CHARLES LAUGHTON I

janeiro 26, 2018

Ele nasceu em 1 de julho de 1899 no Victoria Hotel – na verdade um esplêndido bed and breakfast – em Scarborough, North Yorkshire, Inglaterra, do qual seus pais, Robert e Elizabeth, eram proprietários. Muito ocupados com o seu estabelecimento, os Laughton pouco viam Charles e seus irmãos Tom e Frank, mesmo antes deles serem matriculados em vários colégios católicos (Mrs. Laughton, de descendência irlandesa, era uma católica muito devota) – os meninos ficavam mais aos cuidados dos empregados do hotel

Charles Laughton

Os primeiros passos na educação de Charles foram dados em uma escola preparatória local; depois em um convento na cidade vizinha de Filey, onde ele aprendeu um francês perfeito; finalmente, em Stonyhurst, sob o regime austero dos jesuitas. Quando voltou para Scarborough, por ser o filho mais velho, teve que assumir, relutantemente, a posição de herdeiro do negócio dos seus progenitores, agora donos do Pavilion Hotel. Sua mãe enviou-o para Londres, a fim de fazer um treinamento no luxuoso Hotel Claridge, e foi então que ele começou a frequentar os teatros, impressionando-se sobretudo pela arte interpretativa do eminente ator Gerald du Maurier.

Em 1918, o jovem de dezoito anos de idade alistou-se no exército, não para um cargo que sua educação e classe social ensejariam, mas como soldado raso, pois não se sentia preparado para comandar; após passar um ano nas trincheiras, na última semana antes do armistício, Charles sofreu uma intoxicação de gás, que lhe causou danos nas costas recorrentes durante toda a sua vida e danificou sua laringe e traquéia.

Novamente no seu recanto natal, ele se dedicou à administração do hotel, mas se consolou de sua indesejada sucessão, juntando-se a um dos grupos de amadores locais, o Scarborough Players, interpretando todo tipo de papel, causando boa impressão como o Willie Mossop de “Hobson’s Choice”, que John Mills interpretaria no filme de David Lean de 1954.

Em 1922, com o consentimento da família, ingressou na Royal Academy of Dramatic Art (RADA), onde Claude Rains lecionava; porém foi a professora Alice Gachet, que percebeu seu enorme talento e fez com que ele o revelasse em cena. Em 26 de abril de 1926, contratado por Theodore Komisarjevsky, Laughton fez sua primeira aparição como profissional no Barnes Theatre como Osip na peça “O Inspetor Geral de Gogol, sucedendo-se duas peças de Tchecov (“O Jardim das Cerejeiras”, “Três Irmãs”) e “Liliom” de Ferenc Molnar, na qual ele chamou a atenção da crítica pela sua composição de Ficsur, o batedor de carteiras.

Charles e Elsa Lanchester

Após mais alguns trabalhos, Komisarjevsky incluiu Laughton no elenco de “Mr. Prohack” de Arnold Bennett, papel que, não somente lhe trouxe a fama, como também o relacionamento central de sua vida com a jovem atriz de vinte e cinco anos que interpretava sua secretária: Elsa Lanchester, uma ruiva boêmia, oriunda dos espetáculos de cabaré, filha de pais irlandeses marxistas radicais, aluna de dança de Isadora Duncan (que ela detestava), modelo para fotografias de nú artístico, contratada para ser “co-responsável” em casos de divórcio enfim, uma criatura exorbitante. Eles se casaram e foram morar em Dean Street … na velha residência de Karl Marx.

Depois de “Mr. Prohack” vieram uma performance espantosa de Laughton no papel de Crispin em “A Man with Red Hair” de Hugh Walpole (a primeira de suas composições primorosas como vilão diabólico) e o sucesso retumbante de “On the Spot”, cujo personagem principal, Tony Perelli, foi escrito especialmente para ele por Edgar Wallace. A peça seguinte, “Payment Deferred” de C. S. Forester, tornou-se um ponto crucial na vida e na carreira de Laughton, pois foi durante o ensaio que Elsa tomou conhecimento da homosexualidade de seu marido. Reproduzo a seguir as informações dadas por Simon Callow em Charles Laughton – A Difficult Actor, Vintage, 2012 (uma das melhores biografias de atores que eu já lí e de onde colhí informações para este artigo). “Uma noite, ele chegou em casa na companhia de Jeffrey Dell, o adaptador da peça, e um policial. Disse para Elsa que precisava falar com ela a sós. Quando ficaram sozinhos, ficou perturbado, e lhe contou que as vêzes cedia a um impulso homosexual. O jovem com o qual fizera sexo por dinheiro, estava lhe assediando, pedindo mais. Um policial interveio, e esta foi a consequência. Elsa imediatamente assegurou-lhe que estava “tudo bem” … Ela simplesmente perguntou se ele havia feito sexo com o homem na casa deles. Ele havia. Onde? No sofá. Muito bem. Livre-se do sofá. Nada mais foi dito. Jamais”.

Charles e Elsa

Em 1931, Laughton e Elsa foram para Nova York, onde ficaram amigos de Ruth Gordon, cujo namorado, Jed Harris, persuadiu Laughton a repetir, sob sua direção, o Hercule Poirot que ele fizera em Londres na peça “Alibi”, baseada no romance de Agatha Christie e renomeada “Fatal Alibi” nos Estados Unidos. Quando a temporada chegou ao fim, e Laughton já tinha embarcado em um navio para retornar à Inglaterra (para onde Elsa já havia partido), ele recebeu um telegrama de Jesse Lasky da Paramount, oferecendo-lhe um contrato de três anos, com o direito de escolher seus papéis. Diante da insistência da Paramount, Elsa e Laughton voltaram para a América.

A experiência de Laughton no cinema até então era mínima. Em 1928, ele havia se envolvido em dois curtas-metragens escritos para Elsa por H. G. Wells e dirigidos por Ivor Montagu: Blue Bottles e Day Dreams. Em 1931, Laughton fez três “quota quickiesWolves, Comets e Down River, dos quais nunca mais se ouviu falar. Seu único outro filme pré-Hollywood, é de outra categoria: Picadilly / 1929, com Anna May Wong e dirigido por Ewald A. Dupont, o diretor do admirável filme da UFA, “Varieté”; mas Laughton aparece em apenas uma cena.

Raymond Massey, Charles Laughton, Gloria Stuart, Ernest Thesiger em A Casa Sinistra

Gary Cooper, Tallulah Bankhead e Charles lLughton em Entre Duas Águas

Como o roteiro do seu primeiro filme na Paramount, Entre Duas Águas / Devil and the Deep / 1932 (Dir: Marion Gering) estava demorando para ficar pronto, o estúdio “emprestou-o” para a Universal, onde ele fez A Casa Sinistra / The Old Dark House / 1932 (Dir: James Whale), que somente foi lançado depois. Em Entre Duas Águas, o comandante de submarino, Charles Sturm (Charles Laughton), tem um ciúme doentio de sua esposa Diana (Tallulah Bankhead), embora ela seja inocente de infidelidade, e acaba jogando-a nos braços do Tenente Sempter (Gary Cooper); em A Casa Sinistra, no País de Gales, durante uma tempestade, cinco viajantes (Philip (Raymond Massey) e Margaret (Gloria Stuart) Waverton, seu amigo Penderel (Melvyn Douglas), Sir William Porterhouse (Charles Laughton) e sua amante, a corista Gladys du Cane (Lilian Bond), procuram abrigo em uma casa sombria, onde se confrontam com seus estranhos ocupantes, entre eles, Horace Femm (Ernest Thesiger), um histérico, sua irmã Rebecca (Eva Moore), uma religiosa fanática, e Morgan (Boris Karloff), um mordomo brutal e mudo.

Charles Laughton em O Sinal da Cruz

Cenas de O Sinal da Cruz

No projeto subsequente da Paramount para Laughton, O Sinal da Cruz / The Sign of the Cross / 1932 (Dir: Cecil B. DeMille), o ator personificou um Nero efeminado e gorducho com rosto de bebê. Simon Callow conta que, a seu pedido, o diretor consentiu em colocar um jovem despido sentado no chão ao lado de seu trono. Laughton teria sugerido Elsa no papel do rapaz, mas esta solicitação Mr. DeMille não aceitou.

Charles Laughton em Se Eu Tivesse Um Milhão

Cena de A Ilha das Almas Selvagens

 

Charles Laughton e Dorothy Peterson em Castigo do Céu

Laughton fez mais dois filmes para a Paramount – Se Eu Tivesse Um Milhão / If I Had a Million / 1932 (Dir: Ernest Lubitsch, Norman Taurog, Stephen Roberts, Norman Z. McLeod, James Cruze, William A. Seiter, Bruce Humberstone, Edward Sutherland) e A Ilha das Almas Selvagens / Island of Lost Souls / 1932 (Dir: Erle C. Kenton) – e um para a MGM, Castigo do Céu / Payment Deferred / 1932 (Dir: Lothar Mendes). No primeiro filme, composto por esquetes com astros e estrelas do estúdio, um milionário excêntrico, antes de morrer, resolve repartir sua fortuna entre sete pessoas desconhecidas. Laughton aparece no episódio quase silencioso, dirigido por Ernst Lubitsch, como Phineas V. Lambert, humilde empregado que, ao receber o cheque, atravessa as salas de vários subalternos até à do patrão, e se despede, colocando ruidosamente a língua para fora. No segundo filme, baseado em um romance de H. G. Wells, Laughton é o Dr. Moreau, cientista louco isolado em uma ilha remota, onde transforma feras da selva em criaturas semi-humanas como, por exemplo, uma mulher-pantera (Kathleen Burke). No terceiro filme, repetindo o papel que fizera no palco, Laughton é William Marble, um bancário que, desesperado por dinheiro para pagar as contas da família, decide matar um sobrinho rico (Ray Milland).

Cenas de Os Amores de Henrique VIII

Laughton e Elsa a caminho da cerimônia do Oscar, quando ele levou a estatueta por seu trabalho de Os Amores de Henrique VIII

Em 1933, Laughton estava mais uma vez em Londres com a intenção de continuar sua carreira brilhante no teatro e se aprimorar tecnicamente, introduzindo-se no repertório clássico do Old Vic. Antes disso, porém, teve que cumprir dois compromissos no cinema: um na Inglaterra: Os Amores de Henrique VIII / The Private Life of Henry VIII (Dir: Alexander Korda), biografia histórica, com boa dose de humor, na qual ele é o monarca inglês e Elsa Lanchester, uma de suas esposas, Ana de Cleves; outro em Hollywood, para a Paramount: O Ídolo Branco / White Woman (Dir: Stuart Walker), drama no qual ele é Horace H. Prin, proprietário cruel e ciumento de uma plantação de tabaco na Malásia, que se casa com uma cantora de cabaré (Carole Lombard) e ela o trai com o seu capataz (Kent Taylor).

Carole Lombard e Charles Laughton em O Ídolo Branco

Korda construiu seu império a partir do sucesso de seu filme e Laughton ganhou o Oscar de Melhor Ator, tornando-se um astro famoso no mundo todo. Duas cenas foram muito comentadas: a do banquete, quando o Rei destrincha um frango com as mãos, devorando-o, e aquela cena em que ele, ao entrar no quarto para a noite núpcias com a feia Ana de Cleves, murmura, suspirando: “As coisas que eu já fiz pela Inglaterra!”.

Após a estréia de Os Amores de Henrique VIII, Laughton, já de volta a Inglaterra, começou a ensaiar para uma série de apresentações no Old Vic, nas quais, dirigido por Tyrone Guthrie, interpretou sucessivamente: Lopakhin em O Jardim das Cerejeiras (Tchecov), Henrique VIII em Henry VIII (Shakespeare), Angelo em Measure for Measure (Shakespeare), Prospero em The Tempest (Shakespeare), Canon Chasuble em The Importance of Being Earnest (Oscar Wilde), Tattle em Love for Love (William Congreve), Macbeth em Macbeth (Shakespeare). No final da temporada, descontente com as condições de trabalho no Old Vic, insuportavelmente frustrantes para o seu perfeccionismo, Laughton achou que no cinema teria mais liberdade para atuar de modo correto, e foi novamente para Hollywood, disposto a fazer algo extraordinário.

Fredric March, Charles Laughton e Norma Shearer em A Família Barrett

Charles Laughton em A Família Barrett com Maureen O’Sullivan e Norma Shearer

A Família Barrett / The Barretts of Wimpole Street / 1934, produção da MGM descrevendo o romance entre os poetas Elizabeth Barrett (Norma Shearer) e Robert Browning (Fredric March) apesar da oposição do pai tirânico da moça, Edward Moulton-Barrett (Charles Laughton), não foi obviamente o filme que lhe permitiu fazer o que pretendia, pois seu papel não era o mais importante e o aspecto mais original do personagem, qual seja a relação incestuosa com a filha foi abafado no roteiro em antecipação às objeções do Código Hays de autocensura. Além disso, o diretor Sidney Franklin era totalmente contra a escolha de Laughton para personificar Moulton-Barrett.

O ator se comprometeu a fazer outro filme na MGM, e se preparou para ser o Micawber de David Copperfield / David Copperfield / 1935; porém quando a filmagem começou, ele perdeu a sua confiança completamente, sentindo que não era o ator ideal para encarnar a extrovertida figura dickensiana, e pediu para ser dispensado de sua obrigação, sendo substituído por W. C. Fields.

Charles Laughton e Leo McCarey na filmagem de Vamos à América

O próximo filme de Laughton (o último acertado com a Paramount), Vamos à América / Ruggles of Red Gap / 1935, é uma comédia deliciosa, dirigida com precisão por Leo McCarey, na qual ele interpreta Ruggles, o mordomo que um lorde inglês (Roland Young) perde no jôgo de pôquer para seu primo, um novo-rico do Oeste americano (Charles Ruggles), casado uma mulher socialmente ambiciosa (Mary Boland). O tímido criado aos poucos vai se emancipando, e se torna senhor do próprio destino. Laughton retrata um tipo humano e simpático, diferente dos personagens sinistros ou exóticos que estava acostumado a interpretar. Não somente ele, mas todo o elenco (que inclui ainda Zasu Pitts) está impagável. Em um momento inesquecível, Ruggles recita o discurso de Abraham Lincoln em Gettysburg, performance que aumentou muito a popularidade de Laughton na América.

Friedrich March e Charles Laughton em Os Miseráveis

Charles Laughton e Clark Gable (à direita) em O Grande Motim

A partir de então, foram surgindo as grandes criações do formidável ator britânico, destacando-se inicialmente o Javert de Os Miseráveis / Les Misérables / 1935 (Dir: Richard Boleslawski, o introdutor do Método Stanislavsky no teatro americano) e o Capitão Bligh de O Grande Motim / Mutiny on the Bounty / 1935 (Dir: Frank Lloyd). Laughton evoca a alma de Javert e do Capitão Bligh, com uma força dramática inesquecível, mostrando como a aplicação rígida da lei se infiltrou de tal maneira no seu cérebro, afastando qualquer vestígio de ternura. Seu desempenho ofuscou as atuações dos astros principais dos dois filmes, respectivamente Fredric March e Clark Gable e lhe proporcionou sua primeira indicação para o Oscar de Melhor Ator, afinal ganho por Victor McLaglen por sua atuação em O Delator / The Informer / 1935.

Korda estava ansioso para trabalhar com Laughton novamente, pensando nele para o papel de Cyrano de Bergerac, porém este projeto não foi adiante, surgindo em seu lugar a proposta de uma cinebiografia de Rembrandt. Desde a sua juventude o ator era apaixonado por tudo que era Arte. Quando administrava o Hotel Pavillion, pôde decorá-lo com gravuras e pinturas primeiramente de artistas locais e depois de artistas cujas obras ele havia visto em Londres. Mais tarde, em Nova York, influenciado pelo Dr. Alfred Barnes, dono de uma coleção substancial de impressionistas, tornou-se um colecionador importante

Charles Laughton / Rembrandt

Em Rembrandt / Rembrandt / 1936 Laughton teve a oportunidade de imergir na vida do pintor, lendo todos os livros escritos sobre ele e visitando o Museu Rembrandt. Ele se envolveu em cada detalhe da filmagem, estando sempre presente nas reuniões com o diretor de arte Vincent Korda (o talentoso irmão de Alexandre), com o fotógrafo Georges Périnal e, durante a escolha dos intérpretes, indicou o nome de muitos de seus colegas no Old Vic como Roger Livesey e Marius Goring. Elsa interpreta Hendrickje Stoffles, a criada e depois amante do pintor viúvo. Na sua composição do grande artista, Laughton conseguiu obter o máximo de simplicidade, uma coisa rara no seu currículo cinematográfico. Suas cenas com Elsa foram as melhores que os dois jamais fizeram juntos. Porém o filme, apesar de conter belos trechos – inclusive uma leitura que Laughton faz da Bíblia – não passa de um relato insípido do relacionamento do pintor com suas várias mulheres.

Charles Laughton / Rembrandt

Sem conseguir concretizar dois projetos com Laughton – uma comédia fantástica que René Clair faria com Robert Donat sob o título de Um Fantasma Camarada / The Ghost Goes West / 1935 e uma adaptação do livro de Romola Nijinsky sobre seu esposo, com Laughton como Diaghilev, Korda finalmente encontrou um assunto perfeito para seu eminente ator que, ao mesmo tempo, tinha elementos espetaculares suficientes para conquistar uma audiência internacional: a festejada obra de Robert Graves, “I Claudius”.

Korda não estava conseguindo pagar uma dívida de mil dólares que tinha com Marlene Dietrich pela participação dela em O Amor Nasceu do Ódio / Knight Without Armour / 1937. Marlene concordou em perdoar a dívida, se ele colocasse como diretor do seu novo filme o seu famoso mentor Josef von Sternberg o qual, segundo ela, poderia talvez fazer por Merle Oberon (cujo relacionamento amoroso com Korda estava inteiramente dependente dele impulsionar sua carreira de uma maneira decisiva), o que ele havia feito por ela.

Josef von Sternberg, Merle Oberon e Charles Laughton na filmagem de I Claudius

A história da filmagem conturbada de I Claudius já é muito conhecida através de um esplêndido documentário de TV, The Epic That Never Was, narrado por Dirk Bogarde; de modo que vou contar apenas o desfêcho. Além da decepção de Laughton por não encontrar em von Sternberg um diretor que o ajudasse a compor seu personagem, ocorreu o acidente de automóvel com Merle Oberon. Os ferimentos de Merle eram de fato muito menores do que pareciam à primeira vista, mas ela ficou em estado de choque, e se recusou a continuar filmando. Porém Merle estava calma, quando recebeu a visita de Herbert Wilcox. Ele ficou surpreso com a extensão modesta do seu dano físico e mais surpreso ainda quando ela lhe disse que a filmagem seria encerrada não por causa dela, mas por causa do “pobre Joe”. “Onde ele está?, Wilcox queria saber. “Charing Cross Hospital Psychiatric Unit”, foi a resposta

Charles Laughton e Elsa Lanchester posam para uma foto de cena de Náufragos da Vida

Vivien Leigh e Charles
Laughton em Nos Bastidores de Londres

Charles Laughton, Maureen O’Hara e Robert Newton em A Estalagem Maldita

Os três filmes seguintes de Laughton na Inglaterra, Náufrago da Vida / Vessel of Wrath / 1938 (Dir: Erich Pommer, reintitulado nos EUA The Beachcomber), Nos Bastidores de LondresSt. Martin’s Lane / 1938 (Dir: Tim Whelan, reintitulado nos EUA Sidewalks of London) e A Estalagem Maldita / Jamaica Inn / 1939 (Dir: Alfred Hitchcock), foram produzidos pela Mayflower Productions, a nova companhia que Pommer, ex- chefe de produção do grande estúdio germânico UFA, acabara de fundar. Pommer convidou Laughton para ser seu sócio, e ele aceitou, porque Pommer, responsável por filmes como O Gabinete do Dr. Caligari, Dr. Mabuse, Os Nibelungos e Metrópolis, era uma garantia de integridade e altos valores de produção. Entretanto, as produções da Mayflower não corresponderam à sua expectativa.

No primeiro filme, baseado em um conto de Somerset Maugham, Laughton é Ginger Ted’ Wilson, vagabundo beberrão e preguiçoso, que é convertido pela irmã (Elsa Lanchester) de um missionário (Tyrone Guthrie). No segundo filme, com roteiro da romancista Clemence Dane, Laughton é Charlie Staggers, um busker (artista de rua) do West End que percebe o talento para a dança de uma jovem batedora de carteiras, Libby (Vivien Leigh), e a acrescenta ao seu número. Eis que surge Harley Prentiss (Rex Harrison), compositor da classe alta, que se apaixona pela moça, escreve um musical para ela, torna-a uma grande estrela, e os dois se casam enquanto Charlie fica para trás, perdido no seu amor sem esperança. No terceiro filme, baseado em um romance de Daphne du Maurier, Laughton é Sir Humphrey Pengallan, chefe de uma quadrilha que afunda navios e mata seus tripulantes, para se apropriar de suas cargas. Apesar de possuirem certos méritos artísticos e sempre interpretações apreciáveis de Laughton, nenhum dos três filmes obteve um grande êxito crítico ou comercial. Debilitado financeiramente por causa do fraco faturamento da Mayflower, Laughton aceitou a proposta da RKO de pagar suas dívidas como parte de um contrato para fazer cinco filmes, e embarcou para a América no verão de 1939.

Seu primeiro filme na RKO foi O Corcunda de Notre Dame / The Hunchback of Notre Dame / 1939 (Dir: Wiliam Dieterle) para o qual Perc Westmore (cedido por Jack Warner) produziu várias versões de maquilagem para o ator, todas rejeitadas por ele. Laughton queria que a corcunda fôsse muito mais pesada. O perito propôs então que ele simplesmente fingisse que era um corcunda, e Laughton, indignado, o insultou. Quando a maquilagem do rosto e da corcunda finalmente ficou pronta, Perc pediu a seu irmão mais novo, Fred, que não fosse à escola naquele dia, porque havia algo que queria que ele visse. Perc introduziu – o no estúdio como seu assistente. Laughton (como Perc havia prometido) ajoelhou-se sobre suas mãos e joelhos (“como um porco”, disse Perc) e entrou na corcunda – uma armação de alumínio forrada de espuma de borracha sobre a qual uma camada fina de elástico foi esticada. Perc começou a ajustar a máscara. Laughton já estava suando copiosamente. Tudo estava ocorrendo como Perc disse que iria ocorrer. “Estou com sêde”, Perc. Me dá uma bebida, por favor” pede Laughton. ”Claro”, responde Perc, aproximando dele uma garrafa de 7-Up, que ele agita para cima e para baixo. “Não Perc, você não vai fazer isto!” grita o ator preso e ajoelhado. “Sim, eu vou”, diz Perc, e borrifa o conteúdo da garrafa sobre o rosto de Laughton. Em seguida, ele vai para o outro lado de Laughton e lhe dá um pontapé no traseiro. “Isto é por tudo o que você me fêz. Eu trouxe meu irmão hoje, porque precisava de uma testemunha, para dizer que isto nunca aconteceu, se você tentar dizer que aconteceu. Mas você não vai fazer isso Mr. Laughton, não vai” (Simon Callow).

 

 

Laughton afinal conseguiu impressionar como Quasimodo mais do que o grande Lon Chaney na versão muda e, a seu lado, a Esmeralda de Maureen O’Hara (fotografada por Joseph August), era a própria Beleza em pleno êxtase. Em um momento dilacerante, o corcunda, confrontado com a beleza resplandecente de Esmeralda, murmura, envergonhado, de cabeça baixa: “Eu nunca percebi até agora como sou feio. Não sou um homem, não sou uma bêsta”. Depois, dá uma gargalhada desesperada e diz: “Sou como o Homem da Lua!”. Um tour de force interpretativo raramente igualado.

Chafrles Laughton e Deanna Durbin em Raio de Sol

Charles Laughton em Para Sempre e um Dia

À direita: Robert Taylor e Charles Laughton em Às Portas do Inferno

Em todos os personagens que Laughton interpretou nos seus filmes da década de quarenta, uns muito bons (assinalados por um asterisco), outros mais fracos – Tony Patucci em Não Cobiçarás a Mulher Alheia / They Knew What They Wanted / 1940 (Dir: Garson Kanin / RKO); Jonathan Reynolds em Raio de Sol / It Started With Eve / 1941 (Dir: Henry Koster / Universal); Charles Smith em Seis Destinos / Tales of Manhattan / 1942 * (Dir: Julien Duvivier / 20thCentury-Fox); Jonas em A Vida Assim é Melhor / The Tuttles of Tahiti (Dir: Charles Vidor, RKO); Bellamy, o mordomo em Para Sempre e um Dia / Forever and a Day /1943 (Dir: René Clair, Edmund Goulding, Cedric Hardwicke, Frank Lloyd, Victor Saville, Robert Stevenson, Herbert Wilcox) / RKO Radio); Jacko Wilson em A Vida Tem Cada Uma / The Man From Down Under / 1943 (Dir: Robert Z. Leonard / MGM); Contra-Almirante Stephen Thomas em Às Portas do Inferno / Stand by for Action / 1943 (Dir: Robert Z. Leonard); Albert Lory em Esta Terra é Minha / This Land is Mine / 1943 *(Dir: Jean Renoir, RKO);

Ella Raines e Charles Laughton em Dúvida

Charles Laughton, Richard Wallace eDeanna Durbin em Por Causa Dele

Charles Laughton em Arco do Triunfo

George Montgomery, Dorothy Lamour e Charles Laughton em A Garôta de Nova York

Ava Gardner e Charles Laughton em Lábios Que Escravizam

Sir Simonde Canterville – o Fantasma em O Fantasma de Canterville / The Canterville Ghost / 1944 (Dir: Jules Dassin / MGM); Philip em Dúvida / The Suspect / 1945 * (Dir: Robert Siodmak / Universal); Capitão William Kidd em Capitão Kidd / Captain Kidd (Dir: Rowland V. Lee / Benedict Bogeaus); Sheridan em Por Causa Dele / Because of Him / 1946 (Dir: Richard Wallace / Universal); Earl Janoth em O Relógio Verde / The Big Clock /1947 *(Dir: John Farrow / Paramount); Haake em Arco do Triunfo / Arch of Triumph / 1948 / Dir: Lewis Milestone / MGM; Sir Simon Flaquer em Agonia de Amor / The Paradine Case / 1948 (Dir: Alfred Hitchcock / David O. Selznick); O Bispo em A Garôta de Nova York / Girl from Manhatan / 1948 (Dir: Alfred E. Green / Benedict Bogeaus); Inspetor Maigret em Fugitivo da Guilhotina / Man on the Eiffel Tower / 1949 (Dir: Burgess Meredith / RKO); J. J. Bealler em Lábios que Escravizam / The Bribe / 1949 (Dir: Robert Z. Leonard / MGM) – ele continuou colocando seu enorme talento, mas somente como Charles Smith em Seis Destinos e como Albert Lory em Esta Terra é Minha funcionou como um artista fundamentalmente criativo, como foi como Nero, Capitão Bligh, Javert, Quasimodo e até Phineas V. Lambert.

Charles Laughton e Victor Francen em Seis Destinos

Sua atuação em Seis Destinos é mais eficiente do que a da dezena de astros que participam do filme, cada qual com seu episódio. O fio condutor entre os episódios é uma casaca rasgada vestida sucessivamente por Charles Boyer, Henry Fonda, Edward G. Robinson e Paul Robeson. Laughton interpreta um compositor empobrecido, que finalmente tem sua grande chance, quando um maestro rigoroso (Victor Francen), em cuja orquestra seu melhor amigo toca, concorda em incluir o seu Scherzo no programa. O próprio Smith, vestindo a velha casaca, que sua esposa (Elsa Lanchester) comprou para ele em uma casa de penhor, rege a orquestra. À medida em que a agitação de sua batuta vai se tornando mais vigorosa, a casaca começa a se romper nas costuras. O público primeiramente dá uma risada nervosa, depois passa a gargalhar; finalmente, todo o auditório está rindo estrepitosamente, com uma histeria incontrolável. Laughton, abalado com isso, para de reger, e senta pateticamente na beira do palco de mangas de camisa, tendo rompido o restante da casaca. O maestro estava vendo tudo isto do seu camarote com uma raiva contida. De repente, ele se levanta. O público silencia, quando ele tira o seu fraque. Lentamente de início, e depois cada vez mais rápido, todo homem na platéia faz a mesma coisa. Laughton pega sua batuta, termina o Scherzo, e no final recebe uma tremenda ovação. Não somente neste momento, mas durante todo o transcorrer da história, sua performance é delicada, precisa, e tocante. Muito bem controlada por Julien Duvivier.

Charles Laughton em Esta Terra é Minha

Laughton ficou contente ao receber o script de Esta Terra é Minha e ao saber que o diretor seria Jean Renoir. Ele conhecia Jean há alguns anos; a propriedade da grande tela a óleo do pai de Renoir, “Le Jugement de Pâris”, foi o ponto de partida de sua amizade. Laughton foi testemunha no casamento de Jean e Dido Freire, e havia lido Shakespeare para o casal durante seu exílio americano.

Seu personagem, Albert Lory, é um covarde, mimado e dominado pela mãe, um professor incapaz de controlar sua classe, apaixonado (platônicamente) por sua colega de trabalho, Louise (Maureen O’Hara), aterrorizado pelos bombardeios, e inquestionavelmente obediente às exigências da fôrça de ocupação. Esse filme de propaganda de guerra traça sua passagem da covardia para a resistência, demonstrando que a necessidade de um envolvimento político de todo cidadão submetido ao jugo nazista.

Charles Laughton e Una O’Connor em Esta Terra é Minha

Tal como fizera em Rembrandt, Laughton interpreta Lory com o máximo de comedimento, pois afinal ele é um professor de provincia tímido e inibido. A cena com sua mãe (Una O’Connor) na hora do café da manhã quando ela o sufoca com um beijo, enquanto ele dá comida para o gato, apanha o jornal, e ouve pacientemente a velha falar na cozinha sobre seu problema com o reumatismo é uma demonstração sutil da dependência emocional que existe entre eles. A cena no abrigo subterrâneo, onde a rebeldia de sua progenitora, a coragem das crianças e o idealismo de Louise são contrastados com o terror abjeto de Lory e a cena da leitura que ele faz da Declaração dos Direitos do Homem pouco antes de ser preso, são emocionantes assim como aquele beijo que Louise dá em Lory quando ele é levado preso, um beijo de paixão física, e não de amizade, como se ele tivesse conquistado a Beleza através da Coragem.

 

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