ERNST LUBITSCH – I

setembro 12, 2011

Dotado de um estilo bem definido e do poder de se expressar através do cinema puro, Ernst Lubitsch, um dos mais representativos emigrados que ajudaram a desenvolver a indústria cinematográfica de Hollywood nos anos 20/40, preocupou-se sempre em agradar o público.

Ele nunca procurou criar obras altamente artísticas ou de vanguarda como seus contemporâneos Murnau e Fritz Lang. “Jamais perdí de vista, durante minha carreira, esta idéia de que um filme deve evitar ao máximo situações e concepções que só podem ser apreciadas e compreendidas por uma parcela determinada e limitada de espectadores” (Lubitsch).

Tanto nas farsas curtas e grandiosos espetáculos históricos da fase alemã como nas operetas e comédias sofisticadas americanas, predominou a intenção do entretenimento. Aliando seu espírito europeu, tipicamente judaico-berlinense, a uma arguta observação dos costumes dos Estados Unidos, Lubitsch criou um humor atrevido e malicioso, através de deliciosas ironias, subentendidos elegantes  e insinuações rápidas com a câmera, que ficaram conhecidos como o Lubitsch Touch.

Inspirando-se em Stroheim (Esposas Ingênuas / Foolish Wives / 1921) e em Chaplin (Casamento ou Luxo / A Woman of Paris / 1923), ele ajudou a introduzir a psicologia na tela e, apropriando-se também um pouco do luxo e sensualidade dos filmes de Cecil B. DeMille, influenciou toda uma escola de realizadores (Malcom St. Clair, Harry d’Abbadie d’Arrast, Monta Bell, Rouben Mamoulian, Lewis Milestone, William Dieterle, Joseph L. Mankiewicz, Billy Wilder, etc.) que, no entanto, jamais ultrapassaram o mestre no gênero que o celebrizou. “Ele estava muito acima de todos nós no campo da alta comédia sofisticada,” afirmou Mankiewickz.

Ernst Lubitsch nasceu em Berlim no dia 29 de janeiro de 1892, filho de Simon Lubitsch e Anna Lindenstaedt. O pai, de origem russa, tinha uma loja de confecções na Schönhäuser Allee, que ficava a vinte minutos a pé da Alexanderplatz no centro da cidade. Aos 16 anos, apaixonado pelo teatro, o jovem Ernst deixou os estudos no Sophien-Gymnasium e o trabalho no estabelecimento paterno, travando amizade com o ator Victor Arnold, que lhe deu aulas de arte dramática e o levou aos palcos.

Em 1911, com a ajuda de Arnold, Ernst ingressou no Deustches Theater, dirigido por Max Reinhardt, notável encenador austríaco, sob cuja orientação se formou a nata dos atores que despontariam depois nas telas germânicas: Emil Jannings, Paul Wegener, Werner Krauss, Conrad Veidt, Fritz Kortner, Gustav Grundgens, Heinrich George, etc. Além do aprendizado com Reinhardt, Ernst começou a atuar em cabarés, cantando e dançando, muito interessado em aprender tudo o que podia sobre a fascinante profissão de ator.

Em 1913, Lubitsch estréia no cinema como ator em Eine Ideale Gattin uma produção da Deutsche Bioscop, com a qual colabora por um breve período. No ano seguinte, ele interpreta o papel principal em Die Firma heiratet, comédia ligeira (lustpiele) ambientada no meio pequeno-burguês da konfektion, produzida pela Projektions – AG Union, na qual atingiu a notoriedade. Ainda em 1914, Lubitsch participa de Der Stolz der Firma, também sobre o meio da confecção, e se torna o orgulho da Union.

Durante quatro anos, em período de guerra, ele fica conhecido como intérprete de tipos cômico-burlescos judeus, como o alfaiate trouxa e sortudo (Meyer) ou os caixeiros rústicos e ladinos (Moritz, Lachman), que acabavam conquistando a filha do patrão e entrando como sócios da firma. Porém surgiu um impasse: “Se quisesse continuar, tinha de escrever meus próprios argumentos. Então, com um amigo, o ator Erich Schönfelder, escreví uma série de comédias de um rolo e as vendí para a Union, num pacote autor-diretor-ator, proporcionando-lhes três serviços pelo preço de um. Eis como passei a diretor” (Lubitsch).

Aos primeiros encargos atrás da câmera, Fräulein Seinfenschaum / 1914 e Aufs Eis geführt / 1915, seguiram-se filmes nos quais atuava apenas como ator ou acumulava outras funções, utilizando geralmente a atriz Ossi Oswalda, a “Mary Pickford da Alemanha” (alguns passaram no Brasil como A Primeira Bailarina / Das Mädel Vom Ballet / 1918).

Seu maior triunfo neste período, Schuhpalast Pinkus / 1916, marcou a primeira (das vinte e sete) colaborações com Hänns Kraly, responsável pelo roteiro juntamente com Schönfelder. Além de dirigir o filme, Lubitsch encarna o personagem Solomon (Sally) Pinkus, um estudante preguiçoso que prefere andar atrás das garotas, em vez de cumprir os deveres escolares. Expulso do colégio, vai trabalhar numa sapataria, onde seu fraco pelas mulheres quase lhe é fatal. Depois, conquista o coração de Melitta (Else Kenter), uma bailarina que lhe empresta dinheiro, para abrir a sua própria loja de calçados. Embora caracterizado com sendo estúpido, Pinkus tem a faculdade de se desvencilhar de qualquer situação: quando está metido numa encrenca, gesticula, persuade, justifica-se de tal maneira, que o opositor não tem outro remédio senão desculpar a falta.

Uma grata surpresa entre as comédias com Ossi Oswalda foi Ich möchte kein Mann sein / 1918 (trad. literal: Eu não gostaria de ser um homem), uma excursão rápida pelo mundo do papel sexual invertido. Ossi Owalda (Ossi) goza os prazeres da vida – jogando cartas, fumando e bebendo – um  comportamento não condizente com uma dama segundo seu tio (Ferry Sikla), com quem mora. Aproveitando a ausência do tio, Ossi decide “viver como um homem”. Veste-se em conformidade e rapidamente descobre os inconvenientes de pertencer ao sexo masculino, por exemplo, quando não encontra lugar sentado num transporte público. Devidamente “travestida”, ela vai a um baile, onde encontra o Dr. Kersten (Kurt Götz), a quem o tio havia encarregado de cuidar dela. Sem se reconhecerem, os dois se entregam a excessos alcoólicos. A caminho de casa, eles se beijam – e não como amigos – várias vezes. No final, os dois se reconhecem e Ossi promete se comportar dali em diante com uma mulherzinha submissa.

Ainda em 1918, Lubitsch realizou seu primeiro longa-metragem, A Múmia / Die Augen der Mumie Ma, aventura exótica melodramática, sobre uma dançarina de um templo egípcio, Ma (Pola Negri), que se apaixona por um pintor inglês, Alfred Wendland (Harry Liedtke), e é obsessivamente perseguida por Radu (Emil Jannings), um sacerdote fanático. Wendland casa-se com Ma e a leva para a Inglaterra mas Radu os persegue e a mata. O filme, com roteiro de Kraly e Emil Rameau, firmou a reputação de Lubitsch como diretor dramático e o revelou como aluno de Reinhardt, cujas revolucionárias invenções no teatro ele adaptou ao cinema. Esta produção impulsionou também a carreira alemã da atriz polonesa Pola Negri e proporcionou a Emil Jannings seu primeiro grande papel. Entretanto, os críticos notaram a superficialidade das situações como o fanatismo pouco convicente de Radu, o amor à primeira vista entre Wendland e Ma, e as múltiplas coincidências forçadas no enredo, para tentar dar uma conclusão vagamente trágica à história.

O próximo sucesso de Lubitsch, Carmen / Carmen /1918, produzido pela UFA e tendo no elenco Pola Negri (Carmen), Harry Liedtke (Don José Navarro), Magnus Stifter (Escamillo) e Paul Biensfeldt (Garcia), deu-lhe projeção internacional. A criação de Prosper Mérimée já fora levada à tela por Cecil B. DeMille (Geraldine Farrar) e Raoul Walsh (Theda Bara) mas estas versões,  ambas datadas de 1915, se inspiraram mais na ópera de Bizet. Somente a versão de Lubitsch narrava a história em retrospecto, tal como ocorria no original do escritor francês. Num acampamento, um viajante contava “a história de um homem enfeitiçado”.

Reconstituindo a Espanha do começo do século XX, os cenários de Kurt Richter, executados por Karl Machus, ergueram-se com precisão realista no lote adjacente ao estúdio da UFA em Tempelhof e foram enquadrados pelo fotógrafo Alfred Hansen, que também servira a Lubitsch em  A Múmia. A composição de Pola Negri, sem glamour, se aproximava mais da cigana rude e relaxada de Mérimée, e assim foi aclamada como a “atriz número um da Alemanha”.

Depois dessa incursão pela adaptação literária, Lubitsch voltou à comédia, fazendo mais filmes com Ossi Oswalda, entre os quais se destacaram Minha Mulher, Artista de Cinema / Meine Frau, die Filmschauspielerin / 1919, sátira ao universo do Cinema e às suas estrelas e A Princesa das Ostras / Die Austernprinzessin / 1919, conto satírico e mordaz sobre os laços culturais entre Europa e América. No primeiro, Ossi interpreta uma diva do cinema temperamental. No segundo, ela faz a filha de um milionário ianque, conhecido como “O Rei das Ostras”. O pai quer casá-la com o Príncipe Nucki (Harry Liedtke) da tradicional aristocracia prussiana mas, por engano, Ossi confunde Nucki com seu criado Josef (Julius Falkenstein), que fora à mansão examinar as qualificações da pretendente, e se casa com ele com o nome de Nucki.

Quando Josef chega à fabulosa morada, dão-lhe um mapa para chegar até onde estavam a moça e o pai, e o criado dizia “Glukliche Reise”(Boa Viagem). O filme resumia tudo o que Lubitsch aprendera da arte da comédia (a sequência do foxtrote é inesquecível) e pressagiava o método usado com cintilante efeito em Hollywood. “Die Austernprinzessin foi minha primeira comédia a mostrar algo do meu estilo definitivo” (Lubitsch). O filme fêz um grande sucesso quando exibido aquí no Rio de Janeiro.

Depois de conduzir Vertigem / Rausch / 1919 (filme do qual não existe mais nenhuma cópia) com Asta Nielsen e Alfred Abel, drama de interiores (Kammerspiel) baseado em Strindberg e fotografado por Karl Freund, Lubitsch deixou-se contaminar pelo entusiasmo de Paul Davidson (então executivo da UFA) e deu início aos preparativos de um superespectáculo, Madame Dubarry / Madame Dubarry / 1919. Mais uma vez ele convocou o roteirista  Hanns Kräly e o fotógrafo Theodor Sparkhul (ex-cameraman de cine-jornais, colaborador precioso de Minha Mulher, Artista de CinemaA Princesa das Ostras e de todos os filmes do cineasta, com exceção de Vertigem, até sua ida para a América) e entregou os papéis principais a Pola Negri (Madame du Barry) e Emil Jannings ( Louis XV).

Na mise-en-scène de Madame du Barry, o diretor denotava a influência de Max Reinhardt (preparo minucioso da decoração e do vestuário, arranjo coral dos figurantes, organização funcional do espaço) e expunha sua própria inventividade (máscaras e vinhetas na pontuação, distanciamento do modelo italiano). “A importância dos meus filmes históricos residiam no fato de que eles se distinguiam completamente da escola italiana então muito em voga, que tinha algo a ver com a grande ópera. Tentei “desoperizar” meus filmes e humanizar meus personagens históricos. Dei o mesmo valor às nuanças íntimas e aos movimentos de massas e procurei fundir estes dois elementos”(Lubitsch). Para Lubitsch, a História servia apenas como pretexto para rodar obras suntuosas e ele a utilizou como pano de fundo para as intrigas de boudoir. Em Madame du Barry Lubitsch interpretou a Revolução Francesa como consequência de assuntos particulares da Corte de Louis XV.

Simples aprendiz numa casa de modas, Jeanne Vaubernier (Pola Negri) torna-se a Condessa du Barry, a preferida do Rei (Emil Jannings). Ela consegue libertar da prisão Armand de Foix (Harry Liedtke), seu amante, preso por matar um adversário em duelo, e ainda obtém que ele seja nomeado oficial da guarda real. Armand não simpatiza com o ambiente da Corte e toma parte numa conspiração chefiada pelo sapateiro Paillet (Alexander Ekert). O Rei é atacado de varíola. E Armand incita a multidão a assediar a Bastilha. Luis XV morre e Madame du Barry, expulsa da Corte, é levada a um tribunal revolucionário, presidido exatamente por Armand de Foix. Este procura salvá-la mas Paillet, sabedor da ligação entre ambos, manda assassinar Armand enquanto Du Barry é condenada à morte na guilhotina.

Esta deformação histórica suscitou críticas a Lubitsch; porém na América, ele se viu saudado como “grande humanizador da História “ e o Griffith da Alemanha”. Em Nova York, onde ainda era forte o sentimento anti-germânico, a First National, que comprara o filme,  após ele ter sido rejeitado por todas as demais companhias, protegeu seu investimento, reintitulando-o de Passion e anunciando-o como “um espetáculo europeu”, sem a menor indicação dos nomes de Lubitsch e Jannings. Em Los Angeles, certas organizações, como a American Legion, tentaram baní-lo das telas. Entretanto, Passion foi um tremendo sucesso e este êxito impulsionaria a importação de outros filmes de Lubitsch como Anna Boleyn que foi rebatizado de Deception, Carmen (Gypsy Blood), Sumurun (One Arabian Night), etc.

O entrecho de A Boneca / Die Puppe/ 1919, fantasia erótica inspirada em um tema de E.T. A. Hoffman, gira em torno de um herdeiro, Lancelot von Chanterelle (Hermann Timmig) que, para receber o legado, vê-se forçado a cumprir uma condição: casar. Quarenta jovens são apresentadas a Lancelot. Assustado com as formas bruscas do ataque feminino, o rapaz refugia-se num convento. Contornado o problema, ele pede a um fabricante de brinquedos, Hilarius (Victor Janson), que faça uma boneca de aparência real, para passar por sua noiva. A filha do fabricante, Ossi (Ossi Oswalda), quebra a boneca e toma o lugar dela. Em conivência com os monges, Lancelot leva-a ao convento e lá descobre a verdade. Nesta altura, estão apaixonados um pelo outro.

Lubitsch considerava A Boneca do Amor um de seus filmes mais imaginativos. Na cena de abertura, ele próprio aparecia, montando a miniatura do cenário, onde a ação se desenrola e, no transcorrer desta, ele usava toda sorte de truques de câmera, tela dividida, sobreimpressões, fotografia acelerada, múltipla exposição (havia uma tomada com doze imagens de bocas num só quadro) e cenografia estilizada, para extrair efeitos cômicos. A certa altura, Lancelot quebra a quarta parede, para se dirigir à plateia, tal como Maurice Chevalier faria nas futuras operetas do cineasta.

Entre os momentos mais engraçados, destacam-se as cenas entre o tímido Lancelot e as mulheres que o perseguem, (seja a turba de pretendentes, seja o exército de bonecas mecânicas), causando-lhe um sentimento de pavor ou ainda todas as cenas com a “boneca”, interpretada por Ossi Oswalda, assumindo brilhantemente a identidade de autômato e deliciosa com a sua dança mecânica sincopada.

Em 1920, duas comédias rústicas bastante populares, As Filhas de KohlhieselKohlhiesels Tochter com Henny Porten e Emil Jannings e Romeu e Julieta na Neve / Romeo und Julia im Schnee com Lotte Neumann e Gustav von Wangenheim, variações em tom de farsa, respectivamente de A Megera Domada e Romeu e Julieta de Shakespeare, transportadas para as montanhas da Bavária, Lubitsch sentiu-se apto para abordar o gênero do conto oriental, tão caro ao cinema alemão. A fonte escolhida foi Sumurun / Sumurun, a pantomima-balé na qual trabalhara ao lado de Pola Negri na montagem de Max Reinhardt no Deutsches Theater. Na adaptação cinematográfica, o diretor repetia seu desempenho como Yeggar, o bobo anão e corcunda, dono de um circo itinerante, que se apaixonava por Yannaia (Pola Negri), a dançarina da trupe. Comprada pelo sultão Omar (Paul Wegener), num incidente articulado pelo despeitado Yeggar, Yannaia vinha a ser surpreendida nos braços  de seu filho, Soliman (Carl Clewing), sendo ambos mortos pelo tirano. Sumurun era o nome carinhoso pelo qual o sultão chamava sua odalisca predileta, Zuleika (Jenny Hasselquist), enamorada de um mercador de tecidos, Nur-Al-Djin (Harry Liedtke). Omar encontra os dois amantes e se lança sobre o mercador para matá-lo mas, neste momento, Yeggar o apunhala pelas costas, vingando o assassinato de Yannaia.

Para as filmagens, a UFA mobilizou todos os recursos de que dispunha e com eles os cenógrafos Kurt Richter e Erno Metzner (com assessoria técnica de Kurt Waschneck) recriaram a paisagem de As Mil e Uma Noites em primorosos arabescos formais enquanto Sparkuhl forjava uma atmosfera de mistério. Josef von Sternberg elogiou a performance de Lubitsch e este, pela direção do filme, recebeu o cognome de “o Max Reinhardt do Cinema”.

Não concretizado o projeto de Salomé, com Pola Negri, Lubitsch deu continuidade à série de superproduções escapistas com Anna Boleyn / Anna Boleyn / 1920, cujos papéis centrais couberam a Henny Porten (Ana Bolena) e Emil Jannings (Henrique VIII).

Ana Bolena, sobrinha do Duque de Norfolk (Ludwig Hartau), entra na Corte como dama de companhia da Rainha Catarina (Hedwig Pauli). No dia do aniversário da Rainha, o vestido de Ana fica preso numa porta. Henrique VIII observa o episódio e começa a cortejá-la. A princípio, ela se conserva fiel ao amigo de infância, Sir Henry Norris (Paul Hartmann) mas, quando Henrique lhe oferece a coroa, ela aceita. Catarina é contrária ao divórcio e o Papa se recusa a anular o casamento. Usando de todas as suas prerrogativas, o monarca elimina a oposição, proclama-se Chefe da Igreja Anglicana, e festeja pomposamente o matrimônio com Ana. O Rei espera um herdeiro porém, quando nasce uma menina, passa a se interessar por uma nova beldade, Jane Seymour (Aud Egede Nissen). Ana é acusada de adultério com Norris e o tribunal condena-a à morte. Enquanto ela sobe ao patíbulo, Henrique VIII prepara suas próximas bodas.

Em Tempelhof foram construídas réplicas do Castelo de Windsor, da Torre de Londres, de Hampton Court e da Abadia de Westminster sob a meticulosa supervisão de Richter, e reunidos cinco mil figurantes, ultrapassando em grandiosidade as produções anteriores. Diante da esplêndida decoração e dos belos enquadramentos providenciados por Sparkuhl, os críticos exclamaram: “Lubitsch kann alles! (Lubitsch pode fazer qualquer coisa!).

Num intervalo entre os filmes monumentais, surgiu Gatinha Amorosa / Die Bergkatze / 1921, sátira antimilitarista de humor grotesco, rodada em estilo expressionista, com cenários expressionistas cômicos e vestuários bizarros (de Ernst Stern), despontando no elenco Pola Negri, como Rischka, uma jovem criada nas montanhas balcânicas.

Em uma majestosa e inexpugnável fortaleza dos Alpes, o Comandante (Victor Janson) preocupa-se coma filha Lilli (Edith Meller), pois o informaram da vinda de um autêntico Don Juan, o tenente Alexis (Paul Heidemann), que já havia sido seu hóspede e seduzira todas as moças dos arredores. No caminho, Alexis encontra Rischka, filha do chefe dos bandoleiros, Claudius (Wilhelm Diegelmann), a quem chamam, de “A Gata Brava”. Claudius rouba Alexis, deixando-o praticamente despido e este, ao chegar ao seu destino, promove uma expedição punitiva contra os bandoleiros. Nos festejos da vitória, Alexis decide casar com Lilli e Rischka, aproveitando a euforia reinante, saqueia totalmente a fortaleza.

Die Bergkatze foi um completo fracasso mas, apesar disso, tinha mais inventiva e espírito que muitas das minhas outras comédias”(Lubitsch). Uma cena que ilustra bem  A Gatinha Amorosa é aquela na qual, após o sonho romântico de Rischka, vemos a tenda desabar com tais convulsões oníricas e o seu pai   exclamar: “Esta menina tem que casar!”.

Terminado este exótico interregno, o diretor formou a sua própria companhia, Ernst Lubitsch-Film, e retornou à fantasia histórica, evocando o antigo Egito em Amores de Faraó / Das Weib des Pharao / 1922  que, com a ajuda financeira da EFA (Europäische Film-Allianz), uma companhia americano-germânica (Hamilton Theatrical Goup / Famous Players-Lasky / UFA); dos cenógrafos Kurt Richter e Ernst Stern; e dos fotógrafos Theodor Sparkuhl e Alfred Hansen, se igualou em magnitude aos maiores espetáculos internacionais produzidos mais ou menos naquela época.

Como Pola Negri não estava disponível, o papel da bela escrava Theonis – por quem o Faraó Amenes (Emil Jannings) e o Rei da Etiópia, Samiak (Paul Wegener) travam uma guerra sangrenta, perdendo no final o objeto de suas paixões para o verdadeiro amor da jovem, Ramphis (Harry Liedtke) – coube à atriz vienense Dagny Servaes, também ex-aluna de Max Reinhardt.

Sob o ponto de vista da técnica cinematográfica, o filme chegou a um ponto de perfeição semelhante aos filmes americanos daquele tempo. Lubitsch conduz o drama para um desenlace semelhante às tragédias gregas e às de Shakespeare. O faraó é humilhado pelo povo, que antes o temia, e morre de desgosto. Sua morte é complementada pelas mortes dos dois jovens amantes, Theonis e Ramphis, que são apedrejados pela multidão.

Lubitsch chegou à América pela primeira vez no véspera do Natal de 1921, acompanhado por Paul Davidson, para estudarem os métodos de produção  americanos. Na sua curta estadia, Lubitsch descobriu que, na América, o diretor de arte era menos importante que o fotógrafo. “Os fotógrafos americanos são os melhores do mundo”, ele comentaria em 1929. “Como os invejávamos na Alemanha. Eles sabiam uma coisa, que daríamos tudo para saber: como fotografar os atores sem que a maquilagem não aparecesse.”

No seu retorno à Alemanha, Lubitsch casou-se com Irni (Helene) Kraus, uma viúva, cujo primeiro marido, um soldado alemão, morrera de gripe durante a Primeira Guerra Mundial, deixando-a com dois filhos pequenos, Edmund e Heinz.

Lubitsch encerrou suas atividades no seu país natal com A Modista de Montmartre / Die Flamme / 1923 (exibido na América como Montmartre),  melodrama de costumes na Paris do fim-do-sécul adaptado de um conto de Guy de Maupassant e com direção de arte de Ernst Stern e Kurt Richter. Yvette (Pola Negri), uma cocote, casa-se com um compositor, André (Hermann Thimig) mas não consegue se adaptar à vida burguêsa e se suicida, jogando-se pela janela.

Lubitsch declarou: “como um antídoto contra os grandes épicos históricos, sentí necessidade de fazer … um pequeno, íntimo Kammerspiel”. O operador de câmera Charles Van Enger, depois de ver o único fragmento sobrevivente do filme (conservado no Munich Stadtmuseum), observou que, obviamente, o diretor sentia-se mais à vontade com a Paris de La Boheme do que com o Egito antigo ou a Pérsia de conto-de-fadas.

Em uma sequência de cinema puro muito lembrada de A Modista de Montmarte, Pola Negri está pensando se deve ou não deixar seu marido. Ela senta no banquinho de uma penteadeira e apalpa nervosamente sua aliança de casamento. Tira a aliança, avalia seu peso na palma da mão e a coloca dentro de uma caixa numa gaveta. Ao fechá-la, um porta-retrato com a foto do marido cai no chão. Subitamente ela se amendronta e seu corpo fica tenso. Pola então apanha  o porta-retrato e o recoloca no lugar, retira a aliança da caixa e a põe no dedo. Em seguida se levanta e corre para abraçar o marido no quarto ao lado. Este meio minuto de ação revela o que um cineasta inventivo é capaz de fazer combinando o detalhe e o simbolismo.

Enquanto o filme A Modista de Montmartre estava sendo feito, Lubitsch começou a construção de uma casa, que nunca seria habitada pelo seu dono porque, quando ela ficou pronta, ele estaria a caminho de Hollywood, com um contrato para dirigir a estrela mais famosa do mundo.

4 Responses to “ERNST LUBITSCH – I”

  1. Saudações Sr. A. C. Gomes de Matos, como tem passado? espero que bem, firme e forte, e alegro-me sinceramente que o senhor ainda vem escrevendo artigos ou republicando-os.

    Estava fazendo uma pesquisa na internet sobre James Stewart e seus cinco westerns com Anthony Mann quando me deparei aqui com seu respeitável espaço, e vi que o mesmo artigo de sua autoria eu já havia lido em uma das últimas edições da revista Cinemim, senão me engano em 1993.

    Foi uma pena esta revista ter acabado, mas felizmente guardo algumas edições comigo para pesquisa e entretenimento, pois afinal, amava (e amo) ler as reportagens e os artigos tão bem elaborados por entendidos como o senhor, além de João Lepiane, Luiz Saulo Adami, Fernando Albagli, Salvyano Cavalcanti de Paiva, entre outros colaboradores desta saudosa revista. Se hoje eu sei e entendo um pouco mais sobre a Sétima Arte é graças a “feras” como estes que acabei de citar, onde certamente, o senhor esta incluso.

    Tenho a honra de ter em minha biblioteca de cinema dois livros de sua autoria: Lubitsch, Zinnermann e Huston (três grandes cineastas evidentemente) e também “Hollywood anos 30” – todos lançados pela extinta EBAL (outra perda irreparável, editora Brasil-América, que preencheu através de seus gibis minha infância). Seus textos além de serem cativantes eles são bem didáticos e detalhados. Não posso, todavia, deixar de expressar não somente minhas congratulações a seu talento como agradecer a este serviço tão bem prestado aos amantes da Sétima Arte, e eu que amo os filmes clássicos dos anos de 1930/40/50 e 60.

    Sem mais a prolongar, fico emocionado e feliz que um membro de “cinemim” ainda continua na ativa, e ainda mais feliz por saber que posso ler seus artigos pela internet e seguir seu espaço, que aliás, já faz parte da tribuna de honra de meu blog- http://articlesfilmesantigosclub.blogspot.com.

    Breve terá outros comentários meus. Grande abraço e fique na paz.

    Paulo Néry

  2. Paulo, obrigado pelas suas palavras. O Lepiane, Fernando, Salvyano e Gil Araujo infelizmente já se foram, deixando uma boa contribuição para a cultura cinematográfica no nosso país. Eu vou fazendo o que posso, sempre me especializando no cinema antigo.Conto com leitores como você, que enriquecem com seus comentários o meu trabalho. Volte sempre.

  3. Faço minhas as palavras do leitor Paulo Néry. A revista Cinemin faz muita falta, além do que a mesma foi de enorme contribuição para a minha formação cinéfila nos anos 80. Vir ao site do Prof. A.C. Gomes, além de ganhar uma aula sobre cinema a cada novo texto, é sempre um prazer. Lubitsch, era realmente um gênio, por muitos motivos, sobretudo por fazer comédia popular com sofisticação, inteligência e bom gosto. Uma fórmula que se perdeu – o “toque” tão famoso mas que infelizmente o cineasta levou consigo para a eternidade. Abraços

  4. Obrigado Márcio. Sua análise de Lubitsch é perfeita.Ele e a Cinemin fazem falta.

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