HOLLYWOOD NA GUERRA – AS MULHERES NA FRENTE DOMÉSTICA

novembro 3, 2010

Após o ataque japonês a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941 e a entrada oficial dos Estados Unidos na guerra então em curso contra o Japão, Alemanha e Itália, começaram as advertências para as mulheres americanas jovens por parte dos pais, do clero, no rádio, jornais e revistas. Algo como: “Tomem cuidado com o romance do tempo de guerra. Casamentos apressados nesta época estão fadados ao fracasso. Não se comprometam com um futuro incerto. O verdadeiro amor pode esperar”. Parece que ninguém ouviu esses conselhos, porque 1.8 milhões de casais contraíram matrimônio em 1942, um aumento enorme comparado com o ano anterior.

Então os casais se casaram às pressas. Provavelmente não se conheciam bem nem estavam apaixonados ou talvez a mulher cobiçasse o cheque mensal no valor de cinqüenta dólares que receberia como esposa de pracinha e aguardava com interesse a indenização de 10.000 dólares do seu seguro de vida, que ganharia como viúva. Cinqüenta dólares por mês era pouco, mas um soldado na frente de batalha, sem nada para gastar, normalmente mandava parte de seu soldo para casa. Com a renda de 50 dólares mensais e mais esta parte do soldo uma garota ambiciosa poderia almejar quatro, cinco, seis ou mais maridos, para levar uma vida bem confortável.

Imediatamente ao pós-guerra, Esposas Errantes / Allotment Wives / 1945 (Dir: William Nigh) descrevia uma espécie diferente de delito, tendo como vítima os pracinhas. O Major Pete Martin (Paul Kelly) é convocado pelo Office of Dependence Benefits, para investigar mulheres que se casaram com vários soldados, para receber os cheques mensais do Departamento do Tesouro e a indenização do seu seguro de vida, caso os pracinhas viessem a ser mortos. Em vez de umas poucas mulheres inescrupulosas, Pete descobre uma organização criminal largamente expandida, que controlava suas empregadas como rufiões fazem com prostitutas.

Com a declaração de guerra contra as potências do Eixo, não somente as jovens noivas, mas também mulheres que já eram casadas há algum tempo e tinham filhos, viram seus maridos partirem para o além-mar. A princípio, somente homens que tinham família ficavam isentos do sorteio militar. Porém, quando a guerra se incrementou, entre 1942 e 1943, a maioria dos homens aptos entre 18 e 35 anos foram convocados ou se alistaram voluntariamente.

Muitas mulheres não se conformaram com a idéia de que tinham que se separar de seus maridos e decidiram permanecer ao lado deles o maior tempo possível enquanto eles ainda estivessem nos Estados Unidos. Essas mulheres eram frequentemente chamadas de “camp followers”, porque seguiam seus maridos de uma base militar para outra através do país.

Elas encontravam moradia o mais perto possível deles e passavam grande parte do tempo a seu lado. Entretanto, sua presença era quase sempre mal acolhida nos trens já superlotados, em cidades que não eram as suas e até em longas filas nas mercearias, quando o racionamento de comida foi implementado. Muitas pessoas achavam que, em vez delas passearem pelo país, ocupando um espaço e recursos valiosos, essas mulheres deviam ficar nos seus lares e fazer alguma coisa mais útil, menos egoísta, para o esforço de guerra. Porém quando os homens embarcaram para a frente de batalha, as mulheres voltaram para suas casas.

Não existe um número exato de quantas mulheres se tornaram “camp followers” durante a guerra, porque não havia nenhuma agência que tivesse uma informação coordenada a respeito. Somente quando as mulheres passavam por alguma dificuldade, agências como a Traveler’s Aid entravam em contato com elas. A Traveler’s Aid relatou 885.000 casos em 1942, cerca de seis vezes o total de 1941. Nos primeiros seis meses de 1943 o total aumentou para 1.250.000 casos..

Essas “camp followers” não se confudiam com as chamadas “V (for Victory) girls”, que eram adolescentes que ficavam à toa em torno das estações de ônibus e trens, drugstores ou em quaisquer lugares onde soldados ou marujos de licença podiam se reunir, flertando com eles e os convidando para um programa. Elas eram amadoras na sua maioria. O preço de seus favores era uma ida ao cinema, ou a um lugar onde pudessem dançar, um refrigerante ou uma bebida mais forte. As “V-girls” podiam ser facilmente reconhecíveis pelos seus suéteres usados, meias curtas, fitas no cabelo, muita maquilagem e lábios pintados de vermelho cor de sangue, tentando parecerem mais velhas. Elas estavam a um passo da prostituição, mas ofereciam aos pracinhas solitários uma diversão transitória despida daquela indiferença profissional do lenocínio. Podiam também, é claro, oferecer-lhes uma doença venérea, cuja incidência era maior entre as amadoras do que entre as profissionais.

A mulher do tempo da guerra teve que resolver as perplexidades e os problemas do seu mundo novo e estranho sem marido. Muitas mulheres procuraram ajuda de suas próprias mães ou foram morar com outros membros da família. Porém o maior impacto na vida das mulheres encarregadas de sustentar o lar dizia respeito à sua rotina diária. Mudar a atitude dos americanos com relação ao consumo não era uma tarefa fácil.

Tudo o que era produzido, tinha que ir primeiramente para o esforço de guerra. As fábricas e as fazendas estavam em plena atividade, mas os cidadãos estavam sendo intimados a reduzir o seu consumo. As invasões de áreas de produção de borracha pelos japoneses afetaram o suprimento desta matéria prima para os Estados Unidos. A solução encontrada pelo governo americano foi racionar não somente pneus, mas também a gasolina e depois roupas e sapatos. O primeiro alimento a sofrer restrição foi o açúcar, ocorrendo o mesmo pouco tempo depois com o café. No final de 1942, o governo ordenou o racionamento da carne vermelha. Embora a manteiga, o leite e os ovos nunca tivessem sido racionados, eles estavam escassos em alguns lugares. As pessoas também foram encorajadas a plantar frutas e verduras em qualquer pequeno espaço de terra excedente. Esses espaços ficaram conhecidos como Victory Gardens (Jardins da Vitória).

Rationing / 1944 (Dir: Willis Golbeck) – filme não exibido no Brasil – zombava do racionamento (e a concomitante burocracia do governo) mas, ao mesmo tempo, justificava a sua existência por meio de um discurso patriótico. Tem uma cena na qual o açougueiro Ben Barton, interpretado por Wallace Beery, responde a uma mulher que quer saber como ela e seu marido podiam ter um “bom jantar”, apesar das restrições impostas pelo governo. Ele diz: “Primeiro você tira um bife de um fuzileiro em Guadalcanal e cozinha ele com batatas, que deveriam ser para um dos Guardas Costeiros nas ilhas Aleutas; depois você adiciona algumas verduras da comida de nossas tropas lá no Norte da África e põe ainda algumas gramas de manteiga, que você ia enviar para alguns marujos num submarino, e duas chícaras de café, que pertencem a um aviador no Pacífico Sul”.

Em certas partes dos Estados Unidos houve falta de moradia devido ao incremento da produção de guerra. Vários filmes ridicularizavam esta situação na capital do país, destacando-se, entre eles, Original Pecado / The More The Merrier / 1943 (Dir: George Stevens) e Esposas Solteiras / The Doughgirls / 1944 (Dir: James V. Kern). Em Original Pecado, no auge da crise de habitação, a funcionária do governo Constance “Connie” Milligan (Jean Arthur) subloca um dos dois quartos de seu apartamento para Mr. Dingle (Charles Coburn) que, por sua vez, o divide com o jovem Joe Carter (Joel McCrea), criando uma situação muito apropriada para uma comédia-romântica. Em Esposas Solteiras, Arthur (Jack Carson) e Vivian (Jane Wyman) acabam de se casar. Arthur vai se encontrar com seu novo chefe (Charles Ruggles) e, quando retorna ao hotel, encontra três garotas na suíte nupcial: Edna (Ann Sheridan), Nan (Alexis Smith) e Natalia Moskorof, uma franco-atiradora russa). Ele manda Vivian se livrar delas, mas elas são amigas de Vivian.  Enquanto as moças não forem embora, Arthur não vai ficar ali e não haverá lua-de-mel. O cômodo também fôra prometido a um pomposo comentarista do rádio (Alan Mowbray), gerando mais confusão.

Durante a guerra, as revistas femininas desempenharam um papel fundamental, refletindo e influenciando a vida das mulheres. Artigos e anúncios ofereciam informações sobre o racionamento, sugestões para manter a família saudável e economizar nas compras, recomendações com relação aos cuidados maternais e conselhos para que as mulheres tivessem sempre uma boa aparência, apesar de todas as vicissitudes. Os jornais, o rádio e os cartazes em lugares públicos eram outros meios de comunicação, que alcançavam uma vasta audiência. Mas quando o governo precisava transmitir mensagens para a mulher americana, ele recorria em primeiro lugar às revistas femininas, enviando um Magazine War Guide para centenas de editores dessa área jornalística, ensinando como os seus artigos e fotografias podiam sustentar o esforço de guerra.

Um dos primeiros filmes, que trazia uma mensagem contundente relacionada com as obrigações das mulheres e dos homens em tempos tão difíceis, foi Rosa de Esperança / Mrs. Miniver, estreado em junho de 1942. Dirigido por William Wyler, o espetáculo era estrelado por Greer Garson como a dona-de-casa inglêsa, que passava por apuros durante o bombardeio contínuo dos alemães sobre a Grã Bretanha.  Na cena final, numa igreja semi-destruida, o vigário profere um sermão depois das mortes de um menino do coro, do chefe de estação ferroviária e da nora de Mrs. Miniver. Ele diz: “Esta não é uma guerra de soldados de uniforme. É uma guerra do povo – de todo o povo – e deve ser lutada não somente no campo de batalha, mas nas cidades e aldeias, nas fábricas, nas fazendas e nos lares, e no coração de cada homem, mulher e criança que ama a liberdade”. Winston Churchill mandou um telegrama para Louis B. Mayer, nestes termos: “Mrs. Miniver é propaganda que vale cem encouraçados”. O filme arrebatou seis Oscar da Academia.

O maior sofrimento para as mulheres que ficavam na frente doméstica era, naturalmente, a ansiedade constante por aqueles que elas amavam e a preocupação de como elas poderiam se ajustar à ausência dos homens em suas vidas.

Dois filmes principais cuidaram desse tema: Mulheres de Ninguém / Tender Comrade / 1943 (Dir: Edward Dmytryk) e Desde que Partiste / Since You Went Way / 1944 (Dir:John Cromwell). Mulheres de Ninguém mostrava quatro mulheres, operárias da fábrica da Douglas Aircraft  no Sul da Califórnia, que decidem fazer uma vaquinha e alugar uma casa juntas. Jo (Ginger Rogers) acabou de ver o marido, Chris (Robert Ryan), seguir para um posto deconhecido no exterior. Helen (Patrícia Collinge), tem um marido e um filho servindo no exército. Doris (Kim Hunter) casou-se com um pracinha poucos momentos antes dele partir com sua unidade. Barbara (Ruth Hussey) é casada com um marujo do Yorktown. O filme se tornou notório durante as investigações da HUAC no pós-guerra, quando a mãe de Ginger Rogers, uma das testemunhas “amigáveis” da Comissão do Senado Americano, apontou a sua suposta mensagem “comunista” (isto é, mulheres dividindo recursos em uma casa habitada por um grupo). No final do filme chega a notícia de que Chris foi morto em ação e Jô diz ao filho que o sacrifício do pai foi importante para a criação de um novo mundo. Porém fica bem claro que sua presença não seria necessária. No novo mundo que está sendo criado por Jô e pelas outras, as mulheres poderão tomar suas próprias decisões e viver independentemente dos homens.

Com quase três horas de duração, Desde que Partiste conta “a história de uma fortaleza inconquistável: o lar americano”. O marido de Mrs. Anne Hilton, (Claudette Colbert) alista-se nas forças armadas, apesar de ser um pai de meia idade com duas filhas Jane (Jennifer Jones) e Bridget (Shirley Temple). A partida do homem que sustenta a família causa algumas privações nesta casa da classe-média: sua criada negra, Fidelia (Hattie McDaniel), tem que se despedida (ela depois volta, dizendo que não gostou de trabalhar para uma família “da parte rica da cidade”). Para reforçar o orçamento doméstico, Mrs. Hilton decide aceitar como inquilino um coronel reformado, William G. Smollett (Monty Woolley), cujo neto, “Bill” (Robert Walker), torna-se namorado de Jane. Joseph Cotten é Tony Willett, um oficial da Marinha amigo da família, mas que talvez gostaria de fazer algo mais para Mrs. Hilton. Jane arruma emprego como ajudante de enfermeira, adiando seu ingresso na universidade. Mrs. Hilton vai trabalhar como soldadora num estaleiro. O filme termina no Natal, que é uma época doce-amarga para toda a família, até que vem a notícia de que o marido de Mrs. Hilton foi localizado e está passando bem.

Uma organização chamada Gold Star Mothers of América foi formada durante a Segunda Guerra Mundial. O nome tinha a ver com a prática de pendurar estrelas nas janelas das famílias cujos homens serviam nas Forças Armadas. Quem tinha um membro da família nestas condições, pendurava uma estrela azul na sua janela. Se ele morresse, pendurava-se uma estrela de ouro. Depois da guerra, as viúvas criaram uma nova organização intitulada Gold Star Wives of América.

Possivelmente, a família de luto mais conhecida durante a Segunda Guerra Mundial foram os Sullivan de Waterloo, Iowa. Todos os cinco filhos de Thomas e Alleta Sullivan morreram juntos em 1942, quando o USS Juneau, o navio no qual os irmãos estavam servindo, afundou no Pacífico logo após a Batalha de Guadalcanal. Depois disto, Mrs. Sullivan, seu esposo e sua única filha, Genevieve, foram recrutados pela Marinha para visitar fábricas de defesa e pedir por mais produção de guerra. Em 1943, Genevieve alistou-se na U.S. Naval Reserve.

Em 1944, foi realizado um filme de ficção de longa-metragem, Eram Cinco Irmãos / The Fighting Sullivans (Dir: Lloyd Bacon). O enredo mostra mais os irmãos crescendo muito unidos no seio de sua família irlandesa-americana do interior do que sua atuação na guerra. Quando se torna adulto, um dos irmãos, Albert (Edward Ryan) se casa. Diante do ataque a Pearl Harbor os outros quatro irmãos (James Cardwell, George Offerman Jr, John Campbell, John Alvin) decidem se alistar na Marinha. Com o consentimento da esposa Katherine Mary (Anne Baxter), o irmão casado se junta aos quatro e, por sua insistência, são designados para o mesmo navio, onde todos perecem. Este incidente trágico é pressagiado no começo do filme, quando os rapazes constroem um barco que afunda. O espetáculo é um tributo a um casal (Thomas Mitchell, Selena Royle) de uma pequena cidade dos Estados Unidos e aos cinco filhos que eles perderam e também uma descrição calorosa dos valores familiares e do americanismo provinciano, concluindo que o sacrifício dos Sullivans não foi em vão. No ínicio da narrativa, vemos uma montagem do batismo dos cinco irmãos e no final Mrs. Sullivan “batizando” o navio com o nome dos filhos. O papel da filha dos Sullivan, Genevieve, foi interpretado por Trudy Marshall.

A simples necessidade induziu mais de 60 milhões de mulheres para a força de trabalho da América durante os anos de guerra, abrindo oportunidades de emprego para mulheres em muitos lugares predominantemente ocupados por homens como fábricas, estaleiros e usinas siderúrgicas. Os homens americanos estavam partindo para a guerra justamente quando a indústria americana estava assinando contratos lucrativos com o governo para produzir um número expressivo de bombas, armas, navios e aviões. De repente, a idéia corrente de ver as mulheres como criaturas frágeis, inadequadas para o trabalho fora de casa, e muito menos para o trabalho duro, parecia um luxo dos tempos de paz. Mais do que nunca, a América pedia às mulheres que vestissem uniforme, para se juntarem à produção da maquinaria vital de guerra.

Foi uma mudança profunda em relação ao que ocorria antes. Durante a Depressão dos anos 30, quando os empregos eram escassos, as mulheres foram desencorajadas a trabalhar fora de casa. Em 1936, uma pesquisa de opinião apurou que 82 por cento dos americanos achavam que as mulheres não deveriam trabalhar se os seus maridos estivessem empregados. As mulheres foram informadas de que não tinham o direito de tirar os empregos dos homens que realmente precisavam deles para sustentar a família. A Segunda Guerra Mundial começou a mudar isso. Então, começam a aparecer anúncios oferecendo empregos para as mulheres.

Mais do que qualquer outra guerra na História,  o Segundo Conflito Mundial foi uma batalha de produção. Os alemães e os japoneses tinham uma vantagem inicial de dez anos acumulando armas e, além disso, os aliados haviam sofrido perdas materiais consideráveis em Dunquerque e Pearl Harbor.  Evidentemente que o lado com maior número de bombas, aviões e armamento seria aquele que ganharia a guerra. A produção era essencial para a vitória e as mulheres indispensáveis para a produção.

As primeiras mulheres a responder ao apelo das fábricas já integravam a força de trabalho em 1940. Muitas eram mães casadas que sempre precisavam trabalhar, para ajudar o marido. A maioria eram trabalhadoras em funções tradicionalmente de baixo salário tais como, por exemplo, empregadas domésticas. Aproximadamente 500.000 mulheres deixaram os serviços domésticos durante a guerra, a maioria delas mulheres negras, que finalmente encontraram melhores oportunidades. Elas ficaram compreensivelmente contentes com a oportunidade de arrumar uma ocupação industrial.

Em 1943, emergiu uma figura que personificava a mulher operária solteira ideal. Seu nome era Rosie the Riveter. Ela tinha tudo o que o governo queria numa operária de guerra. Era leal, eficiente, patriótica, submissa, até bonita. O seu mito nasceu numa canção interpretada por um quarteto masculino chamado os Four Vagabonds. Na canção, o namorado de Rosie, Charlie, estava no exterior lutando na guerra e ela trabalhava patrioticamente, a fim de que o conflito acabasse logo, ele voltasse para casa e eles pudessem se casar. Então, presumivelmente, ela teria que abandonar o trabalho, para criar uma família. O ícone de Rosie decolou. Depois da canção, apareceu o pôster de Norman Rockwell na capa do Saturday Evening Post em 29 de maio de 1943. Sua operária de guerra robusta está de macacão e lenço no cabelo, segurando um suculento sanduíche. Ela repousa um de seus braços musculosos sobre uma lancheira e mantém um rebite no seu colo.  Seus pés pisam em cima de um exemplar do Mein Kampf de Adolph Hitler.

Poucos meses depois, surgiu uma versão mais suave de Rosie toda maquilada e um grande lenço vermelho com bolinhas brancas no cabelo. Neste pôster, encomendado pelo governo, Rosie arregaça a manga de seu uniforme para mostrar o seu bíceps e em cima da imagem vêm as palavras “We Can Do It”.(“Nós podemos”).

Em 1944, foi feito um musical, intitulado Rosie, the Riveter (Dir: Joseph Santley) – não exibido no Brasil -, que tinha como personagens duas trabalhadoras de fábricas de defesa. Durante o dia, Rosalind “Rosie” Warren (Jane Frazee) e sua amiga, Vera Watson (Vera Vague), dividiam com dois colegas do turno da noite, Charlie (Frank Albertson) e Kelly (Frank Jenks), o único quarto restante da cidade. Entre as desventuras cômicas que esta situação provocava, os dois casais acabam se apaixonando. No clímax, acontecia uma festa em homenagem ao prêmio concedido à fábrica pela excelência na produção de materiais de guerra.

Quando a escassez de mão de obra chegou ao auge, o Office of War Information, uma agência formada em maio de 1942 para administrar o fluxo de noticias e de propaganda, promoveu campanhas, estimulando os empregadores a contratar mulheres e as mulheres a se tornarem “soldados da produção”.

Recrutar donas de casa para o trabalho de guerra era sem dúvida uma tarefa delicada. Mesmo as mulheres que gostariam de trabalhar tiveram que discutir com os maridos. No início de 1943, o instituto Gallup revelou que somente 30 por cento dos maridos deram apoio irrestrito à idéia de suas mulheres trabalharem nas fábricas. Embora persista a noção de que a maioria das mulheres que trabalhavam durante a guerra eram casadas com soldados, na verdade, apenas uma entre dez novas operárias estavam nessas condições. E apenas oito por cento de todas as mulheres tinha maridos no serviço militar. Num outro poster, apareciam três operárias de guerra sob o slogan “Soldados sem armas”. As campanhas de propaganda glamourizavam o trabalho de guerra, sempre mostrando que as mulheres podiam manter a sua feminilidade, sendo úteis.

Embora o patriotismo tivesse alguma influência no recrutamento, eram ainda os incentivos econômicos que atraíam muitas donas de casa. Para muitas mulheres casadas o trabalho proporcionava aquele primeiro gosto de liberdade financeira. Elas puderam ganhar mais dinheiro do que imaginavam antes da guerra, e o dinheiro era delas. Uma exclamou: “Posso abrir também a minha primeira conta bancária e é um grande e glorioso sentimento assinar um cheque só meu”. Quase cinquenta por cento de todas as mulheres adultas foram empregadas durante o auge da produção de guerra em 1943 e início de 1944, a maior percentagem até então.

Uma grande mudança ocorreu no número de mulheres que trabalhavam para o governo. Em junho de 1940 havia 186.210 mulheres trabalhando no Poder Executivo. Um ano depois havia 266.407 mulheres, um aumento de 43% em um ano. Nos Departamentos de Guerra e da Marinha, mais de 60.000 mulheres foram contratadas nesse período de um ano. Depois de Pearl Harbor, 2.000 mulheres jovens chegavam a Washington a cada mês, atendendo à propaganda feita através de todo o país em busca de escriturárias e datilógrafas. Essas “government girls” estavam quebrando a tradição de que os empregos federais eram reservados apenas para os homens.

Porém a cada momento havia um lembrete de que esses empregos eram oferecidos às mulheres apenas temporariamente.  Quando os homens voltassem da guerra, Rosie tinha que sair de cena.

Muitas foram as atividades servidas pelo trabalho feminino, destacando-se a fabricação de bombas e munição, de aviões e navios; mas nem todas estavam relacionadas com a produção de defesa. Das mais de seis milhões de mulheres que se integraram na produção de defesa de 1940 a 1945,  mais de dois milhões de mulheres encaminharam-se para empregos em escritórios. De fato, um pôster revelador mostrando três empregadas de escritório sorridentes tinha a legenda “Secretaries of War” (Secretárias de Guerra). Ainda assim a maior percentagem de mulheres trabalhadoras numa ocupação foi no trabalho agrícola, onde havia oito por cento de mulheres em 1940 e 22.4 por cento em 1945, um aumento de 14.4 por cento.

Houve também um grande esforço para preencher o que eram chamados de “empregos civís essenciais”, que haviam perdido trabalhadores, tanto masculinos quanto femininos, para empregos mais bem pagos e de maior status na indústria de defesa ou para os militares. As mulheres responderam prontamente ao chamado das empresas, assumindo tarefas de barbeiro, açougueiro, chofer de táxi, trabalhador de matadouro, bombeiro, etc.

Durante a Guerra deu-se uma nova ênfase na construção de aviões. Em 1940, toda a indústria aeronáutica havia produzido um total de apenas 13.000 aviões. Em 1942, o Presidente Roosevelt pediu a construção de 60.000 aviões. A Douglas Aircraft era uma das maiores fábricas nos Estados Unidos no começo dos anos 40. Ela empregou 22.000 mulheres durante a guerra para ajudar a construir muitos bombardeiros e aviões de transporte usados na Europa e no Pacífico. A maioria das mulheres nunca havia visto o interior de um avião; não conseguia distinguir uma fuselagem de um trem de aterrissagem, mas elas deixaram suas cozinhas para ir trabalhar nessas indústrias, aprenderam rapidamente e foram maravilhosamente bem sucedidas.

Elas eram geralmente aceitas com pouca desavença por parte dos trabalhadores masculinos, porém houve exceções. A construção de navio, em contraste com a fabricação de aviões, era uma atividade industrial antiga. Há muito tempo acostumados com uma mão-de-obra totalmente masculina, os estaleiros custaram a aceitar as mulheres, apesar do encorajamento do governo para que fizessem isso. A tremenda expansão necessária para substituir os navios afundados em Pearl Harbor, e depois os desastres no Pacífico, logo mostraram essa necessidade. Em 1939, quando irrompeu a guerra na Europa, havia 36 mulheres empregadas nos estaleiros. Em março de 1943, pelo menos 23.000 mulheres estavam trabalhando neles, com previsões de que, no final 1944, este número teria que subir para 225.000. A tarefa mais comum exercida pelas mulheres nos estaleiros era a de soldador, porém elas também operavam máquinas de furar e tornos mecânicos, atuavam como despachantes e dirigiam caminhões, eram encontradas em oficinas de metalurgia ou de instalações elétricas, almoxarifados, etc.

Os chefes de turmas nas fábricas eram praticamente unânimes ao afirmarem que, em tudo, o trabalho produzido pelas mulheres podia ser considerado igual ao dos homens. As mulheres aprendiam mais facilmente do que os homens e demonstravam maior interesse do que eles, para saber o “Porquê” e o “Como”.

Enquanto que o sucesso industrial das mulheres foi uma surpresa para os construtores de navios, a indústria de munição havia percebido, desde longa data, que as mulheres eram excelentes empregadas. Neste trabalho literalmente explosivo, as tradições femininas de cautela, precisão e consciência da necessidade de segurança eram imensamente valiosas. Já em 1941, antes da América se envolver na guerra, pelo menos 30.000 mulheres trabalhavam com carregamento de cartuchos de balas, pequenos armamentos e detonadores. Quando a luta na Europa piorou, as mulheres entraram em áreas de fabricação de munições previamente interditadas para elas – e fizeram isso com muito êxito, sem treinamento prévio.

A maioria das fábricas ditava regras de como as mulheres deveriam se vestir. O objetivo era não somente o de protegê-las como também os homens que trabalhavam com elas. Uma mulher usando um suéter apertado, por exemplo, distraia a atenção dos rapazes, que assobiavam quando elas passavam. Calças compridas e sapatos de salto baixo eram obrigatórios. Cabelos longos e soltos estavam terminantemente proibidos e se os seus cabelos não fossem tão curtos quanto o dos homens, elas tinham que prendê-los sob um turbante. Esta era uma proteção contra acidentes – uma operária poderia ser escalpelada se o seu cabelo ficasse preso numa das máquinas.  Outro problema eram as brincadeiras de mau gosto que elas sofriam por parte dos homens. A resposta da administração das fábricas foi segregá-las em tarefas nas quais elas trabalhavam separadas dos seus colegas masculinos.

Quanto ao assédio sexual, a solução foi desenhar uniformes que tornassem as mulheres indistinguíveis dos homens e contratar uma “dama de companhia de cabelos grisalhos” para “flagrar” aquelas distraídas no lavatório feminino e aconselhá-las a disfarçar sua aparência. Entretanto, as próprias mulheres imaginaram o melhor meio de se defenderem da excessiva atenção por parte do sexo oposto. Quando os homens passaram a se defrontar com assobios e com a agressão sexual das mulheres, seu comportamento mudou.

Foi nesse clima que talvez o “soldado de produção” feminina mais famosa de todas foi localizada no verão de 1944 por um fotógrafo da primeira Unidade Cinematográfica do Exército. A operária de guerra Norma Jeane Dougherty logo se transformaria na personalização de um ideal masculino de feminilidade. Mas quando o fotógrafo a descobriu, ela era apenas mais uma operária de guerra, empacotando pára-quedas em uma fábrica de guerra em Burbank na Califórnia. A equipe de fotógrafos do Exército chegou sob as ordens de seu comandante, Ronald Reagan, para documentar o papel da mulher no esforço de guerra, fotografando as mulheres mais bonitas da linha de montagem, trabalhando patrioticamente nos seus empregos de guerra. Norma Jeane Dougherty, então com 18 anos, se destacava. Ela era uma esposa de guerra típica, que começou trabalhando na Radio-plane Company em abril de 1944, depois que seu marido, Jim Dougherty, alistou-se na Marinha Mercante. Norma estava vivendo com a família de seu esposo no Sul da Califórnia e tinha arrumado um emprego na mesma fábrica de guerra, onde sua sogra, Ethel Doughery, trabalhava.

Segundo consta, o fotógrafo David Conover disse a Norma Jeane: “Eu vou tirar sua foto para manter a moral dos rapazes do Exército alta”. Conover telefonou para Norma alguns dias depois, para lhe dizer que as fotos tinham saído maravilhosamente bem e convidou-a para trabalhar como modelo. Ele disse que queria tirar mais algumas fotos e que a colocaria em contato com alguns de seus conhecidos, para lhe arranjar outros trabalhos. Uma das fotos tiradas por Conover apareceu em 26 de junho de 1945 na capa da revista do Exército chamada Yank e, em junho de 1946, a ainda morena Norma Jeane havia aparecido na capa de 13 revistas populares inclusive Laff, Stars and Stripes e Family Circle. Em agosto de 1946, ela assinou contrato com a 20th Century Fox e, em setembro de 1946, se divorciou de Jim Dougherty. Depois, Norma Jeane tingiu seu cabelo de loura e mudou seu nome para Marilyn Monroe.

De 1940 a 1945, a proporção de mulheres na força de trabalho americana aumentou de 25 por cento para 36 por cento. Em 1945, quase 20 milhões de mulheres estavam na força de trabalho, um grande aumento em comparação com os 11.5 milhões em 1940.

Quando as milhares de mulheres ingressaram nas fábricas, não havia lugar para deixarem seus filhos. A WPA (Work Progress Administration), um vestígio burocrático do tempo da Grande Depressão, redirecionou as creches que havia criado para cuidar das crianças muito pobres. Havia 1.500 creches (pelo menos uma em cada estado), mas elas não eram suficientes para atender a demanda. A assistência privada à infância não era prioridade de tempo de guerra e os programas públicos constituíam-se mais de palavras do que de ação.

Muitas mulheres não teriam a opção de continuar trabalhando quando a guerra acabou. A promessa feita no príncipio da guerra de que aqueles empregos para as mulheres seriam apenas temporários até que os homens voltassem da frente de batalha, foi cumprida. As mulheres foram convidadas a sair do caminho e retornarem ao seu devido lugar no lar, com suas famílias. Tão rapidamente quanto Rosie the Riveter foi criada, uma campanha igualmente eficiente foi lançada para afastá-la.

Os homens que haviam partido para lutar na Segunda Guerra Mundial a fim de preservar o American Way of Life, voltariam para o lugar onde, para muitas mulheres, aquele modo de vida havia sido transformado. Um grande número de mulheres americanas das classes baixa e média havia experimentado uma espécie de liberdade que elas nunca haviam conhecido antes. As mulheres haviam provado o sabor de ganhar o seu próprio dinheiro e viverem a sua própria vida fora de casa, e muitas gostaram disso.

Embora a sociedade em geral não pudesse perceber isso imediatamente, estava claro – como disse Emily Yellin no seu magnífico livro, Our Mothers War (Free Pres, 2004), de onde extraímos, muitas informações para este artigo – que o gênio havia saído da lâmpada e, por mais que tentassem dissuadí-lo, não iria voltar para dentro. Uma revolução começava na vida do trabalho e do lar na América.

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