clark Gable, conduziu  uma charrete através das chamas na sequência do incêndio de Atlanta. Ele prosseguiu atuando em vários westerns da Republic nos anos 40, porém devotando a maior parte de seu tempo à função de dublê, principalmente nos seriados como, por exemplo, A Volta do Zorro / Zorro Rides Again / 1937, dublando John Carroll.

Após sofrer um percalço em um filme de Roy Rogers em 1945, que o deixou com dois tornozelos quebrados, Canutt passou a treinar outros dublês e a dirigir sequências de ação, reduzindo seu trabalho como stuntman. Nos anos 50 finalmente ele se tornou diretor na Republic e, quando o estúdio fechou nos meados da década, ele continuou sua carreira como diretor de segunda-unidade nos grandes estúdios (Warner Brothers, Walt Disney, MGM, 20thCentury-Fox) e, como tal, produziu algumas das mais complicadas sequências de ação jamais filmadas em espetáculos como Ivanhoé, O Vingador do Rei / Ivanhoe /1952, Ben-Hur / Ben-Hur / 1959, Spartacus / Spartacus / 1960, El Cid / El Cid / 1961 etc. Em 1966, recebeu um prêmio especial da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas “por seu trabalho como dublê e pelo aperfeiçoamento de muitos dispositivos de segurança usados pelos dublês no mundo inteiro ”.

Dublês como Dick Grace, Al Wilson, Ormer Locklear e Paul Mantz criaram também sequências de ação inesquecíveis em terra, mar e ar.

Dick Grace (1898-1965) nasceu em Morris, Minnesota e se especializou em cenas de desastres de avião nos filmes. Seu primeiro trabalho como dublê ocorreu em dois filmes de Tom Mix, Pelas Alturas / Sky High / 1920 e Sentinela das Matas / Eyes of the Forest / 1922. Depois, assumiu o papel principal em The Flying Fool / 1925 e teve uma participação importante em Wide Open / 1927, ambos produzidos pela Sunset Productions.

Entretanto, seu filme mais famoso foi Asas / Wings / 1927, concebido e escrito por um ex-militar John Monk Saunders e dirigido por William Wellman, que havia sido piloto durante a primeira Guerra Mundial. Grace foi contratado para os dois  desastres principais do filme, um em um Spad e outro em um Fokker. Como os aviões da Primeira Guerra estavam em péssimas condições, Grace supervisionou uma “renovação” antes de voar neles. No ano seguinte, ele coordenou as dublagens de cenas de aviação para O Amor Nunca Morre / Lilac Time / 1928 e, nos anos 30,  deu sua contribuição para A Noiva do Céu / Sky Bride / 1932 e A Esquadrilha Perdida / The Lost Squadron. / 1932.

Al (Albert Peter) Wilson (1895-1932) nasceu em Harrodsburg, Kentucky, mas foi criado no Sul da Califórnia. Apaixonado pela aviação desde criança, ele começou a trabalhar como assistente de manutenção na Schiller Aviation School, onde estudava para ser piloto. Depois, ele ensinou em escolas de aviação, e finalmente se tornou instrutor chefe na American Aircraft Company. Após um breve período como gerente na Mercury Aviation Company, fundada por um de seus alunos, Cecil B.DeMille, Wilson se especializou em executar cenas de ação, inclusive passar da asa de um avião para outro na asa, e acabou deixando a companhia para ser um dublê profissional.

Em 1923, ele começou sua carreira de ator / dublê no seriado Nas Garras da Águia / The Eagle’s Talons, no qual ele se transferia de um avião para um trem em movimento. Em outro seriado, A Cidade Fantasma / The Ghost City, Wilson  se machucou ao saltar de um carro em marcha acelerada para uma corda pendurada em um avião. Depois disso, ele formou sua própria companhia  de produção, e iniciou uma série de filmes curtos – dirigidos por Bruce M. Mitchell – para os quais escreveu os roteiros, desempenhou as cenas arriscadas, e figurou como ator principal (Gavião dos Ares / The Air Hawk / 1924, Águia Humana / The Cloud Rider / 1925, Flyin’ Thru / 1925, The Flying Mail / 1926). Em 1927, Wilson voltou para a Universal estrelando nova série de filmes (Three Miles Up / 1927, Sky High Saunders / 1927, A Patrulha Aérea /  The Air Patrol / 1928, Uma Fuga entre as Nuvens The Cloud Dodger / 1928, Piloto Fantasma The Phantom Flyer / 1928,  Uma Luta no Ar Won in the Clouds/ 1928 e O Concurso AéreoThe Sky Skidder / 1929). Wilson foi também um dos pilotos em Anjos do Inferno / Hell’s Angels / 1930 e, durante a filmagem, ocorreu um acidente, no qual o mecânico Phil Jones morreu. Este episódio marcou o fim de sua carreira como stunt pilot no cinema. Dois anos depois, durante uma apresentação que fez no National Air Races em Cleveland, seu avião teve um problema mecânico e caiu no solo. Ele faleceu alguns dias depois, devido aos ferimentos que sofreu.

Ormer Locklear (1891-1920) nasceu em Grenville, Texas, porém foi educado em Forth Worth, onde trabalhou como carpinteiro e mecânico. Ele ficou fascinado pela aviação, tentando construir seu próprio avião e, quando a Primeira Guerra Mundial envolveu os Estados Unidos em 1917, o rapaz se alistou no U. S. Army Air Service.

Locklear se especializou em andar pela asa de um avião para fazer reparos durante um vôo. Ele realizou uma proeza ainda maior no campo de aviação do exército em Forth Worth, em um espetáculo aéreo para ajudar o recrutamento. Enquanto andava pela asa de um avião em pleno vôo, ele pulou para a asa de outro avião alguns metros abaixo.

Em 1919, Locklear excursionou pelo país para apresentar seus números de acrobacias aéreas. Dentro de um ano, ele era o stunt pilot mais conhecido do mundo e assim chegou ao cinema. Carl Laemmle ficou impressionado com a sua participação no filme de Harry Houdini, O Salto da Morte / The Grim Game / 1919, produzido pela Paramount, e o escolheu como ator principal de Corsários do Ar / The Great Air Robbery / 1919. Neste filme, ele executou não somente a sua famosa transferência de um avião para outro como também a transferência de um avião para um carro, e depois de volta para o avião, pouco antes de ocorrer um desastre com o carro.

Após terminar seu trabalho em Corsários do Ar, Locklear continuou a se exibir em espetáculos aeronáuticos e, posteriormente, fez na Fox seu segundo filme, Aviador Temerário / The Skywayman / 1920. No roteiro estava prevista uma cena na qual um avião deveria cair em parafuso na direção do solo e se espatifar em cima dos poços de petróleo. Ela foi originariamente planejada para ser feita usando-se uma miniatura; porém, achando que a cena ficaria irreal, Locklear se ofereceu para fazer a cena perigosa. A filmagem estava escalada para a noite de 2 de agosto de 1920. Um semi-círculo de refletores foram colocados em torno do campo, para permitir que o avião pudesse ser filmado no céu escuro. Locklear, que estava acompanhado de seu colega Milton “Skeets” Elliott, instruiu a equipe de iluminadores, para apagarem as luzes quando o avião chegasse perto dos poços de petróleo, a fim de que ele pudesse sair do parafuso; mas as luzes permaneceram acesas, cegando-o, e aconteceu a catástrofe. Os dois aviadores morreram instantaneamente. A atriz Viola Dana estavam vivendo um romance com Locklear na época, e presenciou a tragédia. Ela descreveu o acidente no episódio “Hazards of the Game” da maravilhosa série documentária, Hollywood: A Celebration of the American Silent Film, de David Gill e Kevin Bronlow.

Albert Paul Mantz (1903-1965) nasceu em Alameda, Califórnia, e desenvolveu seu interesse pela aviação ainda criança, quando seu primeiro vôo em asas de lona fabricadas por ele, foi interrompido pela mãe, que o impediu de se lançar de um galho de árvore. Mantz começou suas lições de pilotagem aos dezesseis anos de idade com o dinheiro que obteve dirigindo um carro funerário durante a epidemia de gripe de 1919. Embora estivesse prestes a receber seu diploma de piloto, o jovem abandonou  o curso, ao presenciar a morte de seu instrutor. Entretanto, em 1927, ele conseguiu se graduar pela Escola de Aviação do Exército dos Estados Unidos em March Field, porém ao fazer um vôo arriscado, aproximando-se de um trem em movimento, ele foi demitido do Exército.

Após trabalhar brevemente na aviação comercial, Mantz rumou para Hollywood, atraído pelos altos salários que os dublês estavam recebendo na época; porém era preciso  ser membro da Associated Motion Picture Pilots (AMPP), e isso só seria possível, depois que ele estivesse empregado pela indústria do cinema. A fim de obter notoriedade, Mantz estabeleceu um recorde, fazendo acrobacias aéreas sensacionais em uma cerimônia ocorrida no aeroporto de San Mateo. Finalmente, em 1931, ao participar de uma sequência de O Jogador Galopante / The Galloping Ghost, na qual teria que voar em direção a um cânion e evitar por pouco de bater nas árvores, Mantz calculou mal sua aproximação e se chocou com uma delas; mas a equipe técnica filmou tudo e ele obteve a sua inscrição na AMPP. Após ter tido muita dificuldade de arranjar trabalho regular como dublê, Mantz aceitou uma incumbência particularmente arriscada, voando em um biplano Stearman através de um hangar em Asas Heróicas / Air Mail / 1932. O filme foi um sucesso, e ele foi sendo aceito pelos estúdios. Sua companhia, United Air Services, oferecia aviões e pilotos, bons preços de aluguel e um seguro para proteger os produtores de riscos financeiros causados por acidentes. Outra empresa sua, a Paul Mantz Services, de vôos fretados, também floresceu e se tornou a favorita entre os astros de Hollywood muitos dos quais, tais como Clark Gable e James Cagney tornaram-se seus amigos.

Mantz fez muitos vôos de “caridade” inclusive salvando quinze pescadores mexicanos de um naufrágio e jogando mantimentos para cinquenta e três bombeiros na área de Santa Barbara , enfrentando um inferno de chamas. Depois do acidente de carro no qual Tom Mix perdeu a vida, foi Mantz o escolhido para transportar o corpo do famoso cowboy até a sua residência. Em 1937, poucos meses depois que Amelia Earhart desapareceu no oceano Pacífico, Mantz instruiu-a em vôo à longa-distância e navegação (e a acompanhou como co-piloto na primeira tentativa frustrada de vôo em volta do mundo).

Em 4 de julho de 1938, Mantz voou de Wichita a Burbank, Califórnia, acompanhado pelo agente de imprensa da Paramount, piloto e escritor de pulp fiction, Edward Churchill, pretendendo bater o recorde de velocidade, que fazia parte da promoção do filme Conquistadores do Ar / Men With Wings. Entretanto, no vôo ocorreram várias dificuldades: o motor esquentou demais sobre o Grand Canyon; ao chegarem em Burbank, o trem de aterrissagem emperrou, e levou trinta minutos para se soltar; e o combustível chegou a um nível perigosamente baixo. Churchill foi afetado por envenenamento de monóxido de carbono e teve que ser atendido por um médico após a aterrissagem. Durante a Segunda Guerra Mundial, Mantz serviu na First Motion Picture Unit (FMPU) na Califórnia. Subsequentemente ao seu desligamento em agosto de 1944, ele comprou uma frota de 475 bombardeiros e aviões de combate excedentes para usá-los no cinema. Em 1945, ele pilotou um P-40 e dirigiu sequências aéreas em A Mão que nos Guia/ God is My Co-Pilot. Em 1949, conduziu um Boeing B-17 nas cenas de aterrissagem de barriga em Almas em Chamas / Twelve O’Clock High, e o material filmado foi usado em vários outros filmes. Ele pilotou também um bombardeiro B-25 para filmar cenas de um travelogue em Cinerama. A certa altura, voou bem perto de um vulcão ativo, e escapou por um triz de colidir com a boca do vulcão, quando os motores pararam em virtude da falta de oxigênio.

Muntz morreu em 8 de julho de 1965, quando trabalhava em O Vôo do Fenix / The Flight of the Phoenix, produzido e dirigido por Robert Aldrich. Pilotando um avião construído especialmente para o filme, Mantz bateu em um pequeno morro, quando passava sobre um sítio deserto no Arizona para um segundo take. O avião partiu-se em dois, matando Mantz e Bob Rose, um outro dublê que estava na cabina representando o personagem interpretado por Hardy Kruger, ficou seriamente ferido.

Tom Steele e Dale Van Sickel foram outros dois extraordinários dublês. Tom Steele (1909-1990), cujo verdadeiro nome era Thomas B. Skeoch, nasceu na Escócia, e foi para a América com sua família ainda criança, estabelecendo-se no Norte da Califórnia. Exímio cavaleiro, ele jogou polo competitivamente quando jovem, e também trabalhou em uma usina siderúrgica, que foi a fonte de seu nome profissional Tom “Steele”.

No início da Depressão, ele partiu para Hollywood a fim de se tornar ator, e estreou no cinema em um western de George O’Brien,  A Lenda do Vale / The Lone Star Ranger / 1930. Porém logo Steele, amparando-se na sua habilidade como cavaleiro, preferiu exercer a função de stuntman embora possa ser visto também em pequenos papéis através de sua carreira (vg. como o guarda da prisão  em Brutalidade / Brute Force / 1947). Ele assumiu o cargo de stunt coordinator na Republic, quando David Sharpe foi servir à pátria na Segunda Guerra Mundial (Steele foi considerado incapaz para o serviço militar por causa de um antigo ferimento em decorrência de um acidente na usina siderúrgica).

Nos seriados, Steele  atuou como dublê de Rod Cameron (vg. em A Adaga de Salomão / Secret Service in Darkest Africa / 1943), Richard Bailey, Clayton Moore e Sammy Baugh. Nos anos 40 e início dos anos 50, muitos atores da Republic eram escolhidos devido à sua semelhança física com Steele, e não o contrário. Nos filmes de longa-metragem, Steele era sempre o dublê de Wild Bill Elliott.

Seu papel mais notável na Republic (onde atuou também com certo destaque em O Porto Fantasma / Haunted Harbor / 1944), foi o do personagem principal do seriado O Maravilhoso Mascarado / The Masked Marvel / 1943, pelo qual ele nunca recebeu crédito. Neste seriado sensacional, Steele caía em cima de um caminhão em chamas cheio de explosivos mas uma lona atenuava sua queda, e ele escapava ileso; pulava de uma lancha veloz para outra, e saltava desta última, antes que ela explodisse; era jogado em um poço de elevador, e se salvava agarrando-se em um elevador que subia; tornava-se o alvo de um caminhão em disparada, pulando para um lado em uma fração de segundo; trancado em um baú, carregado por um caminhão que se encaminhava para um precipício, escapava quase à beira do abismo; era atacado por uma variedade de bandidos armados com pistolas, facas, machados etc. e dominava todos eles.

Steele participou também de filmes realizados em outros estúdios como A Carga da Brigada Ligeira / The Charge of the Light Brigade / 1936, A Estrada de Santa / Santa Fe Trail / 1940, À Beira do Abismo / The Big Sleep / 1946, O Monstro do Ártico / The Thing / 1951 (no qual ficou no lugar de James Arness, que fazia a criatura do título, nas cenas envolvendo fogo e ataque de cães) e, até em Cidadão Kane / Citizen Kane / 1941, como um repórter agressivo jogando-se no estribo do automóvel de Kane,  quando ele partia.

Nos anos 60 e 70 Steele continuou ativo como dublê, mas aceitou fazer algumas “pontas” como ator, inclusive como um chofer de caminhão em Caçador de Aventuras / Harper / 1960, um guarda de segurança no filme de James Bond 007- Os Diamantes São Eternos / Diamonds Are Forever / 1971 e dirigiu um dos carros na clássica sequência de perseguição em  Bullit / Bullitt / 1968 etc.

Dale Van Sickel (1907-1977) nasceu en Eatonton, Georgia, mas cresceu em Gainesville, Florida, onde se tornou um craque do futebol americano e jogou também basquete e basebol. Depois de formado, ele permaneceu na Universidade da Florida, para ser treinador assistente dos times de futebol e basquete durante as temporadas de 1930 e 1931. Por volta de 1933, Dale mudou-se para Hollywood com a finalidade de iniciar uma carreira como dublê e estreou nesta qualidade em um filme dos irmãos Marx, O Diabo a Quatro / Duck Soup / 1933. Em seguida, estreou como stuntman na Republic dublando Reed Hadley em A Legião do Zorro / Zorro’s Fighting Legion / 1939  e, durante algum tempo, prestou sua colaboração  como ator e/ou dublê  em seriados da Universal (vg. Don Winslow na Marinha / Don Winslow of the Navy / 1942, Guerra aos Gangsters / Gang Busters / 1942, Salteadores do Ouro / Raiders of Ghost City, / 1944, A Chave Mestra / The Master Key / 1945), Columbia (vg. A Volta da Aranha Negra / Spider Returns / 1941, Flecha Negra Black Arrow / 1944) e principalmente da Republic (vg. dublando Dick Purcell em Capitão América, o Vencedor / Captain America / 1944 (no qual também estava Tom Steel como bandido), O Porto Fantasma / Haunted Harbour / 1944, O Segredo da Ilha Misteriosa / Manhunt of Mystery Island / 1945, As Aventuras de Frank and jesse James / The Adventures of Frank and Jesse James / 1948).

Entre os westerns da Republic, Dale pode ser visto dublando John McGuire em Sinos de San Angelo / Bells of San Angelo / 1947, Roy Barcroft em Vingança de Índio / Renegades of Sonora / 1948, Douglas Fowley em O Mistério do Lago / Susanna Pass / 1949, Grant Withers em Vida de Circo / Trigger Jr. / 1950, Stephen Chase em Perseguindo Criminosos / El Passo Stampede / 1953 e uma dúzia de outros atores. Estima-se que ele tenha participado nos anos 40 e 50 de mais de 200 filmes. Sua carreira em Hollywood durou quase cinquenta anos, destacando-se entre seus últimos trabalhos títulos como Spartacus / Spartacus / 1960,  Desafio à Bala / Requiem for a Gunfighter / 1965, Se o Meu Fusca Falasse / The Love Bug / 1968 e Encurralado / Duel / 1971, o filme de televisão de Steve Spielberg com Dennis Weaver. Dale foi um dos fundadores da Stuntmen’s Association of Motion Pictures.

No seu livro In The Nick of Time – Motion Picture Sound Serial (McFarland, 1984), William C. Cline, um dos mais renomados estudiosos dos seriados, relaciona – além dos dublês que já citei – muitos outros stuntmen, que ele chama magnificamente de “Filhos da Aventura”. Entre eles: Carey Loftin e Harvey Parry (mestres nas cenas arriscadas de automóvel e motocicleta); Bud Osborne, Terry Wilson e Frank McGrath (especialistas em cenas idênticas com cavalos e carruagens desenfreados), Joe Yrigoyen e seu irmão Bill (peritos na transferência de uma sela para uma carroça em movimento): Kermit Maynard (um dos melhores cavaleiros nos filmes dos anos trinta, que dublava seu irmão Ken); Dick Crockett e Charles Horvath (atletas sensacionais nas  quedas  de uma grande altura); Saul Gross e Paul Stader (respectivamente notados por sua agilidade nas lutas de esgrima e cenas de natação e/ou mergulhos no mar de uma grande altura); Harold “Stubby” Kruger, natural do Havaí e competidor olímpico, especializado em ambas as ditas modalidades; Fred Graham, Eddie Parker, Ken Terrell, Duke Green, Bud Geary, Al Taylor, Bud Wolfe, John Bagni (responsáveis por  memoráveis cenas de briga) e ainda Jack Williams, Ken Cooper, Jack Wilsey, John Daheim, Wally MacDonnell, Otto Mazetti, Chuck Roberson, Bill Williams, Chuck Hayward etc. Brownlow nomeou outros tantos da cena muda: Charles Hutchinson, Jean Perkins, Cliff Bergere, John Stevenson, Leo Noomis. Sem falar nas dublês femininas: Lila Finn, Martha Crawford, Pauline Wagner, Helen Gibson, Helen Thurston, PollyBurson, BabeDeFreest.

É difícil imaginar o que os seriados, os westerns, os filmes de aventura, e até o cinema em geral, seriam sem eles.

FILME DOCUMENTÁRIO AMERICANO 1920-1940

O documentário é uma das três modalidades básicas da criação cinematográfica, sendo as outras a ficção narrativa e a vanguarda experimental. Antes dos anos vinte foram realizados documentários ocasionais (vg. In the Land of the Head Hunters / 1914 e In the Land of the War  Canoes / 1914 de Edward S. Curtis), mas estes não constituíram um  gênero  significativo.

No decorrer da década, entretanto, o documentário atingiu uma nova estatura, na medida em que ficou identificado com o cinema artístico. Podemos distinguir três tendências principais nos documentários daquela época: o exotismo, o registro direto da realidade e a compilação.

O documentário exótico foi particularmente importante nos Estados Unidos. Ele chamou a atenção do público em 1922 com a exibição de Nanook do Norte / Nanook of the North / 1922 de Robert Flaherty.

Nascido no Michigan, de origem irlandesa, Flaherty era filho do proprietário de uma mina de ferro no Canadá.  Ainda criança, acompanhava seu pai nas suas prospecções, vivendo meses na companhia de mineiros e índios. Ali nasceu seu gosto pela natureza e pelos grandes espaços.

Em 1910, aos vinte e seis anos de idade, Flaherty foi contratado por Sir William Mackenzie, o construtor Canadian Northern Railway, para procurar jazidas de ferro na área da baía de Hudson. Na sua segunda e terceira expedição, nos anos de 1914 e 1915, Flaherty levou uma câmera cinematográfica e filmou a vida dos esquimós. Em uma quarta expedição, obteve mais imagens porém os negativos foram destruídos em um incêndio. Flaherty convenceu-se de que o desastre fôra benéfico, porque não estava satisfeito com o filme, que parecia um travelogue – “uma cena disto e daquilo, nenhuma relação entre elas, nenhum enredo”.

Ele então decidiu voltar ao Grande Norte e fazer um filme diferente, centralizado em um esquimó e sua família, revelando eventos característicos de suas vidas, com a intenção de evocar o espírito de um povo esquecido.

Flaherty obteve o patrocínio da firma francêsa Revillon Frères e partiu novamente para a baía de Hudson. Como personagem principal de seu filme, ele escolheu Nanook, um caçador da nação inuíte (chamado na realidade Allariallak), que era solteiro, e lhe deu duas mulheres e dois filhos postiços.

Allariallak e seus companheiros encenaram a caçada das morsas para a câmera mas ela era anacrônica, pois os inuítes aparecem usando arpões e facas quando, na época em que o filme foi feito, eles dispunham de armas de fogo. Para registrar imagens no interior do iglu de Nanook,  Flaherty retirou a calota gelada do teto e rodou a céu aberto as cenas em que a família esquimó apareceu dormindo. Para exprimir sua visão, o cineasta utilizou  todos os procedimentos do cinema de ficção: decupagem, direção de atores, construção dramática, reconstituição de acontecimentos etc.

O filme de Flaherty foi chamado de “romântico” pelo fato de não estar refletindo a vida corrente daquelas pessoas mas a imagem que elas tinham de sua vida tradicional. Entretanto, como observou Erik Barnouw  (Documentary – A History of Non-Fiction Film, Oxford University, 1993), “a auto-imagem de um povo pode ser um ingrediente crucial em sua cultura e digno de ser registrado. Os antropologistas, embora conscientes da lente distorcida, a estudam com carinho. E, com efeito, foi o que Flaherty fez”.

Em toda a sua obra, Flaherty comportou-se mais como um artista do que como um documentarista. Ou melhor, seus documentários são poéticos e pouco têm a ver com o que chamamos hoje de documentário, o qual exige o respeito absoluto dos dados brutos da matéria filmada no momento,  e nos lugares em que ela é captada pela câmera. Como ele próprio comentou: “One often has to distort a thing to catch its own value” (Muitas vezes a gente tem que distorcer uma coisa para captar seu verdadeiro valor).

As grandes companhias de Hollywood recusaram-se a distribuir Nanook do Norte, porém a companhia independente Pathé Exchange exibiu-o no Cinema Capitol de Nova York. O filme fez grande sucesso nos Estados Unidos e teve um êxito substancial no exterior, sendo aclamado por quase todos os críticos.

Em consequência, a Paramount patrocinou a expedição de Flaherty a Samoa, para dirigir um filme semelhante, Moana. Ele partiu em 1923 e verificou que os nativos haviam adotado costumes ao estilo ocidental. Flaherty persuadiu seus “atores” a voltar a usar seus trajes tradicionais a fim de incutir drama no filme, reencenando um doloroso e obsoleto ritual de tatuagem. A esta altura, Flaherty já havia adquirido o hábito de ultrapassar o tempo previsto para a filmagem e filmar quantidades imensas de celulóide. Moana (que recebeu o título estranhíssimo em português de O Homem Perfeito) só ficou pronto para o lançamento em 1926 e não obteve o mesmo sucesso de Nanook do Norte.

Embora nenhum movimento ou escola tivesse se formado em torno dele, o exemplo de Flaherty foi seguido de uma maneira geral por outros americanos que focalizaram a vida de povos-primitivos. A dupla Ernst B. Schoedsack e Merian C. Cooper realizou Náufragos da Vida / Grass, A Nation’s Battle for Life / 1925 (também financiado e distribuído pela Paramount), que registrava uma migração perigosa de nômades iranianos  pelas montanhas da Persia à procura de pastagens para seus rebanhos. A travessia do caudaloso rio Karun, com perdas de vidas entre homens, mulheres, crianças, cabras, ovelhas, macacos, cavalos, proporcionou uma das mais espetaculares sequências jamais filmadas. Porém, como observou Barnouw, os migrantes continuaram sendo uma massa de estranhos para o público, nenhum retrato individual emergiu deles. E a ênfase final não recaiu sobre o que eles haviam suportado mas – em uma impetuosa exibição de egoísmo –  no feito heróico dos realizadores.

Ainda sob encomenda da Paramount, a mesma dupla realizou Chang / Chang / 1927, um relato – que parece ter sido pre-planejado em Hollywood – sobre uma família das selvas siamêsas lutando pela sobrevivência contra animais hostís. Em uma cabana construída sobre pilotis, vivem Kru, sua mulher, seus três filhos e o macaco Bimbo. Uma pantera ataca a cabra de Kru, e um tigre mata seu búfalo.  Kru reúne os homens de uma aldeia próxima, para caçar os felinos, que são abatidos. Pouco tempo depois, a família descobre seu campo de arroz devastado, e o rastro de Chang, um filhote de elefante. Kru prepara uma armadilha para capturá-lo, com a intenção de domesticá-lo. Porém, subitamente, a mãe do elefantezinho surge para libertar seu filhote e destrói a morada de Kru. A família atravessa a selva e vai buscar refúgio na aldeia. E então aparece um perigo maior: uma grande manada de elefantes. Filmado na nova técnica do Magnascope, e exibida com um score especial de Hugo Riesenfeld, Chang foi um grande sucesso crítico e financeiro. Posteriormente, os dois cineastas levariam seu interesse pelo exótico para um filme totalmente de ficção, o imensamente exitoso King Kong / King Kong / 1933.


Na primeira metade do século vinte, Martin (Martin Elmer Johnson) e Osa Johnson (Osa Helen Johnson) captaram a imaginação do público através de seus filmes e livros de aventura em terras exóticas e distantes. Em 1917, já tendo feito um travelogue em 1912, o casal partiu para as ilhas Novas Hébridas e Salomão, onde filmaram seu encontro com uma tribu chamada Big Nambas, de uma das ilhas do arquipélago Novas Hébridas, Malakula. Com o material filmado, fizeram Among the Cannibal Isles of the South Seas / 1918. Entre seus filmes mais conhecidos podem ser citados: Jungle Adventures / 1921, Headhunters of the South Seas / 1922, Entre Bichos e Feras AfricanasTrailing African Wild Animals /1923, Simba / Simba, King of the Beasts/ 1928, Across the World with Mr. and Mrs. Johnson / 1930, Congorilla Congorilla / 1932, Wonders of the Congo / 1934, Baboona / Baboona / 1935, Bornéo / Borneo / 1937.



O tom predominante nas suas realizações era a auto-glorificação. Os Johnsons estavam constantemente diante das câmeras em sequências demonstrando a sua coragem e o seu humor. Sua idéia de humor, por exemplo, era dar um charuto para um pigmeu e aguardar até que ele ficasse enjoado; ou dar para um outro pigmeu uma bola para ele assoprar e ver sua reação quando ela explodia; ou dar cerveja para um macaco e ver o resultado.  Durante uma tomada de um crocodilo abrindo sua mandíbula, a narração de Johnson comentava: “Nossa, que lugar para se jogar lâminas de barbear velhas”. Martin faleceu em um desastre de avião. Osa ficou gravemente ferida no acidente. Mais tarde prestou assistência a Henry King na filmagem de As Aventuras de Stanley e Livingstone / Stanley and Livingstone / 1939. Em 1940, ela produziu Casei-me com a Aventura / I Married Adventure, cinebiografia de sua vida com Martin (traduzida para o português e lançada pela  Editôra José Olympio) e, em 1942, African Paradise.

Na mesma linha, o caçador e “colecionador de animais selvagens”, Frank Buck (Frank Howard Buck) ajudou a encher vários jardins zoológicos e ficou muito conhecido pelo seu best seller “Bring Em Back Alive”. Em 1932, ele foi ator e narrador de um documentário passado nas selvas da Malásia, com o mesmo título do seu livro. O filme (que passou noBrasil com o título de Agarrem-nos Vivos), dirigido por Clyde E. Elliott e fotografado por Nick Cavaliere e Carl Burger, combinava trechos engraçados (vg. a vã tentativa dos nativos de transportar um filhote de elefante capturado) e cenas das lutas entre as grandes feras, inoculadas com efeitos sonoros e quase sempre pre-planejadas. A passagem mais longa e excitante era o confronto entre um tigre e uma cobra pitão, que deixava o público quase sem fôlego. Buck participou ainda de mais dois documentários, Carga Selvagem / Wild Cargo / 1934 e Unhas e Dentes Fang and Claw / 1935 e de uma compilação desses três filmes citados (Aventuras na Selva / Jungle Cavalcade / 1941). Depois, funcionou como narrador em Jacaré, o Assassino do Amazonas / Jacaré, The Killer of the Amazon / 1942 (com música de Miklos Rosza) e como ator em  Tiger Fangs / 1943) e no seriado, A Ameaça das Selvas / Jungle Menace / 1937.

Desde o seu início, o documentário americano de registro direto da realidade esteve profundamente envolvido com posições políticas, geralmente de esquerda, e abordou os temas principais dos anos trinta, como Depressão, o desemprêgo e a pobreza, o sindicalismo e a crescente ameaça do fascismo no exterior.

Em 1930, a Worker’s Film and Photo League, foi organizada em Nova York, com o objetivo de treinar diretores e fotógrafos para produzirem material de mídia que mostraria a “verdadeira imagem” da vida nos Estados Unidos, isto é, do ponto de vista marxista – uma imagem que não era revelada pelas agências de notícias, cine-jornais ou imprensa capitalista. Entre seus consultores ou associados estavam os fotógrafos Margaret Bourke-White, Berenice Abbott, Leo Hurwitz, Herbert Kline, Willard Van Dyke, Irving Lerner, Ralph Steiner e Paul Strand; Elia Kazan, ator e depois diretor de teatro e cinema; o dramaturgo Elmer Rice; os atores Burgess Meredith e James Cagney; Slavo Vorkapich, téorico do cinema e um especialista no montage. (sequência de montagem); Thomas Brandon,  futuro  distribuidor de filmes em 16mm para cineclubes e escolas.

Os primeiros filmes da Film and Photo League (ela depois retirou a palavra Worker’s da sua denominação) apenas registravam comícios, greves e marchas contra a fome que ocorriam por todo o país. (vg. National Hunger March / 1931, Hunger: The National Hunger March to Washington / 1932, Bonus March / 1932). A ausência de uma forma cinematográfica sofisticada era compensada por uma intensidade emocional e um compromisso político apropriado para o momento histórico no qual esses filmes estavam sendo realizados.

Outras atividades da Film and Photo League incluíam a realização de palestras em reuniões da esquerda, redação de críticas denunciando os filmes de Hollywood e a organização de protestos contra a exibição de filmes nazistas.

Como observaram Jack C. Ellis e Betsy A. McLane (em A New History of Documentary Film, Continuum, 2006), uma divisão crescente nesse grupo de esquerda desenvolveu-se entre os que queriam continuar apegados aos cine-jornais de agitação e propaganda e filmes polêmicos e aqueles que achavam que a causa da revolução (ou do progresso social – as intenções políticas variavam de pessoa a pessoa) poderiam ser melhor servidos por filmes com maior apelo estético e emocional. Este último contingente alegava que através da artisticidade fílmica eles poderiam de fato serem capazes de persuadir os não persuadidos, enquanto que as formas padronizadas e óbvias de propaganda que estavam sendo usadas eram essencialmente uma pregação para os que já haviam sido convertidos.

Em 1934, três membros importantes – Leo Hurwitz, Ralph Steiner e Irving Lerner – deixaram a Film and Photo League para formar a Nykino (obviamente uma abreviação russonizada para New York Cinema), da qual passaram a fazer parte também Lionel Berman, Sidney Meyers, Ben Maddow e Paul Strand. Pie in the Sky / 1934 com Elia Kazan, Molly Day Thatcher, Ralph Steiner e Irving Lerner, uma sátira às promessas feitas para os pobres durante a Depressão, foi o primeiro lançamento da Nykino. No mesmo ano, Paul Strand realizou Redes / 1937, documentário social encarregado pelo governo mexicano, trabalhando em colaboração com vários artistas como Carlos Chávez, Henwar Rodakiewicz e Fred Zinnemann. O assunto tratado era a revolta dos pescadores da região de Alvarado, explorados por um negociante sem escrúpulos. A Nykino tornar-se-ia subsequentemente a Frontier Films, cuja produção veremos adiante ao falarmos sobre os documentários não-governamentais.

Ao lado desses filmes patrocinados pela esquerda, um outro, A Marcha do Tempo / The March of Time, custeado pela direita (ou, no mínimo, pelo centro), representada pela Time-Life, Inc., ofereceu uma nova e diferente espécie de jornalismo cinematográfico, um cruzamento entre o cine-jornal e o documentário , usando sequências de atualidades, porém combinando-as com  dramatizações das notícias.

Eric Barnouw entende que a ambiência dos acontecimentos tal como descrita em A Marcha do Tempo era quase sempre inteiramente uma criação da Time e não tinha caráter de um “documentário” ou “cine-Jornal”. Henry Luce, o fundador da Time-Life, Inc., definia o estilo da série como “falsificação com submissão à verdade”. Louis de Rochemont dizia que era “jornalismo pictórico”. Quanto ao formato, seria uma revista cinematográfica, porque tinha o dobro (vinte minutos) da duração de um cine-jornal comum e oferecia uma cobertura mais aprofundada (e provocativa)  das histórias individuais.

A série cinematográfica foi precedida por um programa radiofônico semanal com o mesmo título, criado por Roy E. Larsen, gerente geral da revista Time (depois editor da revista Life e presidente da Time, Inc.), que também foi, de início, responsável pela série cinematográfica, posteriormente comandada por Louis de Rochemont.

O programa radiofônico, narrado alternadamente por Ted Housing, Westbrook Van Voohris e Harry Von Zell, usava atores profissionais para interpretar o papel de celebridades conhecidas, cujas vozes eram imitadas em recriações das notícias da semana. Entre os atores estavam Agnes Moorehead, Nancy Kelly, Jeanette Nolan (que costumavam interpretar Eleanor Roosevelt), Art Carney, Bill Adams and Staats Cotsworth (Franklin D. Roosevelt), Dwigth Weist (Adolph Hitler), Edwin Jerome (Josef Stalin), Ted de Corsia (Huey long,  Herbert Hoover, Mussolini), Maurice Tarplin (Winston Churchill), Gary Merrill, Ray Collins, Pedro de Cordoba, Porter Hall, Arnold Moss, Paul Stewart, Juano Hernandez, Everett Sloane, John McIntire e muitos outros (os nomes e personagens de todos estão relacionados em On the Air – The Encyclopedia of Old-Time Radio de John Duning  (Oxford University, 1998), inclusive o ainda muito jovem Orson Welles.

A série cinematográfica A Marcha do Tempo foi o protótipo americano do “documentário de compilação”, introduzido pioneirísticamente por Esfir (Esther) Shub na União Soviética (vg. Padenie dinasti Romanovykh / 1927). Através de sua narração, pronunciada em um tom apocalíptico por Westbrook Van Voorhis, referido sempre como “A Voz do Time” (e, às vezes, irreverentemente, como “A Voz de Deus”), era anunciada nas marquises dos cinemas antes do filme principal de longa-metragem. No auge de seu sucesso, no final dos anos trinta e nos anos da Segunda Guerra Mundial, foi vista nos Estados Unidos por mais de vinte milhões de pessoas por mês em nove mil salas de projeção e também distribuída internacionalmente, inclusive no Brasil. Em 1937, a série recebeu um Oscar da Academia por ter “revolucionado” os cine-jornais e seu estilo foi frequentemente imitado e parodiado, de maneira mais memorável por Orson Welles com o seu “News on the March” em Cidadão Kane / Citizen Kane/ 1941. Ao todo foram 204 edições regulares entre 1935 e 1951, distribuídas sucessivamente pela First Division, RKO e Twentieth Century-Fox, descritas pormenorizadamente no livro “The March of Time”, de Raymond Fielding ( Oxford University, 1978).

Em 1942, o produtor Frederic Ullman, Jr. desenvolveu para a RKO Assim é a America / This is America, série devotada primordialmente aos valores das pequenas cidades americanas. Nas suas 112 edições, abordou vários assuntos mas seu foco era limitado, quase sempre enfatizando a América tradicional.  Compunha-se de compilações de cine-jornais cobrindo os acontecimentos históricos nos Estados Unidos do final da Primeira Guerra Mundial até 1933. Os filmes tinham entre quinze e vinte minutos de duração e em quase todos o narrador, Allois Havrilla, falava como um cidadão comum, e não no estilo estentório de Van Voorhis, que caracterizava A Marcha do Tempo. Muitos episódios foram dirigidos por Richard Fleischer e pelo mestre de sequência de montagem, Vlavko Vorkapich.

A Film and Photo League e A Marcha do Tempo haviam sido precursores, de certa forma, porém o documentário no sentido institucional (ou no sentido de John Grierson) atraindo e educando os cidadãos para os assuntos do Estado – teve início em junho de 1935, quando Rexford Guy Tugwell, chefe da récem-formada Resettlement Administration, tomou a decisão de usar os filmes para interpretar  o programa e os objetivos da organização. A Resettlement Administration tinha como escopo ajudar os fazendeiros que estavam sendo obrigados a deixar suas terras por causa da terrível sêca nas Grandes Planícies, causada pelo Dust Bowl (fenômeno climático de tempestades de areia que atingiu os Estados Unidos na década de trinta e durou quase dez anos).

O crítico de cinema Pare Lorentz, convenceu Tugwell de que o que ele precisava era um novo tipo de filme dramático / informativo / persuasivo. Assim nasceu The Plow That Broke The Plains / 1936, marco do filme documentário americano, que abriu um novo caminho, juntando perfeitamente imagem pictórica, música sinfônica e verso livre poético, com muita artisticidade. Ideologicamente, ele resumia indelevelmente os esforços do New Deal de Franklin Delano Roosevelt. Foi o primeiro filme criado pelo Governo dos Estados Unidos para distribuição comercial.

Lorentz nunca havia feito um filme e contratou como cameramen Ralph Steiner, Paul Strand, Leo Hurwitz e Paul Ivano. O grupo começou a filmar em Montana e rumou para o Texas, seguindo as tempestades de areia que estavam transformando rapidamente milhões de hectares de terra de fazenda em um deserto. Como Lorentz não tinha um roteiro preciso, Strand e Hurwitz lhe propuseram um,  porém ele o rejeitou, porque seus dois companheiros, como esquerdistas, viam as tempestades não somente como uma catástrofe da natureza, mas como consequência do mal uso da terra por um sistema social voraz. Isso não ficava bem em um documentário patrocinado pelo governo.

Com o término das sequências de tempestade de areia, Lorentz dispersou sua equipe e partiu para Hollywood. Ele esperava descrever o pano de fundo histórico do Dust Bowl por meio de tomadas de arquivo, que os estúdios costumavam alugar por um determinado preço por metro de filme. Entretanto, as companhias haviam aparentemente adotado uma política de não cooperação com o governo – ou pelo menos com a administração Roosevelt. Felizmente, alguns artistas de Hollywood – notadamente King Vidor – não aprovavam a política dos estúdios e ajudaram Lorentz a conseguir as tomadas de arquivo de que necessitava (vg. as cenas da corrida do ouro com as carroças cobertas e as cenas da Primeira Guerra Mundial).

Lorentz contratou o montador Leo Zochling para ensiná-lo a editar o material filmado e começou uma colaboração com o compositor Virgil Thomson, que se tornou o elemento  chave de The Plough That Broke The Plains. Eles combinaram  perfeitamente imagens e música (folclórica e sinfônica) com palavras faladas (em verso livre poético pelo narrador Thomas Chalmers) e efeitos sonoros, obtendo um resultado emocionante. Como disse o musicólogo Neil Lerner, “ a colaboração entre Lorentz e Thomson rivaliza com a de Eisenstein e Prokofieff”. E, por falar no grande cineasta russo, é bem evidente sua influência nas cenas em que se alternam os tratores com os tanques de guerra.

Lorentz e Thomson trabalharam em outro documentário para o governo, The River / 1937, patrocinado pela Farm Security Administration. O filme contava a história do Rio Mississipi, mostrava a necessidade de um sistema de represas que controlasse as suas águas e propunha a Tennessee Valley Authority como um meio de tornar viáveis a terra devastada e as áreas  economicamente debilitadas.

No outono de 1936, Lorentz havia completado a pesquisa e contratado como cameramen Willard Van Dyke e Stacy e Horace Woodard, estes dois últimos depois substituídos por Floyd Crosby. O roteiro de Lorentz relacionava a Depressão com o excesso de cultivo e urbanização do vale do Mississipi, deixando a região imprópria para a agricultura e gerando os americanos sem moradia, sem roupa e sem comida.

Thomson conjugou hinos (“Yes, Jesus Loves Me”), música folclórica (“Go Tell Aunt Rhody”) e canções populares (“Hot Time  in the Old Town Tonight”), e a voz  sonora de Thomas Chalmers assumiu um estilo encantatório, reminiscente de Walt Whitman – e também do documentário russo Turksib / 1929, conhecido por todos os participantes do projeto. No texto falado, as palavras “we built a hundred cities and a thousand towns”, foram usadas como refrão. Lorentz referia-se ao filme como uma “ópera”, que também incluía tomadas de arquivo  de  dois filmes de Hollywood: Meu Filho é Meu Rival / Come and Get It / 1936  e Magnólia / Showboat / 1936 bem como de cine-jornais.

The River obteve um sucesso crítico e comercial estrondoso. A Paramount Pictures aceitou-o para distribuição nacional. O script de Lorentz, um poema Whitmaniano, chamado por James Joyce de “a prosa mais linda que ouví em muito anos”, foi indicado para o Pulitzer Prize. Competindo com OlimpíadasMocidade Olímpica /Olympia / 1938 de Leni Riefenstahl, ganhou o prêmio de Melhor Documentário no Festival de Veneza de 1938.

Devido ao êxito de The River, Lorentz pôde persuadir a administração Roosevelt (com o apoio do próprio presidente, que gostara muito do filme) a criar o United States Film Service em 1938. A primeira realização do U.S. Film Service foi The Fight for Life / 1940, produzida pelo U.S. Public Health Service. Escrito e dirigido por Lorentz e fotografado por Floyd Crosby, o filme foi baseado em um livro do Dr. Paul de Kruif, que popularizou assuntos médicos e científicos e trata das atividades do Chicago Maternity Center, providenciando cuidados pré-natais para mães e partos em casas de famílias pobres. A música, composta por Louis Gruenberg era inovadora, incluindo o uso de blues enquanto um médico jovem passeia pelas ruas da cidade à noite e o elenco misturava não atores com atores como Will Geer. Com duração de longa-metragem, The Fight for Life era um semi-documentário e pode ser considerado um precursor dos semi-documentários de Hollywood do pós guerra como A Casa da Rua 92 / The House on 92nd Street / 1945, O Justiceiro / Boomerang / 1947 e Sublime Devoção / Call Northside 777 / 1948.

A próxima produção do U.S. Service, Power and the Land / 1940, distribuída pela RKO, foi patrocinada pela Rural Electrification Administration e pelo Departamento de Agricultura. Joris Ivens, o documentarista holandês que vivia nos Estados Unidos,  dirigiu; Helen van Dongen, sua esposa na época, montou o filme; Floyd Crosby e Arthur Ornitz o fotografou; Stephen Vincent Benet escreveu o comentário e Douglas Moore compôs a trilha musical. O objetivo do documentário era persuadir os fazendeiros a organizarem cooperativas, a fim de obterem a energia fornecida pelo governo.  Vemos os fazendeiros  trabalhando antes deles terem eletricidade e depois.

O documentário seguinte, The Land / 1941, argumentando que as práticas cientificas e máquinas modernas tornariam as terras mais produtivas. foi concebido e dirigido por Robert Flaherty, retornando à América após passar uma década na Grã Bretanha. A montagem ficou à cargo de Helen van Dongen, a fotografia aos cuidados de Irving Lerner, Douglas Baker, Floyd Crosby e Charles Herbert, Richard Arnell encarregou-se da música e o próprio Flaherty escreveu e leu o comentário.

The Land nunca foi exibido em cinemas e o U.S. Film Service terminou, segundo Robert Snyder (Pare Lorentz and the Documentary Film, University of Oklahoma, 1968) devido a vários motivos: antagonismo e antipatia do Congresso com relação a ele; falta de apoio do governo (Roosevelt agora estava mais preocupado com assuntos internacionais); oposição do público e do Congresso contra as atividades de propaganda do governo  (descontentes porque The Plough That Broke The Plains retratara os Estados do sudoeste e do oeste como desertos); oposição de Hollywood.

Na área dos documentários não governamentais (como haviam sido os da Film Photo League e A Marcha do Tempo), a Frontier Film (na qual se metamorfoseara a Nykino) e a Contemporary Film Historians, Inc., formada por um grupo de escritores que incluía John Dos Passos, Ernest Hemingway, Archibald Mac Leish, Dorothy Parker e Lilliam Hellman, preocuparam-se mais ainda do que A Marcha do Tempo, com a ameaça do fascismo na Europa e as conquistas imperialistas japonesas na Ásia. Vários filmes foram feitos sobre a Guerra Civil Espanhola, apoiando a causa Legalista: na Frontier Films, Heart of Spain / 1937 e Return to Life / 1938; na Contemporary Film Historians,  The Spanish Earth / 1937.

O mais ambicioso e o mais visto dos documentários sobre a Guerra Civil Espanhola foi The Spanish Earth, dirigido por Joris Ivens, fotografado por John Ferno, montado por Helen Van Dongen, escrito e narrado por Ernest Heminghway e com arranjos musicais de Marc Blitzstein e Virgil Thomson baseado em melodias folclóricas espanholas.

Como notaram Jack Ellis e Betsy McLane, Hemingway comenta as imagens que estamos vendo como se estivéssemos assistindo o filme junto com ele. “Não consigo ler alemão também”, ele diz, quando aparecem palavras gravadas em pedaços de um bombardeiro germânico abatido por um avião de combate Legalista. Estes são identificados como o povo em oposição a Franco e seus estrangeiros – Alemães, Italianos, mercenários Mouros e a Guarda Civil. As palavras de Hemingway são fortalecidas por close-ups dos rostos de soldados, mulheres chorando, crianças. A informalidade e a natureza democrática desse exército de cidadãos são evidentes assim como sua camaradagem e solidariedade. Nunca vemos os rebeldes; eles permanecem um inimigo sem face.

Quanto a filmes abordando a defesa da China contra as agressões japonesas, a Frontier Films fez China Strikes Back / 1937 e a Contemporary Film Historians,  The Four Hundred Million / 1939; quanto à crise de Munich de 1938, podemos citar Crisis / 1938 e Lights Out of Europe / 1938, produzidos e dirigidos por Herbert Kline e co-dirigido por Alexander Hackenschmied (depois Hammid quando emigrou para os Estados Unidos).

No que se refere a documentários não governamentais versando sobre assuntos domésticos, a maioria tinha “tendências progressivas” e lidava com temas de particular interesse da esquerda política, como sindicalismo em People of the Cumberland / 1938, United Action / 1939 e, principalmente no longa-metragem, Native Land / 1939 (mas lançado somente em 1942), dirigido e escrito por Leo Hurwitz e Paul Strand, fotografado por Strand, com música de Marc Blitzstein, narração de Paul Robeson e o ator Howard da Silva, interpretando um lastimável espião no meio trabalhista a serviço dos patrões.

Outro tema tratado foi o do planejamento urbano. A Place to Live / 1939, enfocou de maneira convincente a derrubada de cortiços em Filadélfia e The City / 1939 fomentou o conceito de comunidades localizadas em um cinturão verde, separado dos grande centros urbanos.

Exibido com grande êxito na New York World’s Fair de 1939, The City, dirigido por Ralph Steiner e Willard Van Dyke, e patrocinado pelo American Institute of City Planners, contou com o comentário de Lewis Mumford (que foi lido por Morris Carnovsky) e com a colaboração do grande compositor, Aaron Copland. The City apresenta vinhetas cômicas vislumbradas por câmeras escondidas combinadas com ritmo rápido, produzindo entretenimento além da informação. Em uma cena célebre, um café automático serve comida para os fregueses como se eles estivessem em uma linha de montagem.

Alguns documentários cuidaram do desemprego. (Valley Town / 1940) e da educação (And So They Live /  1940, The Children Must Learn / 1940 e One Tenth of a Nation / 1940 este, chamando a atenção para a necessidade de melhores escolas para os negros do Sul.

Como resumiu Richard M. Barsam (Non-Fiction Film – A Critical History, Indiana University, edição revista e ampliada de 1992), o filme de não-ficção floresceu nos Estados Unidos durante os anos trinta com vários diretores emergindo como líderes (Flaherty, Ivens, Lorentz, Van Dyke). Experimentações com fotografia, som, narração, música e cor ajudaram a expandir as potencialidades dos documentários. Avanços no modo de financiamento e distribuição tornaram os filmes mais facilmente disponíveis para o grande público e aumentaram o interesse deste  por filmes que alargam o seu conhecimento e ajudam a formar opiniões sobre os acontecimentos contemporâneos.

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial em 1939, o filme americano de não-ficção, que foi desenvolvido quase à plena maturidade durante os anos trinta, assumiria novas responsabilidades e criaria novas formas cinematográficas.

SERIADOS MUDOS AMERICANOS E EUROPEUS NO BRASIL II

Através dos anos foram escritos muitos volumes sobre vários aspectos da História do Cinema, porém poucos historiadores se dedicaram ao estudo dos seriados mudos. Convém esclarecer que os seriados da era silenciosa eram levados a sério tanto pelos fãs como pelos estúdios. Seus valores de produção eram consideravelmente melhores do que aqueles seriados produzidos nos anos 30 e seguintes. Não havia o estigma de filme de complemento de programa atribuído a eles, que se desenvolveu depois, nem seus intérpretes eram considerados atores que “já-eram” ou “nunca-foram”. Seus astros eram idolatrados universalmente, seus episódios eletrizantes passavam nos melhores cinemas dos grandes centros urbanos e eram destinados a divertir não somente as crianças como também os adultos.

1921

AS AVENTURAS DE TARZAN / THE ADVENTURES OF TARZAN / Weiss Brothers.. Elmo Lincoln, Louise Lorraine, Frank Whitson. 15 ep.

A FLECHA VINGADORA / THE AVENGING ARROW / Pathé. Ruth Roland, Edward Hearn, Viriginia Ainsworth. 15 ep.

A RAPOSA AZUL / THE BLUE FOX / Arrow.  Ann Little, J. Morris Foster, Joseph W. Girard. 15 ep.

A CONQUISTA DO AMOR E DA FORTUNA / BREAKING THROUGH / Vitagraph. Carmel Myers, Wallace MacDonald, Vincent Howard. 15 ep.

A RAINHA DOS BRILHANTES / THE DIAMOND QUEEN / Universal. Eileen Sedgwick, George Chesebro,  Frank M. Clark. 18 ep.

O SINETE DE SATANÁS / DO OR DIE / Universal. Eddie Polo, Inez McDonald, Magda Lane. 18 ep.

A DUPLA AVENTURA / DOUBLE ADVENTURE / Pathé. Charles Hutchinson, Josie Sedgwick, Carl Stockdale. 15 ep.

LUTANDO CONTRA O DESTINO / FIGHTING FATE / Vitagraph. William Duncan, Edith Johnson, Ford West. 15 ep.

A GRANDE RECOMPENSA / THE GREAT REWARD / Burston. Francis Ford, Ella Hall, Carl Gerard. 15 ep.

O MISTÉRIO DO DIAMANTE AZUL / THE HOPE DIAMOND MYSTERY / Kosmik. Harry Carter, Grace Darmond, George Chesebro. 15 ep.

A MANTILHA PRATEADA / HURRICANE HUTCH. Pathé. Charles Hutchinson, Lucy Fox, Warner Oland. 15 ep.

OS MILAGRES DA SELVA / MIRACLES OF THE JUNGLE / Warner Bros. Ben Hagerty, Wilbur Higby, Al Ferguson. 15 ep.

A PÉROLA MISTERIOSA / THE MYSTERIOUS PEARL / Photoplay Serials. Ben Wilson, Neva Gerber, Joseph W. Girard . 15 ep.

OS CAVALEIROS DE ROXO / THE PURPLE RIDERS / Vitagraph. Joe Ryan, Elinor Field, Joseph Rixon. 15 ep.

OS QUATRO AGENTES SECRETOS / THE SECRET FOUR / Universal. Eddie Polo, Kathleen Myers, Doris Dedan. 15 ep.

SENTINELA DO FIRMAMENTO / THE SKY RANGER / Pathé. June Caprice, George B. Seitz, Harry Semels.15 ep.

A PISTA DO TERROR / THE TERROR TRAIL / Universal. Eileen Sedgwick, George Larkin, Theodore Brown. 18 ep.

AS OPALAS DO CRIME / THE WHITE HORSEMAN / Universal. Art Acord, Duke R. Lee, Iva Forrester. 18 ep.

OS CONQUISTADORES DO OESTE / WINNERS OF THE WEST / Universal. Art Acord, Burton C. Law, Myrtle Lind.18 ep.

O BRAÇO AMARELO / THE YELLOW ARM / Pathé. Juanita Hansen, Marguerite Courtot, Warner Oland. 15 ep.

AS DUAS GAROTAS DE PARIS / LES DEUX GAMINES / Gaumont. Georges Biscot, Sandra  Milowanoff,  Olinda Mano. 12 ep.

GIGOLETTE / GIGOLETTE  / Pathé-Consortium. Pierre Labry, Séphora Mosse, Andrée Lionel. 4 ep.

A MÁRTIR / LA POCHARDE  / Ermolieff. Jacqueline Forzane, Charles Norville, Alexander Volkoff. 12 ep.

A ORFÃZINHA / L ‘ORPHELINE / Gaumont. Sandra Milowanoff, Georges Biscot, Jane Grey. 12 ep.

OS TRÊS MOSQUETEIROS / LES TROIS MOUSQUETAIRES / Films Diamant – Pathé-Consortium-Cinéma. Aimé Simon-Gerard, Henri Rollan, Charles Martinelli, Pierre de Guingand. 12 ep.

MATHIAS SANDORF / MATHIAS SANDORF / Les Films Louis Nalpas. Romuald

Joubé, Yvette Andreyor, Jean Toulot. 9 ep.

O IMPERADOR DOS POBRES / L’EMPEREUR DES PAUVRES / Societé des Cinéromans. Léon Mathot, Gina Relly, Henry Krauss. 6 ep.

O HOMEM SEM NOME / DER MANN OHNE NAMEN / Projektions AG Union- UFA. Harry Liedtke, Goerg Alexander, Mady Chtristians. 6 ep.

1922

ROBINSON CRUSOE ou AVENTURAS DE ROBINSON CRUSOE / THE ADVENTURES OF ROBINSON CRUSOE / Universal. Harry Myers, Noble Johnson, Gertrude Olsmtead. 18 ep.

O CAPITÃO KIDD / CAPTAIN KIDD / Star Serial. Eddie Polo, Katherine Meyers, Leslie J. Casey. 15 ep.

SOMBRAS DAS SELVAS / A DANGEROUS ADVENTURE / Warner Bors. Grace Darmond, Philo Mcullough, Jack Richardson. 15 ep.

CARLOS, O REBITADOR / GO GET ’EM HUTCH / Pathé. Charles Hutchinson, Marguerite Clayton, Richard Neill. 15 ep.

 BUFFALO BILL / IN THE DAYS OF BUFFALO BILL / Universal. Art Acord, Dorothy Woods, Duke R. Lee. 18 ep.

A DEUSA DO SERTÃO / THE JUNGLE GODDESS / Export-Import Film Company. Elinor Field, Truman Van Dyke, Marie Pavis. 15 ep.

O ANTRO DO DEMÔNIO / NAN OF THE NORTH / Arrow. Ann Little, Leonard Clapham, Joseph W. Girard. 15 ep.

OS PERIGOS DO YUKON / PERILS  OF THE YUKON / Universal. William Desmond, Laura La Plante, Fred Stanton. 15 ep.

O REI DO RÁDIO / THE RADIO KING / Universal. Roy Stewart, Louise Lorraine, Sidney Bracey. 10 ep.

O REI DA VELOCIDADE / SPEED /  Pathé. Charles Hutchison, Lucy Fox,  John Webb Dillon. 15 ep.

A RAINHA DOS BOSQUES / THE TIMBER QUEEN / Pathé. Ruth Roland, Bruce Gordon, Val Paul. 15 ep.

ÁGUIA BRANCA / WHITE EAGLE / Pathé. Ruth Roland, Earl Metcalfe, Harry Girard. 15 ep.

COM STANLEY NA ÁFRICA / WITH STANLEY IN AFRICA / Universal. George Walsh, Louise Lorraine, Charles Mason. 18 ep.

PARISETTE / PARISETTE / Gaumont. Sandra Milowanoff, Georges Biscot, Fernand Herrmann. 12 ep.

A MORDAÇA / LA BALLONÉE / Pathé-Consortium. Paul Gidé, Louis Loubas, Pierre Fresnay. 7 ep.

O SEGREDO DA FILHA / LA FILLE SAUVAGE / Ermolieff – Pathé-Consortium- Cinéma. Nathalie Lissenko, Romuald Joubé, Irene Wells. 12 ep.

VINTE ANOS DEPOIS / VINGT ANS APRÈS / Pathé-Consortium. Jean Yonel, HenriRolan, Pierre de Guingand. 12 ep.

OS SEGREDOS DE PARIS / LES MYSTÈRES DE PARIS / Phocéa. Huguette Duflos, Georges lannes, Suzanne Bianchetti. 12 ep.

O FILHO DO CORSÁRIO / LE FILS DU FLIBUSTIER / Gaumont. Aimé-Simon Girard, Georges Biscot, Sandra Milowanoff. 13 ep.

O AVIADOR MASCARADO / L’AVIATEUR MASQUÉ. Aigle Film – Pathé-Consortium. Julien Dalsace, Elaine Amazar, Gabriel Rosca. 8 ep.

A CASA DOS MISTÉRIOS / LA MAISON DU MYSTÈRE / Ermolieff. Ivan Mosjoukine, Charles Vanel, Helene Darly. 10 ep.

DOKTOR MABUSE, O JOGADOR / DR. MABUSE, DER SPIELER / Decla-Bioscop -UFA.  Rudolf Klein-Rogge, Bernhard Goetzke, Alfred Abel. 15 ep. Obs. O filme de Fritz Lang passou no Brasil em duas partes e também, como seriado, em 15 ep.

1923

O PIRATA SOCIAL / THE SOCIAL BUCCANEER / Universal. Jack Mulhall, Margaret Livingston, William Welsh. 10 ep. ADIANTE

A VOLTA AO MUNDO EM 18 DIAS / AROUND THE WORLD IN EIGHTEEN DAYS /  Universal. William Desmond, Laura La Plante, William P. De Vaul. 12 ep.

FERAS DO PARAISO / BEASTS OF PARADISE / Universal. William Desmond, Eileen Segdwick, William N. Gould 15 ep.

NAS GARRAS DA ÁGUIA / THE EAGLE’S TALONS / Universal. Fred Thomson, Ann Little, Al Wilson. 15 ep.

O MARUJO VALENTE / THE FIGHTING SKIPPER / Arrow. Peggy O’Day, Jack Perrin, Bill White. 15 ep.

A  CIDADE FANTASMA / GHOST CITY  /Universal. Peter Morrison, Margaret Morris, Frank Rice. 15 ep.

O VALE ENCANTADO / HAUNTED VALLEY / Pathé. Ruth Roland, Jack Daugherty, Larry Steers. 15 ep.

AREIAS FEITICEIRAS / HER DANGEROUS PATH / Pathé. Edna Murphy, Charles Parrott (Charlie Chase), Hayford Hobbs. 10 ep.

NOS DIAS DE DANIEL BOONE / IN THE DAYS OF DANIEL BOONE / Universal. Jack Mower, Eileen Segdwick, Charles Brinley. 15 ep.

A PISTA DO OREGON / THE OREGON TRAIL / Universal. Art Acord, Louise Lorraine, Duke R. Lee. 18 ep.

A FORTUNA FANTASMA / THE PHANTOM FORTUNE / Universal. William Desmond, Esther Ralston, Lewis Sargent. 12 ep.

O TESOURO OCULTO / PLUNDER /  Pathé. Pearl White, Harry Semels, Warren Krech (Warren Williams). 15 ep.

RUTH, A VELOZ / RUTH OF THE RANGE / Pathé. Ruth Roland, Bruce Gordon, Ernest C. Warde. 15 ep.

OS MISTÉRIOS DA MONTANHA / THE SANTA FE TRAIL / Arrow. Neva Gerber, Jack Perrin, James Welch. 15 ep.

O PIRATA SOCIAL / THE SOCIAL BUCCANEER / Universal. Jack Mulhall, Margaret Livingstone, William Welch. 10 ep.

O CAMINHO DE FERRO / THE STEEL TRAIL / Universal. William Duncan, Edith Johnson, Harry Carter. 15 ep.

A CIGANITA / GOSSETTE / Societé des Cinéromans. Régine Bouet, Georges Charlia, Jean d’Yd.

O REI DE PARIS / LE ROI DE PARIS / Établissements Louis Aubert. Jean Dax, Suzanne Munte, Germaine Vallier. 12 ep.

VIDOCQ / VIDOCQ  / Societé des Cinéromans. René Navarre, Rachel Devirys, Elmire Vautier. 10 ep.

TAO / TAO / Societé des Cinéromans. Joe Hamman, Mary Harald, Andrée Brabant. 10 ep.

1924

O MISTÉRIO DE OURO E SANGUE  / BATTLING BREWSTER / Rayart. Franklyn Farnum, Helen Holmes, Leon Holmes. 15 ep.

A FEBRE DO OURO / DAYS OF ’49 / Arrow. Neva Gerber, Edmund Cobb, Charles Brinley. 15 ep.

O EXPRESSO MISTERIOSO ou O MISTÉRIO DO EXPRESSO / THE FAST EXPRESS / Universal. William Duncan, Edith Johnson, Edward Cecil. 15 ep.

PORTAS MALDITAS / THE FORTIETH DOOR  / Pathé. Allene Ray, Bruce Gordon, Frank Lackteen. 10 ep.

CASCOS QUE VOAM / GALLOPING HOOFS / Pathé. Allene Ray, Johnnie Walker, J. Barney Sherry. 10 ep.

NAS MALHAS DA LEI / INTO THE NET / Pathé. Edna Murphy, Jack Mulhall, Constance Bennett. 10 ep.

O HOMEM DE AÇO / THE IRON MAN / Universal. Lucien Albertini, Margaret Morris, Joe Bonomo. 15 ep.

A CONQUISTA DOS BÁRBAROS / LEATHERSTOCKING / Pathé. Edna Murphy, Harold Miller, Frank Lackteen. 10 ep.

O CAVALEIRO DAS SOMBRAS / THE RIDDLE RIDER / Universal. William Desmond, Eileen Segdwick, Helen Holmes. 15 ep.

EMOÇÕES SANGRENTAS / RIDERS OF THE PLAINS / Arrow. Jack Perrin, Marilyn Mills, Ruth Royce. 15 ep.

AS DEZ CICATRIZES / TEN SCARS MAKE A MAN / Pathé.  Allene Ray, Jack Mower, Rose Burdick. 10 ep.

O DESTINO DE UM HOMEM / WAY OF A MAN / Pathé. Allene Ray, Harold Miller, Bud Osborne. 10 ep.

LOBOS DO NORTE / WOLVES OF THE NORTH / Universal. William Duncan, Edith Johnson, Joseph W. Girard.  10 ep.

MANDRIN / MANDRIN / Societé des Cinéromans. Romuald Joubé, Johanna Sutter, Hugues de Bagratide. 8 ep.

O REI GALANTE / LE VERT-GALANT / Societé des Cinéromans. Aimé-Simon- Gerard, Maurice Schutz, Pierre de Guingand. 8 ep.

OS FILHOS DO SOL / LE FILS DU SOLEIL / Societé des Cinéromans. Marquisette Bosky, Georges Charlia,  Marcel Vibert. 8 ep.

O GAROTO DA PRAÇA / L’ ENFANT DES HALLES / Societé des Cinéromans. Jean-Paul de Baere, Gabriel Signoret, Suzanne Bianchetti,. 5 ep.

1925

O ÁS DE ESPADAS / ACE OF SPADES / Universal. William Desmond, Mary McAllister, Albert J. Smith. 15 ep.

O ENIGMA DO TOPÁZIO / FIGHTING RANGER / Universal. Jack Daugherty, Eileen Sedgwick, Al Wilson. 18 ep.

O HERÓI DA BRIGADA DE FOGO / THE FLAME FIGHTER / Rayart. Herbert Rawlinson, Brenda Lane, Jerome  La Gasse. 10 ep.

O SANSÃO DO CIRCO / THE GREAT CIRCUS MYSTERY / Universal. Joe Bonomo. Louise Lorraine, Robert J. Graves. 15 ep.

O FANTASMA VERDE / THE GREEN ARCHER / Pathé. Allene Ray, Walter Miller, Burr McIntosh. 10 ep.

A MERCÊ DA VIDA / IDAHO / Pathé. Vivian Rich, Mahlon Hamilton, Frederick Vroom. 10 ep.

A CAIXA DOS MISTÉRIOS / THE MYSTERY BOX / Vital Exchanges (Davis Distributing Division). Ben Wilson, Neva Gerber, Lafe Mckee. 10 ep.

PERIGOS DAS FLORESTAS / PERILS OF THE WILD / Universal. Joe Bonomo, Margaret Quimby, Jack Mower. 15 ep.

A MÃO ARMADA / PLAY BALL /  Pathé. Allene Ray, Walter Miller, Harry Semels. 10 ep.

O DEUS DA ENERGIA / THE POWER GOD / Vital Exchanges (Davis Distributing Division). Ben Wilson, Neva Gerber, Lafe McKee. 15 ep.

NAS MALHAS DO SERVIÇO SECRETO / SECRET SERVICE SAUNDERS / Rayart. Richard Holt, Ann Little, Helen Broneau. 15 ep.

AS DOBRAS DE PRATA / SUNKEN SILVER / Pathé. Allene Ray, Walter Miller, Frank Lackteen. 10 ep.

OS CONQUISTADORES DO EL-DORADO 0u OS PIONEIROS / WILD WEST / Pathé. Jack Mulhall, Helen Fergusson, Ed Burns. 10 ep.

O FALSO LORD / MYLORD L ‘ARSOUILLE / Societé des Cinéromans. Aimé-Simon Gerard, Maria Dalbalcín, Simone Vaudry.  8 ep.

SURCOUF, O REI DOS CORSÁRIOS / SURCOUF  / Societé des Cinéromans. Jean Angelo, Jacqueline Blanc, Maria Dalbacín. 8 ep.

OS MISERÁVEIS / LES MISERABLES  / Societé des Cinéromans. Gabriel Gabrio, Sandra Milowanoff, Jean Toulot. 4 ep.

O CORCUNDA / LE BOSSU  / Établissements Jacques Haik. Gaston Jacquet, Marcel Vibert, Claude France. 4 ep.

1926

A HERDADE MISTERIOSA / THE BAR-C MYSTERY / Pathé. Wallace McDonald, Dorothy Phillips, Ethel Clayton. 10 ep.

O HERÓI DA GUARDA-COSTA / CASEY OF THE COAST GUARD (Pathé. George O’Hara, Helen Ferguson, J. Barney Sherry. 10 ep.

PUNHOS DE AÇO / THE FIGHTING MARINE / Pathé. Gene Tunney, Walter Miller, Marjorie Gay.  10 ep.

AS AVENTURAS DE BUFFALO BILL / FIGHTING WITH BUFFALO BILL / Universal. Wallace MacDonald, Elsa Benham, Edmund Cobb. 10 ep.

A CASA SEM CHAVE / HOUSE WITHOUT A KEY / Pathé. Allene Ray, Walter Miller, Frank Lackteen. 10 ep.

O RELÂMPAGO / LIGHTNING HUTCH / Arrow (Hurricane). Charles Hutchinson, Edith Thornton, Vriginia Pearson. 10 ep.

O PILOTO MISTERIOSO / MYSTERY PILOT / Rayart. Rex Lease, Kathryn McGuire, Jack McReedy. 10 ep.

O OFICIAL 444 / OFFICER 444 / Goodwill (Davis Distributing Division). Ben Wilson, Neva Gerber, Ruth Royce. 10 ep.

O POLICIA FANTASMA / PHANTOM POLICE / Rayart. Herbert Rawlinson, Gloria Joy, Edward Featherstone. 10 ep.

O SHERLOCK DO RADIUM / THE RADIO DETECTIVE / Universal. Jack Daugherty, Margaret Quimby, John T. Prince. 10 ep.

O RAIO ESCARLATE / THE SCARLET STREAK / Universal. Jack Daugherty, Lola Todd, John Elliott. 10 ep.

FAÇANHAS DE UM ESCOTEIRO / SCOTTY OF THE SCOUTS / Rayart. Ben Alexander, Paddy O’Flynn, Mary Jane Irving. 10 ep.

O AVIÃO SILENCIOSO / THE SILENT FLYER / Universal. O cachorro Silver Streak Malcolm MacGregor, Louise Lorraine. 10 ep.

NO DESERTO DA NEVE / SNOWED IN / Pathé. Allene Ray, Walter Miller,  Frank Austin. 10 ep.

TENTÁCULOS DE AÇO / STRINGS OF STEEL / Universal. William Desmond, Eileen Segdwick, Albert J. Smith. 10 ep.

O OFICIAL 77 / TROOPER 77 / Rayart. Herbert Rawlinson, Hazel Deane, jimmy Aubrey. 10 ep.

O ROUBO DOS MILHÕES / VANISHING MILLLIONS / Sierra. William Fairbanks, Vivian Rich, Alec B. Francis. 15 ep.

O ÍDOLO PISCADOR / THE WINKING IDOL / Universal. William Desmond, Eileen Segdwick, Jack Richardson. 10 ep.

A TEIA DE ARANHA / THE SPIDER’S NET / Tenneck. Tomadas de arquivo de filmes de dois rolos com Eileen Sedgwick e o cão Lightning, reeditada sob a forma de seriado.

1927

O REI DOS DETETIVES / BLAKE OF THE SCOTLAND YARD / Universal. Hayden Stevenson, Gloria Grey, Herbert Prior. 12 ep.

A CENTELHA ENCARNADA / THE CRIMSON FLASH / Pathé. Cullen Landis, Eugenia Gilbert, Tom Holding. 10 ep.

AS AVENTURAS DE UM REPÓRTER / FIGHTING FOR FAME / Rayart. Ben Alexander, Hazel Dean, Eddie Featherstone. 10 ep.

A LUTA CONTRA O FOGO / THE FIRE FIGHTERS / Universal. Jack Daugherty, Helen Ferguson, Florence Allen. 10 ep.

O CAVALO SELVAGEM / THE GOLDEN STALLION / Pathé. Maurice “Lefty” Flynn, Joe Bonomo, Molly Malone, o cavalo White Fury. 10 ep.

O TERRÍVEL BANDOLEIRO / HAWK OF THE HILLS / Pathé. Allene Ray, Walter Miller, Frank Lackteen. 10 ep.

O CAVALO  FANTASMA ou O REI DOS GAUCHOS / HEROES OF THE WILD / Mascot. Jack Hoxie, Josephine Hill, Joe Bonomo, o cão Tornado, o cavalo White Fury. 10 ep.

A ILHA DO TESOURO ENTERRADO / THE ISLE OF SUNKEN GOLD / Mascot. Anita Stewart, Bruce Gordon, Duke Kahanomoku. 10 ep.

O REI DA FLORESTA / KING OF THE JUNGLE / Rayart. Elmo Lincoln, Sally Long, Gordon Standing. 10 ep.

A CASA DOS MISTÉROS / THE MANSION OF MYSTERY / Pizor. William Barrymore, Teddy Reavis, Fred Church. 10 ep.

O GRANDE ENIGMA / THE MASKED MENACE / Pathé. Larry Kent, Jean Arthur, Tom Holding. 10 ep.

A FORTUNA INFERNAL / MELTING MILLIONS / Pathé. Allene Ray, Walter Miller, E.H. Calvert. 10 ep.

VIGILÂNCIA DO DIREITO / ON GUARD / Pathé. Cullen Landis, Muriel Kingston, Louise Du Pre. 10 ep.

OS PERIGOS DA SELVA / PERILS OF THE JUNGLE / Weiss Brothers Artclass. Eugenia Gilbert, Frank Merrill, Albert J. Smith. 10 ep.

REAPARIÇÃO DO CAVALEIRO DAS SOMBRAS / RETURN OF THE RIDDLE RIDER / Universal. William Desmond, Lola Todd, Scotty Mattraw. 10 ep.

A CICATRIZ ESCARLATE / THE SCARLET BRAND / New-Cal. Neal Hart, William Quinn, Lucille Irwin. 10 ep.

AS PEGADAS DO TIGRE / TRAIL OF THE TIGER / Universal. Jack Daugherty, Frances Teague, Jack Mower. 10 ep.

A ESTRADA DA MORTE / WHISPERING SMITH RIDES / Universal. Wallace MacDonald, Rose Blossom, J. P. McGowan. 10 ep.

O FANTASMA DO LOUVRE / BELPHEGOR / Societé des Cinéromans. René Navarre, Elmire Vaultier, Lucien Dalsace. 8 ep.

O FANTASMA DA TORRE EIFFEL / LE MYSTÈRE DE LA TOUR EIFFEL / Établissements Louis Aubert. Félicien Tramel, Gaston Jacquet, Régine Bouet. 6 ep.

1928

OS MISTÉRIOS DO BAIRRO CHINÊS / THE CHINATOWN MYSTERY / Syndicate Pictures. Joe Bonomo, Ruth Hiatt, Paul Malvern. 10 ep.

A ÁGUIA DA NOITE / EAGLE OF THE NIGHT / Pathé. Frank Clarke, Shirley Palmer, Earle Metcalfe. 10 ep.

A ILHA MALDITA / HAUNTED ISLAND / Universal. Jack Daugherty, Helen Foster,  Carl Miller. 10 ep.

O HOMEM SEM ROSTO / THE MAN WITHOUT A FACE / Pathé. Allene Ray, Walter Miller, E. H. Calvert. 10 ep.

A QUADRILHA DOS SAPOS /  MARK OF THE FROG / Pathé. Donald Reed, Margaret Morris, George Harcourt. 10 ep.

O AVIADOR MISTERIOSO / THE MYSTERIOUS AIRMAN / Weiss Brothers Artclass. Walter Miller, Eugenia Gilbert, Robert Walker. 10 ep.

A MÃO SINISTRA / THE MYSTERY RIDER / Universal. William Desmond, Derelys Perdue, Tom London. 10 ep.

O TUBO SECRETO / THE POLICE REPORTER / Weiss Brothers Artclass. Walter Miller, Eugenia Gilbert, William A. Lowery. 10 ep.

A SETA ESCARLATE ou A SETA VERMELHA / THE SCARLET ARROW / Universal. Francis X. Bushman, Jr., Hazel Keener, Edmund Cobb. 10 ep.

TARZAN, O PODEROSO / TARZAN, THE MIGHTY / Universal. Frank Merrill, Natalie Kingston, Al Ferguson. 15 ep.

OS TERRÍVEIS / THE TERRIBLE PEOPLE / Pathé. Allene Ray, Walter Miller, Larry Steers. 10 ep.

A SOMBRA DO TIGRE / THE TIGER’S SHADOW / Pathé. Gladys McConnell, Hugh Allen, Frank Lackteen. 10 ep.

O CAVALEIRO INVISÍVEL / THE VANISHING RIDER / Universal. William Desmond, Ethlyne Clair, Bud Osborne. 10 ep.

O OESTE BRAVIO ou O TESOURO DO PASSADO / THE VANISHING WEST / Mascot. Jack Perrin, Eileen Sedgwick, Jack Daugherty. 10 ep.

ABUTRES DO MAR / VULTURES OF THE SEA / Mascot. Johnnie Walker, Shirley Mason, Tom Santschi. 10 ep.

O CAMAFEU AMARELO / THE YELLOW CAMEO /  Pathé. Allene Ray, Edward Hearn, Noble Johnson, o cão Cyclone. 10 ep.

1929

O ÁS DA POLICIA LONDRINA / THE ACE OF SCOTLAND YARD /  Universal. Crauford Kent, Florence Allen, Herbert Prior. 10 ep.

O LIVRO NEGRO / THE BLACK BOOK / Pathé. Allene Ray, Walter Miller, Frank Lackteen. 10 ep.

O REI DOS DIAMANTES / THE DIAMOND MASTER / Universal. Hayden Stevenson, Louise Lorraine, Al Hart. 10 ep.

O AVISO FATAL / THE FATAL WARNING / Mascot. Helene Costello, Ralph Graves,  George Periolat. 10 ep.

O BOMBEIRO DETETIVE / THE FIRE DETECTIVE. Pathé. Gladys McConnell, Hugh Allan, Leo Maloney. 10 ep.

O UIVAR DAS FERAS ou O REI DO CONGO / KING OF THE KONGO. Mascot. Jacqueline Logan, Walter Miller, Richard Tucker. 10 ep.

O PIRATA DO PANAMÁ / PIRATE OF PANAMA / Universal. Jay Wilsey, Natalie Kingston, Al Ferguson. 12 ep.

O LOBO SINISTRO / QUEEN OF THE NORTHWOODS / Pathé. Ethlyne Clair, Walter Miller, Tom London. 10 ep.

TARZAN, O TIGRE / TARZAN, THE TIGER.  Universal. Frank Merrill, Natalie Kingston, Lillian Worth. 15 ep.

1930

ÍNDIOS DO OESTE / THE INDIANS ARE COMING / Universal. Tim McCoy, Allene Ray, Edmund Cobb. 12 ep. Obs. Lançado em duas versões, muda e sonora.

A CAIXA SAGRADA / THE  JADE BOX / Universal. Jack Perrin, Eileen Sedgwick, Monroe Salisbury. 10 ep. Obs.Lançado em duas versões, muda e sonora, esta última como score musical sincronizado, efeitos sonoros e diálogos.

O EXPRESSO DO OESTE / THE LIGHTNING EXPRESS / Universal. Lane Chandler, Louise Lorraine, Al Ferguson. 10 ep. Obs. Lançado em duas versões, muda e sonora, esta última com musical score sincronizado, efeitos sonoros e diálogos.

A QUADRILHA DOS MENDIGOS / TERRY OF THE TIMES / Universal. Reed Howes, Lotus Thompson, Sheldon Lewis. 10 ep. Obs. Lançado em duas versões, muda e sonora,  esta última com score musical sincronizado, efeitos sonoros, mas sem diálogo.

ADENDO:

Fernando Moretzohn, notável pesquisador de Belo Horizonte, enviou-me uma relação de títulos em português alternativos para alguns seriados, que ele colheu nas revistas Cinearte e Scena Muda. Presumo que se trata de títulos dados à reprises. No meu artigo coloquei apenas os títulos referentes à primeira exibição.

Zudora –  O Detetive Misterioso

The Exploits of Elaine – As Bravuras de Elaine

The Broken Coin –  A Moeda Quebrada

Il Triangulo Giallo – Za la Mort

Hands Up! – O Cavaleiro Misterioso

Perils of Thunder Mountain – O Mistério da Montanha do Trono

The Lurking Peril –  O Pacto da Morte

Hidden Dangers – Perigos Ocultos

Hurrucane Hutch – Furacão

The Sky Ranger – O Batedor do Céu

Vidcoq – Vidocq, o Forçado Evadido

Mandrin – Mandrino

Ten Scars Made a Man – As Dez Cicatrizes

Idaho – Nos Sertões Americanos

Wild West – Os Pioneiros

SERIADOS MUDOS AMERICANOS E EUROPEUS NO BRASIL I

Nos anos sessenta, chegou-me às mãos, por intermédio de Gil Araujo, saudoso guardião da memória cinematográfica, uma relação dos seriados mudos americanos e europeus exibidos no Brasil, elaborada, em décadas anteriores, por um grupo de veteranos estudiosos dos filmes antigos, entre os quais se incluiam Pery Ribas, Fernando Pedreira, Walter Finger, Alex Viany, Michel do Espirito Santo, Antonio Cardoso e Rozendo Marinho. Os cinco últimos eu conhecí pessoalmente. Era um trabalho valioso, principalmente no que dizia respeito aos títulos em português dos seriados e achei que seria muito importante preservá-lo, a fim de que pudesse servir a futuros estudos sobre a exibição de filmes em nosso país.

Com base em variadas fontes, como o Catalog of Copyright Entries  da Biblioteca do Congresso Americano (1912-1939); Serials and Series de Buck Rainey (para o qual  o brasileiro José Simões Filho prestou uma assistência significativa); Bound and Gagged – The Story of the Silent Serials e Continued Next Week de Kalton C. Lahue; French Cinema – The First Wave 1915-1929 de Richard Abel e outros, bem como jornais brasileiros da época, fiz uma revisão da dita relação, corrigindo erros e/ou omissões.

Extirpei filmes que costumam ser classificados como seriados, mas que na realidade são séries, porque não existia conexão entre os episódios e quase sempre não terminavam por um lance de suspense (cliffhanger) como as séries francêsas Main de Fer, Nick Winter, Nick Carter, Rocambole, Zigomar, Fantomas; a inglêsa Dick Turpin, a italiana Maciste com Bartolomeo Pagano; a alemã Ramara com o personagem Phantomas; as americanas de Mary Fuller e As Façanhas de Helen / The Hazards of Helen / 1914 etc. – porém mantive alguns filmes exibidos em três ou mais partes, cujos episódios tinham uma ligação entre si.

1913

AS AVENTURAS DE KATHLYN  ou  AS AVENTURAS DE CATARINA / THE ADVENTURES OF KATHLYN / Selig. Kathlyn Williams, Tom Santschi, Charles Clary. 13 ep.

1914

OS MISTÉRIOS DE NOVA YORK / THE EXPLOITS OF ELAINE / Pathé. Pearl White, Creighton Hale, Arnold Daly. 14 ep.

A RAPARIGA MISTERIOSA / LUCILLE LOVE, GIRL OF MYSTERY / Universal. Francis Ford, Grace Cunnard, Harry Schumm. 15 ep.

THE MAN WHO DISAPPEARED / Edison. Marc MacDermott, Barry O’Moore, Miriam Nesbitt. 10 ep.

A CHAVE MESTRA / THE MASTER KEY / Universal. Robert Leonard, Ella Hall, Harry Carter. 15 ep.

O MISTÉRIO DE UM MILHÃO DE DÓLARES / THE MILLION DOLLAR MYSTERY / Thanhouser. Florence LaBadie, Marguerite Snow, James Cruze. 23 ep.

AS AVENTURAS DE ELAINE / THE PERILS OF PAULINE / Pathé. Pearl White, Crane Wilbur, Paul Panzer. 20 ep. Obs. A rigor, trata-se de uma série porém, cf. Kalton C. Lahue,  pode ser classificado como seriado, porque alguns episódios terminavam por um lance de suspense.

OS TRÊS CORAÇÕES / THE TREY O’ HEARTS / Universal. Cleo Madison, George Larkin, Edward Sloman. 15 ep.

ZUDORA ou O MISTÉRIO DOS 20 MILHÕES DE DÓLARES / ZUDORA. Obs. Após o décimo capítulo, o título original mudou para  THE TWENTY MILLION DOLLAR MYSTERY / Thanhouser. James Cruze, Marguerite Snow, Harry Benham. 20 ep. Como me informou Sergio Leemann, em São Paulo foi lançado como O Detetive Misterioso.

1915

THE ROAD TO STRIFE / Lubin. Crane Wilbur, Mary Charleson, Jack Standing.15 ep.

A CAIXA NEGRA / THE BLACK BOX / Universal. Herbert Rawlinson, Anna Little, William Worthington. 15 ep.

NEAL OF THE NAVY / Balboa (Pathé). William Courtleigh, Jr., Lillian lorraine, William Conklin. 14 ep.

THE GODDESS / Vitagraph. Anita Stewart, Earle Williams, Paul Scardon. 15 ep.

RUNAWAY JUNE / Reliance. Norma Phillips, J.W. Johnston,Myra Brooks. 15 ep.

A MOEDA PARTIDA / THE BROKEN COIN / Universal. Francis Ford, Grace Cunnard,  Harry Schumm. 22 ep.

O DIAMANTE DO CÉU / THE DIAMOND FROM THE SKY / North American. Lottie Pickford, Irving Cummings, William Russell. 30 ep.

THE FATES AND FLORA FOURFLUSH (THE TEN BILLION DOLLAR VITAGRAPH MYSTERY SERIAL) / Vitagraph. Clara Kimball Young, Charles Brown, L. Rogers Lytton. 3 ep.

MULHER AUDACIOSA / THE GIRL AND THE GAME  / Signal (Mutual). Helen Holmes, J. P. McGowan, Leo Maloney. 15 ep.

OS MISTÉRIOS DE NOVA YORK / THE NEW EXPLOITS OF ELAINE / Pathé. Pearl White, Creighton Hale, Arnold Daly. 10 ep.

O MISTÉRIO DA MALHA RUBRA ou O ESTIGMA / THE RED CIRCLE / Pathé. Ruth Roland, Frank Mayo, Gordon Sackville. 14 ep.

OS MISTÉRIOS DE NOVA YORK / THE ROMANCE OF ELAINE / Pathé. Pearl White, Creighton Hale, Arnold Daly. 12 ep.

OS VAMPIROS / LES VAMPIRES / Gaumont. Edouard Mathé, Musidora,  Marcel Levesque, Jean Aymé, Stacia Napierkowska. 10 ep.

1916

A FILHA DO CIRCO / THE ADVENTURES OF PEG O’THE RING / Universal. Francis Ford, Grace Cunnard, G. Raymond Nye. 15 ep.

OS ESTRANGULADORES DE NOVA YORK ou OS MISTÉRIOS DA MANCHA VERMELHA / THE CRIMSON STAIN MYSTERY / Consolidated  (Metro). Maurice Costello, Ethel Grandin, Thomas J. McGrane. 16 ep.

GLORIA’S ROMANCE / O ROMANCE DE GLÓRIA / Kleine. Billie Burke, David Powell, William Roselle. 20 ep.

THE GRIP OF EVIL / Pathé.Jackie Saunders, Roland Bottomely, Charles Dudley. 14 ep.

THE SECRET KINGDOM / Vitagraph. Charles Richman, Dorothy Kelly, Arline Pretty. 15 ep.

O ENIGMA DA MÁSCARA ou A GARRA DE FERRO / THE IRON CLAW / Pathé. Pearl White, Creighton Hale, Sheldon Lewis. 20 ep.

LASS OF THE LUMBERLANDS / Signal (Mutual).  Helen Holmes, Thomas Lingham, Leo Maloney. 15 ep.

A HERANÇA FATAL / LIBERTY, A DAUGHTER OF THE U.S.A. / Universal. Marie Walcamp, Jack Holt, Eddie Polo. 20 ep.

OS MISTÉRIOS DE MYRA ou OS MISTÉRIOS DA SEITA NEGRA / THE MYSTERIES OF MYRA / International (Pathé). Jean Sothern, Howard Eastabrook, Allen Murname. 15 ep.

O CORREIO DE WASHINGTON / PEARL OF THE ARMY / Pathé. Pearl White, Ralph Kellard, Marie Wayne. 15 ep.

A MÁSCARA VERMELHA / THE PURPLE MASK / Universal. Francis Ford, Grace Cunnard, Jean Hathaway. 16 ep.

O SEGREDO DO SUBMARINO / THE SECRET OF THE SUBMARINE / American (Mutual). Juanita Hansen, Thomas Chatterton, George Clancy. 15 ep.

THE SEQUEL TO THE DIAMOND FROM THE SKY / American (Mutual). William Russell, Charlotte Burton, Rhea Mitchell. 4 ep.

RAVENGAR / THE SHIELDING SHADOW / Pathé. Grace Darmond, Leon Bary, Ralph Kellard. 15 ep.

O ENIGMA DO SANGUE / THE STRANGE CASE OF MARY PAGE / Essanay. H.B. Walthall, Edna Mayo, Ernest Cossart. 15 ep.

O PERIGO AMARELO ou OS CRIMES DA QUADRILHA TONG FOO / THE YELLOW MENACE / Serial (Unity Sales). Edwin Stevens, Florence  Malone, Margaret Gale. 16 ep.

OS LADRÕES DO GRANDE MUNDO / LOS LADRONES DEL GRAN MUNDO / Royal. Margarida Miró, Lucilla Porres, Pablo Frou. 5 ep.

HOMÚNCULO / HOMUNCULUS / Deustsche Bioscop. Olaf Föens, Friedrich KÜhene, Ernst Ludwig. 6 ep.

1917

JÓIA FATAL / THE FATAL RING / Pathé. Pearl White, Earle Fox, Warner Oland. 20 ep.

O RASTRO SANGRENTO / THE FIGHTING TRAIL / Vitagraph. William Duncan, Carol Holloway, George Holt. 15 ep.

O TELEFONE DA MORTE ou A VOZ FUNESTA / THE VOICE ON THE WIRE / Universal.  Ben Wilson, Neva Gerber, Joseph W. Girard. 15 ep.

THE LOST EXPRESS / Signal. Helen Holmes, Leo Maloney, Thomas G. Lingham. 15 ep.

O ÁS DE OUROS / THE RED ACE / Universal. Marie Walcamp, Larry Peyton, L.M. Wells. 16 ep.

THE RAILROAD RAIDERS / Signal  (Mutual). Helen Holmes, Leo Maloney, William Brunton. 15 ep.

O FANTASMA PARDO / THE GRAY GHOST / Universal. Harry Carter, Priscilla Dean, Emory Johnson. 16 ep.

O GRANDE SEGREDO / THE GREAT SECRET / Serial (Metro). Francis X. Bushman, Beverly Baine, Fred R. Stanton. 18 ep.

THE RAILROAD RAIDERS / Signal (Mutual).Helen Holmes,  Leo Maloney, William Brunton.15 ep.

A MÃO DO DIABO / THE HIDDEN HAND / Pathé. Doris Kenyon, Sheldon Lewis, Mahlon Hamilton. 15 ep.

JIMMMY DALE ALIAS THE GREY SEAL / Monmouth (Mutual). Elmo Lincoln, Edna Hunter, Doris Mitchell. 16 ep.

O MISTÉRIO DA DUPLA CRUZ / THE MYSTERY OF THE DOUBLE CROSS / Pathé. Mollie King, Leon Bary, Ralph Stuart. 15 ep.

O NAVIO FANTASMA / THE MYSTERY SHIP / Universal. Neva Gerber, Ben Wilson, Duke Worne. 18 ep.

A ESPOSA DESPREZADA / THE NEGLECTED WIFE  / Pathé. Ruth Roland, Roland Bottomley, Corinne Grant. 15 ep.

PATRIA / PATRIA  / International Film Service (Pathé). Irene Castle, Milton Sills, Warner Oland. 15 ep.

AS SETE PÉROLAS / THE SEVEN PEARLS / Pathé. Mollie King, Creighton Hale, Leon Bary. 15 ep.

A VINGANÇA E A MULHER. / VENGEANCE AND THE WOMAN / Vitagraph. William Duncan, Carol Holloway, George Holt. 15 ep.

QUEM É O NÚMERO UM? / WHO IS NUMBER ONE?  / Paramount. Kathleen Clifford, Cullen Landis, Gordon  Sackville. 15 ep.

JUDEX / JUDEX / Gaumont. René Cresté, Musidora, Yvette Andreyor. 12 ep.

A QUADRILHA DOS RATOS CINZENTOS ou O ETERNO ZA LA MORT / I TOPI GRIGI / Tiber. Emilio Ghione, Kally Sambucini, Albert-Francis Bertone. 8 ep.

O TRIÂNGULO AMARELO / IL TRIANGOLO GHIALLO / Tiber. Emilio Ghione, Kally Sambucini, Odette De Virgili. 4 ep.

OS MISTÉRIOS DE PARIS / PARIGI MISTERIOSA / Caesar. Olga Benetti, Alfredo Bracci, Lea Giunchi. 4 ep.

MEFISTO, O HOMEM MISTERIOSO / MEFISTO / Studio Film. Lola Paris, Baltasar Banquells, Blanca Valoris. 12 ep.

A SEITA DOS MISTERIOSOS / LA SECTA DE LOS MISTERIOSOS / Hispano. José Durany, Joaquin Carrasco, Helena Bernis. 3 ep.

1918

A BALA DE BRONZE /THE BRASS BULLET / Universal. Juanita Hansen, Jack Mulhall, Josep W. Girard. 18 ep.

CODY, O INVENCÍVEL  ou  ROLLEAUX , O INVENCÍVEL / BULL’S EYE / Universal. Eddie Polo, Vivian Reed, Frank Lanning. 18 ep.

A DAUGHTER OF UNGLE SAM / Jaxon (General Film Corporation). Jane Vance, William Sorelle, Henry Carleton. 12 ep.

OS OLHOS DA ÁGUIA / THE EAGLE’S EYE  / Wharton – American. King Baggot, Marguerite Snow, Bertram Marburgh. 20 ep.

A LUTA PELOS MILHÕES / A FIGHT FOR MILLIONS / Vitagraph. William Duncan, Edith Johnson, Joe Ryan. 15 ep.

O CAVALEIRO FANTASMA ou A PRINCESA INCA / HANDS UP / Pathé. Ruth Roland, George Chesebro, George Larkin. 15 ep.

A CASA DO ÓDIO / THE HOUSE OF HATE / Pathé. Pearl White, Antonio Moreno, Peggy Shanor. 20 ep.

A MÁSCARA SINISTRA / THE IRON TEST / Vitagraph. Antonio Moreno, Carol Holloway, Barney Furey. 15 ep.

TIH -MINH / Gaumont. Mary Harald, René Cresté, Georges Biscot. 12 ep.

NAS GARRAS DOS LEÕES / THE LION’S CLAW / Universal. Marie Walcamp,  Roy Hanford, Neal Hart.  18 ep.

SEDUÇÃO DO CIRCO / LURE OF THE CIRCUS / Universal. Eddie Polo, Eileen Sedgwick, Harry Carter. 18 ep.

O SILÊNCIO MISTERIOSO / THE SILENT MYSTERY / Burston. Francis Ford, Mae Gaston, Rosemary Theby. 15 ep.

OS MENSAGEIROS DA MORTE / WOLVES OF KULTUR / Pathé. Leah Baird, Charles Hutchinson, Sheldon Lewis. 15 ep.

EM PALPOS DE ARANHA / A WOMAN IN THE WEB / Vitagraph. Hedda Nova, J. Frank Glendon, Robert Bradbury. 15 ep.

A NOVA MISSÃO DE JUDEX / LA NOUVELLE MISSION DE JUDEX / Gaumont. René Cresté, Marcel Levesque, Yvette Andreyor. 12 ep.

O CONDE DE MONTE-CRISTO / LE COMTE DE MONTE-CHRISTO / Film d’Art. Léon Mathot, Nelly Cormon, Alexander Colas. 8 ep.

MASCAMOR / MASCAMOR (Phocéa). Marthe Lenclud, Pierre Marodon, Susanne Roumestan. 14 ep

O PROTEGIDO DE SATANÁS / EL PROTEGIDO DE SATAN (Studio Film). Lola Paris, Baltazar Banquells, Blanca Valoris. 14 ep.

FORÇA E NOBREZA / FUERZA Y NOBLEZA / Royal. Jack Johnson, Lucielle, Fernando Delgado. Série. 4 ep.

1919

AS AVENTURAS DE RUTH ou O MISTÉRIO DAS 13 CHAVES / THE ADVENTURES OF RUTH / Pathé. Ruth Roland, Herbert Heyes, Thomas Lingham. 15 ep.

O SEGREDO NEGRO / THE BLACK SECRET / Pathé. Pearl White, Walter McGrail, Wallace McCutcheon. 15 ep.

PRESO E AMORDAÇADO / BOUND AND GAGGED / Pathé. Marguerite Courtot, George B. Seitz, Nellie Burt. 10 ep.

DUELO MISTERIOSO / THE CARTER CASE  (THE CRAIG KENNEDY SERIAL) / Oliver Films. Herbert Rawlinson, Marguerite Marsh, Ethel Grey Terry 15 ep.

ELMO, O PODEROSO / ELMO, THE MIGHTY / Universal. Elmo Lincoln, Grace Cunnard,  Fred Starr. 18 ep.

A FORTUNA FATAL / THE FATAL FORTUNE / SLK Serial Corporation. Helen Holmes, Jack Levering, Leslie King. 15 ep.

O JOGO TEMERÁRIO / THE GREAT GAMBLE / Pathé. Anne Luther, Charles Hutchinson, Richard Neill. 15 ep.

O MISTÉRIO DO RADIUM / THE GREAT RADIUM MYSTERY / Universal. Eileen Sedgwick, Cleo Madison, Robert Reeves.  18 ep.

O FIO DO DESTINO / LIGHTNING BRYCE / National Film (Arrow). Jack Hoxie, Anna Little, Paul C. Hurst. 15 ep.

A VAMPIRO RELÂMPAGO ou VAMPIRO RELÂMPAGO / THE LIGHTNING RAIDER / Pathé. Pearl White, Warner Oland, Henry G. Sell. 15 ep.

O HOMEM-LEÃO / THE LION MAN / Universal. Kathleen O’Connor, Jack Perrin, Mack Wright. 18 ep.

A SENDA PERIGOSA / THE LURKING PERIL / Wistaria (Arrow). George Larkin, Anne Luther, William Betchel. 15 ep.

O HOMEM PODEROSO / MAN OF MIGHT / Vitagraph. William Duncan, Edith Johnson, Joe Ryan. 15 ep.

O CAVALEIRO MASCARADO / THE MASKED RIDER / Arrow. Harry Myers, Ruth Stonehouse, Paul Panzer. 15 ep.

O HOMEM DE AÇO / THE MASTER MYSTERY / Octagon. Harry Houdini, Marguerite Marsh, Ruth Stonehouse. 15 ep.

O HOMEM DA MEIA-NOITE / THE MIDNIGHT MAN / Universal. James J. Corbett, Kathleen O’Connor, Joseph W. Girard. 18 ep.

O MISTÉRIO DO Nº 13 / THE MYSTERY OF 13 / Burston. Francis Ford, Rosemary Theby, Pete Gerald. 15 ep.

PRECIPÍCIOS DO ÓDIO / THE PERILS OF THUNDER MOUNTAIN / Vitagraph. Antonio Moreno, Carol Holloway, Kate Price. 15 ep.

A LUVA VERMELHA / THE RED GLOVE / Universal. Marie Walcamp, Pat O’Malley, Truman Van Dyke. 18 ep.

TRANSPONDO BARREIRAS / SMASHING BARRIERS / Vitagraph. William Duncan, Edith Johnson, Walter Rodgers. 15 ep.

O TERROR DAS SERRAS / THE TERROR OF THE RANGE / Pathé. Betty Compson, George Larkin, H.P. Carpenter. 7 ep.

NO RASTRO DO TIGRE / THE TIGER’S TRAIL. / Pathé. Ruth Roland, George Larkin, Mark Strong. 15 ep.

O RASTRO DO POLVO / THE TRAIL OF THE OCTOPUS / Hallmark. Ben Wilson, Neva Gerber, Howard Crampton. 15 ep.


A NOVA AURORA/ LA NOUVELLE AURORE / Societé des Cinéromans. René Navarre, José Davert, Rachel Devirys. 15 ep.

A ANDORINHA DE AÇO / L’ HIRONDELLE D’ACIER / Parisienne Films. Georges Gauthier, Suzy Pierson, Anton  De Verdier. 10 ep.

O TRABALHO / LE  TRAVAIL/ Film d’Art. Léon Mathot, Huguette Duflos, Raphaël Duflos. 7 ep.

DÓLARES E FRANCOS / DOLLARI E FRAKS / Tiber. Emilio Ghione, Kally Sambucini, Amilcare Taglienti. 4 ep.

O BOTÃO DE FOGO / EL BOTÓN DE FUEGO / Studio Film. Jose Ardevol, Anita Stephenson, Marco Fox. 10 ep.

A SOBERANA DO MUNDO / DIE HERRIN DER WELT / May-Film GmbH. Mia May, Michael Bohnen, Henry Sze. 8 ep.

1920

AS QUATRO VIRGENS MARCADAS / THE BRANDED FOUR / Select. Ben Wilson, Neva Gerber, Joseph Girard. 15 ep.

AS 13 NOIVAS / BRIDE 13 / Fox. Marguerite Clayton, John O’Brien, William Lawrence. 15 ep.

VIVO OU MORTO / DAREDEVIL JACK / Pathé. Jack Dempsey, Josie Sedgwick, Herschel Mayall. 15 ep.

A REDE DO DRAGÃO ou NAS GARRAS DO DRAGÃO / THE  DRAGON’S NET / Universal. Marie Walcamp, Harlan Tucker, Otto Lederer. 12 ep.

ELMO, O DESTEMIDO / ELMO, THE FEARLESS / Universal. Elmo Lincoln, Louise Lorraine, William Chapman. 18 ep.

MAU OLHADO / THE EVIL EYE / Hallmark. Benny Leonard, Ruth Dwyer. Stuart Hansen. 15 ep.

FANTOMAS / FANTOMAS / Fox. Edward Roseman, Edna Murphy, Johnnie Walker. 20 ep.

O SINAL FATAL / THE FATAL SIGN / Arrow. Claire Anderson, Harry Carter, Leo Maloney. 15 ep.

O DISCO DE FOGO / THE FLAMING DISC / Universal. Elmo Lincoln, Louise Lorraine, Fay Holderness. 18 ep.

O HOMEM DE FERRO / THE HAWK’S TRAIL / Burston. King Baggot, Rhea Mitchell, Grace Darmond. 15 ep.

O PERIGO OCULTO / HIDDEN DANGERS / Vitagraph. Joe Ryan, Jean Paige, George Stanley. 15 ep.

A MÃO INVISÍVEL ou A QUADRILHA DA MÃO DE FERRO / THE INVISIBLE HAND / Vitagraph. Antonio Moreno, Pauline Curley, Jay Morley. 15 ep.

O RAIO INVISÍVEL ou O CLARÃO INVISÍVEL / THE INVISIBLE RAY / Frohman (Joan Film Sales). Jack Sherrill, Ruth Clifford, Sidney Bracey. 15 ep.

O REI DO CIRCO / KING OF THE CIRCUS / Universal. Eddie Polo, Corrine Porter, Kittoria Beveridge. 18 ep.

A CIDADE PERDIDA / THE LOST CITY / Warner Bros. Juanita Hansen, George Chesebro, Frank Clark. 15 ep.

OS CAVALEIROS DA LUA / THE MOON RIDERS / Universal. Art Acord, Mildred Moore, Charles Newton. 18 ep.

O DOMINADOR / THE MYSTERY MIND / Supreme (Pioneer). J. Robert Pauline, Peggy Shanor, Paul Panzer. 15 ep.

UM MILHÃO DE RECOMPENSA / THE $1,000,000 REWARD /  Grossman. Lillian Walker, Coit Albertson, Charles Middleton. 15 ep.

O FANTASMA INIMIGO / THE PHANTOM FOE / Pathé. Juanita Hansen, Warner Oland, Wallace McCutcheon. 15 ep.

OS PIRATAS DO OURO / PIRATE GOLD  / Pathé. Marguerite Courtot, George B. Seitz, Frank Redman. 10 ep.

RUTH DAS MONTANHAS ou RUTH DAS ROCHAS / RUTH OF THE ROCKIES / Pathé. Ruth Roland, Herbert Heyes, Thomas Lingham. 15 ep.

O GRITO DA SOMBRA / THE SCREAMING SHADOW / Hallmark.. Ben Wilson, Neva Gerber, Frances Terry. 15 ep.

A VINGANÇA SILENCIOSA / THE SILENT AVENGER / Vitagraph. William Duncan, Edith Johnson, Jack Richardson. 15 ep.

O FILHO DE TARZAN / SON OF TARZAN / National Film. Kamuela C. Searle, P. Dempsey Tabler, Karla Schram. 15 ep.

O TESTEMUNHO OCULTO / THE THIRD EYE / Pathé. Eileen Percy, Warner Oland, Jack Mower. 15 ep.

JACK, O DESTEMIDO / THUNDERBOLT JACK / Berwilla (Arrow). Jack Hoxie, Mari Sais, Chris Frank. 15 ep.

ALMA DE TIGRE / THE TIGER BAND / Holmes Producing Corporation (Warner Bros.). Helen Holmes, Jack Moweer, Dwigth Crittenden. 15 ep.

PERSEGUIDO POR TRÊS / TRAILED BY THREE / Pathé. Frances Mann, Stuart Holmes, Wilfred Lytell.15 ep.

A PUNHALADA MISTERIOSA / THE VANISHING DAGGER /Universal. Eddie Polo, Thelma Percy, G. Norman Hammond. 18 ep.

CAMINHOS OCULTOS / VANISHING TRAILS / Canyon. Franklyn Farnum, Mary Anderson, Duke R. Lee. 15 ep.

O VÉU MISTERIOSO / THE VEILED MYSTERY / Vitagraph. Antonio Moreno, Pauline Curley, Henry A. Barrows. 15 ep.

DEDOS DE VELUDO / VELVET FINGERS / Pathé. George B. Seitz, Marguerite Courtot, Harry Semels. 15 ep.

O FURACÃO ou A MOTOCICLETA DA MORTE / THE WHIRLWIND / Allgood (Republic). Charles Hutchinson, Edith Thorton, Richard Neill. 15 ep.

A CASA DOS MISTÉRIOS ou A DAMA EM GRIS / A WOMAN IN GREY / Serico. Arline Pretty, Henry G. Sell, Fred Jones. 15 ep.

O PACTO INFERNAL / QUAND ON AIME / Pathé. Julia Bruns, Arnold Daly, Renée Fagan. 10 ep.

A PONTE DOS SUSPIROS / IL PONTE DEI SOSPIRI / Albertini Films. Luciano Albertini,  Antonietta Calderari, Onorato Garaveo. 8 ep.

OS MISTÉRIOS DE PARIS / PARIS MYSTÉRIEUX / Parisienne. Georges Gauthier, Jeanne Brindeau, Marie Heil. 10 ep.

BARRABAS / BARRABAS / Gaumont. Gaston Michel, Fernand Hermann, Edouard Mathé, Georges Biscot. 12 ep.

FILMES POLICIAIS DE JEAN-PIERRE MELVILLE

Ele foi um dos mais importantes cineastas independentes do cinema francês, emergindo no período imediato após a Segunda Guerra Mundial. Desde a infância, tornou-se um grande admirador da cultura americana, da qual derivaram o seu nome artístico (homenagem ao autor de Moby Dick, Herman Melville) e seus filmes, especialmente os policiais.

Jean-Pierre Melville (1917-1973), cujo verdadeiro nome era Jean-Pierre Grumbach, tinha como  ancestrais  judeus da Alsácia. O pai, homem de negócios, mudou-se para Paris, onde Jean-Pierre nasceu e estudou (no Lycée Condorcet, colégio muito respeitado para alunos da classe média). Em 1924, quando tinha sete anos de idade, Jean-Pierre ganhou de presente de sua família uma câmera Pathé-Baby e logo depois um projetor, que lhe permitia ver lançamentos de filmes recentes em 9.5mm. Graças ao seu projetor ele podia ver quatro ou cinco filmes novos por semana.

Depois do advento do som, seu dia começava às nove horas da manhã em um cinema (o Paramount) e terminava da mesma maneira às três horas da manhã seguinte. Como observou Ginette Vincendeau (Jean-Pierre Melville – An American in Paris, British Film Institute, 2006), “a educação cinematográfica de Melville, na sua voracidade e americanofilia, antecipavam à dos críticos da Nouvelle Vague”.

Em 1937, aos 17 anos, Jean-Pierre prestou serviço militar no “Spahis”, regimento de cavalaria colonial. Em setembro de 1940, o regimento ficou encurralado na Bélgica e ele foi evacuado via Dunquerque e repatriado para a França. No seu retorno, Jean-Pierre  dirigiu-se para Castres no Sul, para onde sua família havia se mudado, juntando-se às redes da Resistência “Libération” e “Combat” sob o nome de Cartier e depois, Melville.

Após a Libertação, a sua cinefilia e familiaridade com o meio cinematográfico levaram Melville a realizar um curta-metragem, 24 Heures de la vie d’un Clown / 1946, semi-documentário de 17 minutos sobre a vida do palhaço Béby do circo Médrano, que poucas pessoas viram e ele sempre renegou veementemente. Depois dessa falsa estréia, o seu “verdadeiro” começo foi mais espetacular – Le Silence de la Mer / 1949, tornou-se um clássico instantaneamente.

Pude ver todos os 13 filmes em longa-metragem de Melville, entre os quais se incluem ainda Les Enfants Terribles / 1950; Quando Leres Esta Carta / Quando Tu Liras Cette Lettre / 1953; Deux Hommes dans Manhattan / 1959; Léon Morin, o Padre (TV) / Léon Morin, Prêtre / 1961; L’Ainé des Ferchaux / 1963; e o extraordinário O Exército das Sombras / L’Armée des Ombres; porém, neste artigo, falo apenas sobre seus filmes policiais ou de gângster: Bob le Flambeur / 1956, Técnica de um Delator / Les Doulos / 1962, Os Profissionais do Crime / Le Deuxième Souffle / 1966, O Samurai / Le Samourai / 1967, O Círculo Vermelho / Le Cercle Rouge / 1970 e Expresso para Bordeaux / Un Flic / 1972.

Melville inaugura a série de filmes policiais com Bob le Flambeur / 1956. É a história de Robert Montagné (Roger Duchesne), conhecido como Bob le Flambeur, ex-gângster, agora na meia-idade e viciado no jogo, que anda sem sorte, mas ainda é uma “lenda viva” em Montmartre. Ele passa suas noites em antros de jogatina e boates (“entre a noite e o dia entre o céu e o inferno”) na companhia de seu velho amigo Roger (André Garet) e do seu jovem protegido Paulo (Daniel Cauchy), sob  o olhar atento do inspetor de polícia local Ledru (Guy Decomble), cuja vida Bob havia salvo no passado. Depois de ganhar algum dinheiro nas corridas, Bob vai para Deauville com Roger, a fim de jogar no cassino, onde perde tudo o que ganhara. Roger fica sabendo por Jean (Claude Cerval), ex-criminoso e agora crupiê, sobre um depósito fabuloso de dinheiro que fora feito no cofre do cassino no ano anterior na véspera do Grand Prix. Bob e Roger planejam arrombar o cofre como um último trabalho, antes de se aposentarem. O assalto é cuidadosamente preparado e ensaiado por um bando reunido para tal propósito. Entretanto, Paulo, que está associado ao projeto, revela o plano para Anne (Isabelle Corey), uma jovem prostituta que lhe fora apresentada por Bob, a fim de impressioná-la. Esta,  ingenuamente, conta tudo a Marc (Gérard Buhr), um rufião e informante da polícia, com o qual ela também vinha dormindo. Anne confessa o seu ato para Bob, que repreende Paulo. Este, para corrigir seu erro, mata o informante antes que ele possa avisar a polícia. Porém eles serão denunciados pela mulher do crupiê (Colette Fleury), inconformada com a quantia que seu marido receberia pela sua colaboração no assalto. Na noite do roubo, Bob não resiste e joga, para passar o tempo enquanto aguarda a hora marcada para o assalto. Sua sorte retorna e ele ganha tanto dinheiro, que se esquece do assalto. O bando é preso pelos homens de Ledru, antes de entrar no cassino e Paulo é morto. Bob e Roger são conduzidos no carro de Ledru, com o dinheiro ganho por Bob no porta-malas. Ledru graceja, dizendo que, com um bom advogado, que ele agora pode pagar, Bob conseguirá obter uma sentença suave. E este acrescenta: ou até requerer uma indenização.

Trabalhando pela primeira vez inteiramente no seu próprio estúdio, na rua Jenner em Paris, com um mínimo de recursos – o que explica a quantidade de cenas filmadas em locação – e ausência de astros, Melville realizou seu primeiro filme policial, inspirado nos filmes americanos desse gênero, porém sem copiá-los servilmente.

Nele já se vislumbram os sinais do estilo Melville: simplicidade, discrição de inspiração documentária (repudio ao pitoresco e aos clichês), ritmo lento mas fluente com abundância de planos,  minuciosidade na encenação, elegância dos enquadramentos. Pode-se identificar também a influência de O Segredo das Jóias / The Asphalt Jungle / 1949 de John Huston. Bob le Flambeur, tal como o filme de Huston, não é um filme sobre aventuras, mas um filme sobre os personagens, os caractéres, os estados d’alma e aborda o mesmo tema da ambição e do fracasso, resultando em um final irônico e cínico.

O ambiente dos pequenos cafés de Montmartre onde os jogadores se reúnem e as noites de Pigalle são reconstituídos habilmente. A intriga evolui dos cabarés ao luxuoso cassino de Deauville, nas salas de jogo que servem de cenário natural a várias sequências. Todo esse ambiente foi muito captado pela câmera de Henri Decae (um dos colaboradores mais assíduos do diretor), que usou as condições precárias da produção como estímulo para a inovação, uma qualidade que o tornou muito  requisitado pelos cineastas da Nouvelle Vague.

Os sentimentos, sempre adequados e lógicos e os diálogos de Auguste Le Breton, um especialista no gênero, dão um tom de verdade às situações e Roger Duchesne, ator de segundo plano nos anos quarenta, retorna às telas em um papel principal, dando conta do recado com sua interpretação minimalista.

Em Técnica de um Delator, após sua saída da prisão, Maurice Faugel (Serge Reggiani) mata Gilbert (René Lefevre) um receptador, porque ele havia assassinado sua antiga mulher, Arlette. Gilbert estava examinando jóias roubadas por Nuttheccio (Michel Piccoli) e Armand (Jacques De Leon), cuja visita ele estava aguardando. Quando os dois homens chegam, Faugel escapa sem ser visto, enterra o dinheiro e as jóias, assim como a arma do crime. No apartamento de sua nova amante Thérèse (Monique Henessy), Faugel recebe seus amigos Jean (Aimé de March) e Silien (Jean-Paul Belmondo), notório informante da polícia e amigo do Inspetor Salignari (Daniel Crohem). Silien traz um equipamento para arrombar cofres, do qual Faugel necessita para roubar uma mansão em Neuilly com seu comparsa Rémy (Philippe Nahon). Faugel e Rémy tomam o metrô para Neuilly. Silien telefona para Salignari de um telefone público, retorna ao apartamento de Thérèse, espanca-a e arranca dela o endereço de seu “homem”. Mal o assalto é iniciado, Faugel avista os carros da polícia. Numa tentativa de fuga, Salignari mata Rémy e é morto por Faugel, que fica ferido. Faugel é recolhido por um carro. Ele acorda em casa de Jean diante da mulher deste, Anita (Paulette Breil) e um médico tratando de seu ferimento. Faugel parte à procura de Silien, certo de que este o traíra. Silien é abordado pelo Inspetor Clain (Jean Desailly), que lhe pede para informar quem é o cúmplice de Rémy (sem saber que este é Faugel) e também o interroga sobre a morte de Gilbert. Ele obriga Silien a telefonar para vários bares, a fim de encontrar Faugel. Este é preso em um bar e interrogado por Clain. Silien desenterra as jóias e vai à boate de Nuttheccio, The Cotton Club, onde conversa com sua antiga amante, Fabienne (Fabienne Dali), que agora está com Nuttheccio. Ele convence Fabienne a confessar que ela havia ouvido um tiro de revólver, enquanto estava esperando por Nuttheccio e Armand fora da casa de Gilbert. Silien mata Nuttheccio e Armand no escritório de Nuttheccio e faz com que a morte pareça o resultado de uma briga entre os dois pelas jóias, que ele deixa no cofre. Faugel é solto e descobre que a informante fôra Thérèse, que trabalhava para a polícia e que  Silien encenou a morte de Nuttheccio e Armand, para livrá-lo da acusação de ter matado Gilbert. Silien ruma para sua casa em Ponthiery, onde é esperado pelo alemão Kern (Carl Studer), contratado na prisão por Faugel, para matá-lo pela suposta traição. Faugel parte desesperadamente para impedir que Kern mate Silien. Ele chega na casa primeiro mas é confundido com Silien e morto por Kern. Quando Silien chega, começa um tiroteio, no qual ambos Kern e Silien também morrem.

O aspecto de Técnica de um Delator que atrai mais a nossa atenção é a sua mudança repentina na narrativa. Durante quase noventa minutos de filme, acreditamos que Silien é um doulos (informante). Seu telefonema para Salignari, o espancamento de Thérèse, a apropriação das jóias, a encenação elaborada das mortes de Nuttheccio e Armand, tudo contribui para que o espectador, tal como Faugel, acreditem na traição de Silien. Quando este revela que Thérèse, e não ele, foi o delator, ficamos perplexos ao sabermos de tudo o que havia acontecido.

Na percepção de G. Vincendeau, como foi anunciado em uma nota que aparece após os créditos do filme (“Devemos escolher. Morrer … ou mentir?”), cada personagem em Técnica de um Delator mente (ou pode estar mentindo) para alguém em determinado momento – Gilbert sobre Arlette, Faugel sobre Gilbert, Silien sobre Faugel, Thérèse sobre Silien, Clain sobre a ameaça do esquadrão anti-droga para Silien, etc. Até a série de revelações de Silien pode ser mentira. Ele é apoiado por Jean, porém ambos podem estar mentindo. Para Denitza Bantcheva, que escreveu um livro sobre Melville (Jean-Pierre Melville: de l’oeuvre à l’homme, Librairie Bleue, 1996), o maior mentiroso é sem dúvida o cineasta, que nos conduz de uma falsidade para outra.

Jean-Pierre Melville conhece todos os recursos e todas as manhas de seu ofício. Seu filme é solidamente composto, tem bons intérpretes (com destaque para Reggiani e Belmondo, o primeiro, um tanto esquecido desde Amores de Apache / Casque d’or / 1952 e o segundo, ascendendo ao estrelato após Acossado / A Bout de Souffle / 1960), e Melville mantém sempre o interesse pela trama à qual não falta mistério e suspense bem como numerosas cenas de violência, como a tríplice fuzilaria final, que parece uma transposição, para não dizer um pastiche, de um drama shakespereano.

Os Profissionais do Crime começa quando Gustave “Gu Manda (Lino Ventura), um gângster perigoso e outros dois presidiários fogem da prisão. Um deles morre na tentativa. Gu e o outro escapam num trem de carga. Logo, o outro homem salta do trem e Gu fica sozinho. Na sua boate em Marselha, o gângster Paul Ricci (Raymond Pellegrin) é informado de que um comboio carregando platina sairá da cidade no dia 28 de dezembro. Contra a sua vontade, seu amigo Jeannot (Albert Dagnant) vai a Paris para matar o gângster rival Jacques le Notaire (Raymond Loyer). Na boate de Simone, conhecida como  “Manouche (Christine Fabréga), Jeannot mata Jacques e é ferido. O Inspetor Blot (Paul Meurisse) chega e prende os frequentadores do local. A fuga de Gu é anunciada. Dois bandidos ameaçam “Manouche” e Alban (Michel Constantin), seu fiel empregado. Gu chega e descobre que o gângster Jo Ricci (Marcel Bozuffi), irmão de Paul, os enviara para chantagear “Manouche”; Gu mata os bandidos. Alban e Manouche levam Gu para um esconderijo. Paul Ricci visita o moribundo Jeannot e seu irmão Jo. De volta a Marselha, Ricci sugere a seus capangas Antoine  (Denis Manuel) e Pascal (Pierre Grasset), que Orloff (Pierre Zimmer) substitua Jeannot no assalto. Mas Orloff não aceita a proposta. Blot relaciona a morte dos bandidos à fuga de Gu, faz uma visita a Jo Ricci e lhe diz que Gu está procurando por ele. Gu parte para se vingar de Jo Ricci, mas desiste no último minuto. “Manouche” pede a seu amigo Theo (Louis Bougette) ajuda para obter papéis de identidade falsos para Gu e um barco para a sua fuga para Marselha. Theo fala com seu amigo Orloff sobre Gu. Orloff se prontifica a arrumar os papéis e pede a Theo que informe Gu sobre o assalto. Este chega a Marselha e, apesar da oposição de “Manouche”, concorda em participar do assalto por dinheiro. Paul Ricci, seu velho amigo o admite no bando, sob protesto de Antoine e Pascal. Gu, Paul, Antoine e Pascal praticam o assalto com sucesso, matando dois policiais. A polícia descobre o roubo e os assassinatos. Blot chega de Paris para fúria do inspetor local Fardiano (Paul Frankeur). Gu é preso por policiais disfarçados de gângsteres, que o enganam, fazendo com que ele revele o nome de Paul. Este é preso e ambos são interrogados brutalmente. Perturbado por ter sido apontado como informante, Gu tenta se matar. Jo Ricci chega a Marselha para ajudar seu irmão e se vingar de Gu. Orloff se oferece para procurar Gu dizendo que o matará, se ele tiver provas de sua culpabilidade. Gu foge do hospital da prisão, sequestra Fardiano, obriga-o a confessar por escrito que havia mentido sobre sua traição e o mata. Rendido por Orloff, Gu derruba-o com um soco e vai se confrontar com Jo, Antoine e Pascal. Gu mata os três mas é alvejado por Antoine e um policial. Gu morre nos braços de Blot, pronunciando o nome de “Manouche” e lhe entregando a confissão de Fardiano, que o inspetor dá um jeito de ser colhida no chão por um jornalista.

Melville confirma seu gosto pelo filme noir e apura seu estilo, já esboçado em Bob le Flambeur e Técnica de um Delator. Tal como neste último, Os Profissionais do Crime aborda o tema da traição. A última terça parte do filme, a partir da prisão de Gu, mostra-o lutando para “limpar seu nome” da mácula de ter traído Paul (uma traição acidental engendrada por Blot e retransmitida para a imprensa por Fardiano). Raiva e vergonha levam Gu a fugir, matar Fardiano e depois Jo, Antoine e Pascal e finalmente a morrer alvejado pelas balas de Antoine e de um dos assistentes de Blot. Foi o orgulho de Gu que o levou à morte. Ele poderia ter partido para uma outra vida (le deuxième souffle), mas procurou obstinadamente salvar sua honra profissional.

Naquele momento, nada mais contava, nem a fuga com Manouche nem o dinheiro. Ele se perde em uma espiral mortífera, da qual conhecia a saída. A certa altura da narrativa ele diz para Manouche: “De qualquer forma não voltarei para a prisão. Eu joguei e perdí”. Tal como Reggiani e Belmondo em Técnica de um Delator, Lino Ventura encarna um herói literalmente suicida, um gângster trágico, como diria Robert Warshow. (The Immediate Experience, artigo “The Gangster as a Tragic Hero”, Harvard University, 2002).

O filme é longo (duas horas e trinta minutos) e se desenvolve em um ritmo lento, porém nele não existe nem um plano, nem uma palavra que se possa tirar sem romper o equilíbrio do conjunto. O realizador esforça-se para filmar de acordo com a duração real dos acontecimentos. Quando ele descreve o assalto, tudo é cuidadosamente mostrado, inclusive a espera tediosa e angustiante  da chegada do carro blindado. Melville rejeita o uso de uma trilha sonora bombástica para envolver o espectador emocionalmente, preferindo trabalhar com o silêncio, um mínimo de diálogo e sons naturais, obrigando-o a observar em vez de ficar preocupado com a natureza do evento.

Logo no início da narrativa, após a apresentação de um texto contendo um aforisma fatalístico (”A sa naissance il n’est donné à l’homme qu’un seul droit: le choix de sa mort. Mais si ce choix est commandé par le dêgout de la vie, alors son existence n’aura été que pure dérision”), segue-se outra sequência admirável, a fuga silenciosa da prisão, que lembra aquela de Um Condenado à Morte Escapou / Un Condamné a Mort s’est Echapé de Robert Bresson e demonstra a poderosa economia de meios do diretor, seu cinema narrativo simples atingindo o máximo de abstração e refinamento. A perfeição técnica da mise-en-scène de Melville encontrará a  sua apoteose no seu próximo trabalho.

A trama de O Samurai resume-se assim: Jef Costello (Alain Delon), assassino de aluguel, rouba um carro e forja um álibi com sua amante Jane Lagrange (Natalie Delon) e um grupo de jogadores de pôquer, antes de executar com sucesso um contrato para matar o diretor de uma boate. Entretanto, ele é visto pela pianista da boate, Valérie (Caty Rosler). Jef  livra-se de sua arma e volta a se reunir com o grupo de jogadores de pôquer mas é preso em uma batida por parte da polícia. A pianista e o garçom da boate negam tê-lo visto ao inspetor encarregado da investigação (François Perier). Outro amante de Jane, Wiener (Michel Boisrond), lembra-se de que viu Jef saindo do edifício dela. Embora acreditando que Jef e Jane são culpados, o inspetor é obrigado a soltá-los, por falta de uma prova mais robusta.  Os policiais  seguem seus passos, mas perdem o seu rastro no metrô. Jef vai receber o dinheiro pelo assassinato, porém é alvejado por um homem (Jacques Leroy), enviado pelo seu mandante traidor e ainda desconhecido. Retornando ao seu quarto de hotel, Jef cuida de seu ferimento. O mandante e seus cúmplices discutem se devem eliminá-lo, pois sua prisão seria um risco em potencial. Enquanto Jef volta à boate para falar com a pianista, a polícia instala um gravador no seu quarto. Jef aborda Valérie e vai para o apartamento dela, querendo saber quem foi o mandante do crime. A polícia ameaça Jane brutalmente em seu apartamento mas a jovem permanece calada. Retornando ao seu quarto, Jef descobre o gravador e o desativa. Pouco depois, é surpreendido pelo homem que o alvejara. Este lhe oferece o dinheiro que o mandante lhe devia e mais dois milhões de francos para executar outro serviço. Jef força-o a revelar a identidade do mandante de ambos, Olivier Rey (Jean-Pierre Posier). A polícia põe em prática uma operação complexa para seguir Jef no metrô mas perde-o de vista novamente. Ele rouba outro carro, visita Jane para se despedir e mata Olivier Rey em seu apartamento. Em seguida, Jef dirige-se à boate para matar a pianista  que era o alvo de seu novo serviço. Porém ele havia descarregado sua arma e, quando finge que vai atirar, é alvejado pelas costas pela polícia e morre.

Ponto culminante da obra de Melville, o filme apresenta logo no início uma frase que o diretor finge ter extraído do “Bushido” (código de honra dos antigos guerreiros japoneses) mas que, na verdade, foi inventado por ele: “Il n’y a pas de plus profonde solitude que celle du samourai si n’est celle du tigre dans la jungle, peut-être”. É uma chave simbólica do espetáculo.

Melville sempre manifestou, nos seus filmes sobre a Resistência como nos seus filmes policiais, uma predileção pelos solitários e anônimos, pelos combatentes nas sombras, marginais de fato e de temperamento. Desde o primeiro plano, Melville já mostra Jef sozinho, fumando, deitado na sua cama à direita da tela, em um quarto sombrio, asceta e espartano, no qual o único sinal de humanidade é o piar do passarinho na gaiola. Ele é um homem quase invisível, mesmo na sua esfera privada, como a sua “profissão” exige.

Depois, com calma e frieza (maneira com que agirá durante toda a narrativa), Jef veste a capa de chuva e o chapéu enquanto seu olhar azul contempla sua imagem elegante e glacial no espelho. Nesta sequência, o cineasta forja o tom hierático e silencioso do filme e Alain Delon reencontra o comportamento, o vestuário e o angelismo mórbido de Alan Ladd em Alma Torturada / This Gun for Hire / 1942. Ao sair dalí, ele vai e vem com uma inexpressividade absoluta, quase que como uma sombra, ao encontro do seu destino trágico.

Os diálogos são raros durante todo o desenrolar da ação e as mortes e atos do matador melancólico, assim como o ritmo, são de uma precisão implacável, o diretor procurando como sempre respeitar a “integridade da ação”, um respeito pela duração, próximo do tempo “verdadeiro”. A utilização habilidosa do complexo urbano  (vg. os corredores do metrô) e dos interiores (o interrogatório na delegacia, a execução de Jef na boate), magnificamente fotografados por Henri Decae e o emprego inspirado da montagem, também contribuem muito para o êxito da realização.

A ação de O Círculo Vermelho tem início em Marselha, onde o Inspetor Mattei (André Bourvil) está escoltando Vogel (Gian Maria Volonté), um criminoso notório, em um trem noturno para Paris. Durante a noite, Vogel se liberta das algemas e salta pela janela do trem. Ao mesmo tempo, Corey (Alan Delon) está sendo libertado da prisão em Marselha. Graças à informação que lhe foi fornecida por um guarda, ele fica a par do sistema de alarme de uma joalheria de alta classe da Place Vendôme em Paris. Corey visita Rico (André Ekyan), um ex- amigo que o traíra e vive agora com a sua antiga amante(Ana Douking). Corey leva dinheiro e uma arma do cofre de Rico e, depois, num salão de bilhar deserto, livra-se de dois capangas de Rico que o perseguiam. Ele compra um carro e segue em direção a Paris. Entrementes, Vogel foge de uma busca massiva da polícia e em uma lanchonete de beira de estrada, penetra na mala destrancada do carro de Corey. Após escapar de uma batida policial, Corey estaciona em um lugar deserto e diz a Vogel para sair da mala. A amizade entre os dois é reforçada, quando Vogel mata mais dois capangas de Rico que queriam vingar o patrão.  Em Paris, Mattei é repreendido pelo Diretor de Assuntos Internos por ter deixado Vogel fugir. Mattei procura vários de seus informantes , inclusive o dono de boate, Santi (François Perier), conhecido de Vogel. Corey e Vogel decidem assaltar a joalheria da Place Vendôme com a ajuda de um perito no tiro ao alvo, Jansen (Yves Montand), um ex-policial alcoólatra. Corey e Jansen se encontram na boate de Jansen enquanto este é preso. Jensen inspeciona o local do assalto e providencia balas especiais com as quais pretende imobilizar o sistema de alarme da joalheria. Corey procura um receptador (Paul Crauchet). Rico, ainda procurando se vingar de Corey, fica sabendo do plano do assalto pelo guarda da prisão. Corey, Vogel e Jansen executam o roubo com sucesso. Entretanto, o receptador, por ordem de Rico, recusa as jóias roubadas. Mattei pressiona Santi, prendendo o filho deste por tráfico de drogas. Corey consegue o nome de outro receptador. Mattei descobre a identidade deste, presumivelmente através de Santi, e toma seu lugar. Ele atrai Corey e Jansen para uma casa isolada no campo. Apesar da ajuda de Vogel, que aparece no instante em que Mattei vai prender seus cúmplices, os três homens são mortos pela polícia.

Dois malfeitores se cruzam. Corey saiu da prisão. Vogel fugiu. Com a cumplicidade de um ex-policial, que se tornou alcoólatra, eles organizam um roubo à uma joalheria. Mas sem contar com  a tenacidade do comissário Mattei.

O título do filme se explica por uma citação atribuída ao Buda (“Quand les hommes, même s’ils  s’ignorent,  doivent se retrouver un jour, tout peut arriver à chacun d ‘entre eux, et ils peuvent suivre des chemins divergents, au jour dit, inexorablement, ils seront réunis dans le cercle rouge”), que aparece na tela antes dos letreiros de apresentação. Os três assaltantes solitários, prisioneiros do seu destino, impotentes diante da fatalidade, serão reunidos no “círculo vermelho”, no desenlace trágico.

Melville confere intensidade dramática a uma trama policial convencional, construída através de cenas compostas nos seus mínimos detalhes com sobriedade e sofisticação. Ele orquestra grandes momentos de cinema recorrendo a uma dilatação angustiante dos planos, raridade de diálogos e  utilização percuciente dos enquadramentos como, por exemplo, nos mais de vinte minutos do assalto, durante o qual os assaltantes não trocam nenhuma palavra entre si, para que o espectador possa se concentrar nas suas ações,  meticulosamente filmadas pelo cineasta.

Todos os atores estão impecáveis mas o desempenho de Bourvil (num papel bem diferente do que aqueles que ele estava acostumado a interpretar), como o policial solitário que mora em um apartamento triste e frio povoado por apenas três gatos (lembrando o passarinho de Jef Costello em O Samurai), foi mais pungente, porque ele estava muito doente na ocasião da filmagem e viria a falecer poucos dias após o lançamento do filme.

Expresso para Bordeau, começa quando uma quadrilha – Simon (Richard Crenna), Marc (André Pousse), Paul (Riccardo Cucciolla) e Louis (Michael Conrad) – sob uma tempestade, assalta um banco situado à beira-mar em Saint-Jean-de-Monts. Um caixa aciona o alarme, alveja Marc e é morto. O bando escapa, enterra o produto do roubo e levam Marc para uma clínica. Enquanto isso, em Paris, o Inspetor Édouard Coleman (Alain Delon), acompanhado por seu assistente Morand (Paul Crauchet), faz a sua ronda, investigando o assassinato de uma mulher e o furto de um ricaço (Jean Desailly) por um garoto de programa, encontrando um informante travesti (Valérie Wilson) e interrogando três batedores de carteiras. Coleman vai à boate de seu amigo Simon ver a esposa deste, Cathy (Catherine Deneuve), que é sua amante. Os gângsteres se encontram no Louvre. Para evitar que Marc fale, Simon, Louis e Paul, entram na clínica disfarçados de enfermeiros, tentando removê-lo e, não conseguindo seu intento, mandam Cathy, disfarçada de enfermeira, aplicar uma injeção letal no dito paciente. O corpo (não identificado) de Marc é examinado por Coleman no necrotério. Coleman e Cathy se encontram em um quarto de hotel. Simon, Louis e Paul planejam seu próximo golpe (financiado pelo produto do assalto ao banco), o roubo de duas malas cheias de droga conduzidas por Mathieu (Léon Minisini) no trem Paris-Lisboa. Coleman fica sabendo do transporte da droga através do travesti informante e decide deixar que a polícia da fronteira prenda o interceptor. Porém Simon chega ao trem primeiro por meio de um assalto ousado. no qual ele desce por um cabo de um helicóptero, entra no leito onde está Mathieu, derruba-o com um soco, apodera-se das duas malas e depois é trazido de volta pelo mesmo cabo até o helicóptero. A identidade de Marc é descoberta e Coleman prende Louis que revela o envolvimento de Simon. Paul se suicida para não ser preso. Simon se esconde em um hotel e tenta escapar com Cathy, mas é impedido por Coleman, que havia grampeado o telefone deles. Coleman alveja Simon aparentemente em auto-defesa embora transpareça que Simon não estava armado e teria na verdade “cometido suicídio”. Coleman avista Cathy que estava esperando Simon, porém não a prende. Ele recebe outro chamado da central e retoma a sua ronda na companhia de Morand, visivelmente perturbado.

Um balneário fustigado pela chuva, um banco isolado e gângsteres em ação. A sequência de abertura do último filme de Melville é plasticamente brilhante, apesar da incongruência da possibilidade de existir um estabelecimento bancário em um lugar urbano, como que esperando ser assaltado.

O filme todo é um exercício de estilo, como sempre despojado, distanciado e detalhado, mas recorrendo a certos efeitos fáceis como a sequência do trem e do helicóptero que, embora excitante, é um tanto inverossímil e filmada com miniaturas bem visíveis, com prejuízo para a credibilidade desta parte do espetáculo. Por outro lado, Melville não se aprofunda no relacionamento entre Coleman, Simon e Cathy; parece mais interessado na ação física do que nos desejos e motivações dos participantes do triângulo amoroso, deixando algumas coisas mal explicadas.

Curiosamente, Catherine Deneuve pronuncia apenas três palavras em uma hora e quarenta minutos de projeção. Como explicou Melville, ela aceitou fazer um papel de participação, porque compreendeu que, sendo a única mulher do filme, de repente sua presença tornou-se importante. O verdadeiro projeto em comum de Melville e Catherine seria o próximo filme dele porém, infelizmente, o mais americano dos cineastas francêses veio a falecer alguns meses depois da estréia de seu derradeiro longa-metragem.

OS PRÓLOGOS NOS CINEMAS AMERICANOS E BRASILEIROS

Durante o período 1915-1928, observou Richard Koszarski em An Evening’s Entertainment (The Age of The Silent Feature Picture, University of California, 1994), que a experiência de ver um filme era bem diferente do que teria sido em qualquer outro tempo. Os exibidores consideravam-se showmen e não simples programadores de filmes. De acordo com uma pesquisa realizada em 1922, o filme de longa-metragem era apenas uma parte do entretenimento de uma noite. Com efeito, 24% dos gerentes de cinema entrevistados nesse levantamento, verificaram que não fazia diferença alguma na bilheteria se o filme, apresentado como atração principal, fosse bom ou mau. Consequentemente, não se sentiam totalmente dependentes daquela parte do show, que chegava na sala de cinema dentro de uma lata.

Desde os primórdios das exibições houve uma mistura de vaudeville com os filmes mas foi ocorrendo uma mudança na medida em que os filmes começavam a ocupar, cada vez mais, pelo menos metade do espetáculo. Quando se iniciou a era dos grandes cinemas (movie palaces) no final dos anos 1910,  surgiram os stage shows, com três fórmulas dominantes. Para a chamada “pure presentation”, o cinema montava um espetáculo tipo revista teatral com grande orquestra, dançarinos, cantores, comediantes, conjunto coral, recitais de órgão ou outro instrumento etc. No “prologue” o tema do espetáculo ao vivo estava ligado ao filme de longa-metragem, de modo que, por exemplo, um show náutico (com cantores vestidos como escafandristas suspensos por cabos) precedia o filme de Buster Keaton,  Marinheiro por Descuido / The Navigator / 1925. E, finalmente, via-se o “vaudeville show”, no qual vários números de vaudeville eram simplesmente agrupados.

Porém havia algo mais do que um filme de longa-metragem e um stage show. A maioria dos cinemas apresentavam shorts (curtas-metragens) – comédias e cine-jornais. Na era do cinema mudo, desenhos animados, travelogues e outras espécies de curtas eram lugar-comum. O filme de longa-metragem, como já foi mencionado acima, era apenas uma parte dessa mistura e frequentemente ele era projetado em uma velocidade maior do que a normal ou mesmo cortado, para assegurar que o show pudesse incluir todas as atrações e não se estendesse demasiadamente.

Sid Grauman e Samuel “Roxy” Rothapfel foram os grandes criadores do Prológo Cinematográfico que, esclarecendo melhor, era uma apresentação no palco em um estilo parecido com um musical luxuoso da Broadway, que se baseava nos elementos temáticos, dramáticos ou estéticos do filme de longa-metragem, a ser projetado logo em seguida.

Sidney Patrick Grauman (1879 – 1950), nascido em Indianapolis, era um dos seis filhos de David J. Grauman e Rosa Goldsmith. Sua carreira no mundo dos espetáculos começou quando David Grauman levou seu filho Sid, de 17 anos de idade,  ao Território de Yukon durante a Corrida do Ouro, onde o velho Grauman pretendia encenar um show de benefício para garimpeiros doentes, abrir um pequeno teatro e possivelmente ver se achava umas pepitas do precioso metal.

Dois anos depois, Sid e seu pai abriram o teatro Unique em San Francisco, no qual já se notavam os toques de elegância, que mais tarde tornariam Sid Grauman mundialmente famoso – escadas atapetadas, fachadas ornamentadas e um porteiro chinês fardado, para receber os frequentadores. Após passarem mais alguns anos em San Francisco, os Grauman se mudaram para o Sul da Califórnia, incapazes de resistir ao canto da sereia vindo de Hollywood.

Como nos conta Charles Beardsley (Hollywood’s Master Showman – The Legendary Sid Grauman, Rosemont Publishing, 1983), o primeiro grande cinema dos Grauman em Los Angeles, o Million Dollar (2.100 lugares), foi inaugurado no dia 1 de fevereiro de 1918 e a estréia foi conduzida com muita cerimônia. A sala de espera estava repleta com grande número de arranjos florais. Os espectadores eram conduzidos para seus lugares através de corredores cobertos de flores por lanterninhas vestidas com uniformes de cadete, sob uma iluminação suficientemente forte para mostrar as várias maravilhas do auditório.

Exatamente na hora prevista, as cortinas se abriram para revelar a Grauman Symphony Orchestra no poço e o palco atrás dela. Então, sob a direção de Rudolph G. Kopp, números populares e de ópera foram oferecidos como abertura: o organista Jesse Crawford executou um pot-pourri de canções de sucesso e Miss Lina Reggiani cantou “Most Beautiful Bird” e outras árias, sendo ambos muito ovacionados pelo público.

Sid Grauman ainda não havia introduzido o Prólogo em toda a sua glória nos seus cinemas mas o que esses primeiros espectadores viram e ouviram os impressionou enormemente e os deixou calorosamente receptivos ao filme de longa metragem que se seguiu: William S. Hart em Braço de Ferro / The Silent Man.

O tema da música incidental  (para o filme) era uma composição nova intitulada “Big Bill”, escrita por Victor Schertzinger. Quando o filme terminou, o próprio William S. Hart apareceu no palco vestido de cowboy, para receber os aplausos da platéia, recitou um poema curto e contou algumas histórias sobre os seus dias no Oeste, antes de se tornar um astro da tela. Como aconteceria na maioria das estréias promovidas por Grauman, a audiência era uma atração tão estelar quanto o filme, compondo-se de várias celebridades como Jesse L. Lasky, Thomas H. Ince, Mack Sennett, Hal Roach, Cecil B. DeMille, D.W. Griffith, Douglas Fairbanks, Charles Chaplin, Edna Purviance, Sessue Hayakawa, Mae Murray, Thomas Meigham e muitos outros.


Para a inauguração de seu novo cinema, o Egyptian Theatre (1.900 lugares), em 18 de outubro de 1922, Grauman escolheu o filme Robin Hood / Robin Hood de  seu amigo íntimo, Douglas Fairbanks. A primeira parte do programa ao vivo começava com a abertura da ópera Aida de Verdi executada pela Egyptian Theatre Symphony Orchestra sob a condução do maestro Jan Sofer. Este número foi seguido por um recital de Frederick Burr Scholl no console do órgão apelidado de “Mighty Wurlitzer”, porque era capaz de reproduzir uma variedade incrível de sons.

Depois vinha o prólogo, cuja parte mais importante mostrava uma cena na corte de Ricardo Coração de Leão com Lady Marian, o bufão do rei, o Príncipe João, Robin Hood, o Cardeal, damas da corte e seis cavaleiros. Uma dançarina especializada chamada Julanne Johnston (que mais tarde seria a leading lady de Fairbanks em O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad / 1924) também aparecia. Um grupo de damas da corte e de damas de companhia, moças com flores, guardas do castelo, os homens do Príncipe João, pagens e criados rodeava o elenco de cinquenta atores de teatro, personificando suas cópias no filme, vestidos com as roupas magníficas que haviam sido usadas na produção. Na metade da projeção, Grauman introduziu um intervalo de oito minutos,  durante o qual o público foi convidado a dar uma volta pela Côrte Egípcia e inspecionar o novo e  belo cinema. Após o final do filme, os espectadores desfilaram sob uma marcha de saída original composta por Schertzinger e executada pela Egyptian Symphony Orchestra.

Um aspecto que chamava atenção do lado de fora do cinema, era a presença de sentinelas vestidos como egípcios, andando nos parapeitos do prédio (pintado de cor-de-rosa e sépia e com uma arquitetura massiva mas graciosa), iluminados fazendo contraste com a escuridão da noite.

A construção do Chinese Theatre (2.500 lugares), depois de ter aberto o Metropolitan (3.458 lugares), foi o feito supremo de Grauman, conhecido entre seus pares como “o P.T. Barnum do Cinema”. A arquitetura do prédio era uma combinação de vários estilos da arte clássica oriental. Os telhados chamavam a atenção imediatamente de quem estava diante da fachada. Sustentada por dois pilares octogonais enormes, a grande torre da entrada central na parte traseira do pátio apontava seu pagode cheio de telhas de bronze verde em direção ao céu. Diante do pagode havia um pátio com palmeiras, plantas tropicais e fontes que decoravam suas paredes. O topo das torres era ornamentado com pequenos arbustos que complementavam o efeito de jardim dado ao pátio. O vestíbulo, tinha tapetes espessos e lindamente desenhados; tapeçarias e quadros adornavam as paredes, com relicários e altares ocasionais e figuras de cera de espantosa realidade estavam cobertas com suntuosas vestes orientais. Os candelabros de vidro e metal intrincados despejavam uma luz multicolorida e difusa nos altos vasos e urnas, que eram peças chinesas autênticas.

Curiosamente, entre os tesouros do foyer (em 1938) estava uma pintura intitulada Hollywood Comes to Napoleon’s Art, que descrevia Napoleão e seu estado maior após a vitória de Austerlitz. Os generais eram celebridades reconhecíveis do cinema, pintadas por um artista de Hollywood auto-didata de 13 anos de idade, Charles D. Ravenne, que levou três anos para realizar o trabalho, avaliado em 25 mil dólares. Entre os personagens no fundo do quadro estavam Erich von Stroheim, Douglas Fairbanks, Clive Brook, Adolphe Menjou, Sid Grauman, Joseph Schenck, William Powell, Charles Chaplin e Marion Davies. Essa pintura desapareceu há muito tempo.

Quem quiser ler uma descrição mais detalhada do Chinese Theatre, recomendo o livro de Beardsley citado atrás que, além disso, descreve vários prólogos levados a efeito nas salas de projeção de Sid Grauman (inclusive Argentine Nights, que antecedeu a exibição de O Gaucho / The Gaucho /  1927,  o segundo  filme projetado no Chinese).Vou falar apenas sobre o estupendo prólogo da inauguração, relacionado com o filme de Cecil B. DeMille, Rei dos Reis (ou, no seu lançamento no Brasil, Jesus Cristo, o Rei dos Reis, como me lembrou Sergio Leemann) / The King of Kings / 1927.

Na noite do dia 18 de maio de 1927 Grauman organizou uma estréia de gala para uma platéia selecionada de Hollywood. Todas as pessoas mais importantes da indústria estavam lá e uma multidão se aglomerava pelos quarteirões do Hollywood Boulevard em volta do Chinese Theatre, para ver os seus astros favoritos chegarem de limusine. O prólogo e o filme foram precedidos por uma apresentação especial, que incluiu a presença de Fred Niblo, diretor de Ben-Hur / Ben-Hur / 1925. Niblo, por sua vêz, apresentou David Wark Griffith, que então introduziu Will Hays, o czar da censura do cinema, que por sua vez apresentou a última atração, Mary Pickford, a “Namorada da América”. Então Miss Pickford apertou um botão de jade,  a pesada  cortina se abriu e o prólogo começou.

Como o descreveu Beardsley, o prólogo de Rei dos Reis era espetacular, solenemente bíblico e certamente sem nenhum espalhafato, como costumavam ser os prólogos. O elenco de mais de cem atores foi escolhido a dedo por Grauman. A cena principal intitulada “The Meeting Place of the Populace” era composta por vários segmentos: “Twilight Prayers of the Common People” e “Dance of the Ebony Slave”, destacando-se um solo de Maurice Morgan. A próxima cena foi “The Chant of the Israelite Priests”, seguida  por “The Holy City”, cantada pungentemente por Stewart Brady, um garoto forte com voz de soprano, vestido de pastor de ovelhas, que foi acompanhado por uma orquestra sinfônica completa.

Os trajes bíblicos, ricamente detalhados, foram desenhados pelo figurinista da MGM, Adrian e a orquestra instalada no poço tocou música apropriada para a ocasião, composta pelos irmãos Bakaleinikoff. Espetacularmente encenadas e entusiasticamente recebidas pela platéia cheia de astros, o prólogo demorou tanto, que o filme só começou a ser exibido às vinte e três horas e daí continuou por mais três horas. Consta que DeMille ficou tão irritado pela longa duração do programa, que jurou nunca mais estrear um outro filme em Hollywood.

Samuel Lionel “Roxy” Rothapfel (1882 – 1936), nasceu na Alemanha, filho de Gustave Rothapfel e Rosalie Schwerzens e emigrou para os Estados Unidos com a idade de dois anos. Ele começou sua carreira no mundo dos espetáculos em Forest City, Pennsylvania, onde criou o “Family Theatre”, uma combinação de cinema e rinque de patinação. Em 1912, Roxy rumou para Nova York, onde gerenciou e produziu shows nos cinemas Strand (3.500 lugares), Rialto (1.900 lugares), Rivoli (2.100 lugares) e Capitol (5.300 lugares).

Sua maior façanha foi a construção do seu Cinema Roxy (6.200 lugares) na Times Square, inaugurado em 11 de março de 1927. Em 1932, ele abriria o Radio City Music Hall, que apresentava ao vivo um grupo de dança de precisão denominado as Roxyettes (depois rebatizadas de The Rockettes), que ele trouxe consigo do Cinema Roxy (O filme de estréia do Radio City Music Hall foi O Último Chá do General Yen / The Bitter Tea of General Yen / 1933; mas antes  as Roxyettes compartilharam o palco com 17 números ao vivo, incluindo The Flying Vallendas, Ray Bolger e Martha Graham).

Roxy também se notabilizou no rádio, onde começou em meados de novembro de 1922. Durante o ano de 1926, as transmissões radiofônicas ao vivo do seu programa de variedades Roxy and His Gang diretamente do Cinema Capitol em Nova York, tornaram-se imensamente populares. Além disso, Roxy e seu diretor musical Erno Rapee atraíram a Brunswick e outras companhias, para gravar os números executados pelas orquestras e organistas dos cinemas Capitol e Roxy. No final dos anos vinte, Roxy e Rapee também começaram a escrever scores para alguns filmes da Fox em Movietone tais como Aurora / Sunrise /  1927, Anjo da Rua /  Street Angel / 1928 e Quatro Filhos /  Four Sons / 1928. Os livros The Best Remaining Seats de Ben Hall (Clarkson N. Potter, 1961) e American Showman de Ross Melnick (Columbia University, 2012) fornecem mais informações sobre as atividades desse notável empreendedor.

O luxo e a magnificência do Cinema Roxy eram impressionantes: este cinema tinha seis bilheterias, foyers e lobby imensos, decoração deslumbrante com mármores, tapeçarias e candelabros de cristal, grandes escadarias, poltronas muito confortáveis (entre as quais uma pessoa podia passar sem incomodar a que estava sentada), tapetes de pelúcia, elevadores espaçosos para o balcão, ar-condicionado, banheiros esplêndidos, grupo coral de cem vozes, corpo de balé com cinquenta dançarinos, grande orquestra, quatorze pianos, Steinway, um colossal órgão Kimball (tocado por três organistas em três consolos separados), mini-hospital pronto para atender a qualquer emergência, pequeno estúdio de estação de rádio, cabines telefônicas, sistema de iluminação perfeito, equipe de lanterninhas bem uniformizados e militarmente disciplinados sob o comando  de um coronel reformado do Corpo de Fuzileiros Navais etc.

O filme escolhido para a inauguração do Cinema Roxy, referido pela imprensa como “A Catedral do Cinema” e “O Maior Cinema do Mundo”, foi O Amor de Sunya / The Love of Sunya / 1927, estrelado por Gloria Swanson. Segundo o Moving Picture World noticiou, “Todos que eram alguém no mundo do cinema estavam lá com suas respectivas esposas”.

O programa começou com um grande concerto de órgão antes de Stephen Wright ler uma invocação religiosa. “A Symphonic Tone Poem”, descrição tonal dos acontecimentos em torno da composição do hino “The Star Spangled Banner”, regido por Erno Rapee, Charles Previn e  Maurice Jacquet seguiu-se à invocação. Depois veio “A Floral Fantasy”, interpretada por Maria Gambarelli e pelo Roxy Ballet Corps, com coreografia de Leo Staats e Leon Leonidoff. Sucedeu-se a projeção de um trecho de cine-jornal, intitulado “Film Greetings”, saudando o Presidente Coolidge e outras autoridades. Em continuação, foi mostrado o número “A Fantasy of the South”, executado pelo Roxy Chorus com Charles Previn como mestre do côro. O show prosseguiu com o barítono Julius Bledsoe cantando “Swanee River”, seguido por ”The Southern Rhapsody”, com um arranjo vocal de Erno Rapee.

O “Roxy Pictorial Review”, cine-jornal do Cinema Roxy,  então precedeu a primeira apresentação de “A Russian Lullaby” de Irving Berlin, cantada por Gladys Rice e Douglas Stanbury, apoiados pelo Roxy Chorus. Tendo acertado com a Warner Bros. aparelhar o Cinema Roxy com os projetores Vitafone e amplificação do som, Roxy ofereceu ao público uma “Vitaphone Presentation” constituída por árias selecionadas da Carmen de Bizet. O Metropolitan Opera Chorus and Ballet acompanhou os solistas Giovanni Martinelli e Jeanne Gordon na música gravada pelo Vitaphone, que foi conduzida por Erno Rapee. Finalmente, Roxy continuou sua interpolação de filme com interpretações ao vivo, encenando um Prólogo antes da exibição de O Amor de Sunya.

Outros pioneiros na criação de prólogos  foram Fanny (Fanchon) e Mike (Marco) Wolff conhecidos como “Fanchon e Marco”. Eles  começaram suas carreira como um par de irmão e irmã dançarinos e eventualmente se tornaram produtores e promotores de seu próprio musical da Broadway intitulado Sunkist em 1921. A certa altura a dupla teve uma idéia brilhante. Os cinemas pequenos queriam apresentar stage shows mas não tinham dinheiro suficiente e então Fanchon e Marco lhes ofereceram equipes por um preço razoável, ensaiaram e as equiparam com vestuários, cenários e canções. Seu estúdio na Sunset Boulevard tornou-se uma fábrica de produção em massa de espetáculos de quinze minutos. Nesse local eles desenvolveram muitos números de variedades inclusive “The Fanchonettes”, uma chorus line de dançarinas semelhante às Rockettes do Radio City Music Hall. Os stage shows de Fanchon e Marco necessitavam de jovens talentosos que ajudariam a diminuir seus custos e assim despontaram, sob a orientação de Fanchon e Marco: Janet Gaynor, Myrna Loy, Bing Crosby, Cyd Charisse (aos doze anos de idade), Joan Crawford e Judy Garland (com uma das  Gumm Sisters).

Conforme informação prestada pela professôra da Universidade  Federal de São Carlos, Luciana Corrêa de Araujo no seu trabalho exemplar, ”Prólogos Envenenados”: Cinema e Teatro Nos Palcos da Cinelândia Carioca e também por Alice Gonzaga no seu preciosíssimo livro, Palácios e Poeiras – 100 Anos de Cinemas no Rio de Janeiro (Record / Funarte, 1996), em 1926, o exibidor Francisco Serrador trouxe para o circuito cinematográfico brasileiro a novidade dos prólogos cinematográficos. Estes constituíam uma das várias atrações oferecidas por Serrador nos cinemas Capitólio, Glória, Império e Odeon, as quatro primeiras salas construídas na Cinelândia Carioca entre 1915 e 1926.

Conta Alice Gonzaga que, quando esteve nos Estados Unidos pela primeira vez, Serrador conheceu o prólogo cinematográfico e trouxe algumas práticas de Rothapfel na administração do seus cinemas como o uso de pessoal com a função de indicar os lugares dos espectadores (os chamados lanterninhas), o artifício da diminuição gradativa da iluminação do salão, preparando o início da projeção e o hábito de vestir os funcionários de acordo com o figurino do filme em cartaz, no caso de grandes produções. Todos esses “modernismos”, aliados ao conforto e amplitude dos novos cinemas, comporiam o ambiente de luxo, arte e bom gôsto. Ao voltar da segunda viagem, em novembro de 1924, com os pacotes de filmes comprados para o Programa Serrador, nome de sua nova linha de locação, o temerário espanhol trouxe também acertada a introdução dos prólogos nas salas da Cinelândia.

A agência Paramount, forneceria os textos para os filmes distribuídos pela empresa. Para os demais, contratou-se o diretor de cinema e teatro Luiz de Barros. Ao contrário do que se poderia esperar, todos os esquetes acabaram sendo escritos por aqui, a maioria de autoria conjunta de Anibal Pacheco, Benjamin Fineberg e Celestino Silveira, publicistas daquela companhia.

Houve porém, como aponta a professora Luciana Corrêa de Araujo, uma campanha sistemática, promovida pelas revistas Selecta e Cinearte contra esses prólogos considerados “envenenados”. Segundo a Cinearte, vieram os prólogos, “timidamente a princípio, alargando-se depois, ampliando-se, transbordando  afinal, convertidos em verdadeiras peças de teatro, sacrificando os filmes, tomando a maior parte do tempo da sessão, como a querer constituir a parte principal do espetáculo oferecido ao público”(Cinearte, ano I, n.19, 7 jul 1926, p.3).

A professora Luciana dá exemplos de alguns prólogos: “Para Órfãs da Tempestade / Orphans of the Storm / 1921, monta-se no palco do Cinema Glória o salão de um palácio, no qual dez artistas devidamente paramentados com vestidos armados, meias e perucas, incorporam a aristocracia francesa em meio aos conflitos da revolução de 1789; no mesmo Glória, cria-se um ambiente de mil e uma noites para o prólogo de O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad / 1924), com cenário em um estilo mourisco adornado por meia dúzia de dançarinas envoltas em véus e observadas por dois criados negros de turbante; para a inauguração do Odeon, com Amor de Príncipe / Graustark /1925), mais de dez artistas se apresentam no prólogo, incluindo dançarinas com vestidos armados nas laterais, com estratégicas aberturas e transparências na frente, deixando as pernas à mostra (Cinearte, ano I, n. 25, 18 ago 1926, p.27; ano I, n. 26, 25 ago 1926, p.27; e ano I , n. 9, 28 abr 1926, p.31).

No Correio da Manhã  de 29 abr 1926 colhí um anúncio de O Fantasma da Ópera / The Phantom of the Opera / 1925, referindo-se a “uma grande orquestração de 20 professores, a parte dramática e cantante confiada a Carmen de Azevedo e Roberto Vilmar, os bailados executados “pela escultural” Oeser Valery, os cenários luxuosos de Luiz de Barros e aos costumes e guarda roupas “riquíssimos” de R. Barras. Mas, conforme a opinião de um leitor de Cinearte , “Na noite em que fui ver o The Phantom of the Opera – ele escreveu o título assim, em inglês -, o fantasma pôs tanta imponência  nas atitudes, que acabou tropeçando na capa, indo abaixo todo o espanto que a sua rubra figura deveria inspirar”(cf. L.C.A., Cinearte, ano 1, n. 16, 16 jun 1926, p.2).

Na sua pesquisa modelar (que pode ser encontrada facilmente na Internet, bastando acessar o Google e digitar: Prólogos Cinematográficos), a professora Luciana  faz referência ainda a outros prólogos, que foram criticados  por terem tomado a liberdade de inserir canções e bailados ausentes dos filmes ou por resvalarem às vezes em pretensões de pompa e circunstância, que já no papel se mostravam excessivas. Em um deles, o prólogo para Castelo de Ilusões / The Tower of Lies / 1925), os trejeitos exagerados do ator que deveria ser “reprodução fiel do protagonista do filme”, Jan, interpretado na tela por Lon Chaney, somados aos retumbantes efeitos especiais, exemplificaram bem o que Alvaro Rocha descreveu como aquelas representações bombásticas, próprias para epílogos de espetáculos de circo”, para imediatamente se corrigir: “Que circo! Não quero desmoralizar os circos! Pior do que isso!” (Cinearte, v.1, n.2014 jul 1926, p.27-28).

Nas páginas do Correio da Manhã dos anos 1923 – 1933, encontrei anúncios de filmes em vários cinemas, indicando a presença de prólogos e / ou espetáculos ao vivo (pure presentation) antes ou depois da apresentação dos mesmos. Por exemplo, o Cinema Rialto anunciando no palco a peça A Francezinha com Alda Garrido e na tela, Richard Barthelmess em O Proscrito / The White Black Sheep / 1926; o Cinema  Iris  anunciando no palco a Companhia Nacional de Burletas Flor do Manacá com uma burleta de Luiz Iglesias, interpretada por La Conchita e na tela Sangue por Glória / What Price Glory / 1926 com Dolores Del Rio, Victor McLaglen e Edmund Lowe;

o Cinema Central anunciando no palco a bailarina Marinova, o parodista Alfredo Albuquerque, a rainha das operetas Gina Astréa, os sapateadores americanos The Ascots, o tenor italiano Caetano Breda, o rei dos sapateadores Marchisio, o equilibrista João Vasques, os duetistas cômicos Los  Caiafas, os bailarinos de salão Viley e Palos, Bettazzoni, barítono do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, os reis do trapézio Reckess e Arley, os acrobatas Los Condor’s, os ilusionistas Maquillon and Violet e na tela o  filme Alvorada Rubra / Purple Dawn / 1923 com Bessie Love;

o Cinema Eldorado anunciando no palco “um conjunto formidável de artistas de todos os gêneros” da Grande Cia. de Variedades Irmãos Queirolo e, na tela, Capricho de Mulher / Society Girl / 1932 com James Dunn, Peggy Shanon e Spencer Tracy e, em outro dia, no palco, Coisas de Caboclo com Jararaca e Ratinho  e um “estupendo elenco” e, na tela, Devoção / Devotion /1931 com Ann Harding e Leslie Howard;

o Cinema Broadway anunciando no palco, Darwin , “o mais assombroso imitador de mulheres” e, na tela, A Mulher Miraculosa / Miracle Woman / 1932 com Barbara Stanwyck; o Cinema Eldorado anunciando no palco “todas as novidades do Carnaval” e a presença dos “azes do samba” (Francisco Alves, Mario Reis, Lamartine Babo) e a Orquestra do Odeon e , na tela, O Filho Adotivo / Young Donovan’s Kid / 1931 com Jackie Cooper, Richard Dix e Boris Karloff. Ainda em 1941, o Cinema Colonial anunciava Os Amores de Schubert / Sérénade / 1939 na tela e, no palco, Silvino Neto, Moreira da Silva, a acordeonista Maria Guerrreiro, a fadista portuguêsa Curtali e a bailarina argentina Rita Gouilloux (e, pela manhã, Beatriz Costa, Jararaca e Ratinho, Jorge Murad); o Cinema Odeon anunciando no palco Suzy Regine interpretando o esquete “J’ai Que Çá” (criado em Paris por Mistinguette), os dançarimos Oeser Valery e Mario Soares dançando a “Java”e o barítono Roberto Vilmar com cenários magníficos e direção de Luiz de Barros e, na tela, O Barba Azul com ben Lyon.

Verifiquei também que alguns cinemas apresentavam apenas uma ouverture antes do filme: por exemplo, o Theatro Casino anunciava uma grande orquestração da  Abertura Egmont de Beethoven, regida pelo maestro Francisco Braga, antes da projeção de A Letra Escarlate / The Scarlet Letter / 1926 e da Abertura de Os Mestres Cantores de Wagner, também regida por Francisco Braga, antes da projeção de O Grande Desfile / The Big Parade / 1925). Na avant-première de gala de Grand Hotel (assim mesmo, sem o e)/ Grand Hotel / 1932 no Palácio Theatro, o jornal anunciava a apresentação no palco da orquestra Villa Lobos executando um trecho da VII Sinfonia de Beethoven e o Prelúdio Sinfônico da ópera “Izath” com regência do próprio maestro Villa-Lobos, e a transmissão radiofônica desta parte musical como também da recepção dos espectadores no saguão do cinema.

O advento do cinema sonoro causou o fim dos stage shows (Hollywood ofereceu uma Broadway virtual nos primeiros filmes falados, produzindo fac-símiles filmados das performances dos astros que as platéias queriam ver) e a Grande Depressão enterrou-os. Como disse Douglas Gomery (Shared Pleasures – A History of Movie Presentation in the United States, University of Wisconsin, 1992), “os poços das orquestras foram cobertos, a pintura dos camarins começou a descascar; e os bastidores tornaram-se mais um almoxarifado”.

IDA LUPINO II

Ida sempre quís fazer algo mais do que somente representar. Durante muitos anos ela deu vazão à sua expressão artística compondo músicas. No final dos anos trinta, sua “Aladin Suite” foi tocada no rádio pela orquestra de André Kostelanetz. Outras composições foram transmitidas pela Los Angeles Philharmonic. Por volta de 1945, Ida já tinha escrito dezenas de canções como, por exemplo, “When Our Fingers Meet”, “Leave Me Alone” e “Storm In My Heart” em parceria com Nick Arden. Ela estava também escrevendo argumentos e roteiros. Para All Our Yesterdays, usou o pseudônimo “William Threely”. Era a história de músicos de rua britânicos que tocavam enquanto as bombas germânicas explodiam em Londres. Ida e Barbara Reed colaboraram em Miss Pennington, roteiro que  venderam para a RKO por cinco mil dólares.

Quando a Warner escolheu-a para contracenar com Errol Flynn em Quero-te Junto a Mim / Escape Me Never / 1947 (Dir: Peter Godfrey), Ida ficou feliz, porque se dava muito bem com ele. A história se passa na Veneza de 1900, onde uma jovem mãe solteira empobrecida, Gemma Smith (Ida Lupino) é abrigada por um compositor, que está tentando conquistar a fama, Sebastian Dubrok (Errol Flynn); porém a situação se complica com a intervenção de seu irmão Caryl (Gig Young) e a noiva dele, a bela e aristocrática Fenella MacLean.(Eleanor Parker), ocorrendo uma tragédia, que faz Sebastian confirmar seu amor por Gemma. Durante a filmagem, Ida e Flynn transformaram sua amizade em um romance que, infelizmente, durou pouco. O filme foi um fracasso de bilheteria e parece que os fãs de Flynn não gostaram de vê-lo de calças curtas alpinas.

O estúdio custou a arrumar um novo papel para Ida até que, finalmente, para não ficar pagando à atriz sem que ela trabalhasse, desenterrou um velho script, Deep Valley, que havia sido originariamente anunciado para 1942 como um filme a ser estrelado por Humphrey Bogart, John Garfield e Ann Sheridan. Agora, os astros principais eram Ida, Dane Clark e Wayne Morris.

Ida interpretava uma jovem tímida e gaga (Libby Saul), que vive com seus pais rudes em uma fazenda isolada. Afastada de toda interação social, a moça tem como companhia apenas o seu cachorrinho, até que avista um presidiário fugitivo, que trabalhava na construção de estradas (Dane Clark). Ela o esconde de seus perseguidores e o breve idílio entre os dois ajuda-a a se curar de sua gagueira. Então, os policiais chegam à procura do condenado e ele morre ao tentar escapar.

Com excelente fotografia em exteriores de Ted McCord, o filme, intitulado no Brasil O Vale do Destino (Dir: Jean Negulesco), exigiu muito esforço físico por parte da atriz. As cenas supostamente passadas no verão foram filmadas sob um frio intenso em uma montanha e Ida, vestida com roupas leves, pegou uma gripe. Pouco depois, quando ela corria descalça sobre pedras, cortou o pé, desenvolvendo-se uma infecção, que afetou seus tornozelos. Ida insistiu em permanecer no local, para evitar que a filmagem se atrasasse e sua saúde frágil piorou, ao sofrer uma crise de bronquite crônica. Mesmo assim, ela proporcionou ao público uma de suas melhores interpretações, do tipo para o qual era singularmente dotada. Após a realização de O Vale do Destino, a Warner pediu que Ida assinasse um contrato de sete anos com exclusividade mas ela recusou e deixou o estúdio.

Ida queria mais do que tudo a liberdade artística e o desejo de ser independente levou-a a uma associação apressada com o produtor Benedict Bogeaus. Eles formaram a Arcadia Productions, porém a companhia não foi avante, porque Ida arrumou um novo parceiro, seu futuro marido, Collier Young, na época assistente de Harry Cohn na Columbia mas com vontade de se tornar produtor e autor de seus próprios filmes.

Antes de se casar com Collier Young, Ida fêz para a Twentieth Century-Fox, A Taverna do Caminho / Road House / 1948 (Dir: Jean Negulesco), no qual era Lily Stevens, cantora de uma estalagem à beira de estrada envolvida em um triângulo amoroso, com o impulsivo e ciumento dono do estabelecimento (Richard Widmark) e o seu gerente (Cornel Wilde). Os pontos altos do melodrama são as interpretações intensamente dramáticas de Richard Widmark (Zanuck descreveu  a presença de Widmark no papel como “estar sentado em cima de um vulcão”) e de Ida (surpreendentemente ela mesma cantando “One for My Baby” de Johnny Mercer-Harold Arlen e “Again” de Lionel Newman com sua voz rouca e sensual).

Em 28 de junho de 1948, Ida tornou-se orgulhosamente cidadã americana e, em 5 de agosto, contraiu matrimônio com Collier Young em uma capela da Igreja Presbiteriana em La Jolla. Após a lua-de-mel, Collier retornou para seu emprego na Columbia e Ida concordou em aparecer em um filme desse estúdio, Escravos da Ambição / Lust for Gold / 1949 (Dir: S. Sylvan Simon), com a intenção de ficar perto do marido; entretanto, a maior parte da filmagem ocorreu no Arizona.

Ao lado de Glenn Ford e Gig Young, Ida interpreta o papel de Julia Thomas, mulher ambiciosa e desonesta que comete um assassinato para obter o ouro que cobiça e acaba morrendo durante um terremoto. Ela permanecia no set mesmo quando não estava filmando, observando atentamente o trabalho do diretor e dos técnicos. Mais ou menos nesta ocasião, Ida conheceu o diretor Roberto Rosselini, um dos expoentes do neo-realismo italiano, que lhe perguntou: “Quando é que a indústria de cinema americana vai fazer filmes sobre pessoas comuns em situações comuns?”.

Essa conversa causou forte impressão sobre a atriz que, no mesmo ano do lançamento de Escravos da Ambição, assumiu a direção (quando Elmer Clifton  teve, logo no primeiro dia de filmagem, um ataque cardíaco) de Not Wanted / 1949), um melodrama (produzido por Ida e Collier Young – que deixara a Columbia- , em parceria com a Emerald Productions de Anson Bond) sobre o tema da mãe solteira (interpretada por Sally Forrest), que entrega seu bebê para adoção, depois se arrepende e sequestra outra criança para substituir o filho que perdeu. Foi o início de uma nova carreira para Ida (aos 31 anos de idade), como a mais bem sucedida e prolífica diretora de sua época.

Not Wanted teve um sucesso maior do que o esperado e Ida e Collier Young puderam realizar seu sonho de fundar a sua própria companhia, incluindo na sociedade Malvin Wald, o autor da história original do referido filme. Wald enunciou a essência na nova companhia, a Filmakers: “Vamos tentar fazer filmes com temas sérios, dramas abordando problemas sociais”. Foi anunciado um plano grandioso de realizar seis filmes de orçamento modesto. Ida declarou que não iria aparecer em nenhum deles; como ela brincou: “Não tenho condições de pagar meu próprio salário”.

Para viabilizar financeiramente o primeiro projeto da nova companhia, Never Fear, Ida foi buscar dinheiro fazendo Entre o Amor e a Morte / Woman in Hiding / 1949 (Dir: Michael Gordon) na Universal, cujo argumento gira em torno de  uma jovem recém-casada, Deborah Chandler, que teme que seu marido (Stephen McNally, depois de cogitado Bruce Bennett) esteja planejando matá-la. O terceiro papel importante na trama coube a Howard Duff, entrando no lugar previsto para Ronald Reagan. Depois de uma antipatia inicial, Ida acabou atraída por Duff e a distância entre ela e Collier Young aumentou. O desempenho de Ida como uma mulher aterrorizada foi soberbo. O diretor Michael Gordon ficou impressionado não somente com a criatividade interpretativa de sua estrela mas também com o seu profissionalismo, como ela dominou seu medo de altitudes e participou de um clímax vertiginoso de perseguição pelos andaimes de um prédio.

A Filmakers funcionou de 1949 a 1955 e durante esse tempo produziu nove filmes: Quem Ama Não Teme / Never Fear / 1949, O Mundo é  Culpado / Outrage / 1950, Laços de Sangue / Hard, Fast and Beautiful / 1951, Abismos do Desejo / On the Loose / 1951, Escravo De Si Mesmo / Beware My Lovely / 1952, O Mundo Odeia-Me / The Hitch-Hiker / 1953, O Bígamo / The Bigamist / 1953, Dinheiro Maldito / Private Hell 36 / 1954 e Volúpia do Desejo / Mad at the World / 1955..  Ida dirigiu cinco dos nove filmes, deixando Abismo do Desejo para  Charles Lederer, Escravo de Si Mesmo para Harry Horner, Dinheiro Maldito para Don Siegel e Volúpia do Desejo para  Harry Essex. Ida trabalhou como atriz em: Escravo de Si Mesmo e Dinheiro Maldito e acumulou as funções de diretora e atriz em O Bígamo.

A primeira produção da Filmakers dirigida por Ida, Quem Ama Não Teme, foi estrelado por Sally Forrest no papel de uma jovem dançarina vitimada pela poliomielite que, através de muita determinação, se recupera. A maior parte do filme (rodado no Kabat-Kaiser Rehabilitation Institute em Santa Monica, Califórnia), transcorre em um sanatório e mostra o tratamento da moça e a adaptação da mesma à sua nova vida. Tal como a maioria das pessoas que enfrentam essa situação, ela passa por surtos severos de depressão e chega a repudiar seu companheiro de dança – embora ele a ame e parece aceitar a sua incapacidade física. Tudo isso é mostrado com realismo, aptidão cinematográfica e quase que em um estilo documentário.

Todavia, mesmo após ter sido reintitulado de The Young Lovers, para atrair mais espectadores, o espetáculo não pagou os seus custos. Porém ele chamou a atenção de Howard Hughes, que acabara de comprar a RKO e estava procurando fornecedores de filmes de orçamento barato para preencher o seu esquema de distribuição. Ele concordou em distribuir os próximos três filmes da Filmakers e contribuiu com 250 mil dólares para cada filme (em troca da metade dos lucros), deixando a companhia com controle total sobre o conteúdo e a criação. Trabalhando nessa situação ideal, os três trabalhos seguintes dirigidos por Ida foram bem sucedidos comercial e criticamente.

O Mundo é Culpado lidou com o estupro de uma maneira não sensacionalista e sem um discurso moralizador mas com planos magníficos de ternura para descrever o drama da jovem (Mala Powers) obrigada a se afastar de seus próximos para levar uma vida normal. Neste filme, Ida demonstra pela primeira vez seu domínio da câmera móvel com um número impressivo de tomadas de grua e travellings e adota uma iluminação contrastada, colocando a maioria dos acontecimentos da primeira metade da narrativa em um ambiente de sombras agourentas.

Em Laços de Sangue, Claire Trevor surge como uma figura materna egoísta e oportunista, que obriga sua filha ingênua (Sally Forrest), a se tornar uma jogadora de tênis profissional. A mãe não somente arquiteta os primeiros estágios da carreira da filha como também usa de práticas comerciais nada aceitáveis para impulsioná-la. Entretanto, graças à crítica contínua de seu namorado, a moça começa a questionar a validade de sua busca pela glória esportiva e, finalmente, desiste de continuar sendo uma campeã, frustrando os planos de sua progenitora. Filmando em locação, tal como fêz em Quem Ama Não Teme e O Mundo é Culpado, Ida dá ao filme uma aparência de documentário, que torna a tentativa  da jovem de alcançar a fama bastante real, fazendo ao mesmo tempo, uma análise detalhada dos mecanismos impuros de exploração comercial no meio esportivo. Em Laços de Sangue Ida faz uma aparição à la Hitchcock com Robert Ryan atrás dela, ambos vistos brevemente como espectadores aplaudindo o jogo.

Em 20 de 0utubro de 1951, Ida divorciou-se de Collier Young e, no dia seguinte, se casou com Howard Duff, do qual se divorciaria em 7 de junho de 1984. Logo depois de Laços de Sangue e antes de dirigir seu filme seguinte, O Mundo Odeia-me, ela integrou o elenco de uma produção da RKO, Cinzas que Queimam/ On Dangerous Ground / 1951. Nela, Ida é Mary Malden, a irmã cega do rapaz mentalmente perturbado que molestou e assassinou uma jovem e está sendo perseguido em um ambiente rural coberto de neve por um policial (Robert Ryan) acostumado a tratar os malfeitores com muita brutalidade. Enternecido pelo convívio com a cega e observando a ira do pai da vítima (Ward Bond), ele consegue encontrar a serenidade e agir como um verdadeiro defensor da lei. Um grande filme noir (impuro) dirigido com mão de mestre por Nicholas Ray.

Baseado em um caso verídico, O Mundo Odeia-me começa quando um perigoso assassino psicopata (William Tallman), fugitivo da prisão, pede carona a dois homens (Edmond O’Brien, Frank Lovejoy), que viajam de férias. Sob a mira de um revólver, os dos amigos são obrigados a levar o criminoso para o México, onde ele pretende escapar de barco para a América Central. Um dos cativos quer reagir imediatamente, porém o outro prefere aguardar uma boa oportunidade. Enquanto isso, a polícia americana trabalha em conjunto com a mexicana na caçada ao foragido. O filme tem uma ação bastante tensa e brutal, desenrolando-se quase inteiramente em uma paisagem desértica que, embora não seja tão dark como uma cidade à noite, produz praticamente o mesmo efeito sobre os protagonistas, isolando-os em um ambiente potencialmente mortal como de qualquer filme noir. A sensação de solidão dos três homens e a  angústia dos dois “raptados” são perfeitamente criadas pela direção firme de Ida, empregando muito bem os close-ups opressivos, para aumentar o suspense.

Depois de Cinzas Que Queimam, Ida voltou para a Filmakers, atuando apenas como atriz em Escravo de Si Mesmo e Dinheiro Maldito nesta companhia e na Allied Artists em Jennifer / 1953 (Dir: Joel Newton), retornando à Filmakers como atriz e diretora em O Bígamo. No thriller psicológico, Escravo de Si Mesmo, Ida é Helen Gordon, professora e viúva de guerra, que emprega um desconhecido (Robert Ryan), para serviços domésticos e descobre que ele é um psicopata. No filme noir (impuro), Dinheiro Maldito, Ida é Lili Marlowe, uma cantora de boate, que se envolve com dois policiais de Los Angeles (Steve Cochran, Howard Duff), que embolsaram o dinheiro roubado em um audacioso assalto. Em Jennifer, Ida é Agnes Langley, zeladora de uma  velha mansão, onde ela descobre um assassinato. Dos três, o melhor foi o dirigido por Don Siegel. Os personagens principais pertencem ao mundo noir por sua corruptibilidade e amargura  porém o tom do espetáculo não é bem dark. Lili também não chega a ser uma mulher fatal. Sente-se culpada por seu desejo de riqueza ter levado o amante (um dos dois policiais) para o caminho da inevitável destruição. Artesão hábil, Siegel consegue manter o interesse mas os problemas mais sérios são mais ou menos esquematizados segundo a moral de Hollywood.

Em O Bígamo, Harry (Edmond O’Brien) e Eve Graham (Joan Fontaine) estão tentando adotar um bebê. O chefe da agência sente que Harry esconde um segredo e investiga.  Ele logo descobre que Harry, fêz um número incomum de viagens de sua casa em San Francisco para Los Angeles. Harry é seguido até esta cidade, onde ele mantém uma segunda esposa, a garçonete Phyllis Martin (Ida Lupino) e um filho. Por meio de retrospectos, Harry conta para o investigador da agência como acabou mantendo dois casamentos.

Ida deu um tratamento sério a um assunto controvertido, evitando o sentimentalismo e a emoção óbvia, fugindo das convenções do gênero “filme para mulheres” e  trata o personagem do bígamo de uma maneira simpática mas sem desculpar os seus atos. A diretora explorou com precisão a sua própria capacidade interpretativa e a de seus dois colegas; porém o filme poderia ter sido mais excitante visualmente.

Depois de O Mundo Odeia-me, a Filmakers resolveu se desligar da RKO e  distribuir seus próprios filmes, erro fatal que propiciou o fim da companhia. O sonho de Ida de trabalhar independentemente transformou-se em cinzas e ela teve que procurar emprego como atriz. O público ainda a viu nos anos cinquenta: como Amelia van Zandt, diretora sádica e inflexível de um presídio em Mulheres Condenadas / Women’s Prison / 1955 (Dir: Lewis Seiler);

como Marion Castle, mulher de um ator pressionado por um chefão de estúdio em A Grande Chantagem / The Big Knife / 1955 (Dir: Robert Aldrich); como Mildred Donner, colunista de um grande jornal envolvida nas intrigas pela disputa de um alto cargo na organização enquanto um jovem psicopata (John Barrymore, Jr.) está cometendo crimes sexuais em No Silêncio de uma Cidade / While the City Sleeps / 1956 (Dir: Fritz Lang) e como Alice Carmichael, esposa de um prisioneiro na guerra da Coréia prestes a morrer, que confessa ao marido que o traiu porém está arrependida e, após o conflito, recebe a visita de um ex-companheiro neurótico de seu esposo, com a obsessão de impedir que os filhos do casal sejam criados por outro homem em Um Estranho em Minha Vida / Strange Intruder/ 1956 (Dir: Irving Rapper).

O melhor desses filmes foi No Silêncio de uma Cidade. A parte policial da intriga serve apenas de contraponto para o verdadeiro tema do filme, a luta impiedosa entre os candidatos a um pôsto de alta projeção em uma empresa jornalística. Lang não se interessa pelo drama psicológico ou ações criminosas do doente mental mas sim pelos métodos inescrupulosos utilizados pelos concorrentes, fazendo uma crítica mordaz do arrivismo na vida profissional americana.

No dia 31 de dezembro de 1953, Ida estreou na televisão (no papel de uma mulher que se encontra com um assassino psicopata) em House for Sale, episódio do programa Four Star Playhouse, iniciando, primeiro como atriz e depois como diretora, uma longa carreira no novo veículo, sobre a qual não vou me pronunciar, para não alongar este artigo. Menciono apenas, como exemplo, sua pungente atuação no episódio The Sixteen-Millimeter Shrine do seriado Além da Imaginação / Twilight Zone, dirigido por Mitchell Leisen, como uma atriz envelhecida, Barbara Jean Trenton, cujo mundo é uma sala de projeção, “cujos sonhos são feitos de celuloide” e seu desejo de retornar aos dias mais felizes do passado se tornam realidade.

No cinema, ela voltou a dirigir em Anjos Rebeldes / The Trouble with Angels / 1966, filme sobre as estrepolias de duas garotas em um internato católico, endoidecendo a madre superiora (Rosalind Russell) e atuou como atriz: personificando Elvira Bonner, mãe de um profissional do rodeio solitário e lacônico (Steve McQueen) em Dez Segundos de Perigo / Junior Bonner (Dir: Sam Peckinpah); Mrs. Preston, mãe de um rapaz (William Shatner), que detém um livro muito procurado por satanistas no filme de horror The Devil’s Rain / 1975 (Dir: Robert Fuest); Mrs. Skinner, mulher do campo que descobre um líquido estranho na sua propriedade em A Fúria das Feras Atômicas / Food for the Gods / 1976 (Dir: Bert L. Gordon), aventura de ficção científica sobre animais e insetos mutantes; e Mrs. Morton, esposa do líder  (Ralph Meeker) de delinquentes juvenís que, em My Boys are Good Boys / 1978 (Dir: Bethel Buckalew), fogem de uma prisão, assaltam um carro-forte, e voltam para suas celas sem serem descobertos.

Ida Lupino não foi uma grande cineasta , não deixou a marca de um estilo porém foi uma diretora muito competente, cuja obra se impõe pela sua coesão e originalidade. Ela gostava de abordar como temas de seus filmes problemas sociais ousados e controversos, que eram negligenciados pelos estúdios de Hollywood na época e abriu caminho para futuras gerações de mulheres diretoras. Como intérprete, foi uma das maiores atrizes de seu tempo, cativando o público com seu temperamento ardente, sua energia dramática e, é claro, com seus lindos olhos azuis.