WESTERN: FANTASIA OU HISTÓRIA?

novembro 3, 2011

O western é um folclore americano: uma mitologia que depende mais da fantasia do que da história.

Muitos livros (vg. The Western Hero in History and Legend, 1965 de Kent Ladd Steckmesser; The Gunfighter: Man or Myth?, 1969 de Joseph G. Rosa; The American West on Film: Myth and Reality, 1974 de Richard A. Maynard: There Must Be a Lone Ranger – The American West in Film and Reality, 1974 de Jenni Calder, God Bless You, Buffalo Bill – A Layman’s Guide to History and the Western Film, 1983 de Wayne Michael Sarf) compararam os fatos e a ficção na História do Oeste. Graças a eles pude escrever este artigo.

Poucos dos muitos defensores da paz no Velho Oeste foram honrados com a imortalidade cinematográfica e somente eles tiveram seus nomes conhecidos pelo público em geral. Dois deles se destacam: Wild Bill Hickok e Wyatt Earp.

James Butler Hickok, mais conhecido como Wild Bill, tornou-se uma celebridade nacional após uma entrevista que deu em 1865 para o Coronel George Ward Nichols, que havia sido ajudante de campo do General Sherman na sua marcha através da Georgia, publicada no número de fevereiro de 1867 da Harper’s New Monthly Magazine sob o título de “Wild Bill”. O artigo era no mínimo pitoresco, particularmente quando citava o que era supostamente a descrição do próprio Hickok, de um combate que aconteceu no início da Guerra Civil com alguns secessionistas arruaceiros em Rock Creek Station, Nebraska. O relato vívido deste combate, complementado pelos comentários de Nichols sobre outra façanha do herói na sua luta contra os M’Kandlases, emocionou inumeros leitores, que acreditaram em cada palavra, muito embora o texto divergisse bastante dos verdadeiros fatos, menos divulgados, revelados depois por outros escritores.

Em 12 de julho de 1861, Dave McCanles (e não M’Kandlas) foi realmente morto, provavelmente por Hickok, porém existe a possibilidade de que um de seus amigos tivesse sido o responsável. Quem quer que estivesse escondido atrás de uma cortina, matou Dave com um tiro de seu rifle no momento em que ele se encontrava diante da estação de diligências de Rock Creek, onde Hickok trabalhava. Dois companheiros de McCanles foram feridos com uma pistola por Hickok e perseguidos por vários de seus colegas, que o assassinaram sem piedade. Apenas o filho de doze anos de McCanles, Monroe, escapou da carnificina. Como parece improvável, embora não impossível, que um homem com a intenção de começar um combate  levasse seu filho para ver a luta e como todas as três vítimas parece que estavam desarmadas, Hickok e seus colegas foram denunciados por assassinato; entretanto, sua alegação de auto defesa no interrogatório preliminar foi aceita, e o caso não teve andamento. A causa da disputa teria sido sobre algum dinheiro que a companhia de diligências devia a McCanles.

Tendo em vista as verdadeiras e sórdidas circunstâncias por trás do tiroteio da Rock Creek, os parentes de McCanles protestaram contra o uso do nome da família no filme de William S. Hart, Beijos que Torturam / Wild Bill Hickok / 1923,  no qual se mostrava uma ação semelhante ao ocorrido. Hart amavelmente mudou o nome – mas manteve o combate.

Se não fosse a entrevista concedida a Nichols, é bem possível que Hickok permanecesse uma figura relativamente obscura na história do Western, pois sua carreira pré-Harper, não foi mais excitante do que a de qualquer pessoa ousada habitante das planícies.

Nascido em Illinois em 1837, Hickok primeiro conseguiu emprego no Nebraska como peace officer (policial) em 1858. No ano seguinte, tornou-se condutor de carroças de carga, e em 1861 liquidou David McCanles, no que seria basicamente mais uma violenta e desinteressante (salvo por seu seus aspectos enigmáticos)  briga de fronteira. Hickok serviu à União como batedor civil, trabalhou algum tempo novamente como condutor de carroças, e depois voltou a ser batedor, aliás, muito eficiente. Em 1865, quando exercia a profissão de jogador, em um duelo arranjado de antemão na praça pública de Springfield, Missouri, Hickok matou um homem chamado Dave Tutt, com o qual havia discutido por causa de um jogo de cartas e uma mulher. Este duelo aterrorizou muitos cidadãos e Hickok foi julgado por homicídio; ele foi absolvido, embora o juiz tivesse cuidadosamente instruído os jurados a condená-lo, caso ficasse provado que o duelo havia sido de alguma forma premeditado pelo acusado”.

Após a conversa com Nichols que ocorreu em Springfield, Hickok continuou sua carreira de jogador, atuou como delegado, caçando desertores do exército e ladrões de cavalos e desempenhou novamente a função de batedor do Exército. Entre seus feitos nesta última colocação sobressaiu uma luta com guerreiros comanches, um dos quais arremessou uma lança que penetrou fundo na sua coxa.

Em agosto 1869, depois que sua fama foi espalhada pela Harper, ele foi eleito xerife de Ellis  County, Kansas, com seu centro de operações em Hays City, onde exterminou dois homens, que tentaram matá-lo ou ferí-lo primeiro. Candidatando-se à reeleição em novembro, Hickok foi derrotado pelo seu próprio auxiliar, Peter Lanihan, e deixou a cidade pouco tempo depois que seu período de função expirou. Hickok retornou a Hays, onde participou de um tiroteio defensivo com alguns cavalarianos desordeiros da famosa Sétima Cavalaria, matando um e ferindo seriamente o outro; a lenda diz que o irmão do General George Custer, Tom, estava envolvido neste incidente mas não é verdade.

Em 1871, Hickok foi nomeado delegado de Abilene.  Contrariamente aos mitos difundidos pelos seus biógrafos mais deslumbrados, Wild Bill não “domou” Abilene, principalmente porque ela já havia sido domada por Thomas James “Bear River Tom” Smith que, empossado como delegado em 4 de julho de 1870,  fez cumprir imediatamente a postura municipal proibindo o porte de armas na cidade. Quando encontrava resistência por parte dos vaqueiros buliçosos do Texas, que vinham fazer algazarra na cidade, Smith usava seus punhos, desconcertando os texanos, os quais geralmente usavam suas armas para decidir as disputas e eram incapazes de pensar num meio de defesa contra esta nova ameaça.

Smith foi morto fora de Abilene por um proprietário rural, Andrew McConnell, acusado de assassinato, que ele tentou prender;  um cúmplice então decapitou o delegado com um machado. Apesar de suas realizações, “Bear River Tom” nunca se tornou um herói folclórico ou um favorito dos contadores de histórias do Oeste, possivelmente porque pouco se conhece sobre sua infância ou  porque ele nunca matou quando era delegado.

A única “aventura” de Hickok em Abilene, durante os seus oito meses de serviço como delegado, resultou na morte de dois homens. Ouvindo tiros numa noite, ele correu para o lugar de onde vinham os disparos e se confrontou com Phil Coe, um jogador do Texas e alguns amigos desordeiros. Coe, que não gostava de Hickok, estaria ou não (dependendo da versão na qual quisermos acreditar) carregando uma pistola, com a qual teria atirado num cão e depois apontado para o delegado. Seja lá como for, Hickok atingiu Coe duas vezes na barriga enquanto que duas balas do jogador atravessaram o seu paletó. Mike Williams, colega e amigo de Hickok, tentando ajudá-lo, entrou na linha de fogo, e Hickok acabou alvejando-o também. O jornal local apoiava o trabalho de Hickok porém o conselho municipal dispensou-o assim que a temporada de comercialização febril do gado terminou.

Hickok consequentemente ingressou no show business como mestre de cerimônias de um espetáculo em Niagara Falls sobre a fronteira e a caça ao búfalo. O empreendimento foi um desastre financeiro e Hickok então voltou a ganhar a vida como jogador até que Buffalo Bill Cody lhe ofereceu um papel num drama teatral sobre o Oeste, The Scouts of the Plain. Ele não se deu bem nesta nova atividade e acabou sendo despedido por Cody por abuso de bebida e mau comportamento. Hickok costumava atirar imprudentemente muito perto dos atores que faziam o papel de índios, deixando-os com queimaduras de pólvora.

Em seguida a este interlúdio na ribalta, Hickok passou a maior parte do seu tempo em Cheyenne, Wyoming, jogando e planejando uma expedição para encontrar ouro nas Black Hills de South Dakota. Ele foi eventualmente acusado de vadiagem mas  saiu da cidade no dia marcado para seu julgamento e depois voltou sem ser molestado. Em 5 de março de 1876, Hickok casou-se com a viúva do dono de um circo, Agnes Lake Thatcher. De Cheyenne, ele partiu para Deadwood, South Dakota esperando ganhar dinheiro suficiente para seu sustento e de sua esposa, preocupado com sua deficiência de visão, e pensando se ainda conseguiria se proteger numa luta com arma de fogo.

No dia 2 de agosto, quando Hickok estava numa mesa de carteado num saloon, ele foi morto pelas costas por um sujeito estrábico e desajeitado, Jack McCall. Este alegou que Hickok havia matado seu irmão mas como se descobriu que esta pessoa jamais existira, o assassinato tem sido atribuído a um desejo patético de matar um pistoleiro famoso. As cartas que estavam na mão de Hickok no seu derradeiro jogo de pôquer – par de ases e de oitos – ficou conhecida com a Dead Man’s Hand (A Mão do Morto).

Como disse Wayne Michael Surf, O “Príncipe dos Pistoleiros” era um indivíduo bravo e certamente intrigante mas, como um “herói”, no melhor sentido da palavra, ele não era melhor do que muitos outros que  perambularam pelo Oeste durante o mesmo período. Entretanto, por sua aparência (cabelos compridos entrelaçados, roupas de camurça pitorescas e a maneira insólita de usar seus revólveres com a coronha virada para a frente), personalidade marcante e aptidão extraordinária para o uso de armas, Hickok realmente se destacava dos demais. De acordo com relatórios contemporâneos parece que ele impressionava os observadores (alguns indubitavelmente influenciados na sua opinião pelo que haviam ouvido ou lido) mais por causa de suas qualidades pessoais – por ser simplesmente Wild Bill Hickok – do que por qualquer uma de suas façanhas.

Jornadas Heróicas / The Plainsman / 1936 foi um dos filmes mais famosos e populares sobre Hickok apesar de toda a sua distorção histórica e da dessemelhança física entre os atores e os personagens verdadeiros. O enredo coloca Wild Bill (Gary Cooper), Calamity Jane (Jean Arthur) e um récem-casado Buffalo Bill Cody (James Ellison) lutando contra contrabandistas de armas e índios, sendo que o romance tumultuado entre Hickok e Calamity é contrastado com a situação doméstica estável de Cody. O romance de Hickok com Calamity foi baseado numa prova bastante frágil: “Sabe-se que certa vez ele comprou um vestido para ela”, explicou DeMille anos depois. “Isto é perfeitamente conhecido. Não se sabe é como e porque ele comprou o vestido.” O romance entre Wild Bill de Gary Cooper e a famosa mulher-macho da fronteira (Martha Jane Cannary) foi o único elemento desse western épico que DeMille admitiu (na sua Autobiografia póstuma) ter sido antihistórico. “Confesso que tomei algumas liberdades na escolha do elenco: fotografias que ví da verdadeira Calamity Jane eram bem distantes do encanto picante de Jean Arthur. Todavia, se eu posso dizer assim, foi uma boa distribuição de papéis”. Apesar da lenda, é improvável que Hickok tenha se envolvido romanticamente com Calamity.

A figura de Wild Bill Hickok, como personagem principal ou secundário, herói ou vilão, foi explorada pelo cinema em vários outros filmes (vg. O Cavalo de Ferro / The Iron Horse / 1924 (John Padjan), A Última Aventura / The Last Frontier / 1926 (J. Farrell MacDonald), O Fantasma Vingador ou A Última Fronteira / The Last Frontier / 1932 / seriado (Yakima Canutt), Frontier Scout / 1938 (George Houston), A Invasão dos Peles-Vermelhas / The Great Adventures of Wild Bill Hickock /1938 / seriado (Gordon (Bill) Elliott), Sede de Ouro / Young Bill Hickok / 1940 (Roy Rogers), O Caveira / Deadwood Dick / 1940 / seriado (Lane Chandler), Traição de Irmãos / The Badlands of Dakota / 1941 (Richard Dix), Tropel de Bárbaros / Wild Bill Hickok Rides / 1942 (Bruce Cabot), Vingador Impiedoso / Dallas / 1950 (Reed Hadley),  Bando de Renegados / The Lawless Breed / 1952 (Robert Anderson), As Aventuras de Buffalo Bill / Pony Express / 1953 (Forrest Tucker), Ardida como Pimenta / Calamity Jane / 1953 (Howard Keel), O Alçapão Sangrento / Jack McCall Desperado /1953 (Douglas Kennedy), Son of the Renegade / 1953 (Ewing Miles Brown), I Killed Wild Bill Hickok / 1956 (Tom Brown), Bandoleiros do Oeste / The Raiders / 1964 (Robert Culp), Os Reis do Faroeste / The Outlaw is Coming / 1964 (Paul Shannon), Deadwood’76 / 1965 (Robert Dix), Respondendo à Bala / The Plainsman / 1966 (Don Murray), O Pequeno Grande Homem / Little Big Man / 1970 (Jeff Corey), O Grande Búfalo Branco / The White Buffalo / 1977 (Charles Bronson), The Legend of the Lone Ranger / 1981 (Richard Farnsworth), Uma Lenda do Oeste / Wild Bill / 1995 (Jeff Bridges), predominando sempre a imaginação sobre a verdade.



Wyatt Earp, Frontier Marshall, a biografia de Wyatt Earp escrita por Stuart N. Lake e publicada em 1931, após ter sido serializada nas páginas do Saturday Evening Post,  fixou a lenda colossal de Earp. Este relato excitante, cheio de ação na luta de um homem contra a ilegalidade no Velho Oeste contribuiu para distorcer e confundir a história do Oeste mais do que qualquer outro livro. Devido à sua aceitação como uma obra de referência modelar, suas falsidades incríveis foram incorporadas como verdade histórica por vários autores respeitáveis.

A crônica dramática de Lake foi muito vantajosa financeiramente e ele procurou protegê-la de possíveis revisionistas. Quando, em 1946, Frank Waters publicou no seu livro, The Colorado, alguns fatos revelados pela viúva de Virgil Earp, Allie, e corroborados pela pesquisa, Lake ameaçou acioná-lo na Justiça, se não fosse feita alguma retratação. Waters se recusou, amparado nos dados que colhera; um dos advogados de Lake subsequentemente dirigiu-se aos arquivos da Arizona Pioneer’s Historical Society e desistiu de propor a ação após consultar o manuscrito de Waters contendo as reminiscências de Allie Earp, que afinal seriam publicadas em 1960 como The Earp Brothers of Tombstone.

Das mentiras de Lake, um das mais exorbitantes e largamente aceita foi o relato de como o ex-condutor de carroça e caçador de búfalos Wyatt Berry Sharp Earp tornou-se delegado da turbulenta Wichita, Kansas em 1874, “limpando” a cidade rapidamente. Wyatt nunca foi delegado em Wichita. Ele foi, em 1875, um simples policial, que não realizou nada de importante durante o seu tempo de serviço. Multado em 30 dólares e custas por ter agredido um candidato a delegado opositor, Wyatt teve que entregar seu distintivo, e parece que surgiram dúvidas sobre se ele havia ficado com o dinheiro arrecadado em multas em favor da comunidade. Logo, os “dois Earps”, Wyatt e um de seus irmãos, foram expulsos da cidade por vagabundagem.

Em 1955, Jacques Tourneur dirigiu para a Allied Artists um western “épico” muito bom estrelado por Joel McCrea no papel de Wyatt Earp. Baseado vagamente na biografia de Stuart Lake, mas  também inverídico, o espetáculo contava a história do imortal Wyatt pacificando uma cidade sem lei. O filme, em glorioso Technicolor e fotografia em CinemaScope de tirar o fôlego,  foi intitulado Choque de Ódios / Wichita.

Depois do breve período como policial em Wichita e em seguida como assistente de delegado em Dodge City, Warp, acompanhou seus irmãos Virgil, Morgan e James e respectivas esposas a Tombstone no Território do Arizona, onde os Earp destruíram seus inimigos, os Clanton no O.K. Corral, o acerto de contas mais lendário do Oeste fictício.

A versão de Stuart Lake da história, reproduzida em variados graus por Hollywood, apresenta Earp encontrando uma Tombstone convulsionada pela desordem. Opondo-se ao xerife corrupto John Behan e ajudado pelo enigmático e tuberculoso dentista, jogador e pistoleiro “Doc” Hollliday, os irmãos Earp finalmente liquidaram o clã dos Clanton no OK Corral sob o aplauso dos homens de bem da cidade.

Vou reproduzir as informações que colhí no livro de Sarf.  Disse ele que, em 1 de dezembro de 1879, Wyatt, três dos seus irmãos, e respectivas esposas, chegaram em Tombstone, onde Wyatt arranjou um emprego como guarda de diligência na linha da Wells Fargo, tornando-se depois xerife. Ele logo pediu demissão e foi substituído por John H. Behan. Wyatt então obteve uma participação na propriedade do Oriental Saloon and Gambling House, onde instalou o irmão Morgan como crupiê; neste ínterim, seu irmão Virgil concorreu para o cargo de delegado e perdeu a eleição. Nessa ocasião, os Earps estavam num aperto financeiro e os ganhos obtidos no jogo tinham que ser complementados pelo trabalho de costura de suas esposas. A mulher de Wyatt, Mattie, fez a sua parte mas Wyatt mostrou sua gratidão traindo-a abertamente com a atriz Sadie, que “roubara” do seu antigo amante – o xerife John Behan.

Em 15 de março de 1891, uma diligência foi emboscada perto de Tombstone e o cocheiro e um passageiro foram mortos. Uma posse da qual faziam parte os Earp e alguns de seus amigo, liderada por Behan, prendeu um cúmplice dos assaltantes que logo escapou, aproveitando-se de uma distração de seus captores. Os Earps, culpando Behan pelo acontecido e sugerindo publicamente que ele estava de conluio com os ladrões, ficaram furiosos quando souberam dos rumores implicando seu amigo, Doc Holliday (que fora visto galopando na vizinhança momentos após o duplo assassinato). A conexão de Holliday com o assalto nunca foi provada mas houve indícios de que não só o próprio Holliday disparou os tiros fatais como também de que Wyatt era o chefe de um bando de assaltantes de diligência, que recebia regularmente informações sobre as remessas de numerário por parte de um agente da Wells Fargo (a viúva de Virgil Earp confirmou isto embora ela suspeitasse de que o introvertido James Earp  era quem planejava os roubos). O assassinato do cocheiro foi aparentemente uma tentativa frustrada de Doc contra a vida de um detetive enviado para investigar os roubos audaciosos, o qual havia trocado de lugar com o cocheiro pouco antes da emboscada.

Os outros três bandidos procurados pela emboscada da diligência parece que ficaram aborrecidos com Doc por este ter estragado o assalto atirando em duas pessoas em vez de apontar para os cavalos que iam na dianteira, ação que poderia ter interceptado a diligência efetivamente; se fossem capturados pelos homens de Behan eles poderiam concebivelmente contar o que sabiam assim como os irmãos Clanton e McLaury – os primeiros,  insignificantes ladrões de gado ligados ao bando de Earp; os últimos, rancheiros de pequena escala e amigos tanto dos Clanton como dos três bandidos foragidos. Devido à suspeita sobre o “Bando de Earp”, Wyatt decidiu matar dois coelhos com uma só cajadada: ele ofereceria seis mil dólares de recompensa para os Clantons e os McLaurys se eles atraíssem os três foragidos para uma emboscada de modo que os Earps pudessem liquidá-los, eliminando assim três testemunhas potenciais, subornando outras, e transformando Wyatt Earp e companhia em guardiães da lei. Porém quando Wyatt contou para Ike Clanton o seu esquema, Ike rejeitou sua oferta.

A este revés  seguiu-se um período de sorte para o grupo de Earp. Virgil Earp  foi nomeado delegado temporariamente e se tornou permanente quando a pessoa incumbida desta função, que havia se ausentado brevemente de Tombstone, resolveu nunca mais voltar. Os três ladrões da diligência foram mortos em tiroteios ocorridos em outro lugar. Doc Holliday, que fora preso por tentativa de roubo e assassinato, graças ao depoimento de sua companheira, Kate Elder, foi libertado, quando Wyatt, insistindo que o xerife Behan a embriagara e a fizera assinar um documento, cujo teor ela ignorava, forneceu a Doc um álibi. A esta altura, boatos sobre a oferta de Wyatt se espalharam pela cidade. Ike Clanton se defendeu, dizendo que Earp estava contando mentiras a seu respeito e que   havia recusado a proposta. Ike reuniu em torno dele vários partidários, incluindo Billy Clanton, Frank and Tom McLaury, e Billy Claiborne.

A fim de proporcionar alguma espécie de justificação para o que viria a acontecer, Wyatt começou a falar em voz alta sobre lei e ordem e o relacionamento de Behan com certos ladrões de gado e outros malfeitores; emprestando um ar de legalidade ao acerto de contas vindouro, Virgil Earp nomeou  Wyatt, Morgan e Doc Holliday como seus assistentes. Várias tentativas foram feitas para incitar os membros da família Clanton a um combate.

No dia 26 de outubro de 1881, à tarde, o xerife Behan, tendo ouvido conversas sobre um combate iminente, dirigiu-se à frente do Hafford’s Saloon, onde os Earps estavam reunidos, e disse a Virgil que ele deveria tentar desarmar os Clantons. Virgil respondeu que, em vez disso, ele iria lhes dar uma chance de  decidir pelas armas. Behan andou mais um pouco e viu os Clantons e os McLaurys num beco atrás do O.K. Corral, onde eles aparentemente estavam se preparando para deixar Tombstone. Behan pediu que eles se desarmassem; Ike e Tom Laury disseram que não carregavam armas enquanto Billy Clanton e Frank McLaury se recusaram a depô-las.

Descendo a rua, os Earps  passaram por Behan e ignoraram seus protestos quando ele lhes implorou que parassem e então se separaram para enfrentar seus oponentes no duelo mais famoso da história da América ou da lenda. O confronto durou talvez trinta segundos, ao fim do qual Tom, Frank e Billy estavam mortos. Ike Clanton fugiu e Virgil e Morgan ficaram feridos. Um pedaço  de pele das costas de Doc Holliday foi arrancada por uma bala.

Virgil foi imediatamente destituído do cargo de delegado e muitos cidadãos obedientes à lei não gostaram do ocorrido. Um interrogatório preliminar teve lugar e apesar de um grande número de depoimentos – pessoas afirmando que dois homens do grupo Clayton-McLaury estavam desarmados, que os homens que foram mortos estavam com as mãos levantadas e assim por diante – os Earps escaparam do castigo, talvez porque o Juiz de Paz era muito amigo deles e os declarou “totalmente justificados em cometer aqueles homicídios”.

Em 28 de dezembro, Virgil Earp ficou aleijado para o resto da vida após ter sido alvejado por desconhecidos quando saía do Oriental Saloon e , em 18 de março de 1881, Morgan Earp foi morto por uma bala disparada através da janela de uma sala de sinuca quando ele marcava com giz no quadro negro a vitória num jogo. Despachando o aleijado Virgil e o resto da família para a California, Wyatt começou a matar vários homens que ele considerava responsáveis pelos tiros que alvejaram seus irmãos e depois sumiu no horizonte para escapar às acusações de assassinato e de abandono de sua mulher na California. Mattie Earp, cujo esposo havia, por razões dele próprio, mantido seu casamento em segredo, finalmente compreendeu que Wyatt não iria se unir a ela e voltou para o Arizona. Ali, desamparada, recorreu à prostituição para sobreviver até que decidiu que este tipo de sobrevivência não valia a pena e tomou uma dose fatal de láudano (medicamento à base de ópio). Wyatt prosseguiu sua carreira de jogador, dono de saloon, e trapaceiro. Em 1911, com a idade de 63 anos, ele foi acusado de cumplicidade num jogo fraudulento em Los Angeles, onde veio a falecer, em 13 de janeiro de 1929, aos 81 anos.

O personagem de Wyatt (com o seu próprio nome) apareceu no cinema como protagonista ou coadjuvante em muitos filmes além de Beijos que Torturam e Choque de Ódios: A Lei da Fronteira/ Frontier Marshall / 1939 (Randolph Scott), Horas de Perigo / Tombstone, The Town Too Tough to Die / 1942 (Richard Dix),  Paixão dos Fortes / My Darling Clementine / 1946 (Henry Fonda), Winchester 73 / Winchester 73 /  1950 (Will Geer), Duelo de Morte / Law and Order / 1953 (Ronald Reagan), De Homem Para Homem / Gun Belt / 1953 (James Millican), Ases do Gatilho / Masterson of Kansas / 1954 (Bruce Cowling), Sem Lei e Sem Alma / Gunfight at O.K. Corral / 1957 (Burt Lancaster), A Morte a Cada Passo / Badman’s Country / 1958 (Buster Crabbe), Valentão é Apelido / Alias Jesse James / 1959 (Hugh O’Brian), Crepúsculo de uma Raça / Cheyenne Autumn / 1964 (James Stewart), Os Reis do Faroeste / The Outlaw is Coming / 1964 (Bill Canfield), A Hora da Pistola / Hour of the Gun / 1967 (James Garner), Tombstone, A Justiça Está Chegando / Tombstone / 1993 (Kurt Russell), Wyatt Earp / Wyatt Earp / 1994 (Kevin Costner), sem que a verdade completa sobre sua vida fosse abordada.

Em Hollywood, Wyatt Earp fez amizade com W. S. Hart, Tom Mix e John Ford. Ford afirmou que, em Paixão dos Fortes, ele filmou o duelo em O.K. Corral tal como havia ocorrido porém o que foi mostrado na versão fordiana não corresponde à realidade dos fatos: dois membros da família Earp, James e Virgil,  são mortos antes do duelo, no qual perecem também Doc Holliday e o velho Clanton.
Mas, diante de um western extraordinário como Paixão dos Fortes, quem se importa com a verdade?

6 Responses to “WESTERN: FANTASIA OU HISTÓRIA?”

  1. Saudações A.C, que bom que tenha voltado as atividades. Espero que tenha descansado e aproveitado bem suas férias.

    Difícil, em minha concepção, opinar o que iria preferir quanto ao tema western, se seria a fantasia tão costumeira nos primeiros faroestes cinematográficos (que incluem mesmo o extraordinário John Ford) ou se a realidade bem expressa desde Anthony Mann, e chegando a fase europeia com o magnífico Sérgio Leone.

    Eu amo a fantasia dos westerns, não nego, pois mesmo o folclore é válido, afinal, nas palavras do próprio John Ford, quando o mito é mais forte que a realidade, é o mito que deve ser impresso. Mas por outro lado, é curioso sabermos o que de fato foram estes personagens reais que ganharam notoriedade ainda maior, pelos quatro cantos do mundo, através de Hollywood.

    A legenda áurea que foi criada pelos cineastas em torno destes ícones do folclore americano chegam, por pouco, a quase santificá-los, laureando-os de todo romancismo, afinal, não teria nenhuma graça se mostrássemos, por exemplo, a verdadeira face de quem, poderíamos chamar nos dias de hoje, de um verdadeiro 171: Wyatt Earp.

    Ele não foi o destemido Henry Fonda, e tampouco o galante e correto Burt Lancaster, cada qual em suas versões sobre sua vida e do famoso duelo que o celebrou, em 28 de outubro de 1881.

    Ele não passou de um homem dedicado a criar seu feudo pessoal no povoado de Tombstone, no Arizona, Sudoeste dos Estados Unidos. Muitos dos “vaqueiros” que enfrentou eram negros pobres ou mexicanos, não bandidos.

    Ate mesmo “amizade” entre Wyatt Earp e Doc Holliday é discutida, pois ambos eram muito diferentes, em diversos aspectos, sobretudo de berço que cada um teve: Wyatt era filho de rudes camponeses pioneiros e John Holliday provinha de uma conhecida família de elite da Georgia.

    Dentista diplomado, mas tuberculoso, Doc partiu para Dallas, em 1872, para mudar de ares. Todavia as pessoas temiam ser tratadas por mãos de quem cuspia sangue e, assim, John perdeu seus clientes e acabou entregando-se no jogo.

    Naquele mundo de violência, onde a troca de tiros era a regra e quem fossem o mais rápido no gatilho imperava, Doc, débil como uma criança e atormentado pelo medo mórbido de ser espancado, pôde contar somente, com o seu revólver para se defender.

    Considerando-se já um homem morto, agia friamente diante do perigo. Não respeitava a própria vida e bebia muito. Estranhamente, embora o destruindo mais depressa, o álcool lhe infundia energia e confiança, e isso é verdade.

    Wyatt o conheceu em Fort Griffin, talvez numa mesa de jogo, não se sabe ao certo. Depois disso, Doc foi preso por homicídio. Wyatt o reencontrou em Dodge e se uniram graças à paixão que ambos sentiam pelo jogo.

    Na única vez em que tentaram conversar, em 1882, descobriram tantas divergências entre si, que preferiram não se falar mais. Logo, o que os dois tinham, de fato em comum, era o amor ao jogo e a bebida.

    Entretanto, apesar de todas estas desmistificações de tais lendas, é mister dizer que o cinema, antes de tudo, é uma máquina de sonhos. Os sonhos podem ser reais ou fantasiosos, tudo vai depender do gosto de cada um.

    E naturalmente, os westerns foram avançando, evoluindo de acordo com o tempo e com o grau de desenvolvimento do público, que vinha exigindo mais realismo no Gênero. Mas ainda assim, os faroestes a moda de John Wayne, Randolph Scott, Audie Murphy, Joel McCrea, e outros, continuam a ser os mais badalados por todos os fãs do Western.
    Saudações!

  2. Alô Paulo. Seus comentários são muito pertinentes e enriquecem/complementam meu texto. Obrigado.

  3. Mas não é que as verdadeiras histórias destes personagens não dariam filmes interessantes. Algo que li e sempre chamou minha atenção foi sobre as armas daquela época, especialmente Colts, Winchesters (73 ou não) e Derringers. Era extremamente difícil acertar qualquer coisa com elas! A precisão era bem diferente, e por mais bem treinado que fosse o pistoleiro, o que vêmos nos filmes é altamente improvável. Mas quem se importa. É fascinante termos capacidade e recursos para estudar a história. A ficção e fantasia ajudam a contá-lá e suscitam interesse em conhecê-la.

  4. O confronto de dois homens face a face raramente ocorria na vida real. Ninguém sacava a arma rapidamente: cada qual já partia de revólver em punho para enfrentar o adversário. Nos filmes surgiam muitos anacronismos. Como escreví no meu livro Publique-se a Lenda: A História do Western, Cecil B.DeMille, que se orgulhava das pesquisas intensas que fazia ao preparar suas sagas históricas, colocou no seu filme Jornadas Heróicas, passado em 1865, um Peacemaker, o famoso Colt de calibre 45, que só se tornaria disponível para o público em geral em 1875.

  5. visita diária ao seu blog.Como foi de viagem? josé simões filho

  6. Foi tudo bem. Escreví para o seu e-mail.

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