OS FILMES MUDOS DE FRITZ LANG

janeiro 7, 2012

Sempre comprometido com a perfeição, Fritz Lang trouxe para a tela uma visão do mundo fatalista, expressa por meio de recursos visuais impressionantes e por uma narrativa econômica e fluente. Ele usou o cinema para explorar uma fascinação pessoal, para usar suas palavras, “pela crueldade, medo, horror e morte”. Lang se relacionou com mais de uma estética (expressionismo, realismo) e com vários gêneros (aventura exótica e de guerra, fantasia, ficção científica, drama criminal e social, western), influenciou diretamente seus contemporâneos (de Eisenstein a Hitchcock), e deixou a sua marca de grande cineasta na cinematografia de dois países e em duas fases da História da 7a Arte.

Friedrich Christian Anton Lang nasceu no dia 5 de dezembro de 1890 em Viena, filho do construtor Anton Lang e de Pauline (Paula) Schlesinger. Ele cursou a K und K Staatsrealschule – um dos melhores colégios secundários de Viena, que preparava rapazes da classe média para exercer cargos no serviço público, comércio ou em profissões técnicas – mas não passou nos exames finais. Em outubro de 1909, Lang se matriculou na Technische Hochshule, uma escola  técnica para estudos avançados nas ciências; porém não obteve a frequência necessária para poder fazer as provas.

Nesta ocasião, começou a trabalhar em dois cabarés, o Femina Revue Bühne e o Theaterkabarett Holle, criando pôsters para os mesmos. A fim de acalmar o pai, quando este soube que o filho estava negligenciando seus estudos, Lang disse ao seu progenitor que ia estudar pintura. Não se sabe se o rapaz fez isso mesmo ou pintou algum quadro; o trabalho artístico de Lang consistia principalmente de pôsters de cabarés, esboços e até cartões postais, para os quais havia uma longa tradição vienense. Todavia, Lang ressentia-se com o fato de ser  financeiramente dependente da boa vontade do pai e, após muitas brigas com ele, resolveu sair da casa paterna e de Viena.

Depois de passar por Bruxelas e Munich, Lang chegou no mês de abril de 1913 em Paris, onde estudou na Maurice Denis École de Peinture em Montparnasse durante o dia e frequentou aulas noturnas na Académie Julian. Ele voltou para Viena em agosto de 1914, e se alistou como voluntário no exército austríaco em 12 de janeiro de 1915, servindo numa divisão da artilharia. Lang foi condecorado mais de uma vez durante a guerra por atos de bravura, culminando com a permissão de usar a cruz militar, a Karl -Truppen – Kreuz.

Numa das ocasiões em que esteve hospitalizado, ele conheceu um “empregado de banco”, que era também compositor, e os dois começaram a escrever roteiros em parceria. Logo, este indivíduo (nunca identificado por Lang nas suas entrevistas) tornou-se somente seu agente e conseguiu fazer negócio com Joe May, dono da May-Film GmbH. May comprou e filmou dois roteiros de Lang, Die Hochzeit im Exzentrikklub / 1917 e Hilde Warren und der Tod / 1917 e, para May, Lang  escreveu o episódio final do seriado A Soberana do Mundo / Die Herrin der Welt.

O próximo passo importante na trajetória de Lang no cinema deu-se quando foi apresentado a Erich Pommer, fundador da Decla (Deutsche Éclair). Pommer ofereceu-lhe um emprego como Dramaturg – que abrangia as funções de leitor de roteiros e roteirista.

Em 1919, Lang escreveu roteiros para cinco longas-metragens dirigidos por Alwin Neuss e Otto Rippert (Neuss dirigiu Die Rache ist mein, Die Bettler – GmbH ; Rippert dirigiu: Die Frau mit den Orchiden, Totentanz, Die Pest in Florenz); colaborou com Wolfgang Geiger na redação do roteiro de Wolkenbau und Flimmerst (de diretor desconhecido); fez sozinho o roteiro de Lilith und Ly (dirigido por Erich Kober); estreou na direção com Halbblut (a história de uma mestiça, que dirige um cassino clandestino e, tentando fugir da Europa para o México com o produto de suas trapaças, é morta por uma de sua vítimas) e O Senhor do Amor / Der Herr der Liebe (cuja trama envolve um nobre húngaro e sua noiva, que se traem mutuamente, até que ele a mata e depois se suicida), ambos os filmes hoje considerados perdidos. O ano de 1919 foi também aquele em que Lang  (provavelmente, porque ninguém sabe ao certo) se casou com  Elisabeth (Lisa) Rosenthal e fez Die Spinnen (emduas partes)e Harakiri.

Em Die Spinnen – 1. Der Goldene See, o desportista e playboy Kay Hoog (Carl de Vogt) recolhe uma garrafa no mar. Ela contém uma mensagem  que revela o local do tesouro dos Incas no Lago Dourado. Kay Hoog fala sobre o tesouro no Clube Standard em San Francisco na presença da bela Lio Sha (Ressel Orla), que dirige a organização secreta das Aranhas, encarregada pelo Serviço Secreto da Índia de recuperar um diamante com a cabeça do Buda. Segundo a lenda, aquele que o possuir, libertará os povos da Ásia e se tornará o dono do mundo. Lio Sha, pensando que o diamante talvez estivesse no Lago Dourado, segue Kay Hoog, ocorrendo várias peripécias: Kay Hoog impede que Naela (Lil Dagover), a Sacerdotiza do Sol dos Incas, seja picada por uma serpente; depois, salva Lio Sha, que os Incas pretendem sacrificar à sua divindade; e finalmente o bando dos Aranhas morre na gruta onde está o tesouro, devido a uma inundação. Alguns meses mais tarde, em San Francisco, Lio Sha revela seu amor por Kay Hoog, mas ele se casara com Naela, e Lio Sha decide se vingar. Quando Kay Hoog retorna à cidade, encontra Naela morta sobre um arbusto florido de seu jardim com uma aranha sobre o peito.

Em Die Spinnen – 2. Der Brillantenschiff, os Aranhas ficam sabendo que o diamante com a cabeça do Buda está na posse do Rei do Diamante, o inglês John Terry (Rudolf Lettinger). Depois de alguns contratempos, o bando chefiado por Lio Sha, que se esconde nos subterrâneos de uma cidade chinesa situada debaixo de San Francisco, sequestra  Ellen (Thea Zander), a filha do Rei do Diamante, para trocá-la pela pedra preciosa. Terry apela para Kay Hoog, que descobre que o diamante deve estar nas ilhas Malvinas.  Novos incidentes ocorrem após os quais os Aranhas e Lio Sha morrem envenenados por vapores sulfurosos. Em San Francisco, O Grande Mestre dos bandidos (Georg John) é morto por agentes indianos, que começavam a desconfiar dele,  e Kay Hoog consegue salvar Ellen no último instante.

Die Spinnen reflete claramente a paixão do cineasta pelo universo exótico do romance de aventuras do século dezenove, pelos seriados americanos e de Feuillade, pelas gigantescas arquiteturas que esmagam os personagens e já contém alguns de seus grandes temas: a opressão do indivíduo por um destino incompreensível, a mulher como força salvadora e destrutiva, a  vingança, o fascínio pelo poder, os mundos subterrâneos (a cidade chinesa subterrânea, o território inca), etc.

A 1ª Parte, fotografada por Emil Schünermann, marca a primeira colaboração de Lang com os diretores de arte Hermann Warm e Otto Hunte. Warm foi o mais prolífico dos decoradores associados com o “look” expressionista de O Gabinete do Dr. Caligari / Das Cabinett des Dr. Caligari e serviu a Lang também em Pode o Amor mais que a Morte / Der müde Tod. Hunte, um dos desenhistas de produção mais respeitados  do cinema alemão dos anos10 aos 40, trabalhou ainda com Lang em Dr. Mabuse, o Jogador / Dr. Mabuse, der Spieler; Siegfried / Sigfried – A Vingança de Kriemhild, A Esposa de Siegfried / Kriemhilds Rach / Die Nibelungen; Metropolis / Metropolis; Espiões / Spione;e A Mulher na Lua / Frau im Mond. A 2ª Parte foi o primeiro filme de Lang fotografado por Karl Freund, com o qual faria ainda Metropolis.

Em meados de 1919, Erich Pommer apresentou a Lang um script sobre o diretor de um asilo de loucos que manipulava um sonâmbulo para cometer assassinatos e lhe perguntou se estaria interessado em dirigir este seu novo projeto. Durante as discussões sobre o script, Lang deu pelo menos uma sugestão importante: que o filme tivesse um prólogo e um epílogo realista para transmitir o ponto de vista do personagem principal, um louco, pois isto intensificaria o terror das sequências expressionistas. Pommer adotou esta proposta, adicionando uma cena no jardim do asilo no começo e no final de Caligari. Entretanto, o sucesso extraordinário de Die Spinnen obrigou Lang a deixar a produção de Caligari, para se dedicar à segunda parte  do referido filme.

HarakiriDie Geschitte einer jungen Japanerin foi rodado entre a filmagem das duas partes de Die Spinnen. É uma adaptação da peça “Madame Butterfly” de David Belasco sobre o trágico romance de uma mulher japonesa com um oficial da marinha americana, que produz um filho ilegítimo. No filme, O-Take-San (Lil Dagover) foi escolhida para se tornar Sacerdotisa do Buda na Gruta Sagrada, porém seu pai, Tokujawa (Paul Biensfeldt), quer que ela decida por si própria. O monge local (Georg John) repreende Tokujawa por ter perdido a fé no Oriente. O-Take-San diz ao monge que se sente indigna de ser sacerdotisa. Tokujawa recebe ordem de se suicidar e pratica o haraquiri. O monge prende O-Take-San na Gruta Sagrada, mas um servidor do templo a liberta e a entrega ao proprietário de uma casa de chá no quarteirão dos prazeres – o Yoshiwara de Nagasaki. O oficial da marinha dinamarquesa, Olaf Anderson (Niels Prien), se encontra por acaso na casa de chá e aceita esposar O-Take-San por 999 dias, segundo a lei de Yoshiwara. Seus amigos o desencorajam porque sua viagem de retorno à Europa se aproxima. Ele de fato deve partir, mas promete a O-Take-San que voltará. Já em casa, Olaf mostra para sua noiva Eva (Herta Héden) as lembranças de sua viagem, entre outras, a foto de uma “pequena geisha sem importância”. Quatro anos depois Olaf toma conhecimento do nascimento de seu filho através de uma carta. Ele retorna ao Japão na companhia de Eva, com quem se casara, e aí ocorrem certos incidentes que culminam com o suicídio de O-Take-San com o punhal de seu pai.

Durante muitos anos Harakiri foi considerado um dos “filmes perdidos” de Lang até que, nos anos 80, surgiu uma versão holandesa encontrada no Netherlands Film Museum em Amsterdam. Os críticos da época gostaram das cenas em exteriores, “esplêndidas e pitorescas”, particularmente as das festividades japonesas bem como os efeitos de iluminação, que “aumentam o charme da vida nas ruas à noite”.

Descontente com as circunstâncias de produção da segunda parte de Die Spinnen, Lang cancelou seu contrato com a Decla e assinou contrato com Joe May e a May-Film GmbH. Foi May quem apresentou Lang a Thea von Harbou, uma mulher cuja afinidade estreita com o diretor a tornaria a sua mais importante – e controvertida – colaboradora. Thea foi uma das mais famosas roteiristas da Alemanha, não somente por sua parceria com Fritz Lang mas também por ter escrito scripts para outros cineastas notáveis como F. W. Murnau e Carl Dreyer. Ela estava muito ocupada com a adaptação de seu romance, “Das indische Grabmal”, quando Joe May contratou Lang para ajudá-la e planejar os detalhes da produção.

Ao mesmo tempo, Thea e Lang começaram a desenvolver um segundo projeto, uma história original, “Madonna im Schnee”, recheada de melodrama e mitologia cristã. No enredo, a jovem Irmgard (Mia May) se entrega a John Vanderheit (Hans Marr), um adepto do amor livre, e dá à luz um menino. A mãe solteira se casa com o irmão gêmeo de John, Georg (Hans Marr), para que seu filho tenha um pai. John forja seu próprio suicídio e vai viver como eremita nas montanhas. Ao passar por uma estátua da Virgem Maria com a criança, ele promete que só vai voltar quando a estátua se puser em movimento na direção do vale. Irmgard, desesperada, sai à procura de John. Após alguns acontecimentos, como a morte de Georg, o filme termina com uma tempestade de neve. Uma avalanche espetacular derruba a estátua da Virgem Maria, o eremita pensa que foi a Santa Virgem que realizou o milagre, e retorna para os braços de sua Madona. Os críticos elogiaram as tomadas da natureza impecavelmente fotografadas e principalmente a cena da tempestade, quando uma porta se abre e um clarão ilumina a paisagem de neve.

Joe May deu prioridade à filmagem de Das wandernde Bild, reintitulada como “Madonna in Schnee” , pois estava querendo assumir ele mesmo as rédeas de Das indische Grabmal, que acabou realizando, e se chamou no Brasil, Dono e Senhor. Inconformado com esta traição, Lang voltou a trabalhar para Erich Pommer, levando Thea com ele.

Na Decla eles fizeram então Kämpfende Herzen, também conhecido como Die Vier um die frau. Neste filme, o falsário Meunier (Robert Forster-Larrinaga) entrega um maço de notas falsas para o negociante Harry Yquem (Ludwig Hartan). Este, disfarçado, vai até um lugar subterrâneo, onde se encontra o receptador Upton (Rudolf-Klein Rogge), e compra uma jóia para sua esposa Florence (Carola Toelle), pagando com dinheiro falso. Um outro indivíduo está presente: é Werner Kraft (Anton Edthofer), que deixara a Europa há cinco anos, fora apaixonado por Florence, e tem um irmão gêmeo. Segue-se uma intriga complicada que termina com a solução de todos os mistérios, quando os personagens principais se encontram na casa de Yquem, que se torna cena de uma série de atos violentos e de crimes.

Alguns críticos viram em Kämpfende Bild uma transição óbvia para Dr. Mabuse, o  primeiro dos seus filmes focalizando com realismo as ruas e a sociedade de Berlim, mostrando o contraste entre os clubes privados dos ricos, jogadores de cartola e o submundo. Juntamente com o filme anterior da dupla Lang-Harbou, Das wandernde Bild, Kämpfende Herzen foi localizado em 1986 na Cinemateca de São Paulo por Walther Seidler da Stiftung Deustche Kinemathek de Berlim.

Mais do que qualquer outra das suas obras precedentes, Pode o Amor mais que a Morte / Der müde Tod / 1921, firmaa reputação de Lang como um grande criador. Uma jovem (Lil Dagover) quer salvar o seu noivo (Walter Janssen) das garras da Morte (Bernhard Goetzke). Esta conduz a jovem até uma catedral gigantesca cheia de velas acesas. A Morte, agente do Destino, lhe mostra três velas, que representam a vida de três almas em perigo em diferentes partes do mundo. Se a jovem conseguir impedir que pelo menos uma vela se extinga, a Morte poupará seu noivo. Nos três episódios, a jovem e seu noivo são perseguidos por um tirano cruel. Três vezes a jovem tenta impedir o tirano de matar seu amado; três vezes o tirano realiza seu intento assassino com a ajuda da Morte que, em cada caso, é encarnada pelo executor das mortes. As três velas se apagam e, de novo, a jovem implora a misericórdia da Morte. Esta então lhe dá a última chance: se a jovem lhe trouxer uma outra alma, ela está disposta a restituir a vida do seu amado. Mas nem um velho farmacêutico que se dizia cansado de sua existência, nem um mendigo miserável, nem as velhas de um hospital que viviam dizendo que a Morte tinha esquecido delas, aceitam fazer tal sacrifício. Um incêndio irrompe no hospital e a jovem salva um bebê que ficara esquecido no local. Neste momento, a Morte, cumprindo sua promessa, estende as mãos para tomar sua vida; porém ela entrega o bebê para a mãe aflita. No meio das chamas, a Morte guia a jovem moribunda até o seu noivo morto e, unidos para sempre, suas almas caminham em direção ao céu.

Filme estranho, conjugando o fantástico, o onírico, a alegoria e a fábula, para contar o jogo fascinante de uma jovem com a morte (lembrando o Sétimo Selo / Der Sjunde Inseglet de Bergman), que nos leva para a Bagdad das Mil e uma Noites, a Veneza da Renascença e uma China antiga, onde se desenrolam as provas sobre as quais a heroína deve triunfar, a fim de salvar a vida do seu amado. O tema abordado é o diálogo / disputa que a Morte trava com o Amor com a conclusão de que a nossa existência é um combate perdido com o Destino,  axioma que vem da literatura romântica alemã.

Lang expõe esta idéia com extraordinária riqueza narrativa e visual, colocando as linhas verticais (das velas) e as linhas horizontais (dos degraus da escada da morte) em contraste perpétuo. A audaciosa interação entre luz e sombra, as imagens refletidas na água e nos espelhos, a fumaça das chamas noincêndio final, o desfile das almas entrando no reino dos mortos, a floresta de velas acesas servem como exemplo das qualidades fotográficas do espetáculo. O segmento da China está repleto de feitos miraculosos: o seu cavalo alado, o exército liliputiano e o tapete voador inspiraram Douglas Fairbanks a fazer O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad / 1924, uma exposição de truques mágicos semelhantes.

No elenco, sobressaem Lil Dagover e Walter Janssen como os dois amantes (que voltam em todos os episódios), Rudolf Klein-Rogge, que está no segmento oriental e veneziano e Bernhard Goetzke, como a Morte esquelética e angustiada. Um número impressionante de colaboradores, cada qual um artista no seu domínio – destacando- se o decorador Herman Warm e o fotógrafo Fritz Arno Wagner, nesta sua primeira colaboração com Lang (eles estariam juntos novamente em Espiões, M, o Vampiro de Dusseldorf / M e O Testamento do Dr. Mabuse / Das Testament des Dr. Mabuse) – , criaram em uma harmonia rara uma obra que desperta sentimentos  profundos e cria uma atmosfera quase religiosa.

No dia 25 de setembro de 1920, a mulher de Lang, Elisabeth, morre em circunstâncias misteriosas. Não era segredo que Lang e Thea von Harbou haviam se apaixonado quase que à primeira vista. Quando Thea se separou de seu marido, Rudolf Klein-Rogge, ela se mudou para um apartamento no mesmo prédio em que Lang morava. Elisabeth teria surpreendido Lang e Thea em flagrante e teria ficado com raiva ou em estado de depressão. O que aconteceu em seguida ninguém sabe. Apenas uma coisa é certa: Elisabeth foi morta naquele dia por uma bala que varou o seu peito, desferida por um revolver Browning, de propriedade de Fritz Lang. Segundo uma versão, Elisabeth depois de ter visto Lang nos braços da sua roteirista no sofá do seu apartamento, foi para o seu quarto e se matou. Karl Freund  e Hans Feld, editor do Film-Kurier, lançaram a suspeita de que Lang teria, intencional ou acidentalmente, assassinado Elisabeth. Lang insistiu que foi suicídio e Thea confirmou o depoimento dele. O atestado médico que apontou a causa da morte dizia  “tiro no peito, acidente”. Fritz Lang se casaria com Thea von Harbou em 26 de agosto de 1922.

Devido ao sucesso alcançado por Pode o Amor mais que a Morte, Lang e Thea puderam pensar num projeto mais ambicioso: um filme baseado num romance  de Norbert Jacques sobre um criminoso que dissemina o medo e a desordem na Berlim da época, capital de um país assolado pela crise financeira e pela corrupção moral. Dividido em duas partes, Der grosse Spieler, tendo como subtítulo, Ein bilt der Zeit (Um retrato de nossa época) e Inferno, com o subtítulo, Ein Spiel von Menschen unserer Zeist (Uma peça sobre os homens de nossa época), Dr. Mabuse, o Jogador / Dr. Mabuse, der Spieler / 1922 se concentra num gênio do crime que declarou guerra à sociedade.

À frente de uma verdadeira organização, que ele controla pelo terror, Mabuse (Rudolf Klein-Rogge) prepara seus atos criminais com uma precisão científica, disfarçando-se em múltiplos personagens – banqueiro, falsário, boêmio elegante, médico psicanalista ou vagabundo – , uma espécie de Fantomas germânico, encarnando o mal absoluto. Seu grande adversário é o promotor von Wenck (Bernhard Goetzke), guardião da lei escrupuloso e meticuloso que, com muita dificuldade e sacrifícios, acaba encontrando o supercriminoso megalômano, completamente louco na sua oficina de fabricação de moeda falsa, onde ele havia se refugiado, mas de onde não conseguira escapar, porque o edifício estava todo cercado.

Inspirando-se ao mesmo tempo na tradição do seriado e nos acontecimentos contemporâneos o filme é ao mesmo tempo uma obra expressionista e um quase-documentário da Alemanha decadente e perdida dos anos 20. O caráter demoníaco do personagem exprime a profunda inquietação dos tempos, perfilando-se no horizonte do século XX como uma figura premonitória ao nível das atrocidades politicas que se aproximavam.

No plano estritamente estético, avultam numerosas cenas como, por exemplo, aquela da da Bolsa de Valores, a cena do encontro de Mabuse (disfarçado) com o promotor von Wenk no clube Andalusia; a cena da performance de Mabuse (usando um outro disfarce) no teatro fazendo com que uma caravana árabe surja no palco e desça até a platéia, para demonstrar uma experiência de sugestão de massas; a cena da dançarina semi-nua,  que desce do teto do Petit Casino para esconder as mesas de jogo no caso de a polícia chegar;  a sessão de espiritismo; a cena do cerco à casa de Mabuse, suas alucinações e a compreensão de sua impotência, etc.

O ritmo do filme, numa montagem sofisticada, impressionou o público e os técnicos de cinema (inclusive o eminente diretor russo Eisenstein) e a estupenda fotografia de Carl Hoffmann (com Lang também em Siegfried – A Vingança de Kriemhilde) estabeleceu com precisão o clima noir da narrativa.

O filme seguinte de Lang e Thea, Die Nibelungen / 1922-24, grande produção de Erich Pommer para a Decla-Bioscop – UFA, também é em duas partes: Siegfried / Siegfried e A Vingança de Kriemhilde, A Esposa de Siegfried / Kriemhilds Rache, cada qual dividida em sete Cantos.

Na primeira parte, Siegfried (Paul Richter), mata um dragão e, banhando-se no seu sangue, torna-se invulnerável, a não ser no ombro esquerdo. Depois, ele derrota o Rei dos Anões, Alberich (Georg John) que, antes de morrer, entrega ao vencedor o tesouro dos Nibelungos e  a malha mágica, que torna a pessoa que o usa, invisível ou capaz de se transformar em qualquer pessoa. Sigfried deseja casar-se com Kriemhild (Margaret Schön), princesa dos burgúndios, mas o irmão dela, o rei Gunther (Theodor Loos), só aceita conceder a sua mão, se o pretendente ajudá-lo a conquistar Brunhild (Hanna Ralph), a rainha amazona da Islândia, que jurara esposar o homem que a vencesse nas armas. Brunhild esperava que seu pretendente fosse Sigfried, e não Gunther. Graças à malha mágica, Siegfried se transforma em Gunther e vence a guerreira nas três provas exigidas. Em Worms celebra-se o casamento de Siegfried com Kriemhild e o de Gunther com Brunhild bem como a cerimonia que faz de Siegfried e Gunther dois irmãos de sangue. Brunhild diz a Gunther que é sua prisioneira e não sua esposa. Gunther pede de novo auxílio a Siegfried e este, assumindo a forma de Gunther, passa a noite de núpcias com Brunhild. Chega a Worms o presente de casamento de Siegfried para Kriemhild: o tesouro dos Nibelungos. No caminho da missa, Kriemhild e Brunhild discutem e Kriemhild, ofendida, lhe conta como Siegfried, e não Gunther a derrotou. Para se vingar, Brunhild diz a Gunther que Siegfried foi seu amante e o incita a matar Siegfried. O assassinato será cometido por Hagen von Tronje (Hans Adalbert von Schlettow), o conselheiro de Gunther. Kriemhild, inadvertidamente, lhe revela qual é o único ponto vulnerável de Siegfried e Hagen o mata, arremessando um dardo naquela parte do corpo. Brunhild suicida-se diante do túmulo de Siegfried.

Na segunda parte, o rei dos Hunos, Átila (Rudolf Klein-Rogge), pede a mão de Kriemhild. Ela aceita, e parte para o país dos hunos, a fim de preparar sua vingança. Kriemhild dá um filho a Átila e consegue convencer seu marido a convidar Gunther e sua comitiva para uma visita ao seu reino. Kriemhild pede a Átila que mate Hagen Tronje, porém ele se recusa, alegando que um convidado é considerado sagrado. Kriemhild oferece ouro para os hunos pela cabeça de Hagen Tronje. Os hunos atacam os burgúndios durante um festim. A saber do ataque traiçoeiro, Hagen Tronje mata o filho de Átila. Os hunos mantém os burgúndios cercados dentro da casa de hóspedes de Átila. Num ato final de desespero, Kriemhild manda incendiar o edifício. Hagen Tronje e Gunther escapam das chamas. Kriemhild ordena que Hagen Tronje diga onde está o tesouro dos Nibelungos, que ele roubara. Quando Hagen Trojen lhe conta que jurou não revelar o esconderijo do tesouro enquanto um de seus reis ainda estivesse vivo, Kriemhild manda decapitar Gunther. Como Hagen Trojen continua se negando a indicar o local do tesouro, Kriemhild o mata com a espada de Siegfried e morre em seguida de um ataque do coração. Nas palavras finais de Átila,  Kriemhild deve ser levada para perto de seu falecido marido, Siegfried, porque ela nunca pertenceu a outro homem.

O filme é na verdade um puro filme de Lang, parecido com muitos outros anteriores e posteriores do autor: uma história de ódio, morte e vingança. O ódio e o desejo de vingança trazem a morte,  o incessante avanço das trevas onde perecem, um a um, todos os personagens. Thea e Lang  quiseram mostrar os heróis da lenda como simples homens. Die Nibelungen é mais uma história de homens e de mulheres do que de Heróis e de Deuses.

Siegfried Kracauer estigmatizou o filme  como um incipiente documento nazista, que antecipou a propaganda de Goebbels do Terceiro Reich, mas Lang explicou que, para contrariar o espírito pessimista da época, ele queria apenas filmar a grande lenda de Siegfried, a fim de que a Alemanha  pudesse se inspirar no seu passado épico.

Transformando uma série de pinturas célebres (de Wilhelm von Kaulbach, Franz von Stuck, Gaspar David Friedrich, Arnold Böcklin, Heinrich Vogeler, Max Klinger, etc.) em imagens cinematográficas, Lang ilustrou a lenda em todo o seu esplendor bárbaro com imagens muito belas – percebendo-se uma tendência para a abstração e estilização formal -, que permanecem constantemente fiéis ao mito: Siegfried forjando sua espada na caverna do ferreiro iluminada em esplêndido claro-escuro; Siegfried cavalgando seu corcel branco pela floresta gigantesca invadida pela bruma e por raios de sol; a fileira de soldados como pilares em primeiro plano de costas para a câmera, e ao fundo a procissão da corte que se aproxima lentamente da catedral de Worms; Brunhild saindo de seu navio e os soldados fazendo uma espécie de ponte flutuante com os seus escudos; os interiores do castelo e da catedral de Worms; o caminho pedregoso e o mar de fogo que circundam o castelo de Brunhild; o jardim florido onde se encontram Siegfried e Kriemhild; a cerimônia do casamento duplo; o conflito entre Brunhild e Kriemhild na longa escadaria; o corpo de Siegfried no caixão cercado de velas, tendo a seu pé, à esquerda,  Brunhild vestida de preto, morta pelo seu próprio punhal e, à sua cabeceira à direita, Kriemhild ainda com sua roupa branca, pranteando-o; as crianças nuas com grinaldas no cabelo ao lado de uma árvore bem fina e de Atila numa armadura montado no cavalo; e a visão, particularmente notável, dos anões acorrentados servindo de pedestal para ornamentar uma urna imensa, que contém o tesouro de Alberich – quando amaldiçoados por seu mestre, as criaturas escravizadas se metamorfoseiam em figuras de pedra gigantesca.

A arquitetura plástica do filme é quase sempre baseada na simetria, no equilíbrio, na ordem e numa busca evidente de harmonia. Porém na segunda parte estes valores degeneram, se destróem: o espaço da ação torna-se um espaço asfixiado, onde triunfam a selvageria e o caos. Aos castelos majestosos, às arcadas e nichos, ao arco-íris em torno da montanha, aos gestos e trajes com desenhos geométricos, correspondem, na segunda parte, as tendas apertadas e apinhadas de gente, o chão de barro, as peles de animais nas paredes, as estepes áridas, em marcante contraste com o ambiente nativo de Kriemhild. O ritmo também muda entre as duas partes, passando de majestoso, solene para um maior dinamismo, por causa do número incessante de cenas de ação.

Lang disse que seu fotógrafo, Carl Hoffmann, foi capaz de executar visualmente tudo o que o diretor havia imaginado por meio da luz e da sombra. Mas também importante foi a contribuição do inventivo segundo cameraman, Günther Rittau (que realizou duplas exposições com a câmera em vez de usar o laboratório), dos decoradores Otto Hunte, Erich Kettelhut e Karl Vollbrecht (construtor do dragão), sem falar no “sonho dos falcões”, um trecho de pura animação, providenciado por Walter Ruttmann e na contribuição de Eugen Schüfftan na petrificação dos anões.

Em 2 de outubro de 1924, Lang, Erich Pommer e a Gertrude, mulher Pommer foram aos Estados Unidos para a estréia americana de Die Nibelungen. A primeira visão  que Lang  teve de Nova York  foi do convés do navio. “Alí”, Lang gostava de declarar em várias entrevistas, “Eu concebí Metropolis”. Entretanto, Erich Pommer já vinha comentando sobre este novo projeto de Lang durante os últimos dias de filmagem de Die Nibelungen , meses antes da viagem à América.

Reunindo quase a mesma equipe técnica de Die Nibelungen (com exceção de Carl Hoffmann, agora substituído por Karl Freund), Metropolis foi concebido para ser o filme mais caro e ambicioso feito até então na Europa, com milhares de figurantes, cenários monumentais e efeitos especiais. O criativo Günther Rittau idealizou alguns dos melhores efeitos especiais do filme, inclusive a mutação diante da câmera do robô-Maria de uma criatura de metal cubista para um ser de carne e osso enquanto Eugen Shüfftan, com o seu famoso processo de espelhos, tornou imensas as maquetes da cidade.

Thea von Harbou imaginou uma cidade futurista construída sobre os ombros do trabalho escravo. No alto da cidade vive uma classe ociosa presidida por Joh Fredersen (Alfred Abel), o senhor de Metropolis; no subsolo, labutam  os trabalhadores escravos. Um dia, nas portas do Jardim Eterno, onde Freder  (Gustav Fröhlich), o filho de Fredersen passa dias felizes na companhia de seus amigos, aparece Maria (Brigitte Helm), rodeada por um grupo de crianças miseráveis. Maria é expulsa do local, mas Freder fica como que hipnotizado pela moça. Tentando reencontrá-la, ele descobre a cidade em baixo, revolta-se contra o sistema odioso, e decide compartilhar a sorte de seus irmãos, substituindo um dos operários na manutenção da Máquina Central. O descontentamento dos operários é refreado por Maria, uma pregadora que, nas profundezas da antigas catacumbas, anuncia para breve a chegada de um mediador que “unirá as mãos com o cérebro, porque ele será o coração”. Informado pelo contramestre Groth (Heinrich George) dos planos de insurreição dos operários, Fredersen pede ao cientista Rotwang (Rudolf Klein-Rogge), que mora numa casa antiga no centro da cidade, para construir um robô, duplo perfeito de Maria, a fim de desmoralizar e confundir as massas. Aproveitando para se vingar de Fredersen, que no passado havia lhe roubado a noiva, Hel, Rotwang programa a Maria-robô para liderar a revolta dos operários, a fim de destruir o império do senhor de Metropolis.  O plano do cientista surte efeito, a falsa Maria provoca o caos nos subterrâneos, causando a destruição das máquinas e uma inundação. Freder e Maria salvam as crianças do afogamento. Rotwang, enlouquecido, pensa que Maria é Hel, e a persegue, acabando por despencar do telhado da catedral, após uma luta com Freder. Groth e os operários revoltam-se contra a Maria robô e a queimam em uma fogueira. Finalmente, Fredersen cai em si, e se reconcilia com os trabalhadores.

Tal como em Die Nibelungen, estão presentes o estilo decorativo, a monumentalidade dos cenários, as cenas de multidão, e a direção criativa de Lang,  resultando uma sucessão de visões alucinantes, nas quais se encontram  expressionismo e surrealismo, e que são trechos de antologia: os grupos geométricos de trabalhadores, vestidos de uniforme, marchando sincopadamente  com os ombros arqueados e de cabeça baixa em direção aos elevadores que conduzem ao subsolo, onde estão as máquinas; Freder vendo a Máquina Central como um Moloch de boca aberta e olhos brilhantes, devorando os homens; Freder no paredão branco e os feridos passando em silhueta; Maria pregando nas catacumbas com as cruzes brancas ao fundo contrastando com os vultos negros e pálidos dos operários; a coluna ondulante de milhares de escravos de cabeça raspada arrastando uma pedra enorme  na construção da Torre de Babel; a criação de Maria-robô diante de um líquido borbulhante e flashes de eletricidade, fumaça e vapor; o delírio de Freder na catedral vendo as estátuas dos Sete Pecados e a da Morte com sua foice se animarem; Rothwang perseguindo Maria nas catacumbas, a escuridão iluminada apenas por um simples feixe de luz de sua lanterna, que revela o horror do ambiente cheio de esqueletos e caveiras; Maria-robô piscando o olho para Freder e depois tudo começando a rodar quando ele a avista com seu pai; os frequentadores do Clube Ioshiwara fascinados pela falsa Maria dançando com um vestido transparente e coberta de jóias; a destruição da Máquina Central pela população sublevada; a pirâmide de braços que se elevam em súplica durante a inundação  e as crianças agarradas ao corpo de Maria na última ilhota de concreto ainda não submersa pelas águas.

Lang manipula admiravelmente a iluminação. A luz chega mesmo a dar uma impressão de sonoridade: o assobio da sirene da fábrica é representado por quatro faróis, cujos fachos luminosos se ejetam como gritos. A luz desempenha igualmente um papel essencial na criação do robô assim como na sinfonia das máquinas.

Além de ser palco de uma manifesta luta de classes, Metropolispode ser vista também como o espaço de um conflito entre o mágico e o oculto (o mundo de Rothwang) e a tecnologia moderna (o mundo de Fredersen). É pela magia que Rothwang quer se vingar de Fredersen e o intermediário escolhido é uma mulher, que no seu duplo aspecto e no seu duplo rosto, é a única que tem acesso aos dois mundos.

Muitos críticos não se conformaram com o sentimentalismo e ingenuidade do desenlace, quando os operários fazem (superficialmente) as pazes com o senhor de Metropolis no pórtico da catedral gótica; mas ele não obscurece a enorme realização técnica do filme.

Em junho de 1927, Lang anunciou que havia formado sua própria companhia, Fritz Lang-FilmGmbH, com dois sócios, Herman Fellner e Joseph Somlo. Porém na tela o título de “produtor” seria somente de Lang enquanto a UFA cuidaria da distribuição e publicidade dos filmes da nova empresa. Lang e Thea começaram então a preparar seu próximo projeto, um thriller de mistério e espionagem chamado simplesmente, Espiões / Spionen.


O banqueiro Haghi (Rudolf Klein-Rogge) é o chefe de uma organização de espionagem. Ele manda uma de suas agentes, a russa Sonja Barranikowa (Gerda Maurus), seduzir o Coronel Jellusic (Fritz Rasp), a fim de comprar documentos importantes de seu país. Ela cumpre sua missão e Jellusic, confrontado com seus superiores, é obrigado a se matar. Haghi obriga Sonja, cada vez menos disposta a realizar este tipo de trabalho, a ganhar a confiança  do agente 326 (Willy Fritsch), o melhor elemento de que dispõe o chefe dos serviços secretos, Burton Jason (Craighall Sherry), para lutar contra os espiões. Sonja e o agente 326 apaixonam-se. Haghi suspeita dos sentimentos de Sonja pelo agente 326 e, quando ela se recusa a agir contra ele, Haghi tranca-a num quarto de seu esconderijo secreto. Enquanto isso, Haghi manda outra de suas colaboradoras, Kitty (Lien Dyers), atrair o Dr. Masimoto (Lupy Pick), encarregado da segurança do cofre que contém um tratado secreto de importância vital para o Japão. Kitty se apodera do documento e o entrega para Haghi. Em desgraça, Masimoto comete haraquiri. O agente 326 envia a Jason o número das séries das notas do banco usadas para pagar Jellusic e Jason as transmite para o agente 719, que trabalha disfarçado como o palhaço Nemo num circo, a fim de que ele siga o rastro das notas. O agente 326 escapa de um desastre de trem preparado por Haghi . Em seguida, ele manda cercar o banco de Haghi e todo o bando de espiões escondido no subsolo é preso. Um funcionário do banco informa a Jason e ao agente 326 que o número das séries das notas de banco que o agente 719 lhe deu para rastrear não são as notas verdadeiras. Os dois agentes secretos percebem que o agente 719 era o próprio Haghi. Quando o palhaço Nemo entra em cena no circo, ele percebe que está cercado pela polícia, e se mata com uma bala na cabeça, antes de dizer: “Cortina”. O público, pensando que a cena  faz parte do espetáculo, aplaude.

Considerado como um dos filmes precursores dos filmes de espionagem, mais dinâmico do que Dr. Mabuse, o Jogador, Os Espiões oferece inúmeras sequências admiráveis: a primeira expondo, numa montagem excitante, uma série de crimes  – roubo de documentos secretos e assassinatos – , as reações frenéticas da polícia e de outros agentes que termina com um dos policiais gritando: ”Meu Deus, quem está por detrás disso?” e, logo em seguida, o close-up de Haghi olhando diretamente para a câmera  e declarando: “Eu”; a sequência no salão de danças onde, após uma luta de boxe, surgem pares de dançarinos rodopiando em torno do ringue; o haraquiri de Masumoto depois de ver os fantasmas de seus três emissários; as cenas da colisão dos trens, com os números 33-133 sobrepostos às rodas da locomotiva, que corre a toda velocidade e vai se chocar com o vagão, onde se encontra o herói; a sequência de suspense e sensualidade (e de um jogo de luz e sombras) na qual Sonja tenta se livrar das cordas que a prendem a uma cadeira enquanto o chofer luta contra dois asseclas de Hagui; a sequência do banco sendo invadido metodicamente pelas forças policiais, Haghi contra atacando com o gás mortal e o agente 326 tentando desesperadamente salvar Sonja; a sequência final quando o palhaço Nemo / Haghi, em sua performance no palco, avista os policiais armados na platéia e nos bastidores do teatro e, abruptamente, dá um tiro na cabeça. Esta última sequência é um dos maiores desfechos de filme da História do Cinema.

As semelhanças entre Os Espiões e Dr. Mabuse são inequívocas. Em ambos os filmes, Rudolf Klein-Rogge interpreta um criminoso onipresente e misterioso e em ambos Lang se aproxima do mundo “real” e de personagens reais, um mundo imediatamente reconhecível pelo público, descartando os elementos fantásticos, que eram predominantes nos seus primeiros trabalhos.

Em Os Espiões, o diretor abandonou o formalismo e a estilização de Die Nibelungen e Metropolis e retornou ao estilo de Dr. Mabuse, realizando um filme de aventuras de tirar o fôlego, afastando-se cada vez mais do pictórico e do visual, para privilegiar o movimento e os acontecimentos da trama. Também, tal como no filme Dr. Mabuse, todos os elos da intriga mirabolante se entrosam, um incidente faz surgir e precipita o próximo por uma associação de idéias e ainda existe o  uso da elipse para acelerar a ação, a mesma lógica matemática, como observou Lotte Eisner.

O derradeiro filme mudo de Fritz Lang, A Mulher na Lua / Die Frau im Mond / 1929 focaliza a tripulação da primeira expedição à lua. Ela inclui Wolf Helius (Willy Fritsch), um cientista dedicado, que atua como piloto; Hans Windegger (Gustav von Wangenheim), o engenheiro-chefe de caráter fraco; Friede Welten (Gerda Maurus), uma  estudante de astronomia; Walt Turner (Fritz Rasp), representante sinistro de uma obscura organização financeira; e  Georg Manfeldt (Klaus Pohl), um velho professor cuja teoria favorita – a de que na lua  existe muito ouro – tornou-o alvo do ridículo na comunidade científica. O jovem Gustav (Gustl Stark-Gstettenbaur), apaixonado por revistas de ficção científica, junta-se ao grupo como clandestino. Wolf Helius está enamorado secretamente de Friede, noiva de Hans. Entretanto, Friede sente-se cada vez mais afastada do seu noivo durante a viagem à lua. Walt mostra que está disposto a tudo para se apoderar dos depósitos de ouro espalhados pelo nosso satélite. No decorrer da história, o professor Manfeldt descobre ouro nas cavernas lunares. Ele encontra Turner, assusta-se, e cai numa fenda na rocha. Turner parte em direção ao foguete e amarra Hans. Turner não consegue penetrar no foguete, porque Friede fechou as portas. Hans consegue se libertar e luta contra Turner que, antes de morrer, atira num dos tanques de oxigênio. Hans e Helius examinam os danos; uma pessoa deverá permanecer na lua. Eles tiram a sorte, Hans perde e entra em pânico.  Então Helius decide  ficar. É Gustav que pilota o foguete de volta à Terra. Helius vê o foguete alçar vôo e desaparecer. Ele chora e, olhando para trás, vê que Friede também ficou na lua.

A Mulher na Lua é uma mistura de dois gêneros: espionagem e ficção científica. Na sua primeira parte, passada na Terra, predomina a trama de espionagem (roubo de documentos, chantagem, perseguição, etc.); na segunda, passada na Lua, sobressai a ficção científica (as grandes estruturas metálicas, a partida do foguete,  os círculos de gravitação em torno da Terra e da Lua, o espaço vazio do solo lunar magnificamente iluminado por Curt Courant / Otto Kanturek, etc.).

Alguns críticos consideraram o argumento banal e os personagens esquematizados, implicando também com o conflito amoroso melodramático; porém ninguém  contestou a inventividade formal do diretor e a sua habilidade na condução das tensões psicológicas entre os personagens.

A preocupação principal de Lang foi com a autenticidade e, por isso, ele contratou como conselheiros técnicos Hermann Oberth e Willy Ley, dois grandes especialistas em construção de foguetes e viagens interplanetárias, que lhe forneceram preciosas informações a respeito. Isto porém não impediu que ocorressem algumas licenças artísticas em benefício da intriga como, por exemplo, a existência de ouro e  oxigênio na lua; mas, muito do que ele e seus consultores idealizaram, se tornaria realidade a contagem regressiva por ocasião da partida do foguete e o seu lançamento em dois estágios.

Segundo Lang, em  1937, a Gestapo confiscou os dossiês da produção que ainda existiam, as maquetes, e todas as cópias do filme que pôde recuperar, “porque eles tiveram receio de que o foguete se assemelhasse muito ao projeto dos mísseis V 1 e V 2”. O filme foi proibido sob o Terceiro Reich. Oberth ficou na Alemanha e contribuiu para a pesquisa científica nazista. Ley fugiu do regime nazista e se radicou nos Estados Unidos, onde se tornou um convidado frequente para  jantar na residência de Fritz Lang em Hollywood.

2 Responses to “OS FILMES MUDOS DE FRITZ LANG”

  1. Tudo o que eu já li sobre o Expressionismo e os filmes de Lang na Alemanha pré-nazista, não se compara ao que aprendi lendo este post. Já estudei muito sobre a vida e a obra de Lang, mas poucos filmes desse período eu tive a chance de assistir. Na verdade, vi apenas M e Metropolis, o que é muito pouco para uma obra tão significativa. Lang era mesmo um gênio das imagens, baseando-me apenas nesses dois filmes, não só pela forma como manipulava a luz e a sombra, mas também pela técnica na direção. Abraços

  2. Prezado Marcio. Que bom revê-lo. Do Lang mudo recomendo especialmente Die Nibelungen (já que você já viu Metropolis). Vou ver se tomo coragem e abordo os filmes sonoros deste grande diretor.

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