ERNST LUBITSCH-III

Para a estréia de Lubitsch nos talkies foi sugerida uma versão da peça Abie’s Irish Rose de Anne Nichols. Mas ele preferiu fazer um musical em forma de opereta, Alvorada de Amor / The Love Parade / 1929, que se constituiu num dos mais expressivos entre os primeiros filmes sonoros, juntamente  com Aplausos / Applause / 1929 de Rouben Mamoulian e Aleluia / Hallelujah / 1929 de King Vidor.

Em Alvorada de Amor a música, composta por Victor Schertzinger (com letras de Clifford Grey), insere-se espontaneamente na ação. Antecipando o “musical integrado”, que atingiria sua forma definitiva na Metro sob a batuta de Arthur Freed, as canções não são meros interlúdios musicais, elas se integram à narrativa e contribuem para movimentar a história. Ao mesmo tempo, os cenários grandiosos de Hans Dreier e o guarda-roupa requintado de Travis Banton dão suntuosidade ao espetáculo.

A trama, adaptada por Ernest Vajda (iniciando a colaboração de cinco filmes com Lubitsch) e Guy Bolton da peça Le Prince Consorte de Léon Xanrof e Jules Chancel, transcorre no reino de Sylvania. Alí, para desânimo dos ministros, a Rainha Louise (Jeanette MacDonald) continua solteira. O Conde Alfred Renard (Maurice Chevalier), retorna de Paris em desgraça, devido aos numerosos  escândalos causados por suas aventuras amorosas. Alfred comparece diante da rainha e ela, depois de ouví-lo contar suas proezas, pensa em puní-lo mas acaba sucumbindo aos seus encantos. Para satisfação de todo o gabinete ministerial, os dois se casam. Entretanto, depois de certo tempo, Alfred, cansado de receber ordens e de não fazer nada no seu papel de “príncipe consorte”, ameaça deixar o país, e pedir o divórcio. Ela então lhe implora que fique. O conde só muda de intenção, quando Louise promete torná-lo um verdadeiro rei, além de marido.

O toque de Lubitsch manifesta-se desde o início, quando o criado põe a mesa para o jantar cantando “A Little Brandy Ooh La La” e termina a canção, puxando a toalha, sem derrubar o que estava em cima da mesma. Pouco depois, ouvimos uma discussão em francês à porta fechada. Alfred abre a porta, olha para a câmera, e diz para a platéia: “Ela é terrivelmente ciumenta”. A mulher em questão achou uma liga de meia que não lhe pertencia e investiu contra o amante. Neste momento, chega o marido. Surpreendida, ela aoanha um revólver, e se suicida. O marido, desesperado, pega a arma, e atira em Alfred. Mas os dois percebem que as balas eram de festim. Eles olham para a mulher, e ela abre os olhos.

No decorrer da narrativa os lubitschianismos se sucedem  – outro toque notável é o jantar nos aposentos da rainha, quando os gestos de Alfred e Louise são acompanhados e comentados de lugares diferentes pelas damas de companhia, pelos ministros e pelo casal de criados -, entremeados pelas lindas canções, que mantêm a melhor tradição vienense e são executadas com graça e jovialidade, não só pela dupla Maurice Chevalier – Jeanette MacDonald como também pelo casal de criados interpretados por Lupino Lane e Lillian Roth. Lupino é Jacques, o criado de Alfred e Lillian é Lulu, a criada de Louise. Eles repetem  “downstairs” a espirituosa guerra de sexos que ocorre “upstairs” e, no seu número de dança, “Let’s Be Common”, dão um show com os seus passos acrobáticos. Entre as outras músicas, todas excelentes, chamam mais atenção: “My Love Parade”, “ “Anything to Please the Queen”, “The Queen is Always Right” e “March of the Grenadiers”.

Depois de assistir Alvorada de Amor, Jean Cocteau exclamou: “É um milagre de Lubitsch, uma mistura de conto de Andersen com vivacidade de Strauss, não esquecendo aquele extraordinário casal de domésticos, que saíram diretamente de uma ópera bufa de Mozart”.

Antes de assumir novo compromisso, Lubitsch orientou Maurice Chevalier em três sequências  de Paramount em Grande Gala / Paramount on Parade / 1930, revista musical com elenco de astros e estrelas e outros dez diretores (Dorothy Arzner, Otto Brower, Edmund Goulding, Victor Heerman, Edwin H. Knopf, Lothar Mendes, Rowland V. Lee, Victor Schertzinger, Edward Sutherland e Frank Tuttle), supervisionados por Elsie Janis, seguindo a trilha de Follies / Fox Movietone Follies of 1929 / 1929, Follies de 1930 / Fox Movietone Follies of 1930 / 1930, Parada das Maravilhas / Show of Shows / 1929, Hollywood Revue / Hollywood Revue / 1929, etc.

No primeiro segmento, “Origin of the Apache” o chansonier francês contracenava com Evelyn Brent num esquete cômico; no segundo, “A Park in Paris”, vestido de gendarme, ele anotava o nome das garotas num parque, cantando “All I Want is Just a Girl”; no último, “Rainbow Revels”, que era a apoteose (fotografada em Technicolor de duas cores), cercado por um coro feminino, Chevalier interpreta “Sweeping the Clouds Away” pelos telhados de Paris até às nuvens. O filme teve versões em vários idiomas. No Brasil, foi exibida a versão espanhola, Galas de la Paramount, com cortes de alguns números, dirigida por Eduardo D. Venturini.

Em 5 de junho de 1930, Lubitsch e Leni se separaram. Cinco dias depois, ela pediu o divórcio. O motivo alegado  foi crueldade mental mas na verdade tratava-se de adultério. Leni e Hanns Kräly já vinham vivendo um romance às escondidas. Pouco depois, numa festa dada por Mary Pickford e Douglas Fairbanks no Embassy Club, ocorreu um incidente escandaloso. Lá estavam Kräly e Leni e Lubitsch acompanhado da atriz Ona Munson. A certa altura, enquanto ambos os pares estavam dançando, Lubitsch agarrou a mão de Kräly e lhe deu uma bofetada. Leni reagiu e esbofeteou Lubitsch, seguindo-se uma gritaria em alemão, presenciada por todos os convidados. Depois de concedido o divórcio, Kräly e Leni se casaram porém o casamento durou pouco.

Reunindo uma obscura peça alemã, Die Blaue Küste de Hans Müller com episódios de Monsieur Beaucaire de Booth Tarkington e Evelyn Greenleaf Sutherland, o roteirista Ernest Vajda escreveu Monte Carlo / Monte Carlo / 1930, outra opereta. Aperfeiçoando sua fórmula, Lubitsch demonstrou ainda melhor controle na integração das canções às imagens. “Cada canção esboça o personagem ou faz avançar a intriga: as canções não surgem apenas naturalmente da ação, ela são a ação”(Scott Eyman).

No argumento, a Condessa Helene Mara (Jeanette MacDonald), fugindo de seu futuro marido, o Príncipe Otto von Liebenheim (Claude Allister), chega a  Monte Carlo, precisando de dinheiro. Ao vê-la entrar no cassino, o Conde Rudolph Fallière (Maurice Chevalier) fica encantado com sua beleza. Rudolph se apaixona por Helene e telefona para ela todas as noites, transmitindo seu amor por meio de canções, respondidas também liricamente. Sem saber que Rudolph é um aristocrata, Helene contrata-o como seu cabelereiro. Até que, assistindo a uma representação de Monsieur Beaucaire,  a condessa verifica que Rudolph, tal como o principal personagem da peça, é nobre e rico, e os dois se unem para sempre.

Na cena em que Helene viaja pela Côte d’Azur, os ritmos da melodia “Beyond the Blue Horizon”, do coro dos campesinos que vêem a locomotiva passar, do som percussivo do apito do trem e do movimento circular das rodas em alta velocidade, atuam em perfeita harmonia numa admirável montagem audio-visual. Em todo o filme a conjugação sonoro-pictórica  processa-se de maneira extremamente sugestiva (como no dueto pelo telefone, “Give Me a Moment Please”) e sublinha com eficiência as ambivalências da intriga.

Porém o melhor momento do espetáculo é a sequência inicial. São alguns minutos de cinema puro, nos quais vemos os criados desenrolando um tapete na frente do palácio em direção à igreja, na qual se realizará uma cerimônia matrimonial cheia de pompa e circunstância. De repente, enquanto os convidados se encaminham para a igreja, cai um aguaceiro. Os convidados correm. Os criados saem do palácio com os guarda-chuvas. Um deles acompanha o noivo. Eis que surge uma camareira e sussurra algo para o noivo. Este volta apressadamente para o palácio, onde encontra o vestido da noiva em uma cadeira e em outra, o véu. Ele anda a esmo pelo quarto e então pronuncia o primeiro diálogo do filme: “Papa! Papa!”.

Ao lado de Jeanette MacDonald, em vez de Maurice Chevalier, está o ator britânico oriundo do music-hall, Jack Buchanan, que retornaria ao cinema americano destacadamente em A Roda da Fortuna / The Band Wagon / 1954 de Vincente Minnnelli; Buchanan, embora charmoso, não tinha a mesma sensualidade de Chevalier. Um aspecto positivo foi o encontro de Lubitsch  com o letrista Leo Robin (as músicas eram de Richard Whiting e W. Franke Harling), cujas palavras espirituosas iluminariam mais quatro filmes do diretor. Um dia Robin perguntou a Lubitsch porque ele o escolheu quando existiam inúmeros excelentes letristas em Hollywood. Lubitsch respondeu: “Eu trabalho com você porque você não transforma meus personagens em atores”.

Lubitsch havia sido originariamente contratado pela UFA para um filme baseado na novela Nux, der Prinzgemahl de Hans Müller e na opereta Ein Walzertraum de Leopold Jacobson e Felix Dörmann com música de Oscar Strauss. Quando partiu para a América, o projeto passou às mãos de Ludwig Berger. Com o advento do som, Lubitsch retomou a idéia, tirando maior proveito da partitura de Strauss e  usando poucos diálogos em O Tenente Sedutor / The Smiling Lieutenant / 1931. Tal como René Clair fizera em O Milhão/ Le Million / 1931, Lubitsch deixou que a música e a câmera trabalhassem para ele, dando um excelente exemplo da fusão da técnica do cinema mudo com os métodos do falado.

O roteiro, elaborado por Ernest Vajda e Samson Raphaelson (no seu primeiro dos nove filmes com o cineasta), lidava com personagens conhecidos na obra lubittscheana. Em Viena, Franzi (Claudette Colbert), uma linda violinista e Nikki (Maurice Chevalier), tenente da guarda real, amam-se ternamente até que ele é convocado para acompanhar a visita do Rei de Flausenthurm (George Barbier) e sua filha, a Princesa Anna (Miriam Hopkins). Esta se apaixona por Nikki e ameaça o pai (“Se você não  me deixar casar com ele, eu me casarei com um americano!”), para obter seu consentimento. O rei, certo de que a filha, desajeitada e sem atrativos, estava destinada ao celibato, marca o matrimônio. Nikki é forçado ao casamento por motivos diplomáticos e, logo depois, volta aos braços de Franzi. Sabendo das relações entre os dois, Anna chama Franzi ao palácio, onde as duas se repreendem mutuamente. Com pena de Anna, Franzi a ajuda a se tornar uma jovem encantadora (ensinando-lhe os truques da sedução num ótimo número musical, “Jazz Up Your Lingerie”) e, deixando um bilhete para Nikki, sai de Viena. Deslumbrado com a transformação de Anna, Nikki esquece Franzi e compreende que a vida na companhia de uma bela e rica princesa tem suas vantagens.

Segundo Samson Raphaelson, Lubitsch funcionava assim: “Quando um script ficava pronto, praticamente 75% do trabalho de Lubitsch estava concluído. A montagem era feita durante a sua confecção. A esta altura, ele já tinha em mente como deveriam ser as interpretações dos atores e o que cada um poderia produzir nos respectivos papéis. Raramente um ator deixava de ter seu melhor desempenho com Lubitsch e é por isso que eles gostavam de atuar sob suas ordens. Ele mostrava como deviam representar cada cena, interpretando seus papéis e, quando eles o viam, não podiam interpretar de outra maneira porque, tal como ele fizera, estava correto”.

A certa altura deste filme deliciosamente amoral, Chevalier e Colbert travam o seguinte diálogo: Colbert – “Nós podemos tomar chá amanhã à tarde”. Chevalier – “Por que não café da manhã, amanhã?” Colbert – “Não. Primeiro chá, depois jantar … então … talvez … café da manhã”.” A tela escurece e depois clareia para mostrar o ajudante de ordens de Chevalier fritando dois ovos e o casal se sentando à mesa para … o café da manhã.

Não Matarás / The Man I Killed, rebatizado um mês após a estréia como Broken Lullaby / 1932, foi o único filme sonoro dramático de Lubitsch. Inspirado na peça L’Homme qui j’ai tué de Maurice Rostand (filho do autor de Cyrano de Bergerac) com roteiro de Samson Raphaelson, o filme é uma amarga mensagem pacifista, versando sobre o tema da contrição. Finda a Primeira Guerra Mundial, Paul Renard (Phillips Holmes), jovem soldado francês, vai procurar a família de Walter Hölderlin, o soldado alemão que matara durante o conflito, para pedir perdão. Recebido pelos pais do morto, Dr. Hölderling (Lionel Barrymore depois de cogitado Emil Jannings) e Frau Hölderlin (Louise Carter) como se fosse um outro filho (eles lhe dão até o violino de Walter que, tal como Paul, era músico), e se apaixona por sua noiva, Elsa (Nancy Carroll), não consegue revelar a verdade.

Lubitsch tratou o relato com muita sinceridade, extraindo efeitos dramáticos inspirados nos enquadramentos (a impressionante cena do desfile comemorativo visto através da perna amputada de um soldado), na trilha sonora (sinos tocando durante o bombardeio; sons de canhão despertando bruscamente um soldado ferido no hospital) e nos movimentos de câmera (os oficiais ajoelhados na catedral de Notre Dame, ouvindo um sermão sobre a Paz, focalizados  num travelling por cima de suas esporas e sabres reluzentes).

Jean Narboni (Ernst Lubitsch, Petite bibliothéque des Cahiers du cinéma / Cinémathèque Française, 2000) escreveu: “ … Cena por cena, em cada plano de cada cena, por cada gesto, atitude, deslocamento, palavra ou olhar dos personagens, ele intensifica a tonalidade patética do filme, dotando-o de uma vibração cada vez mais intensa até a brancura sublime e estranha da cena final: o jovem francês reabre o piano diante dos pais estáticos, para executar  acompanhado pela  noiva, a melodia (obs. a “Reverie” de Schumann), que não havia sido tocada há anos.”

Por meio de imagens comoventes e patéticas como essa, Não Matarás alcançou o status de clássico do cinema pacifista, despontando como um dos mais acabados representantes do gênero no início do cinema sonoro ao lado de All Quiet on the Western Front / Sem Novidade no Front / 1930 de Lewis Milestone ou Guerra, Flagelo de Deus / Westfront 1918 / 1930 de G.W. Pabst.

Como Lubitsch estava muito ocupado com a finalização de Não Matarás, a Paramount decidiu que ele apenas “supervisionaria” a produção de Uma Hora Contigo / One Hour With You. George Cukor foi designado para dirigir o filme em 28 de setembro de 1931. Em 21 de outubro, Lubitsch completou a filmagem de Não Matarás, deu uma olhada no script proposto para Uma Hora Contigo e imediatamente o descartou. Preocupado, ele adiou a filmagem de Uma Hora Contigo para novembro e logo começou a reescrever o velho script de O Círculo de Casamento com Samson Raphaelson.

No novo script, ao atender um chamado de Mitzi Olivier (Genevieve Tobin), a melhor amiga de sua mulher, Colette (Jeanette MacDonald), o Dr. André Bertier (Maurice Chevalier) vê-se comprometido e citado numa ação de divórcio proposta pelo Professor Olivier (Roland Young), marido de Mitzi. Quando Colette vem a saber, deixa-se cortejar por Adolph (Charles Ruggles), um antigo admirador até que André a convence de sua inocência e o casal volta a viver feliz.

Cukor dirigiu durante dois dias mas Lubitsch e Raphaelson não gostaram dos  rushes e ele passou a cumprir as orientações de Lubitsch, que, a partir de 20 de novembro, assumiu totalmente a direção. Uma Hora Contigo ficou pronto em 7 de janeiro de 1932. Na pré-estréia, os créditos diziam: “Uma produção de Ernst Lubitsch” e “Dirigido por George Cukor”. Furioso, Lubitsch escreveu uma carta para o chefão do estúdio, B. P. Schulberg, pedindo-lhe que retirassse o seu nome dos créditos e Schulberg preferiu retirar o nome de Cukor.

Este recorreu à Justiça, tentando impedir a exibição do filme em uma outra pré-estréia mas afinal chegou a um acordo com a Paramount, que o libertou de seu contrato, para que ele pudesse trabalhar com seu amigo David O. Selznick na RKO.

O filme, realmente, saiu cem por cento lubitscheano, com toda aquela continuidade agradável, malícia subentendida e inventiva constante (as confidências de Chevalier à platéia), que caracterizavam seu “jeito” cinematográfico.

Considerado pelo próprio cineasta (“Em matéria de puro estilo penso que não fiz nada melhor ou igual”) e unanimemente reconhecido pela crítica como obra-prima, Ladrão de Alcova / Trouble in Paradise / 1932 é uma farsa mundana deleitavelmente cínica e de pouca vergonha.

Inspirando-se numa insignificante peça do húngaro Laszlo Aladar, o diretor e Raphaelson imaginaram um relato cheio de imprevistos, finura e mordacidade. Em Veneza, após terem se pilhado simultaneamente, dois ladrões cosmopolitas, Gaston Monescu (Herbert Marshall) e Lily (Miriam Hopkins), reiniciam um romance, e partem rumo a Paris.  Pretendendo  furtar as  jóias de uma rica viúva, Mariette Colet (Kay Francis), eles conseguem emprego em sua casa (ele, como secretário; ela, como datilógrafa). Com ciúmes das atenções dispensadas pelo parceiro a Mariette, Lily resolve agir sozinha. Porém Gaston, reconhecendo que foram feitos um para o outro, promove a reconciliação e o casal deixa Mariette, levando consigo as jóias.

Desde a famosa cena de abertura, quando se descobre que o tenor entoando uma ária sobre a gôndola é apenas um limpador dos sujos canais da Cidade dos Doges, até o clímax com a impunidade dos larápios, Lubitsch joga com os contrastes entre a aparência e a realidade  e, servido por seu inigualável senso rítmico e espírito alerta e impudente, deixa os espectadores rindo sem parar um só instante.

Durante todo o desenrolar da intriga, Edward Everett Horton, no papel de François, um milionário apaixonado por Mariette, tenta se lembrar onde viu o secretário da viúva, que passando por médico enquanto fingia examinar suas amígdalas, o havia roubado em Veneza. No final, depois de muita fleuma e impagáveis double-takes (aquele movimento com a cabeça  de quem percebe as coisas atrasado), François olha um cinzeiro em forma de gôndola e grita: “Amígdalas!”, encerrando o engraçadíssimo gag contínuo. Enfim, um primor de realização.

Ainda no mesmo ano, Lubitsch supervisionou a produção de Se Eu Tivesse Um Milhão / If I Had a Million / 1932, filme em esquetes com astros e estrelas da Paramount e oito diretores (Ernst Lubitsch, Norman Taurog, Stephen Roberts, Norman Z. McLeod, James Cruze, William A. Seiter, Bruce Humberstone, Edward Sutherland)  ligados por um fio de enredo:  um milionário excêntrico, antes de morrer, resolve repartir sua fortuna entre sete pessoas desconhecidas e os vários tópicos mostram o que a dádiva significou na vida de cada uma. Lubitsch dirigiu “The Clerk”, episodio humorístico quase silencioso, com Charles Laughton. O personagem de Laughton, um humilde empregado, ao receber o cheque, atravessa as salas de vários subalternos até à do patrão e se despede colocando ruidosamente a língua para fora. Na verdade,  o episódio todo era um Lubitsch touch.

No começo de 1933, Lubitsch apareceu brevemente, como ele mesmo, em Mr. Broadway, musical dirigido por Edgar G. Ulmer e Johnny Walker, estrelado por celebridades da Broadway e Hollywood – Ed Sullivan, Jack Dempsey, Josephine Dunn, Ruth Etting, Jack Benny, Bert Lahr, Primo Carnera, Jack Haley, Dita Parlo, William Desmond, Maxie Rosenboom, Lita Gray Chaplin, Eddie Duchin e sua orquestra, etc.

A fim de preservar do severo Código de Produção o ménage-à-trois de dois homens e uma mulher – antecipando de três décadas a ousadia de Uma Mulher para Dois / Jules et Jim / 1961 de François Truffaut – em Sócios do Amor / Design for Living / 1933, o adaptador-roteirista Ben Hecht usou toda a sua verve e inteligência para atenuar as inúmeras  infrações morais da peça de Noel Coward. No roteiro, a desenhista industrial Gilda Farrell (Miriam Hopkins) encontra-se num trem com dois promissores artistas, o escritor Tom Chambers (Fredric March) e o pintor George Curtis (Gary Cooper substituindo Douglas Fairbanks Jr.). Ambos se apaixonam pela moça mas como ela não se decide por nenhum deles, combinam viver juntos os três, platonicamente. Cansada das ciumeiras dos dois, Gilda parte para Nova York e se casa com o patrão, Max Plunkett (Edward Everett Horton). Entretanto, transcorrido um ano, Gilda reencontra seus amigos e resolve voltar a morar com eles.

Hecht parece ter tentado igualar o feito de Lubitsch e Julien Josephson em O Leque de Lady Margarida, pois utilizou somente a situação básica da peça de Coward, desprezando todo o texto escrito pelo dramaturgo inglês, repleto de generalizações filosóficas  acerca da vida e da arte e outras tiradas intelectuais. Com incomparável intuição fílmica, Lubitsch empregou de maneira brilhante sua figura de retórica  favorita, a elipse, concentrando-se mais na ação e expondo com argúcia os novos e audaciosos diálogos de Hecht.

Numa cena, depois que os três personagens passam a viver juntos, Miriam Hopkins beija Cooper e March na testa e diz: “”Nada de sexo. Façamos um acordo de cavalheiros”. March vai a Londres, Hopkins fica sozinha com Cooper. Ele diz que a ama, beija-a, ela se estira languidamente num sofá e fala : “É certo que fizemos um acordo de cavalheiros. Mas … eu não sou um cavalheiro. “ (Escurece).

Mais tarde, March volta, enquanto Cooper viaja. Sobre a cama está sua antiga máquina de escrever e ele e Hopkins trocam este diálogo: March: “Você não manteve a máquina lubrificada.” Hopkins: “Mantive sim, durante algum tempo”. March: “As teclas estão enferrujadas … A que fixa as maiúsculas está quebrada.” (Ele bate algumas teclas. A campainha de “retorno” toca.  Hopkins se levanta, chega bem perto de March). Hopkins: “Ainda funciona! Ainda funciona!” March: “É mesmo? “(Escurece).

Com A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1934, Lubitsch retomou a opereta  numa produção luxuosa, fotografada por Oliver T. Marsh, o mesmo cinegrafista da versão silenciosa de Erich von Stroheim com Mae Murray e John Gilbert. No elenco, reunidos novamente, Maurice Chevalier e Jeanette MacDonald eram secundados pelos esplêndidos Edward Everett Horton, George Barbier, Una Merkel, Sterling Hollowa e Herman Bing.

Chevalier desejava Grace Moore como leading-lady mas o produtor Irving Thalberg vetou sua participação, alegando os prejuízos dos últimos filmes dela. Modificando o libreto de Victor Léon e Leo Stein, musicado por Franz Lehar, os roteiristas Ernest Vajda e Samson Raphaelson inventaram outro reino de fantasia, Marshovia, onde a bela viúva Sonia (Jeanette MacDonald) detém mais da metade das riquezas. Quando tira o luto e parte para Paris, o rei Achmed (George Barbier) fica alarmado, pois o futuro financeiro de Marshovia depende da sua permanência no país. Surpreendendo o galante Príncipe Danilo (Maurice Chevalier) nos aposentos da Rainha  (Una Merkel), Achmed poupa-lhe a vida com a condição dele ir à capital francesa conquistar o coração de Sonia, e trazê-la de volta.

Lubitsch teve alguns problemas com o diretor de arte Cedric Gibbons, a fim de que atendesse às suas extravagantes exigências com relação aos cenários porém tanto estes quanto à música de Lehar (com adaptação e arranjos de Herbert Stothart e letras de Lorenz Hart e Gus Kahn), produziram efeitos maravilhosos. Gibbons e seu principal assessor, Frederic Hope, ganharam o Oscar na categoria. Lubitsch com sua mente estritamente cinematográfica e explorando bastante as panorâmicas rápidas, armou uma obra leve, espirituosa, borbulhante. A   sequência da valsa, coreografada por Albertina Rasch, com os pares dos dançarinos comprimidos nos corredores da embaixada e sendo multiplicados pelos espelhos, fascina pelo conjunto harmonioso em preto e branco e contagia a platéia com sua vibração.

Em outro trecho marcante, Edward Everett Horton como o Embaixador Popoff, encarregado de vigiar os passos de Danilo, recebe uma carta do rei em código e ordena ao criado  Zizipoff (Herman Bing), que a traduza de acordo com o manual … escrito nos punhos de sua camisa. Bing, com exagerado e engraçadíssmo sotaque alemão, arrastando os vocábulos, diz que a primeira palavra em código, ˜Darling”, significa “De todos os idiotas do serviço diplomático, você é o pior”. No decorrer da leitura da missiva, quanto mais belas as palavras, maiores as espinafrações. Na medida em que Bing vai lendo, ele se empolga e esquece sua inferioridade hierárquica falando a Horton como se fosse o irritado signatário. Horton (com Lubitsch antes em Ladrão de Alcova e Sócios no Amor e posteriormente em Anjo e A Oitava Esposa do Barba-Azul), foi inegavelmente um dos grandes atores de composição do cinema americano, especialista no double –take e uma figura tipicamente lubitscheana. Na sua admiração pelo diretor, ele exclamaria numa entrevista: “Lubitsch era um gênio, sabe? Simplesmente um gênio”.

Outras cenas admiráveis: a do encontro de Popoff com Danilo – o esbarro, a briga, a troca de cartões para um duelo, os nomes e, logo, sorrisos e abraços; a cena do esquecimento do cinturão do rei e a troca pelo menor, de Danilo; a cena entre o Rei, a Rainha e Danilo fingindo que conversam e aumentando as gargalhadas para despistar a infidelidade real; Achmed dando e tomando a condecoração do peito de seu embaixador Popoff; e a cena da resolução de tirar o luto com a mudança das cores dos vestidos, sapatos e até do cachorrinho.

No final de 1934, Lubitsch  aceitou o cargo de Chefe de Produção da Paramount e começou a supervisionar o trabalho de outros colegas como Josef von Sternberg (Mulher Satânica / Devil is a Woman / 1935, Henry Hathaway (I Loved a Soldier, depois arquivado), e Frank Borzage (Desejo / Desire / 1936). Quanto a este último, apesar do nome de Borzage constar nos créditos como diretor, sabe-se que Lubitsch o orientou frequentemente nos sets, tal como acontecera com George Cukor em Uma Hora Contigo. A gestão de Lubitsch durou pouco mais de um ano, tendo sido repentinamente  substituído por William Le Baron.

Em 27 de julho de 1935, Lubitsch (43 anos) casou-se com Vivian Gaye (27 anos), que lhe daria uma filha, Nicola Anne Patricia Lubitsch. Em 22 de abril de 1942, o casal se separou, ocorrendo depois o divórcio.

Retornando para atrás das câmeras (depois de ter sido cogitado para o papel de Napoleão em Lafitte, o Corsário / The Buccaneer / 1936 de Cecil B. DeMille), Lubitsch  desincumbiu-se de  Anjo / Angel / 1937, comédia romântica abordando o clássico triângulo amoroso, com roteiro de Samson Raphaelson e (brevemente) Frederick Lonsdale baseado numa peça de Melchior Lengyel.

No desenrolar da ação, Maria Barker (Marlene Dietrich), a mulher do diplomata inglês Sir Frederick Barker (Herbert Marshall), entediada, vai a Paris, secretamente, para se divertir. Lá, no apartamento de uma velha amiga, a Grã-Duquesa Anna Dmitrievna (Laura Hope Crews), conhece o americano Anthony Halton ( Melvyn  Douglas) e flerta com ele, ocultando sua identidade sob o nome de Angel. Quando sente que a aventura está se tornando muito comprometedora, ela volta para Londres. Passado algum tempo, Sir Frederick convida um amigo, que não é outro senão Halton, para jantar em sua casa, e ele se vê diante de Angel.

Fotografado elegantemente por Charles Lang, o filme contém bons desempenhos do trio principal e várias passagens pontuadas pela “reticência cinemática” de Lubitsch como na cena do jantar oferecido a Halton. À cozinha chegam os pratos retirados da mesa. Um vem vazio; outro, intato; o terceiro, exibe o bife recortado em quadradinhos. A refeição não foi mostrada mas aqueles indícios atestam o comportamento e estado de espirito dos três personagens.

No final, os Barkers se encontram no salão de Paris. Sir Frederick sabe que Maria tinha sido infiel mas ela nega, dizendo que Angel está num quarto próximo. Ele caminha em direção ao quarto. Maria diz: “Frederick, se você entrar naquele quarto, receio que nosso casamento terminou. Se você encontrar Angel lá, ficará feliz ao ver que eu não sou Angel e vai querer continuar nossa antiga vida. Porém isto não será satisfatório para mim”. Frederick pergunta: “E se eu não encontrar Angel?” Maria responde: “Se não abrir aquela porta, ficará sempre com uma ligeira dúvida e não será mais tão seguro de si mesmo. E isto será maravilhoso.” Frederick hesita mas acaba entrando no quarto. Ele está vazio. Halton chega para levar Angel com ele mas é interrompido por Frederick: “Eu a encontrei”, ele diz. “Nestes últimos momentos eu pensei mais sobre nossa vida de casados do que em todos estes anos em que estivemos juntos. E tudo o que sei é – o trem para Viena parte às dez … Bem, eu disse adeus a Angel e você deve fazer isto também, Maria”. Enquanto ele se encaminha para a porta, Maria junta-se a ele e os dois saem juntos.

O último filme de Lubitsch na Paramount foi A Oitava Esposa do Barba-Azul / Bluebeard’s Eighth Wife / 1938, comédia-farsa escrita por Billy Wilder e Charles Brackett com base na peça La Huitième Femme de Barbe Bleu de Alfred Savoir. Focaliza Nicole de Loiselle (Claudette Colbert), filha de um nobre francês arruinado, o Marquês de Loiselle (Edward Everett Horton), que se torna a oitava esposa do milionário americano Michael Brandon (Gary Cooper); mas, para lhe ensinar lições de refinamento, ela adia a consumação do matrimônio.

Além de David Niven e Herman Bing como coadjuvantes, numa das cenas passadas na Riviera (em fundos projetados) o cineasta e escritor francês Sacha Guitry aparece discreta e casualmente saindo do hotel. Lubitsch, como sempre imaginando novas jogadas estéticas, deste feita eliminou alguns intervalos de continuidade. “Tenho confiança na inteligência dos espectadores … Em A Oitava Esposa do Barba-Azul eles verão Gary Cooper entrar furioso no quarto de Claudette Colbert e bater na porta violentamente. Porém, em vez de acompanhá-lo para dentro do quarto com a câmera, fiz uma fusão da batida da porta para uma boate, onde os espectadores verão o casal dançando romanticamente. Deixarei que eles imaginem o que aconteceu atrás da porta fechada e mostrarei apenas o resultado. “

Brackett e Wilder contariam mais tarde como era o trabalho com o mestre: “Escrever para Ernst Lubitsch foi um aprendizado, um estímulo, um privilégio mas não era nada fácil. Embora nunca recebesse crédito, ele colaborava íntimamente nos roteiros. A gente tinha que compreender o tipo de filme estilizado que ele queria fazer e suprí-lo com material. E ele sempre estava ali, dizendo: “Isto é o melhor que podemos fazer?.”

Há muito tempo, Lubitsch desejava realizar um filme com Greta Garbo porém apenas em 1939 surgiu a oportunidade,  na sua volta à MGM. O estúdio anunciou “Garbo laughs”(Garbo rí) e o título escolhido foi Ninotchka / Ninotchka / 1939, comédia romântico-satírica roteirizada por Billy Wilder, Charles Brackett e Walter Reisch (autor de Sinfonia Inacabada / Leise Flehen Meine Lieder / 1933 e Mascarada / Maskerade / 1934, ambos de Willi Forst), inspirados em argumento de Melchior Lengyel.

O alvo da impiedosa troça é o bolchevismo, através do contraste entre os valores russos e franceses, manifestado em diálogos muito divertidos. A fim de obter fundos para a compra de máquinas agrícolas, o governo soviético envia três funcionários grotescos – Iranoff (Sig Ruman), Buljanoff (Felix Bressart) e Kopalski (Alexander Granach) – a Paris, com o objetivo de vender certas jóias, que pertenciam à Grã-Duquesa Swana (Ina Claire), ali exilada. Eles encontram Leon (Melvyn Douglas), amante de Swana que, para impedir a transação, encarrega-se de “amolecê-los”, introduzindo-os nas luxúrias parisienses (“Camaradas, por que mentirmos para nós mesmos? É uma maravilha!”). As autoridades russas então mandam a rígida e ascética comissária Ninotchka Yakushova (Greta Garbo) fiscalizar as atividades do trio; mas esta também sucumbe aos encantos da Cidade-Luz e, apaixonada por Leon, converte-se ao modo de vida ocidental.

No papel da austera burocrata, Garbo revelou seu senso de humor, apenas vislumbrado em um ou outro momento de filmes passados, e recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz.. perdendo para a Vivien Leigh de … E O Vento Levou / Gone With the Wind / 1939. Lubitsch considerava Ninotchka um de seus melhores filmes: “Como sátira possivelmente nunca fui mais perspicaz que em Ninotchka e sinto que tive sucesso na difícil tarefa de relacionar sátira política com um enredo romântico”.

O fotógrafo favorito de Garbo, William Daniels, cuidou da iluminação de Ninotchka e  do último filme de Lubitsch na MGM, A Loja da Esquina / The Shop Around the Corner / 1941. Nele, o cineasta reaproximou-se das “comédias das casas de confecção”, que caracterizaram o ínicio de sua carreira. “É um tema universal e uma historia simples. Conheci uma lojinha como esta. Os sentimentos entre o patrão e os que trabalham para ele são os mesmos em todas as partes do mundo, creio eu.”

Aproveitando muito pouco do original de Nikolaus Laszlo, o roteirista Samson Raphaelson evoca, num tom intimista e melancólico, a vida cotidiana de pessoas modestas com suas aflições e alegrias. Alfred Kralik (James Stewart), empregado de um loja de Budapeste, apaixona-se por uma jovem, Klara Novak (Margaret Sullavan depois de cogitada Dolly Haas) com quem mantém uma correspondência epistolar, sem nunca a ter visto. Entretanto, Klara é a nova empregada da mesma loja, que o antagoniza diariamente. Depois de alguns desacertos e uma séria complicação quando o romance entre um outro empregado, Ferencz Vadas (Joseph Schildkraut) e a mulher do patrão, Matuschek (Frank Morgan), é imputado a Kralik, os dois se reconhecem e descobrem que, apesar dos desentendimentos, existe profundo amor entre eles.

Lubitsch demonstrou todo seu afeto pelo filme ao declarar: “Em termos de comédia humana creio que jamais fui tão bom como em A Loja da Esquina. Nunca fiz um filme em que a atmosfera e os personagens fossem mais reais.”

Deixando a Marca do Leão, Lubitsch cuidou de dois filmes distribuídos pela United Artists. O primeiro, Que Sabe Você do Amor? / That Uncertain Feeling / 1941, era uma refilmagem de Beija-me Outra Vez com argumento modernizado e transplantado de Paris para Nova York, conforme o script de Walter Reisch e Donald Ogden Stewart. Disposta a curar seus soluços, Jill Baker (Merle Oberon) procura um psicanalista e este a convence de que o marido, o corretor de seguros Larry Baker (Melvyn Douglas) é a causa de tudo. Na sala de espera do consultório, Jill conhece um sujeito estranho, misantropo e insolente, o pianista Alexander Sebastian (Burgess Meredith), cujo assédio ao lar dos Baker provoca o divórcio do casal. Mais tarde, Jill percebe que Larry ainda a ama e volta para ele.

Apesar da fragilidade do argumento, vislumbra-se aqui e ali a força humorística do diretor em gags habilidosos, como o do piano visto sozinho dentro do quadro em plano fixo durante certo tempo enquanto fora de cena se desenrola algo (o beijo de Sebastian em Jill), que se adivinha pela reaparição triunfal do personagem ou em cenas bem planejadas como a do jantar oferecido por Larry a Mr. Kafka (Sig Ruman) e outros magnatas húngaros e suas esposas, com a finalidade de obter uma boa operação comercial. Convidado por Jill, Sebastian está presente. Sentam-se todos à mesa. Larry e seu advogado (Harry Davenport) estão ansiosos para falar de negócios. Querendo agradar aos convidados, Larry ensina a Jill um brinde em húngaro (que ele nem sabe o significado) e, ao escutá-lo dos lábios da anfitriã, Mr. Kafka fica encantado. De repente, Sebastian começa a falar o idioma deles com fluência e, maravilhados, os húngaros passam a conversar em sua própria língua, deixando Larry e o advogado fora da conversa. Finda a refeição, quando Larry tem uma chance de iniciar um papo com seus clientes em perspectiva, Jill os interrompe, para que todos ouçam uma audição de Sebastian. Ao se preparar, ele percebe que o piano está fechado a chave e Larry ri para o advogado, pois ele o trancara. Entretanto, Sebastian consegue abrí-lo e, depois de algumas exigências (a retirada de uma velha feiosa e de um vaso horrível da sua frente), anuncia o repertório. Preocupado, Larry pergunta ao advogado: “Quanto tempo levam estas sonatas?” O causídico responde: “O tempo de fumarmos três charutos”. Larry retruca desanimado: “”Que desastre, estamos perdidos.”

Melchior Lengyel, que havia suprido Lubitsch com uma sátira ao comunismo em Ninotchka, trouxe-lhe uma caricatura do nazismo em chave de propaganda, Ser ou Não Ser / To Be or Not To Be / 1942, semelhante à de Chaplin em O Grande Ditador / The Great Dictator / 1940. Em Varsóvia, Maria e Josef Tura (Carole Lombard e Jack Benny), um casal de artistas poloneses egocêntricos e temperamentais, estão sempre em rivalidade. Fascinada por um jovem aviador, Sobinski (Robert Stack), Maria pede-lhe que, no exato momento da récita do marido do famoso solilóquio de Hamlet, ele saia da platéia, e vá se encontrar com ela no camarim. Além da pequena infidelidade, o propósito de Maria é ferir a vaidade de Joseph como ator. De fato, ele fica indignado ao ver o aviador levantar da poltrona e se retirar no meio da sua representação. Posteriormente, os alemães ocupam a cidade e Sobinski fica sabendo da existência  de um espião a serviço dos nazistas disfarçado de líder da Resistência, Professor Siletsky (Stanley Ridges). Com a ajuda de Tura e sua trupe, ele arma uma cilada para o impostor, com os atores fazendo-se passar por soldados alemães. Depois de muitas peripécias e liquidado o traidor, todos escapam de avião para Londres, onde Tura sempre sonhara interpretar Hamlet. Quando, em um palco londrino, Tura pronuncia o célebre “Ser ou não Ser”, olha para a platéia, e percebe Sobinski assistindo calmamente ao espetáculo. Desta vez não é o aviador mas um jovem oficial da Marinha que se levanta e deixa o teatro.

Em outro trecho do filme, o Coronel Erhardt (Sig Ruman em impagável atuação, sendo inesquecível o seu apelido: “Concentration Camp Erhardt”) conta a Tura (fingindo ser Siletsky) uma piada que ouvira sobre Hitler: “Eles deram o nome de Napoleão a uma marca de champagne, o de Bismark à de um arenque, e Hitler vai acabar sendo um pedaço de queijo”. Tura repreende-o por rir do Führer. Apavorado com as consequências de suas leviandade, Erhardt implora-lhe que faça silêncio sobre o que ouvira e Tura, condescendente, promete ficar de bico calado. Mais para adiante, um comparsa de Tura, Ravitch (Lionel Atwill), pensando que o amigo está em apuros entra travestido de general nazista até onde se encontram Tura e Ehrardt e, para espanto deste, tira a falsa barba de Tura e finge levá-lo para um interrogatório. Envergonhado, e em pânico, Erhardt começa a chorar, quando Tura se volta para ele, lembrando-o do “pedaço de queijo”. A porta se fecha e se ouve um tiro. Fora demais para Erhardt.

O filme, com roteiro um pouco complexo de Edwin Justus Mayer, sofreu críticas por abordar assunto impróprio ao humor. Uma das acusações se baseou na frase dita por Erhardt a Tura (sem saber que ele era o próprio), referindo-se a um canastrão polonês que interpretou Hamlet nos palcos de Varsóvia: “O que ele fez com Shakespeare nós estamos fazendo agora com a Polonia.” Lubitsch defendeu-se, dizendo : “ … O filme nunca quís ridicularizar os poloneses, apenas satirizou atores e o espírito nazista, e o humor grosseiro  nazista. “


Ao final deste espetáculo ininterruptamente hilariante, fica clara a mensagem do cineasta: aqueles atores medíocres encontram na guerra a glória que lhes foi sempre negada no teatro. Eles nos comovem porque deixam de lado suas insignificantes queixas ou rusgas individuais em prol do bem coletivo. Com sua obscura mas autêntica bravura, atingiram uma grandeza que nunca puderam atingir  com as suas interpretações na ribalta.

Antes de começar uma nova produção, Lubitsch teve tempo de preparar um filme de propaganda para o Tenente-Coronel Frank Capra, intitulado Know Your Enemy: Germany. Rodado em outubro de 1942, foi sumariamente rejeitado pelo Exército sob a alegação de que era “enfadonho” e  inadequado  para a audiência militar e não chegou a ser distribuído (ele foi refeito depois por outros realizadores).

No começo de 1943, Lubitsch assinou contrato de produtor-diretor com a 20thCentury-Fox e realizou O Diabo Disse Não / Heaven Can Wait, crônica sentimental e nostálgica, pontilhada de um epicurismo amável e sátira aos costumes dos alegres anos do fim do século dezenove.

Na história (adaptada por Samson Raphaelson de uma peça de Laszlo Bus-Feketé), Henry Van Cleve (Don Ameche), cidadão de classe média e inveterado conquistador, ao término de sua existência, se apresenta ao Diabo (Laird Cregar), e conta como viveu. No final do relato, Sua Excelência, compreendendo que Henry foi um bom esposo para Martha (Gene Tierney), um chefe de família que pecou por amar as mulheres, envia-o para o céu.

Fotografado por Edward Cronjager num Technicolor de tonalidade pastel (primeiro encontro em longa metragem de Lubitsch com a cor, elogiado por D.W. Griffith) com cenários, figurinos e acessórios acurados e de bom gosto, eficiente elenco e narrado com a costumeira engenhosidade discursiva do cineasta, o filme recriava a época à perfeição, tinha desenvolvimento fluente, humanidade, encanto poético, e um fio de reflexão dissimulado por um constante piscar de olhos.

Afastada a hipótese de rodar All Out Arlene, sátira à WAC (Corpo Feminino dos Exército Americano), Lubitsch iniciou Czarina / A Royal Scandal / 1945, refilmagem de Paraiso Proibido, com Tallulah Bankhead, Charles Coburn, William Eythe e Anne Baxter porém sofreu um ataque cardíaco e indicou Otto Preminger para substituí-lo. Creditado apenas como produtor, Lubitsch escolheu os atores, supervisionou alguns ensaios, estabeleceu a atmosfera de cada cena e apareceu numa ponta. Greta Garbo estava disposta a voltar às telas como a Czarina mas o estúdio rejeitou a idéia pois Duas Vezes Meu / Two Faced Woman / 1941,  de George Cukor, derradeiro filme da Divina, não deu bons lucros.  E Tallulah, por sua vez, vinha do êxito de Um Barco e Nove Destinos / Lifeboat / 1944 de Alfred Hitchcock.

Recobrando a saúde, consta que Lubitsch teria participado como ator de Fantasia Musical / Where Do We Go From Here? / 1945 de Gregory Ratoff, com Fred MacMurray e June Haver, figurando como um dos marujos amotinados contra Cristovão Colombo a bordo da nau “Santa Maria.” Entretanto, embora existam fotos de Lubitsch vestido de marujo num set, ninguém conseguiu vê-lo no filme.

Em seguida, preparou-se para filmar O Solar de Dragonwyck / Dragonwyck / 1946, adaptação do best seller de Anya Seton, com Gene Tierney, Vincent Price e Walter Huston mas adoeceu novamente, dando chance a Joseph L. Mankiewicz de estrear como diretor.

Na primavera de 1946, após ter recebido um Oscar especial “Por suas destacadas contribuições à arte cinematográfica”, Lubitsch sentiu-se em condições de dirigir um novo filme e selecionou O Pecado de Cluny Brown / Cluny Brown / 1946, sátira às convenções sociais e ao modo de viver da classe alta e da burguesia da província inglesa, baseada no romance de Margery Sharp.

Na Inglaterra rural de 1939, uma jovem ingênua, Cluny Brown (Jennifer Jones), ao substituir o tio bombeiro hidráulico no conserto de uma pia entupida, vem a conhecer Adam Belinski (Charles Boyer), escritor tcheco refugiado. Mais tarde, trabalhando como criada num castelo, para surpresa sua, encontra Adam, hóspede dos patrões. Os dois ficam amigos e Cluny conta a Adam a boa impressão que lhe causara Wilson (Richard Haydn), o farmacêutico da aldeia. Mas o prazer da moça em reparar encanamentos avariados, faz fracassar um possível casamento com Wilson. Cluny acaba se unindo a Adam e, desprezando as obras políticas, ele decide escrever histórias policiais para garantir o sustento da mulher e dos futuros filhos.

Agrupando alguns coadjuvantes da “colônia britânico-irlandesa de Hollywood (Reginald Gardiner, Peter Lawford, Reginald Owen, C. Aubrey Smith, Sara Allgood, Ernest Cossart, Una O’Connor, Billy Bevan) em torno de Boyer, Jones e Haydn, em vários momentos do filme e na composição dos personagens, Lubitsch deixou transparecer seu espirito cômico inconfundível como na hierarquia da criadagem do castelo; na apresentação de Cluny à sua quase futura sogra; na maneira peculiar de Belinski citar Shakespeare; na personalidade do tacanho e pomposo farmacêutico; e na cena final sem diálogos. Nesta, Cluny e Adam, já casados, são subitamente cercados por traunseuntes na rua, depois que a moça desmaiou. Adam, sorrindo, indica a um guarda que não há nada sério, sua esposa está grávida. Sabendo da notícia, todos começam a rir e a música aumenta, num final feliz que levava os espectadores a também saírem do cinema rindo.

A Condessa se Rende / That Lady in Ermine / 1948, fantasia cômico-musical em Technicolor (de Leon Shamroy), com roteiro de Samson Raphaelson inspirado na opereta This is the Moment de Rudolf Schanzer e Ernest Welisch, numa renovada fabulação do velho gênero vienense, mistura o real e o onírico.

A Condessa de Bergamo, Angelina (Betty Grable depois de cogitada Irene Dunne) casa com Mario (Cesar Romero) mas quando os invasores húngaros se aproximam, ele foge com medo. Sob o comando do Coronel Ladislas Karolyi (Douglas Fairbanks Jr. depois de cogitado Charles Boyer), os inimigos se instalam no castelo. É então que o fantasma da Condessa Francesca (também Grable), antepassada de Angelina, retratada numa pintura intitulada “The Lady in Ermine”  (A Dama de Arminho), aparece para realizar de novo uma proeza, que já evitara a destruição do castelo.

As filmagens foram interrompidas pela morte do cineasta a 30 de novembro de 1947, em virtude de outro colapso, tendo Otto Preminger assumido a direção. Preminher refêz algumas cenas filmadas por Lubitsch (“porque eram muito sutís”, segundo o depoimento de Fairbanks Jr.), extirpou outras, inclusive o final bem como dois números musicais, um dos quais, “It’s Always a Beautiful Day”, tinha letras de Leo Robin e música do próprio Lubitsch.

Porém o filme conserva o sabor lubitscheano em várias cenas: o apavoramento de Mario deixando Angelina sozinha no quarto nupcial; os repetidos gritos do Coronel (que lembram os de Erhardt chamando seu  assistente Schultz em Ser ou não Ser) tornando uma figura famosa no castelo o seu imediato Horvath (Walter Abel); o salvamento do castelo por Francesca e a posição ridícula em que sempre está colocado seu marido Alberto (Reginald Gardiner); a dança dos antepassados de Angelina saindo à meia-noite dos quadros pendurados nas paredes da longa galeria de retratos; e a repetição do salvamento do castelo em sonho.

Em entrevista à revista Action, em novembro de 1967, Billy Wilder narrou ao repórter esta cena passada após o funeral de Lubitsch: “William Wyler e eu andamos silenciosamente até o nosso carro. Finalmente, eu disse, apenas para dizer alguma coisa, a fim de quebrar o silêncio: ‘Não teremos mais Lubitsch’. Ao que Wyler replicou: ‘Pior do que isto, não teremos mais filmes de Lubitsch’. Como estávamos certos. Durante vinte anos desde então, tentamos descobrir o segredo do Lubitsch touch. Nada feito. Quando tínhamos sorte, conseguíamos rodar alguns metros de filme em nossa obra que, momentaneamente, cintilavam como Lubitsch. Como Lubitsch, não o verdadeiro Lubitsch. Sua arte se perdeu. O mais elegante dos mágicos da tela levou o seu segredo com ele.

ERNST LUBITSCH – II

Em outubro de 1922, convidado por Mary Pickford, Ernst Lubitsch partiu para os Estados Unidos, certo de que iria dirigir uma versão de Fausto com Lars Hansen no papel-título. Mary chegou a fazer um teste (vestida por Mitchell Leisen) como Margarida mas sua mãe a proibiu de atuar num filme no qual uma jovem mata seu bebê.

Informado de que seria incumbido de outra produção, Dorothy Vernon of Haddon Hall (depois filmada por Marshall Neilan, tendo recebido o título em português de Entre Duas Rainhas), Lubitsch ficou furioso e fingiu não entender bem a história até concordar com Mary em filmar Rosita / Rosita / 1923, drama romântico de época, roteirizado por Edward Knoblock, a partir do argumento de Hanns Kräly e Norbert Falk, inspirado na peça francêsa Don César de Bazan. No enredo, Rosita (Mary Pickford), uma cantora das ruas de Sevilha, atraí a atenção do Rei da Espanha (Hoolbrock Blinn) porém se apaixona por Don Diego (George Walsh), um nobre arruinado.

Para desenhar os cenários, Lubitsch indicou o cineasta dinamarquês Svend Gade (diretor de Hamlet / Hamlet / 1921 com Asta Nielsen), tendo sido a direção de arte entregue a William Cameron Menzies e os figurinos a Mitchell Leisen. Mary desejava Maurice Chevalier em seu primeiro filme como adulta (ela estava com 29 anos) mas não conseguiu contratá-lo e George Walsh, irmão de Raoul Walsh, ocupou seu lugar. Entre os inúmeros figurantes estava um jovem chamado Charles Farrell, mais tarde o galã de Janet Gaynor em Sétimo Céu / Seventh Heaven / 1927 de Frank Borzage.

Como Lubitsch não admitia interferências, durante os três meses de rodagem discutiu muito com a estrela e, entre os atritos, o grande fotógrafo Charles Rosher – Oscar por Aurora / Sunrise / 1927 de F. W. Murnau -, que havia desenvolvido para Rosita uma iluminação de efeitos estereoscópicos, deixou o cargo.

O filme, indisponível por longos anos nos Estados Unidos, teve uma das piores reputações na História do Cinema Mudo, perpetuada pela sua própria estrela, que o classificou como um fracasso: “Foi o pior filme que eu já fiz; foi o pior filme que eu ví”. Mary o descrevia como “um diretor de portas”, acrescentando, “ele não me entendia”.

Entretanto, como revelou Scott Eyman (Ernst Lubitsch: Laughter in Paradise, Simon and Schuster,1993), assim que o filme ficou pronto, Pickford disse para seu advogado, Cap O’Brien, que ela ainda considerava Lubitsch o maior diretor do mundo e estaria disposta a patrocinar outras realizações dele, se tivesse condições financeiras. Seis dias depois, quando consentiu mudar o título do filme originário de The Street Singer para Rosita, reiterou para o causídico que estava satisfeita com Rosita e achava que o espetáculo faria sucesso. Somente anos depois, consumida pelo alcoolismo, perturbada pelo divórcio de Fairbanks e outros problemas, foi que ela começou a desenvolver uma idéia fixa negativa sobre o filme.

O fato é que, por ocasião do seu lançamento, Rosita foi aclamado como o maior filme feito até então. O The New York Times disse: “Nada de mais deliciosamente encantador … tem sido visto desde certo tempo”. Na Retrospectiva Lubitsch de Berlim em 1967, Rosita foi saudado como obra-prima. Em uma sessão pública no New York’s Film Forum, em agosto de 1997, a platéia ovacionou-o calorosamente.

Jeanine Basinger estava lá e o descreveu assim: “Rosita tem cenários dispendiosos, inclusive uma Sevilha em exteriores, lindos jardins, salas do castelo com tetos abobadados, móveis adornados, e espelhos e portas magníficos. O ritmo é soberbo e a direção de Lubitsch do típico “elenco de milhares” retrata um mundo de pessoas reais e ação pitoresca. Holbrook Blinn como o velho rei lascivo está absolutamente maravilhoso e os figurinos, penteados e jóias são todos muito bonitos. Pickford excelente como a cantora de rua que dança, flerta e entretém as massas”.

Janine destacou uma cena de comédia na qual Rosita, uma garota faminta, é levada pela primeira vez ao palácio. Na sala de espera, ela avista uma taça enorme cheia de doces. Enquanto Rosita passa repetidas vezes diante da taça e sai do quadro, a câmera fica paralisada na taça. Após alguns momentos de hesitação, a jovem apanha um bombom, põe na sua boca, e parte logo para fazer o mesmo com um outro. Esta cena é um exemplo perfeito de como Lubitsch e Pickford casaram seus estilos harmoniosamente. A colocação da câmera é puro Lubitsch; a ação cômica, muito bem cronometrada, é Pickford pura.

Após Rosita, circularam notícias de um novo filme com Mary Pickford mas ela iniciou Entre Duas Rainhas. Douglas Fairbanks ofereceu a Lubitsch a direção de um filme de piratas – depois transformado em O Pirata Negro / The Black Pirate /1926 e dirigido por Albert Parker. Finalmente, Lubitsch assinou contrato com a Warner Bros. onde – após um projeto não concretizado de filmar a peça Debureau de Sacha Guitry – inaugurou uma série bastante homogênea de comédias sofisticadas nas quais, exercitando seu estilo e refinando seu gosto, ridicularizou os preconceitos e as futilidades mundanas.

Sátira matrimonial ambientada na Viena às vésperas da Primeira Guerra Mundial, baseada  na peça Nur ein Traum de Lothar Goldschmidt, adaptada por Paul Bern (e Kräly não creditado), O Círculo de Casamento / The Marriage Circle / 1924 seguia o modelo shakespereano de “muito barulho por nada”. O Professor Josef Stock (Adolphe Menjou) vê a oportunidade, ansiosamente aguardada, de se divorciar da esposa, Mizzi (Marie Prevost), quando ela começa um flerte com o Dr. Franz Braun (Monte Blue, substituindo Warner Baxter após oito dias de filmagem), marido de sua melhor amiga, Charlotte (Florence Vidor) que, por sua vez, é cortejada pelo Dr. Gustave Müller (Creighton Hale), sócio de Braun. No desenlace, após muitos enganos e falsas suspeitas, tudo volta ao normal, como se nada tivesse acontecido.

Filme de Lubitsch favorito de Chaplin, Hitchcock e Kurosawa, O Círculo do Casamento, fotografado por Charles van Enger, serviu de modelo para vários cineastas pelas sutilezas eróticas e psicológicas e pelas elipses e detalhes significativos. Desenvolvendo o tipo que compusera em Casamento ou Luxo, Menjou impôs-se como um dos atores prediletos de Lubitsch e sua interpretação minimalista é um dos pontos altos do filme. Entretanto, Menjou preferia Chaplin como diretor: “Tudo o que eu tinha que fazer para deixar Lubitsch feliz era ficar diante da câmera imitando todos os gestos que ele fazia para mim”.

Uma das melhores cenas do filme antecipa a descoberta do rei que é enganado em  A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1934: o detetive mostra a Joseph o relatório sobre os encontros de Mizzi e Franz, que Josef considera absurdos. Josef senta-se num sofá em cima de um chapéu, o qual retira sorridente, e o entrega ao detetive. Este diz que este chapéu não lhe pertence e mostra o seu. Neste momento (como o rei ao ver que o cinturão não era o seu em A Viúva Alegre), Josef cai na realidade. Brilhante também é a cena que nos mostra a relação amorosa entre Franz e Charlotte, sem que seja preciso vermos os dois personagens. A câmera enquadra a mesa na qual eles tomam o café da manhã. O braço dele bate com a colher no ovo; o dela, mexe o café. Os movimentos normais vão se atenuando, e de repente param, quando as mãos se encontram. E aí nos lembramos da frase de François Truffaut: “Dans la gruyère de Lubitsch chaque trou est genial!”(No queijo de Lubitsch cada buraco é genial!”).

Insólito no currículo lubitscheano (tal como seria Não Matarás / The Man I Killed ou Broken Lullaby/ 1932 no período sonoro) e sofrendo flagrante influência de Casamento ou Luxo, As Três Mulheres / Three Women / 1923, é um melodrama puro com incisivas observações, puramente visuais, sobre a psicologia feminina.

O roteiro original de Kräly / Lubitsh baseado num romance de Jolanthe Marès, gira em torno de uma viúva rica, Mabel Wilton (Pauline Frederick) e sua filha, Jeanne (May McAvoy), apaixonadas pelo mesmo homem, Edmund Lamont (Lew Cody), um aproveitador indigno das duas e da amante, Harriet (Marie Prevost). Pauline Frederick na figura da mulher de meia idade que procura conservar a juventude é um exemplo de contenção interpretativa, sabendo mostrar num pequeno gesto e olhar tudo o que se passa no seu íntimo: a série de planos em que ela estuda a iluminação de forma a escolher o melhor ambiente para esconder as rugas é um prodígio da psicologia, não só da atriz, como de Lubitsch. A fotografia competiu a Charles van Enger, que fora acionado em O Círculo do Casamento e seria da equipe de Lubitsch até o final de1925, participando de cinco filmes.

A Paramount reuniu Pola Negri e Lubitsch em Paraíso Proibido / Forbidden Paradise / 1924, deliciosa zombaria da fragilidade das mulheres (e particularmente das rainhas), vagamente inspirada  nas intrigas amorosas da Catarina da Rússia. Modernizando a peça de autoria dos húngaros Lajos Biró e Melchior Lengyel, os roteiristas Hanns Kräly e Agnes Christine Johnston contam como o jovem oficial Alexei Czerny (Rod La Rocque) salva a Czarina (Pola Negri) de um minúsculo país europeu dos conspiradores revolucionários e é recompensado com seu amor. Apaixonado, Alexei abandona a antiga namorada, Anna (Pauline Starke), dama de companhia da soberana mas logo vem a saber da infidelidade desta. Desesperado, junta-se aos revoltosos que o chanceler da Corte (Adolphe Menjou) apaziguara … com um talão de cheques. No desfecho, a Czarina liberta Alexei da prisão para os braços de Anna e busca consolo com o Embaixador francês (Fred Malatesta).

Inserindo divertidos anacronismos numa Rússia do século XVIII (reconstituída em opulentos interiores barrocos por Hans Dreier) e suas costumeiras alusões  espirituosas, estritamente pictóricas, Paraíso Perdido – como observou Manoel Cintra Ferreira num livrinho precioso editado pela Cinemateca Portuguesa – é um verdadeiro aperitivo para os suntuosos banquetes que seriam Alvorada do Amor / The Love Parade / 1929, A Viúva Alegre e O Tenente Sedutor / The Smiling Lieutenant. O mesmo reino de fantasia e as mesmas intrigas de alcova, nos bastidores da política. Todo o espetáculo é extremamente rico em pormenores tipicamente lubitscheanos, que proporcionam algumas das situações mais divertidas como, por exemplo, o caso das pontas dos caídas dos bigodes que a czarina quer bem erguidas (uma conotação erótica bem evidente) ou o caso do fabuloso gag das condecorações (que testemunham a passagem dos oficiais pela cama da czarina) ou, ainda,  a cena em que a czarina sobe num banquinho, a fim de poder beijar Alexei nos lábios, talvez inspirada na famosa frase de Sacha Guitry de que os saltos altos foram inventados por uma mulher cansada de ser beijada na testa.

No elenco, sobressai a atuação de Pola Negri: ”Jamais encontrei uma criatura de tanta vitalidade e magnetismo. Artista de uma sensibilidade muito viva e tipo humano único. Foi ela que trouxe para Hollywood o que eles chamam de temperamento continental que, a meu ver, não é senão um extraordinário dom de atrair a atenção na tela como na vida, o que Pola possuía em maior quantidade que ninguém”.

Retornando à Warner, Lubitsch filmou Beija-me Outra Vez / Kiss Me Again / 1925, comédia doméstica, versando sobre o eterno triângulo familiar, segundo os que a viram, intelectualmente atraente e com penetrante estudo do mecanismo do amor romântico. No script de Kräly, inspirado na peça Divorçons de Victorien Sardou e Émile de Najac, Loulou Fleury (Marie Prevost), mulher de Gaston (Monte Blue), demonstra interesse por um pianista, Maurice (John Roche). Embora não querendo realmente deixá-la nas mãos de Maurice, Gaston finge estar disposto a conceder-lhe o divórcio. Loulou cansa-se de Maurice e as inteligentes manobras de Gaston fazem com que ela deseje ardentemente a reconciliação. Expondo as situações através de seus célebres epigramas visuais, Lubitsch burlou com muita classe a censura e assim prosseguiu durante a sua trajetória cinematográfica. Como desabafou um dos homens do Hays Office, “a gente sabia o que ele estava dizendo, mas não podíamos provar o que estava insinuando”.

Clara Bow estava perdendo a sua qualidade de estrela numa série de quickies produzidos por B.P. Schulberg, quando Lubitsch a convidou para fazer um teste com vistas a uma pequena participação em Beija-me Outra Vez. Ela ganhou o papel de Grizette, a graciosa secretária com a qual Gaston flerta numa buate, a fim de suscitar um motivo para o seu divórcio. Infelizmente, nenhuma cópia do filme sobreviveu, fazendo com que a combinação deleitável de Lubitsch e Bow ficasse inédita para várias gerações.

Em O Leque de Lady Margarida / Lady Windermere’s Fan / 1925, Lubitsch realizou um tour-de-force, adaptando (com a ajuda de Julien Josephson) a peça de Oscar Wilde, sem utilizar um só epigrama espirituoso do texto original mas mantendo o espírito do dramaturgo inglês na denúncia das imposturas e afetação da alta sociedade londrina. A difamada Mrs. Erlynne (Irene Rich), julgada morta há muito tempo pela filha, Lady Windermere (May McAvoy), volta a Londres e pede ao genro, Lord Windermere (Bert Lytell) dinheiro para manter o segredo. Ela se introduz no ambiente em que vivem os Windermere, com o objetivo de recuperar a respeitabilidade por via de um casamento com o rico Lord Augustus (Edward Martindel) e, sacrificando sua reputação e seu futuro, acaba salvando a filha da desonra, fazendo-se passar por amante de seu admirador, Lord Darlington (Ronald Colman, substituindo Clive Brook).

Lubitsch deixa os espectadores adivinharem os sentimentos dos personagens através do que eles fazem para dissimulá-los e revela só com a câmera, sem desperdiçar uma tomada sequer, seus impulsos secretos. Raros subtítulos explicam a intriga.

Lubitsch se exprime visualmente pelos cenários grandiosos e vazios (de Harold Grieve), pelos movimentos de câmera (de Charles van Enger), e pela montagem.

Uma das cenas mais expressivas do toque lubitscheano é a do hipódromo, onde  a linda Mrs. Erlynne, focalizada pelos binóculos sob diferentes pontos de vista, parece estar encerrada numa rede de olhares, “massacrada” pela sociedade galante.

Em meados de 1926, divulgou-se que Mary Pickford e Douglas Fairbanks  estrelarian um filme dirigido conjuntamente por Max Reinhardt e Ernst Lubitsch mas isto não aconteceu. Ao invés, Lubitsch fez Em Paris é Assim / So This is Paris / 1926, outra comédia doméstica, adaptada por Kraly do original francês Réveillon de Henri Leilhac e Ludovic Halévy.

Suzanne Giraud (Patsy Ruth Miller) avista pela janela um homem vestido de sheik, aparentemente despido, e envia o marido, Dr. Paul Giraud (Monte Blue) para tomar satisfações. Paul constata que se trata de um casal de atores, Maurice (André Béranger) e Georgette (Lilyan Tashman), ensaiando uma cena de As Mil e uma Noites. Ele  descobre na mulher uma sua antiga amante e passa a cortejá-la. Paul afirma a Suzanne ter “imposto” a ordem, quebrando inclusive sua bengala nas costas do agressor, mas Maurice aparece depois para entregá-la em perfeito estado, revelando a mentira. Georgette, entretanto, disposta a reconquistar o antigo amante, consegue fazê-lo sair de casa a pretexto de uma consulta médica e Maurice, por sua vez, aproveita a “saída” para uma visita a Suzanne, surgindo uma série de outros equívocos.

Com este enredo, Lubitsch construiu uma soberba e minuciosa encenação de um vaudeville à francesa, impregnado de um sentimento de alegria e graça incomparáveis e utilizou mais uma vez o espaço cênico e a montagem para extrair efeitos cômicos irresistíveis. Casais trocados são a especialidade de Lubitsch mas poucas vezes (vg. em Sócios do Amor / Design for Living / 1933) eles foram assumidos e trocados com tal despudor.

Para o clímax, Lubitsch providenciou uma sequência de baile feita com múltiplas exposições, sendo muito comentados os arranjos caleidoscópicos cubistas (pré Busby Berkeley) na cena do concurso de charleston, verdadeira “rapsódia futurista”. Em Paris é Assim consolidou a fama de Lubitsch e muitos apontaram o filme como uma de suas comédias mais divertidas.

Em 1927, transferindo-se para a Metro, Lubitsch assumiu a direção (prevista para Erich von Stroheim) de O Príncipe Estudante / The Student Prince in Old Heidelberg, filme baseado na peça Alt Heidelberg,  de W. Meyer-Förster,  e na opereta de Dorothy Donnelly e Sigmund Romberg.

Adaptada por Kraly, a história já havia sido filmada pela Triangle por John Emerson, com a supervisão de D.W. Griffith, interpretação de Dorothy Gish e Wallace Reid, e consultoria de Erich von Stroheim na parte de cenografia e vestuário. Na versão Lubitsch, a decoração ficou sob a responsabilidade de Cedric Gibbons e Richard Day – que desenhara os cenários de alguns filmes de Stroheim como A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1925 e A Marcha Nupcial / The Wedding March / 1926.

Trata-se de uma delicada história de amor, finalmente frustrada, que transforma as duas pessoas que a viveram, sobretudo o jovem sensível e retraído, que só teve em sua vida uma pequena oportunidade para sair dessa teia real, tecida pelas Instituições, pelo Estado e pela Tradição.

Karl Heinrich (Ramon Novarro) é o príncipe herdeiro de um reino da Europa central. A sua vida de criança é solitária e sujeita aos constrangimentos impostos pelo protocolo da corte. O seu único amigo é o velho preceptor, Dr. Juttner (Jean Hersholt). Quando atinge a idade própria, Karl parte com Juttnerpara a Universidade de Heidelberg, onde conhece finalmente a alegria de viver, a camaradagem estudantil e o amor, na pessoa de Kathi (Norma Shearer), a filha de um estalajadeiro. Mas quando o rei morre, Karl é chamado para assumir o trono e obrigado a se casar com uma princesa.

Para realizar este precursor silencioso (e melancólico) dos seus musicais do período sonoro, Lubitsch contratou os serviços de Ali Hubert (seu colaborador na maioria dos filmes mudos alemães) para desenhar os figurinos; os de Andrew Marton (que depois se tornaria um diretor de segunda unidade)  para ser o montador do filme e também os serviços do fotógrafo John Mescall (que já havia trabalhado com ele em Paris é Assim).

Destaco duas cenas entre tantas admiráveis deste filme. A primeira é a do encontro de Karl e Kathi num jardim coberto de flores sob as estrelas brilhantes. Quando eles  se deitam sobre a relva, o vento começa a soprar, primeiro lentamente e depois com força, num crescendo que acompanha a manifestação de amor entre eles, para  acalmar depois do beijo. É uma cena metaforicamente erótica que antecipa de certa forma aquela cena do defloramento de Rosie no filme de David Lean, A Filha de Ryan / Ryan’s Daughter, realizado muitos anos mais tarde.

A outra cena, ou melhor, as outras, são os planos que mostram o mesmo comentário dito por gerações diferentes: os meninos vendo o retrato do príncipe ainda criança na vitrine de uma loja e afirmando “como deve ser ótimo ser príncipe”; depois as meninas contemplando o retrato do príncipe já adulto na mesma vitrine e exclamando  “como deve ser ótimo ser príncipe (com ênfase na palavra ótimo); e, no desfile final do casamento, os velhos na janela murmurando “como deve ser ótimo ser rei”, todas estas frases contrapondo-se ironicamente ao que se passa no íntimo de Karl.

Depois de O Príncipe Estudante, Lubitsch deu a Josef von Sternberg a idéia de A Última Ordem / The Last Command / 1927, interpretado por Emil Jannings e, contratado novamente pela Paramount, abordou um assunto russo em Alta Traição / The Patriot / 1928, igualmente estrelado por Jannings. Melodrama histórico adaptado por Kräly (Oscar de Melhor Roteiro) de uma peça de Alfred Neumann, Der Patriot, levada aos palcos berlinenses com muito sucesso, o filme, completado pouco antes do advento do Cinema Falado, recebeu trilha musical sincronizada e efeitos sonoros nos momentos culminantes (no final, Jannings gritava: “Pahlen! Pahlen!”, chamando o amigo que o traíra por amor à pátria.

Na intriga, o Czar Paulo I (Emil Jannings), filho da Grande Catarina, vive cercado por conspiradores e só confia no Conde Pahlen (Lewis Stone). Pahlen quer proteger o amigo mas, por causa dos atos tresloucados do monarca, decide alijá-lo do trono, para o bem da nação, com a ajuda da sua amante, a Condessa Ostermann (Florence Vidor). Esta porém, trai Pahlen e conta ao Czar o plano. Conduzido à presença do soberano, Pahlen convence-o de sua lealdade e, mais tarde, o extermina.

Alta Traição é considerado um filme perdido; somente há pouco tempo foi descoberto o seu trailer, apresentado no Festival de Pordenone em 1996, que dá uma idéia da suntuosidade dos cenários de Hans Dreier e da qualidade da fotografia de Bert Glennon. Como não ví o filme, tenho que me amparar nas críticas da época, selecionando uma, eufórica, da revista Cinearte, da qual cito alguns trechos: “Indiscutivelmente, um dos melhores filmes, senão o melhor filme até agora feito … É um filme colosso! … O trabalho de Jannings, mais dramático, mais impressionante, mais cheio de peripécias, causa maior impressão. Mas o de Lewis Stone, calmo, imperturbável, másculo, impressionante na sua singeleza, é uma página admirável de arte e beleza … O filme, todo ele, é irrepreensível em técnica … Lubitsch é um diretor fantástico! Esta é a sua obra-prima!”. Acrescento apenas que, algumas tomadas da multidão, foram aproveitadas seis anos depois por von Sternberg em A Imperatriz Galante / The Scarlet Empress (cf. Fun in a Chinese Laundry de Josef von Sternberg, Mercury House, 1965, pg. 266).

Amor Eterno / Eternal Love / 1929, derradeiro filme mudo de Lubitsch, produzido pela Feature Productions (Joseph M. Schenck) e distribuído pela United Artists,  assinala a última colaboração do roteirista Hänns Kraly, o mais assíduo companheiro do diretor.

No roteiro de Kräly, tirado do drama romântico de Jakob Christoph Herr, Der König der Bernina, durante as guerras napoleônicas, Marcus Paltram (John Barrymore), um caçador rebelde das montanhas da Suiça, desafia os invasores de seu país. Embora apaixonado por Ciglia (Camilla Gorn), filha do pastor da aldeia (Hobart Bosworth), ele é adorado por Pia (Mona Rico), que odeia a rival e aguarda uma oportunidade de separá-la de Marcus. Aproveitando um baile de máscaras, no qual Marcus se embriaga, Pia, disfarçada, consegue fazê-lo sucumbir aos seus desejos. Para reparar o erro, Marcus casa com ela e Ciglia logo se une a Lorenz Gruber (Victor Varconi), um antigo e insistente admirador. Sabendo que sua esposa ainda ama Marcus, Gruber tenta suborná-lo, para que ele saia da  aldeia; Marcus recusa e, num incidente, é forçado a matar Gruber em legítima defesa. Acusado de assassinato, Marcus foge com Ciglia para as montanhas, perecendo ambos soterrados por uma avalanche.

Amor Eterno não é um dos trabalhos mais importantes de Lubitsch. “O filme foi feito para honrar um compromisso” – revelaria mais tarde o montador Andrew Marton – , “nem Lubitsch, nem John Barrymore, nem Camilla Horn entraram nele com entusiasmo”. Lubitsch procurou compensar a banalidade da história com um esplendor visual. A maior atração do filme são justamente as sugestivas cenas nas montanhas, fotografadas em exteriores no Canadá por Oliver T. Marsh, notando-se ainda a marca do diretor nos ambientes, nos movimentos de câmera e em algumas elipses e subentendidos como, por exemplo, na sequência da noite em que Pia arrasta Marcus para a cama ou na sequência do casamento duplo, pontuada com o bater dos sinos e os comentários dos sineiros. Tal como ocorreu em Alta Traição, houve adição de um score musical e efeitos sonoros.

ERNST LUBITSCH – I

Dotado de um estilo bem definido e do poder de se expressar através do cinema puro, Ernst Lubitsch, um dos mais representativos emigrados que ajudaram a desenvolver a indústria cinematográfica de Hollywood nos anos 20/40, preocupou-se sempre em agradar o público.

Ele nunca procurou criar obras altamente artísticas ou de vanguarda como seus contemporâneos Murnau e Fritz Lang. “Jamais perdí de vista, durante minha carreira, esta idéia de que um filme deve evitar ao máximo situações e concepções que só podem ser apreciadas e compreendidas por uma parcela determinada e limitada de espectadores” (Lubitsch).

Tanto nas farsas curtas e grandiosos espetáculos históricos da fase alemã como nas operetas e comédias sofisticadas americanas, predominou a intenção do entretenimento. Aliando seu espírito europeu, tipicamente judaico-berlinense, a uma arguta observação dos costumes dos Estados Unidos, Lubitsch criou um humor atrevido e malicioso, através de deliciosas ironias, subentendidos elegantes  e insinuações rápidas com a câmera, que ficaram conhecidos como o Lubitsch Touch.

Inspirando-se em Stroheim (Esposas Ingênuas / Foolish Wives / 1921) e em Chaplin (Casamento ou Luxo / A Woman of Paris / 1923), ele ajudou a introduzir a psicologia na tela e, apropriando-se também um pouco do luxo e sensualidade dos filmes de Cecil B. DeMille, influenciou toda uma escola de realizadores (Malcom St. Clair, Harry d’Abbadie d’Arrast, Monta Bell, Rouben Mamoulian, Lewis Milestone, William Dieterle, Joseph L. Mankiewicz, Billy Wilder, etc.) que, no entanto, jamais ultrapassaram o mestre no gênero que o celebrizou. “Ele estava muito acima de todos nós no campo da alta comédia sofisticada,” afirmou Mankiewickz.

Ernst Lubitsch nasceu em Berlim no dia 29 de janeiro de 1892, filho de Simon Lubitsch e Anna Lindenstaedt. O pai, de origem russa, tinha uma loja de confecções na Schönhäuser Allee, que ficava a vinte minutos a pé da Alexanderplatz no centro da cidade. Aos 16 anos, apaixonado pelo teatro, o jovem Ernst deixou os estudos no Sophien-Gymnasium e o trabalho no estabelecimento paterno, travando amizade com o ator Victor Arnold, que lhe deu aulas de arte dramática e o levou aos palcos.

Em 1911, com a ajuda de Arnold, Ernst ingressou no Deustches Theater, dirigido por Max Reinhardt, notável encenador austríaco, sob cuja orientação se formou a nata dos atores que despontariam depois nas telas germânicas: Emil Jannings, Paul Wegener, Werner Krauss, Conrad Veidt, Fritz Kortner, Gustav Grundgens, Heinrich George, etc. Além do aprendizado com Reinhardt, Ernst começou a atuar em cabarés, cantando e dançando, muito interessado em aprender tudo o que podia sobre a fascinante profissão de ator.

Em 1913, Lubitsch estréia no cinema como ator em Eine Ideale Gattin uma produção da Deutsche Bioscop, com a qual colabora por um breve período. No ano seguinte, ele interpreta o papel principal em Die Firma heiratet, comédia ligeira (lustpiele) ambientada no meio pequeno-burguês da konfektion, produzida pela Projektions – AG Union, na qual atingiu a notoriedade. Ainda em 1914, Lubitsch participa de Der Stolz der Firma, também sobre o meio da confecção, e se torna o orgulho da Union.

Durante quatro anos, em período de guerra, ele fica conhecido como intérprete de tipos cômico-burlescos judeus, como o alfaiate trouxa e sortudo (Meyer) ou os caixeiros rústicos e ladinos (Moritz, Lachman), que acabavam conquistando a filha do patrão e entrando como sócios da firma. Porém surgiu um impasse: “Se quisesse continuar, tinha de escrever meus próprios argumentos. Então, com um amigo, o ator Erich Schönfelder, escreví uma série de comédias de um rolo e as vendí para a Union, num pacote autor-diretor-ator, proporcionando-lhes três serviços pelo preço de um. Eis como passei a diretor” (Lubitsch).

Aos primeiros encargos atrás da câmera, Fräulein Seinfenschaum / 1914 e Aufs Eis geführt / 1915, seguiram-se filmes nos quais atuava apenas como ator ou acumulava outras funções, utilizando geralmente a atriz Ossi Oswalda, a “Mary Pickford da Alemanha” (alguns passaram no Brasil como A Primeira Bailarina / Das Mädel Vom Ballet / 1918).

Seu maior triunfo neste período, Schuhpalast Pinkus / 1916, marcou a primeira (das vinte e sete) colaborações com Hänns Kraly, responsável pelo roteiro juntamente com Schönfelder. Além de dirigir o filme, Lubitsch encarna o personagem Solomon (Sally) Pinkus, um estudante preguiçoso que prefere andar atrás das garotas, em vez de cumprir os deveres escolares. Expulso do colégio, vai trabalhar numa sapataria, onde seu fraco pelas mulheres quase lhe é fatal. Depois, conquista o coração de Melitta (Else Kenter), uma bailarina que lhe empresta dinheiro, para abrir a sua própria loja de calçados. Embora caracterizado com sendo estúpido, Pinkus tem a faculdade de se desvencilhar de qualquer situação: quando está metido numa encrenca, gesticula, persuade, justifica-se de tal maneira, que o opositor não tem outro remédio senão desculpar a falta.

Uma grata surpresa entre as comédias com Ossi Oswalda foi Ich möchte kein Mann sein / 1918 (trad. literal: Eu não gostaria de ser um homem), uma excursão rápida pelo mundo do papel sexual invertido. Ossi Owalda (Ossi) goza os prazeres da vida – jogando cartas, fumando e bebendo – um  comportamento não condizente com uma dama segundo seu tio (Ferry Sikla), com quem mora. Aproveitando a ausência do tio, Ossi decide “viver como um homem”. Veste-se em conformidade e rapidamente descobre os inconvenientes de pertencer ao sexo masculino, por exemplo, quando não encontra lugar sentado num transporte público. Devidamente “travestida”, ela vai a um baile, onde encontra o Dr. Kersten (Kurt Götz), a quem o tio havia encarregado de cuidar dela. Sem se reconhecerem, os dois se entregam a excessos alcoólicos. A caminho de casa, eles se beijam – e não como amigos – várias vezes. No final, os dois se reconhecem e Ossi promete se comportar dali em diante com uma mulherzinha submissa.

Ainda em 1918, Lubitsch realizou seu primeiro longa-metragem, A Múmia / Die Augen der Mumie Ma, aventura exótica melodramática, sobre uma dançarina de um templo egípcio, Ma (Pola Negri), que se apaixona por um pintor inglês, Alfred Wendland (Harry Liedtke), e é obsessivamente perseguida por Radu (Emil Jannings), um sacerdote fanático. Wendland casa-se com Ma e a leva para a Inglaterra mas Radu os persegue e a mata. O filme, com roteiro de Kraly e Emil Rameau, firmou a reputação de Lubitsch como diretor dramático e o revelou como aluno de Reinhardt, cujas revolucionárias invenções no teatro ele adaptou ao cinema. Esta produção impulsionou também a carreira alemã da atriz polonesa Pola Negri e proporcionou a Emil Jannings seu primeiro grande papel. Entretanto, os críticos notaram a superficialidade das situações como o fanatismo pouco convicente de Radu, o amor à primeira vista entre Wendland e Ma, e as múltiplas coincidências forçadas no enredo, para tentar dar uma conclusão vagamente trágica à história.

O próximo sucesso de Lubitsch, Carmen / Carmen /1918, produzido pela UFA e tendo no elenco Pola Negri (Carmen), Harry Liedtke (Don José Navarro), Magnus Stifter (Escamillo) e Paul Biensfeldt (Garcia), deu-lhe projeção internacional. A criação de Prosper Mérimée já fora levada à tela por Cecil B. DeMille (Geraldine Farrar) e Raoul Walsh (Theda Bara) mas estas versões,  ambas datadas de 1915, se inspiraram mais na ópera de Bizet. Somente a versão de Lubitsch narrava a história em retrospecto, tal como ocorria no original do escritor francês. Num acampamento, um viajante contava “a história de um homem enfeitiçado”.

Reconstituindo a Espanha do começo do século XX, os cenários de Kurt Richter, executados por Karl Machus, ergueram-se com precisão realista no lote adjacente ao estúdio da UFA em Tempelhof e foram enquadrados pelo fotógrafo Alfred Hansen, que também servira a Lubitsch em  A Múmia. A composição de Pola Negri, sem glamour, se aproximava mais da cigana rude e relaxada de Mérimée, e assim foi aclamada como a “atriz número um da Alemanha”.

Depois dessa incursão pela adaptação literária, Lubitsch voltou à comédia, fazendo mais filmes com Ossi Oswalda, entre os quais se destacaram Minha Mulher, Artista de Cinema / Meine Frau, die Filmschauspielerin / 1919, sátira ao universo do Cinema e às suas estrelas e A Princesa das Ostras / Die Austernprinzessin / 1919, conto satírico e mordaz sobre os laços culturais entre Europa e América. No primeiro, Ossi interpreta uma diva do cinema temperamental. No segundo, ela faz a filha de um milionário ianque, conhecido como “O Rei das Ostras”. O pai quer casá-la com o Príncipe Nucki (Harry Liedtke) da tradicional aristocracia prussiana mas, por engano, Ossi confunde Nucki com seu criado Josef (Julius Falkenstein), que fora à mansão examinar as qualificações da pretendente, e se casa com ele com o nome de Nucki.

Quando Josef chega à fabulosa morada, dão-lhe um mapa para chegar até onde estavam a moça e o pai, e o criado dizia “Glukliche Reise”(Boa Viagem). O filme resumia tudo o que Lubitsch aprendera da arte da comédia (a sequência do foxtrote é inesquecível) e pressagiava o método usado com cintilante efeito em Hollywood. “Die Austernprinzessin foi minha primeira comédia a mostrar algo do meu estilo definitivo” (Lubitsch). O filme fêz um grande sucesso quando exibido aquí no Rio de Janeiro.

Depois de conduzir Vertigem / Rausch / 1919 (filme do qual não existe mais nenhuma cópia) com Asta Nielsen e Alfred Abel, drama de interiores (Kammerspiel) baseado em Strindberg e fotografado por Karl Freund, Lubitsch deixou-se contaminar pelo entusiasmo de Paul Davidson (então executivo da UFA) e deu início aos preparativos de um superespectáculo, Madame Dubarry / Madame Dubarry / 1919. Mais uma vez ele convocou o roteirista  Hanns Kräly e o fotógrafo Theodor Sparkhul (ex-cameraman de cine-jornais, colaborador precioso de Minha Mulher, Artista de CinemaA Princesa das Ostras e de todos os filmes do cineasta, com exceção de Vertigem, até sua ida para a América) e entregou os papéis principais a Pola Negri (Madame du Barry) e Emil Jannings ( Louis XV).

Na mise-en-scène de Madame du Barry, o diretor denotava a influência de Max Reinhardt (preparo minucioso da decoração e do vestuário, arranjo coral dos figurantes, organização funcional do espaço) e expunha sua própria inventividade (máscaras e vinhetas na pontuação, distanciamento do modelo italiano). “A importância dos meus filmes históricos residiam no fato de que eles se distinguiam completamente da escola italiana então muito em voga, que tinha algo a ver com a grande ópera. Tentei “desoperizar” meus filmes e humanizar meus personagens históricos. Dei o mesmo valor às nuanças íntimas e aos movimentos de massas e procurei fundir estes dois elementos”(Lubitsch). Para Lubitsch, a História servia apenas como pretexto para rodar obras suntuosas e ele a utilizou como pano de fundo para as intrigas de boudoir. Em Madame du Barry Lubitsch interpretou a Revolução Francesa como consequência de assuntos particulares da Corte de Louis XV.

Simples aprendiz numa casa de modas, Jeanne Vaubernier (Pola Negri) torna-se a Condessa du Barry, a preferida do Rei (Emil Jannings). Ela consegue libertar da prisão Armand de Foix (Harry Liedtke), seu amante, preso por matar um adversário em duelo, e ainda obtém que ele seja nomeado oficial da guarda real. Armand não simpatiza com o ambiente da Corte e toma parte numa conspiração chefiada pelo sapateiro Paillet (Alexander Ekert). O Rei é atacado de varíola. E Armand incita a multidão a assediar a Bastilha. Luis XV morre e Madame du Barry, expulsa da Corte, é levada a um tribunal revolucionário, presidido exatamente por Armand de Foix. Este procura salvá-la mas Paillet, sabedor da ligação entre ambos, manda assassinar Armand enquanto Du Barry é condenada à morte na guilhotina.

Esta deformação histórica suscitou críticas a Lubitsch; porém na América, ele se viu saudado como “grande humanizador da História “ e o Griffith da Alemanha”. Em Nova York, onde ainda era forte o sentimento anti-germânico, a First National, que comprara o filme,  após ele ter sido rejeitado por todas as demais companhias, protegeu seu investimento, reintitulando-o de Passion e anunciando-o como “um espetáculo europeu”, sem a menor indicação dos nomes de Lubitsch e Jannings. Em Los Angeles, certas organizações, como a American Legion, tentaram baní-lo das telas. Entretanto, Passion foi um tremendo sucesso e este êxito impulsionaria a importação de outros filmes de Lubitsch como Anna Boleyn que foi rebatizado de Deception, Carmen (Gypsy Blood), Sumurun (One Arabian Night), etc.

O entrecho de A Boneca / Die Puppe/ 1919, fantasia erótica inspirada em um tema de E.T. A. Hoffman, gira em torno de um herdeiro, Lancelot von Chanterelle (Hermann Timmig) que, para receber o legado, vê-se forçado a cumprir uma condição: casar. Quarenta jovens são apresentadas a Lancelot. Assustado com as formas bruscas do ataque feminino, o rapaz refugia-se num convento. Contornado o problema, ele pede a um fabricante de brinquedos, Hilarius (Victor Janson), que faça uma boneca de aparência real, para passar por sua noiva. A filha do fabricante, Ossi (Ossi Oswalda), quebra a boneca e toma o lugar dela. Em conivência com os monges, Lancelot leva-a ao convento e lá descobre a verdade. Nesta altura, estão apaixonados um pelo outro.

Lubitsch considerava A Boneca do Amor um de seus filmes mais imaginativos. Na cena de abertura, ele próprio aparecia, montando a miniatura do cenário, onde a ação se desenrola e, no transcorrer desta, ele usava toda sorte de truques de câmera, tela dividida, sobreimpressões, fotografia acelerada, múltipla exposição (havia uma tomada com doze imagens de bocas num só quadro) e cenografia estilizada, para extrair efeitos cômicos. A certa altura, Lancelot quebra a quarta parede, para se dirigir à plateia, tal como Maurice Chevalier faria nas futuras operetas do cineasta.

Entre os momentos mais engraçados, destacam-se as cenas entre o tímido Lancelot e as mulheres que o perseguem, (seja a turba de pretendentes, seja o exército de bonecas mecânicas), causando-lhe um sentimento de pavor ou ainda todas as cenas com a “boneca”, interpretada por Ossi Oswalda, assumindo brilhantemente a identidade de autômato e deliciosa com a sua dança mecânica sincopada.

Em 1920, duas comédias rústicas bastante populares, As Filhas de KohlhieselKohlhiesels Tochter com Henny Porten e Emil Jannings e Romeu e Julieta na Neve / Romeo und Julia im Schnee com Lotte Neumann e Gustav von Wangenheim, variações em tom de farsa, respectivamente de A Megera Domada e Romeu e Julieta de Shakespeare, transportadas para as montanhas da Bavária, Lubitsch sentiu-se apto para abordar o gênero do conto oriental, tão caro ao cinema alemão. A fonte escolhida foi Sumurun / Sumurun, a pantomima-balé na qual trabalhara ao lado de Pola Negri na montagem de Max Reinhardt no Deutsches Theater. Na adaptação cinematográfica, o diretor repetia seu desempenho como Yeggar, o bobo anão e corcunda, dono de um circo itinerante, que se apaixonava por Yannaia (Pola Negri), a dançarina da trupe. Comprada pelo sultão Omar (Paul Wegener), num incidente articulado pelo despeitado Yeggar, Yannaia vinha a ser surpreendida nos braços  de seu filho, Soliman (Carl Clewing), sendo ambos mortos pelo tirano. Sumurun era o nome carinhoso pelo qual o sultão chamava sua odalisca predileta, Zuleika (Jenny Hasselquist), enamorada de um mercador de tecidos, Nur-Al-Djin (Harry Liedtke). Omar encontra os dois amantes e se lança sobre o mercador para matá-lo mas, neste momento, Yeggar o apunhala pelas costas, vingando o assassinato de Yannaia.

Para as filmagens, a UFA mobilizou todos os recursos de que dispunha e com eles os cenógrafos Kurt Richter e Erno Metzner (com assessoria técnica de Kurt Waschneck) recriaram a paisagem de As Mil e Uma Noites em primorosos arabescos formais enquanto Sparkuhl forjava uma atmosfera de mistério. Josef von Sternberg elogiou a performance de Lubitsch e este, pela direção do filme, recebeu o cognome de “o Max Reinhardt do Cinema”.

Não concretizado o projeto de Salomé, com Pola Negri, Lubitsch deu continuidade à série de superproduções escapistas com Anna Boleyn / Anna Boleyn / 1920, cujos papéis centrais couberam a Henny Porten (Ana Bolena) e Emil Jannings (Henrique VIII).

Ana Bolena, sobrinha do Duque de Norfolk (Ludwig Hartau), entra na Corte como dama de companhia da Rainha Catarina (Hedwig Pauli). No dia do aniversário da Rainha, o vestido de Ana fica preso numa porta. Henrique VIII observa o episódio e começa a cortejá-la. A princípio, ela se conserva fiel ao amigo de infância, Sir Henry Norris (Paul Hartmann) mas, quando Henrique lhe oferece a coroa, ela aceita. Catarina é contrária ao divórcio e o Papa se recusa a anular o casamento. Usando de todas as suas prerrogativas, o monarca elimina a oposição, proclama-se Chefe da Igreja Anglicana, e festeja pomposamente o matrimônio com Ana. O Rei espera um herdeiro porém, quando nasce uma menina, passa a se interessar por uma nova beldade, Jane Seymour (Aud Egede Nissen). Ana é acusada de adultério com Norris e o tribunal condena-a à morte. Enquanto ela sobe ao patíbulo, Henrique VIII prepara suas próximas bodas.

Em Tempelhof foram construídas réplicas do Castelo de Windsor, da Torre de Londres, de Hampton Court e da Abadia de Westminster sob a meticulosa supervisão de Richter, e reunidos cinco mil figurantes, ultrapassando em grandiosidade as produções anteriores. Diante da esplêndida decoração e dos belos enquadramentos providenciados por Sparkuhl, os críticos exclamaram: “Lubitsch kann alles! (Lubitsch pode fazer qualquer coisa!).

Num intervalo entre os filmes monumentais, surgiu Gatinha Amorosa / Die Bergkatze / 1921, sátira antimilitarista de humor grotesco, rodada em estilo expressionista, com cenários expressionistas cômicos e vestuários bizarros (de Ernst Stern), despontando no elenco Pola Negri, como Rischka, uma jovem criada nas montanhas balcânicas.

Em uma majestosa e inexpugnável fortaleza dos Alpes, o Comandante (Victor Janson) preocupa-se coma filha Lilli (Edith Meller), pois o informaram da vinda de um autêntico Don Juan, o tenente Alexis (Paul Heidemann), que já havia sido seu hóspede e seduzira todas as moças dos arredores. No caminho, Alexis encontra Rischka, filha do chefe dos bandoleiros, Claudius (Wilhelm Diegelmann), a quem chamam, de “A Gata Brava”. Claudius rouba Alexis, deixando-o praticamente despido e este, ao chegar ao seu destino, promove uma expedição punitiva contra os bandoleiros. Nos festejos da vitória, Alexis decide casar com Lilli e Rischka, aproveitando a euforia reinante, saqueia totalmente a fortaleza.

Die Bergkatze foi um completo fracasso mas, apesar disso, tinha mais inventiva e espírito que muitas das minhas outras comédias”(Lubitsch). Uma cena que ilustra bem  A Gatinha Amorosa é aquela na qual, após o sonho romântico de Rischka, vemos a tenda desabar com tais convulsões oníricas e o seu pai   exclamar: “Esta menina tem que casar!”.

Terminado este exótico interregno, o diretor formou a sua própria companhia, Ernst Lubitsch-Film, e retornou à fantasia histórica, evocando o antigo Egito em Amores de Faraó / Das Weib des Pharao / 1922  que, com a ajuda financeira da EFA (Europäische Film-Allianz), uma companhia americano-germânica (Hamilton Theatrical Goup / Famous Players-Lasky / UFA); dos cenógrafos Kurt Richter e Ernst Stern; e dos fotógrafos Theodor Sparkuhl e Alfred Hansen, se igualou em magnitude aos maiores espetáculos internacionais produzidos mais ou menos naquela época.

Como Pola Negri não estava disponível, o papel da bela escrava Theonis – por quem o Faraó Amenes (Emil Jannings) e o Rei da Etiópia, Samiak (Paul Wegener) travam uma guerra sangrenta, perdendo no final o objeto de suas paixões para o verdadeiro amor da jovem, Ramphis (Harry Liedtke) – coube à atriz vienense Dagny Servaes, também ex-aluna de Max Reinhardt.

Sob o ponto de vista da técnica cinematográfica, o filme chegou a um ponto de perfeição semelhante aos filmes americanos daquele tempo. Lubitsch conduz o drama para um desenlace semelhante às tragédias gregas e às de Shakespeare. O faraó é humilhado pelo povo, que antes o temia, e morre de desgosto. Sua morte é complementada pelas mortes dos dois jovens amantes, Theonis e Ramphis, que são apedrejados pela multidão.

Lubitsch chegou à América pela primeira vez no véspera do Natal de 1921, acompanhado por Paul Davidson, para estudarem os métodos de produção  americanos. Na sua curta estadia, Lubitsch descobriu que, na América, o diretor de arte era menos importante que o fotógrafo. “Os fotógrafos americanos são os melhores do mundo”, ele comentaria em 1929. “Como os invejávamos na Alemanha. Eles sabiam uma coisa, que daríamos tudo para saber: como fotografar os atores sem que a maquilagem não aparecesse.”

No seu retorno à Alemanha, Lubitsch casou-se com Irni (Helene) Kraus, uma viúva, cujo primeiro marido, um soldado alemão, morrera de gripe durante a Primeira Guerra Mundial, deixando-a com dois filhos pequenos, Edmund e Heinz.

Lubitsch encerrou suas atividades no seu país natal com A Modista de Montmartre / Die Flamme / 1923 (exibido na América como Montmartre),  melodrama de costumes na Paris do fim-do-sécul adaptado de um conto de Guy de Maupassant e com direção de arte de Ernst Stern e Kurt Richter. Yvette (Pola Negri), uma cocote, casa-se com um compositor, André (Hermann Thimig) mas não consegue se adaptar à vida burguêsa e se suicida, jogando-se pela janela.

Lubitsch declarou: “como um antídoto contra os grandes épicos históricos, sentí necessidade de fazer … um pequeno, íntimo Kammerspiel”. O operador de câmera Charles Van Enger, depois de ver o único fragmento sobrevivente do filme (conservado no Munich Stadtmuseum), observou que, obviamente, o diretor sentia-se mais à vontade com a Paris de La Boheme do que com o Egito antigo ou a Pérsia de conto-de-fadas.

Em uma sequência de cinema puro muito lembrada de A Modista de Montmarte, Pola Negri está pensando se deve ou não deixar seu marido. Ela senta no banquinho de uma penteadeira e apalpa nervosamente sua aliança de casamento. Tira a aliança, avalia seu peso na palma da mão e a coloca dentro de uma caixa numa gaveta. Ao fechá-la, um porta-retrato com a foto do marido cai no chão. Subitamente ela se amendronta e seu corpo fica tenso. Pola então apanha  o porta-retrato e o recoloca no lugar, retira a aliança da caixa e a põe no dedo. Em seguida se levanta e corre para abraçar o marido no quarto ao lado. Este meio minuto de ação revela o que um cineasta inventivo é capaz de fazer combinando o detalhe e o simbolismo.

Enquanto o filme A Modista de Montmartre estava sendo feito, Lubitsch começou a construção de uma casa, que nunca seria habitada pelo seu dono porque, quando ela ficou pronta, ele estaria a caminho de Hollywood, com um contrato para dirigir a estrela mais famosa do mundo.

DOUGLAS FAIRBANKS

Com exceção de seu amigo Charles Chaplin, Douglas Fairbanks foi o maior astro masculino do cinema mudo, ídolo de milhares de jovens e também de um grande número de adultos. Ele representava coragem, vigor, decência, uma mente sã em corpo são, otimismo, auto-confiança – chegando até à timidez – pelo sexo fraco e … sucesso.

Suas armas para atrair o público foram o seu espantoso atletismo e um sorriso enorme e irresistível. Fairbanks não era alto nem particularmente bonito mas gozava de uma forma física excelente, usando o corpo para expressar o caráter  de seus personagens e praticar cenas de ação engenhosas, que ele executava sem precisar de dublês. Além da agilidade atlética e simpatia, tinha o que todo astro deve ter: magnetismo. Com essas qualidades, tornou-se o primeiro Rei de Hollywood e seus filmes contribuíram para definir o espírito de seu tempo.

Fairbanks foi também um dos produtores mais criativos de Hollywood. Aprendeu tudo o que podia sobre a realização de filmes e se cercou dos melhores artistas e técnicos. Frequentemente contribuía na redação dos roteiros (sob o pseudônimo de Elton Thomas) e co-participava da direção de seus filmes. Caprichoso e perfeccionista, ele gastou muito dinheiro, construindo cenários gigantescos, para que o esplendor, o fausto, a pompa de suas histórias fossem sustentados visualmente e deliciassem os olhos dos espectadores.

Douglas Elton Thomas Ulman (1883-1939) nasceu em Denver, Colorado. Sua mãe, Ella Adelaide Marsh, havia se casado primeiramente com John Carpenter, um rico plantador de Massachussets. O filho deles, também chamado John, nasceu em 1873. O pai, John Sr., morreu de tuberculose neste mesmo ano. Ela então se casou com o juiz Edward Wilcox, com quem teve outro filho, Norris. Quando Wilcox  se tornou um alcoólatra, Ella pediu o divórcio com a ajuda de um renomado advogado judeu de Nova York, Hezekiah Charles Ulman, que depois se apaixonou e se casou com ela.  Ella e Ulman tiveram dois filhos, Robert e Douglas. Ulman abandonou o lar quando Douglas tinha cinco anos de idade. Ella reassumiu o nome do primeiro marido, Fairbanks, colocando-o também em Robert e Douglas, e batizou os meninos na fé católica. Depois da morte de Fairbanks, outro fato veio à tona: Ulman não havia se divorciado legalmente de sua primeira esposa, de modo que Douglas e Robert eram filhos ilegítimos.

Desde pequeno Fairbanks demonstrou interesse em ser ator. Em 1899, quando tinha apenas dezesseis anos, excursionou com a famosa companhia de Frederic Warde, especializada em Shakespeare e, um ano depois, estava na Broadway. Durante os próximos quatorze anos ele firmou sua reputação como ator e, em 1906, com sua aparição na peça Man of the Hour, tornou-se oficialmente um astro.

Em 1907, Fairbanks casou-se com Beth Sully, filha do ex-“Rei do Algodão”, Daniel J. Sully, e desistiu por um tempo do teatro, indo trabalhar na Buchan Soap Company, o novo negócio do pai de Beth. Em 9 de dezembro de 1909, o casal teve um filho, Douglas Fairbanks, Jr., que seria no futuro um renomado ator do cinema e do teatro.

Todavia, Fairbanks não gostou do emprego, e retornou aos palcos, tendo sido eventualmente levado à Costa Oeste por Harry Aitken da Triangle Film Company.

A carreira de Fairbanks no cinema mudo teve duas partes distintas: até 1920, ele fez comédias (românticas, dramáticas, western); após esta data, salvo uma exceção, começou a fazer filmes de aventuras de época, pelos quais é mais lembrado nos dias de hoje.

Fairbanks começou fazendo 13 filmes na Fine Arts Film Combany, distribuídos pela Triangle Film Corporation: Amor Inspira Audácia / The Lamb / 1915, Dois … Um Só / Double Trouble / 1915, Delírio de Aparecer / His Pictures in the Papers / 1916, Um Professor de Alegrias / The Habit of Happiness / 1916, O Bom Facínora / The Good Bad Man / 1916, O Aventureiro Heróico / Reggie Mixes In / 1916, Sherlock Douglas / The Mystery of the Leaping Fish / 1916,  Um Moço Valente / Flirting with Fate / 1916, O Índio Amoroso / The Half Bread / 1916, Nova York Misteriosa / Manhattan Madness / 1916, Aristocracia Americana / American Aristocracy / 1916, Um Casamento Trabalhoso / The Matrimoniac / 1916, O Verdadeiro Americano / The Americano / 1916.

Em 1917, Fairbanks formou sua própria produtora, Douglas Fairbanks Pictures Production e passou a distribuir seus filmes pela Artcraft Film Corporation, que fora criada pela Famous Players-Lasky, para distribuir os filmes de Mary Pickford. Entre 1917 e 1919 ele fez mais 13 filmes: Por Tí, Querida! / In Again – Out Again / 1917,  Provocação / Wild and Wooly / 1917, Um Problema Humano / Down to Earth / 1917, Miguel, o Touro / The Man from Painted Post / 1917, Querendo Agarrar a Lua / Reaching for the Moon / 1917, Um Moderno Mosqueteiro / A Modern Musketeer / 1917, Bandoleiro do Amor / Headin’ South / 1917, O Protetor / Mr. Fix – It / 1917, O Jovem Ambicioso / Say! Young Fellow / 1917, O Homem do Automóvel / Bound in Moroccco / 1918, Sempre Sorrindo / He Comes Up Smiling / 1918, Golpe Adversário / Arizona / 1918,  Audaz e Caprichoso / The Knickerbocker Buckaroo / 1919.

Em 1919, os quatro maiores artistas de Hollywood, Douglas Fairbanks, Mary Pickford, Charles Chaplin e D.W. Griffith celebraram um acordo revolucionário,  pelo qual eles se tornaram distribuidores dos seus próprios filmes independentes. Nesta fase United, Fairbanks fez mais quatro comédias, Sua Majestade o Ianque / His Majesty the American / 1919, O Supersticioso / When the Clouds Roll By / 1919, Ousadia Hereditária / The Mollycoddle / 1920 e O Maluco / The Nut / 1921 e os oito filmes de aventuras de época: A Marca do Zorro / The Mark of Zorro / 1920, Os Três Mosqueteiros / The Three Musketeeers / 1921, Robin Hood / Robin Hood ou Douglas Fairbanks in Robin Hood)/ 1922, O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad / 1924, Don Q, o Filho do Zorro / Don Q, Son of Zorro / 1925,   O Pirata Negro / The Black Pirate / 1926, O Gaucho / The Gaucho ou Douglas Fairbanks as the Gaucho / 1927, O Máscara de Ferro / The Iron Mask / 1929.

No cinema sonoro, Fairbanks fez quatro filmes: Mulher Domada / Taming of the Shrew /1929, O Príncipe dos Dólares / Reaching for the Moon / 1930, Robinson Crusoe Moderno / Mr. Robinson Crusoe / 1932 e Os Amores de Don Juan / The Private Life of Don Juan / 1934 porém neste  artigo vou falar apenas sobre os oito filmes de aventuras de época, lembrando que eles estão disponíveis em dvds da Kino Video. Quanto às 30 comédias, dez delas podem ser vistas na coletânea Douglas Fairbanks: A Modern Musketeer, oferecida pela Flickler Alley, composta por cinco dvds.

Quando Fairbanks expandiu seu universo cinematográfico para os filmes de espadachim, ele simplesmente transportou o seu jovem dinâmico e decidido  das suas comédias contemporâneas para a História. Como observou Jeanine Basinger em Silent Stars (Wesleley University, 1999),  “todos os oito swashbucklers silenciosos de Fairbanks tinham em comum excelentes valores de produção, ação excitante, altas doses de comédia agradável, um pouco de sátira e no centro, Douglas Fairbanks, que já havia criado sua persona e agora estava criando um gênero”.

Tendo tomado a decisão de realizar um filme de aventura de época, A Marca do Zorro, Fairbanks começou a formar a sua equipe. Fred Niblo foi contratado para dirigir o  primeiro dos dois filmes para Fairbanks. Niblo basicamente firmou sua reputação com Fairbanks e depois assumiria a direção de filmes mudos importantes como Sangue e Areia / Blood and Sand / 1922 e Ben-Hur / Ben-Hur, a Tale of the Christ. William McGann e Harris Thorpe foram contratados como fotógrafos. Edward M. Langley providenciou a direção de arte e Eugene Mullin trabalhou com Fairbanks na adaptação da história de Johnston McCulley, “The Curse of Capistrano”. Marguerite dela Motte (Lolita) foi contratada como atriz principal e coadjuvantes muito capazes como Robert McKim (Capitão  Juan Ramon), Noah Beery (Sargento Gonzales), Charles Hill Mailes (Don Carlos Pulido), Claire McDowell (Dona Catalina), Snitz Edwards (Dono da taverna) e Sydney De Grey (Don Alejandro) completaram o elenco.

Um dos melhores stuntman de Hollywood, Richard Talmadge também estava na folha de pagamento, para dar assistência a Fairbanks na coreografia das cenas de ação. Nos ensaios, Talmadge serviu apenas como um modelo: Fairbanks, observava-o executando as cenas de ação e em seguida o próprio Fairbanks as repetia diante das câmeras. Outra contribuição valiosa foi a do mestre de esgrima belga, Henry J. Uyttenhove, que coreografou todas as cenas de duelo do filme.

Fairbanks adicionou alguns elementos importantes à história de McCulley. Ele deu à A Marca do Zorro, não somente o seu título definitivo mas também duas de suas características mais identificáveis. Primeiro, em “The Curse of Capistrano” não há menção à famosa “marca” do Zorro – um “Z” gravado nas suas vítimas. A “marca” foi um inovação do filme. Em segundo lugar, a natureza afetada e frívola de Don Diego Vega, como sugerida pelos truques de salão, que ele pratica com o seu lenço, também foi uma idéia de Fairbanks. Johnston McCulley incorporou esses elementos na sua história seguinte sobre o Zorro, publicada em 1922, que foi inquestionavelmente influenciada pelo filme de Fairbanks.

Destaco aqui as duas sequências de A Marca do Zorro que mais me agradaram. A primeira foi a sequência de abertura dentro de uma taverna durante uma noite chuvosa. Os fregueses estão apavorados falando sobre o mascarado Zorro, que havia gravado a sua marca no rosto de um dos soldados do Sargento Gonzales. O arrogante e vaidoso Gonzales alardeia que será ele quem vai capturar o fora-da-lei. De repente, ouve-se uma batida na porta e todos ficam congelados de medo. A porta se abre lentamente, e uma figura, obscurecida pela noite e por um grande guarda- chuva preto, penetra no recinto. Enquanto os espectadores prendem a respiração, o guarda-chuva é levantado e fica claro que a figura não é o temível Zorro mas o dândi Don Diego. A outra sequência me entusiasmou mais ainda. Foi a maravilhosa caçada perto do final do filme, na qual a Fairbanks dá uma mostra de vários feitos acrobáticos sensacionais, quando o Zorro escapa da comitiva do governador. A perseguição culmina numa cena memorável em que o herói tira a máscara e enfrenta o vilão como Don Diego, revelando sua verdadeira identidade para espanto do pai, do sogro e de todos os presentes. Como um todo, esta é, na minha opinião, uma das melhores sequências de filmes de capa-e-espada do cinema.

Com este filme, Fairbanks definiu e popularizou o gênero capa-e-espada. Todos os praticantes depois dele – Errol Flynn, Tyrone Power, Gene Kelly, Burt Lancaster, Douglas Fairbanks Jr. entre outros – inspiraram-se na herança de Fairbanks e na sua contribuição para a composição do herói espadachim.

Na vida real, 1920 foi o ano em que Fairbanks se casou com uma atriz, cuja fama era ainda maior do que a dele – Mary Pickford.  Eles contraíram matrimônio em 28 de março e foram morar em “Pickfair”, sua residência de Beverly Hills, que foi apelidada de  “Buckingham Palace de Hollywood”, pois os dois astros formavam uma verdadeira realeza americana.

O sucesso popular de A Marca do Zorro significou uma mudança, não somente do gênero de filmes de Fairbanks, mas também do próprio Fairbanks. Há muito tempo que ele queria realizar grandes espetáculos. Com este propósito, começou a trabalhar, para trazer o seu herói predileto D’Artagnan, (do romance Os Três Mosqueteiros de Alexandre Dumas), para as telas. Fairbanks se identificava mais com o bravo e incansável D’Artagnan do que com qualquer outro personagem que interpretou, e ele se empenhou na produção com muito entusiasmo.

Fairbanks chamou novamente Fred Niblo para dirigir a produção e convocou seu velho amigo Edward Knoblock, dramaturgo, roteirista e romancista inglês, que era uma autoridade em história e cultura francesa do reino de Louis XIV. O roteiro finalmente utilizado foi muito simplificado, abordando apenas o episódio envolvendo o colar de diamantes da rainha. Outra alteração significativa foi o interesse amoroso de D’Artagnan. Constance Bonacieux passou a ser sua sobrinha e não a mulher de M. Bonacieux, a fim de se evitar problemas com a censura. Ademais, Constance não morria como no romance, para que o filme tivesse um final feliz. Arthur Edeson foi o fotógrafo de Os Três Mosqueteiros e, no futuro, de alguns clássicos como Frankenstein / Frankenstein / 1931, O Grande Motim / Mutiny on the Bounty / 1935, Relíquia Macabra / The Maltese Falcon / 1941 e Casablanca / Casablanca / 1942.

No elenco: Marguerite de la Motte (como Constance Bonacieux), Léon Bary (Athos) , George Siegmann (Porthos), Eugene Pallette (Aramis), Mary MacLaren (Ana D’Austria), Barbara La Marr (Milady de Winter), Nigel de Brulier (Cardeal Richelieu) e Adolphe Menjou (Louis XIII). E, é claro, o próprio Fairbanks que, com convicção e sinceridade absoluta, estava convencido de que era o D’Artagnan ideal.

Enquanto A Marca do Zorro havia sido produzido com cautela e valores de produção conservadores, Os Três  Mosqueteiros tinha cenários suntuosos, um elenco numeroso e um vestuário magnífico. O diretor de arte Edward M. Langley se desdobrou para assegurar a reprodução fiel dos interiores, da casa rural de D’Artagnan na  Gasconha aos aposentos ornamentados de Louis XIII.

Um dos feitos mais notáveis  da produção foi a construção das cenas de luta de espada, um esforço colaborativo entre Fairbanks, Niblo e o esgrimista-coreógrafo H. J. Uyttenhove, sobressaindo a sequência do combate contra os guardas do Cardeal, quando Fairbanks desce pelo corrimão de uma escadaria e enfrenta um número incrível de adversários. Entretanto, esta sequência aconteceu muito cedo no desenrolar da narrativa e o filme não atingiu depois outro momento tão excitante. Por outro lado, a direção de arte não convenceu como a França do século dezessete. Fairbanks percebeu essas falhas do filme e retificou seus erros quando retomou o assunto em O Máscara de Ferro.

Animado com o êxito de Os Três Mosqueteiros, Fairbanks empreendeu um filme ainda mais grandioso, Robin Hood, que consumiu quase um ano de sua vida e  assentou a matriz para todos os seus filmes silenciosos subsequentes.

Edward Knoblock  havia inicialmente proposto a Fairbanks a produção de uma adaptação do romance Ivanhoe de  Sir Walter Scott e daí surgiu a idéia de um filme inspirado na lenda de Robin Hood. Ambas as sugestões foram submetidas ao quartel-general da United Artists em Nova York, para o departamento de vendas manifestar a sua recomendação e  Robin Hood foi escolhido como a sugestão mais vendável.

Fairbanks reuniu sua equipe para o primeiro dia de pré-produção no dia do Ano Novo em 1922. Robert Florey (futuro diretor), que estava então empregado por Fairbanks na qualidade de chefe da publicidade no exterior, lembrou-se anos depois de ter ouvido seu patrão declarar: “Acabei de decidir que vou filmar a história de Robin Hood. Construiremos os cenários aqui em Hollywood. Vou chamá-lo de O Espírito da Cavalaria. “Nunca me esquecí” – disse Florey – “da impetuosidade com a qual Douglas fez este pronunciamento. Ele bateu com o punho numa pequena mesa. Ninguém disse uma palavra”. Segundo Florey, Fairbanks continuou: “Mary e eu vamos comprar um novo estúdio, onde  todos poderemos trabalhar juntos . Estou pensando no velho Jesse Hampton Studio em Santa Monica (obs. que se transformou no Pickford-Fairbanks Studio). Não existe nada além de campos lá e nós podemos construir alguns cenários realmente grandiosos – Nottingham no século doze, o castelo de Ricardo Coração de Leão, uma cidade na Palestina, a Floresta de Sherwood e o covil dos fora-da-lei. Há um largo espaço ao sul onde poderemos filmar o acampamento dos Cruzados. Teremos milhares de vestimentas desenhadas de acordo com os documentos da época, compraremos escudos, lanças, e espadas aos milhares, vamos encenar um torneio, vamos …”. “E quanto vai custar tudo isso?”, perguntou John Fairbanks, o irmão de Douglas, que era o tesoureiro da companhia. “Isto não vem ao caso”,  replicou Douglas. “Estas coisas têm que ser feitas com precisão, ou de forma alguma”.

Fairbanks autorizou a construção de um enorme castelo normando como centro principal de seu filme. O tamanho da estrutura suplantou a do palácio Babiloniano de Intolerância de D. W. Griffith, até então o maior cenário cinematográfico jamais construído. O castelo foi uma criação do diretor de arte supervisor o grande Wilfred Buckland. Mitchell Leisen que, como Buckland, trabalhara para Cecil B. DeMille, foi o figurinista (Leisen se tornaria um diretor de prestígio em Hollywood). Arthur Edeson atuou de novo como fotógrafo e os serviços de Henry J. Uyttenhove foram requisitados mais uma vez para coreografar todas as cenas envolvendo lutas de espada.

O elenco incluía: Enid Bennett (Lady Marian), Wallace Beery (Ricardo Coração de Leão), Sam de Grasse (Príncipe John) e Paul Dickey (Sir Guy of Gisbourne) e Faribanks contou ainda com a ajuda de dois engenheiros altamente capazes – seu irmão Robert e o diretor Allan Dwan – para resolverem os vários problemas técnicos. Um dos grandes momentos do filme foi a maravilhosa descida de Robin Hood por uma cortina imensa e majestosa existente no vasto salão do castelo. Ela era feita em tela de juta mas foi pintada à mão por Leisen, para evocar uma tapeçaria. Dwan escondeu um escorrega atrás da cortina, para facilitar o deslizamento do herói, e demonstrou ele mesmo como Fairbanks deveria fazer a  cena.

A certa altura da filmagem, Robert ficou muito preocupado com a determinação de seu irmão de escalar uma ponte levadiça, para se infiltrar no castelo de Nottingham. Fairbanks acabou aceitando o emprego de um dublê. Durante o ensaio, ficou óbvio que o dublê contratado não estava conseguindo proporcionar a devida combinação de atletismo e graciosidade típicas do ator e foi ordenada a sua substituição por outro dublê. No dia seguinte, foi encontrado um acrobata, que começou a ensaiar e a testar as roupas e a maquilagem. Quando as câmeras rodaram, a equipe ficou encantada ao ver que o acrobata se parecia mais com Fairbanks do que durante os ensaios e que estava impregnando a sequência com os seus gestos característicos, que haviam sido considerados inimitáveis. Somente quando o acrobata chegou ao topo da ponte levadiça, foi que Dwan e Robert perceberam que o próprio Fairbanks havia dublado o seu próprio dublê.

A primeira parte surpreendeu o público, que esperava cenas de ação, assim que Fairbanks aparecesse na tela mas ele explicou: “Creio que sem uma apresentação completa do herói no personagem do Earl of Huntingdon, suas façanhas como Robin Hood teriam sido menos eficazes”. De fato, o filme se arrasta no início porém, quando começa a ação, ele deslancha. Os cenários massivos – a ponte levadiça, o castelo, o convento, o salão de banquetes – são impressionantes e os figurinos de Leisen, muito bonitos.

Fairbanks ofereceu às plateias um espetáculo ainda maior em O Ladrão de Bagdad, uma aventura de fantasia inspirada em As Mil e Uma Noites.  Trabalhando com o diretor de arte William Cameron Menzies, Fairbanks supervisionou a construção de uma cidade cheia de abóbadas e minaretes, um palácio de proporções gigantescas, ruas minúsculas com arcadas, pontes, escadarias e corredores, uma cidade de sonho saída de um conto de fadas e especificamente planejada para dar a impressão de que estava flutuando sobre suas próprias ruas.

Desenho visual soberbo, espetáculo, esplendor imaginativo e efeitos visuais, juntamente com a performance brilhante de Fairbanks (liderando um elenco com milhares de figurantes), contribuíram  para fazer de O Ladrão de Bagdad a sua obra-prima.

Como notou Jeffrey Vance na sua excelente biografia Douglas Fairbanks (University of California / Academy of Motion Picture Arts and Sciences, 2008) da qual extraímos numerosas informações, o ladrão de Fairbanks (Ahmed) é completamente diferente dos papéis que seus fãs sempre esperavam dele: ele era mais um bailarino no estilo de Nijinsky do que um Doug tipicamente americano … A mágica do seu dinamismo – sua presença física, seus movimentos, e seu humor – e a mágica do cinema silencioso chegaram ao auge em O Ladrão de Bagdad.

Fairbanks originariamente pretendeu fazer uma continuação de A Marca do Zorro envolvendo piratas e chegou a conversar com Ernst Lubitsch, para dirigir a produção; mas como queria seu filme de pirata em Technicolor e estava insatisfeito com as limitações e dificuldades da cinematografia em cores naquela época, adiou o projeto.

A  escolha mais importante para a equipe criativa de O Ladrão de Bagdad foi a de Raoul Walsh como diretor. O tipo de fantasia-espetáculo, que Fairbanks imaginou, não era o elemento de Walsh. Porém ele tinha confiança na capacidade daquele diretor para coordenar a produção e apreciava o seu senso de humor. Já com relação a Fairbanks, Walsh diria que ele foi um autor de cinema avançado mais de trinta anos antes que o conceito tivesse sido desenvolvido, pois deixava a sua marca em todos os seus filmes. O êxito de O Ladrão de Bagdad impulsionou a carreira de Walsh como um grande diretor de Hollywood, realizador de clássicos como Sangue por Glória / What Price Glory? / 1926, Sedução do Pecado / Sadie Thompson, O Último Refúgio/ High Sierra / 1941 e Fúria Sanguinária / White Heat / 1949.

Depois de uma longa busca, Fairbanks contratou William Cameron Menzies  como diretor de arte. Menzies, então com apenas trinta anos, tornar-se-ia o maior desenhista de produção de Hollywood, obtendo seu maior triunfo com …E O Vento Levou / Gone With the Wind / 1939.

No elenco estavam: Snitz Edwards (Amigo do ladrão), Charles Belcher (Homem Santo), Brandon Hurst (Califa), Sojin (Príncipe Mongol) e Noble Johnson (Príncipe Indiano). Inexplicavelmente, coube a uma mulher, Mathilde Comont, com um bigode, o papel do corpulento Príncipe Persa. Fairbanks havia escolhido Evelyn Brent como atriz principal mas, em junho de 1923, Evelyn deixou abruptamente a produção e foi substituída por Julanne Johnston, uma dançarina do vaudeville. Fairbanks contratou ainda Anna May Wong (que havia visto no filme em Technicolor de duas cores, Flor de Lotus / The Toll of the Sea / 1922), para ser a escrava da princesa mongol, e ela ficou conhecida internacionalmente. Finalmente, Edward Knoblock funcionou como consultor, ajudando na preparação da história e Arthur Edeson e Mitchel Leisen continuaram nas suas respectivas funções de fotógrafo e figurinista.

Walsh, Edeson, Menzies desenvolveram o estilo Art Nouveau integrado, coerente e curvilíneo, em torno do qual o filme gira. O ladrão interpretado por Fairbanks aparece bronzeado e com o peito nú, usando brincos de argolas douradas, um bigode fino pintado a lápis, a cabeça adornada por um lenço, seus bíceps direito mostrando uma tatuagem em forma de uma estrela ao lado de uma lua no quarto crescente. Seus movimentos são leves e graciosos, os movimentos exagerados de um bailarino, perfeitamente adequados para a fantasia estilizada e a escala enorme da produção.

Entre as atrações de efeitos especiais incluem-se: o tapete mágico (na realidade uma plataforma numa grua suspensa por seis fios de aço escondidos), o cavalo alado, o dragão que cospe fogo, a caverna das árvores encantadas, a corda mágica, o manto da invisibilidade, um morcego enorme, sereias e uma aranha insólita no fundo do mar, o ídolo com vários braços, etc.

Em vez de assumir uma dupla identidade como fez em A Marca do Zorro, Fairbanks interpreta dois papéis em Don Q, o Filho do Zorro: Don Diego Vega, trinta anos depois e seu filho de vinte anos, Cesar. Passado na Espanha, o relato conta como Cesar é falsamente acusado de assassinar um arquiduque austríaco  e seu pai parte apressadamente da Califórnia, para ajudar seu filho a limpar o nome da família.

Após a relativa decepção financeira de O Ladrão de Bagdad, Farbanks quís produzir um filme de sucesso garantido e decidiu que era o momento de revisitar Zorro. Ele havia adquirido previamente os direitos da continuação de Johnston McCulley, “The Further Adventures of Zorro” com a intenção de usá-la como base de uma eventual continuação de A Marca do Zorro. Entretanto, contratou Jack Cunningham (que havia preparado o roteiro de  Os Bandeirantes / The Covered Wagon / 1923), para adaptar  o romance de Kate e Hesketh Prichard, “Don Q’s Love Story” (Fairbanks usou “The Further Adventures of Zorro” para O Pirata Negro no ano seguinte).

O ator coadjuvante inglês Donald Crisp, que havia chamado atenção como o pai brutal de Lillian Gish em Lírio Partido / Broken Blossoms /  1919, foi contratado como diretor nominal do filme e convidado para fazer o papel de Don Sebastian.  A atriz principal foi Mary Astor (Dolores), uma jovem de 18 anos que havia aparecido ao lado de John Barrymore em O Belo Brummel / Beau Brummel / 1924 e apareceria de novo com ele em Don Juan / Don Juan / 26. O ator sueco Warner Oland (depois muito conhecido como Charlie Chan numa série de filmes nos anos 30) ganhou o papel simpático do arquiduque Paul. O ator dinamarquês Jean Hersholt, que havia interpretado o desprezível Marcus em Ouro e Maldição / Greed / 1924, foi chamado para interpretar o inescrupuloso e intrigante Don Fabrique Borusta, completando-se o elenco com Albert MacQuarrie (Colonel Matsado) e Lottie Pickford, irmã de Mary, como a criada Lola. Henry Sharp, chefe do setor de fotografia do estúdio de Thomas H. Ince por mais de seis anos, substituiu Arthur Edeson e Edward M. Langley assumiu a direção de arte.

Fairbanks havia ficado muito impressionado pela maneira com que o esgrimista belga Fred Cavens coreografara as lutas de espada na versão burlesca de Os Três Mosqueteiros com Max Linder, The Three Must-Get-Theres / 1922, e requisitou seus serviços para O Filho do Zorro. Entretanto, embora haja muitas cenas de esgrima neste filme é a habilidade com que Fairbanks maneja o chicote, que domina todas as sequências de ação. Nas mãos dele, o chicote tornou-se um apêndice ao seu personagem Cesar e com ele o ator foi capaz de quebrar uma garrafa ao meio, cortar em dois um convite para o baile do arquiduque (e depois um contrato forçado de casamento), apagar uma vela, desarmar um espadachim, capturar um touro foragido pelas ruas da cidade, tirar um cigarro da boca de Don Fabrique, etc. A destreza de Fairbanks com o chicote é, de fato, admirável.

Fascinado pelas ilustrações de “The Book of Pirates” de Howard Pyle, que o lembravam das histórias sobre bucaneiros de sua infância, Fairbanks resolveu fazer um filme sobre o assunto, usando o Technicolor de duas cores, que já havia sido utilizado em sequências de produções importantes como Os Dez Mandamentos / The Ten Commandements / 1923, O Fantasma da Ópera / Phantom of the Opera / 1925 e Ben-Hur /Ben-Hur, A Tale of the Christ / 1925. Em maio de 1925, o fotógrafo Henry Sharp começou a testar a nova tecnologia, assistido pelos diretores técnicos da firma Technicolor. No mês seguinte, Fairbanks anunciou a contratação de seu amigo Albert Parker como diretor; de Fred Cavens como coreógrafo das lutas de espada; do artista Carl Oscar Borg, (muito conhecido pelas suas pinturas do Sudoeste Americano e que havia também pintado paisagens marítimas e retratos na Grã Bretanha no início de sua carreira) como diretor de arte supervisor; de Dwight Franklin, uma autoridade sobre a vida e pintura dos bucaneiros e discípulo de Howard Pyle, como diretor de arte associado; de Jack Cunningham e do poeta inglês excêntrico Robert Nichols como roteiristas. Algumas idéias sobre “The Further Adventures of Zorro” foram incorporadas em O Pirata Negro embora de uma forma alterada, notando-se também a influência de “A Ilha do Tesouro” de Robert Louis Stevenson. Tal como o desenho de produção, o conteúdo da história foi rigorosamente estilizado, um resumo de todos os mitos dos piratas. Fairbanks e sua equipe também estudaram as pinturas dos grandes mestres e Henry Sharp  revelaria depois que os quadros de Rembrandt exerceram muita influência sobre o aspecto visual do filme.

Durante dois meses, Fairbanks testou várias atrizes para o principal papel feminino (Princesa Isobel) e acabou selecionando Billie Dove, que já havia aparecido num filme com cenas em Technicolor de duas cores, O Vagabundo do Deserto / Wanderer of the Wasteland / 1924, completando-se o elenco com: Sam de Grasse (Michel), Donald Crisp (Mac Tavish), Tempé Pigott (Duenna) e Anders Randolf (Capitão Pirata).

A sequência mais celebrada (e mais tarde copiada por Errol Flynn e Johnny Depp) do filme, e talvez de toda a carreira de Fairbanks, foi aquela em que o Pirata Negro, depois de capturar um galeão sozinho, cravava sua espada na vela da embarcação e descia por ela, dividindo-a em dois.  A sequência foi tão espetacular que ele a repetiu poucos minutos depois. Aos 43 anos de idade, Fairbanks estava no auge de sua forma física e parecia que fazia tudo sem esforço. Outra sequência memorável foi a do grupo de abordagem, composto por cento e vinte marinheiros semi-nús e armados, nadando em formação na águas profundas e depois ascendendo para a superfície e subindo a bordo como se fossem um enxame de abelhas.

Após o lançamento do filme em Nova York, Fairbanks e Mary Pickford embarcaram para uma longa viagem no exterior, combinando negócio e prazer.  Estas férias merecidas serviram para eles se afirmarem como os cidadãos do cinema na Europa, um mercado chave. O casal real de Hollywood foi recebido por diversos líderes tais como Benito Mussolini e o rei e a rainha da Espanha. Fairbanks e Pickford também foram à Russia, com uma chegada triunfante ao país no antigo vagão particular do tzar. Multidões (cem mil pessoas segundo estimativa de Pickford) os saudaram na sua chegada a Moscou. O casal se encontrou com o célebre diretor Serguei Eisenstein e apoiou a indústria cinematográfica russa, fazendo uma breve aparição num filme de Sergei Komarov, Potselui Mei Pikford (ao pé da letra, O Beijo de Mary Pickford) / 1927, que satirizava o novo fenômeno da celebridade fílmica. Pickford e Fairbanks pensaram que estavam posando para as câmeras dos cine-jornais russos. Eles não sabiam que o material filmado serviria como base para um filme de longa-metragem.

Sempre inquieto, Fairbanks procurou uma história com mais profundidade e ousadia no seu penúltimo filme mudo, O Gaúcho. Ele queria interpretar um personagem mais dark, mais sensual do que aqueles que havia encarnado antes. Assim, ele se tornou um fora-da-lei, que se deleita no seu comportamento execrável, sem ligar para as consequências. Porém é claro que  – por força do Código Hays e do próprio código pessoal de conduta de Fairbanks  –  redime-se no final através da conversão religiosa.

Outra diferença em O Gaúcho foi a protagonista feminina. Ela não era mais a virgem pura, a donzela em perigo que precisa ser salva mas uma versão feminina de Douglas Fairbanks, a “garota das montanhas”, interpretada pela ardente Lupe Velez.

Para amenizar o tom dark do espetáculo Fairbanks tomou uma decisão inesperada: contratou um diretor de comédias, F. Richard Jones. Outra nova aquisição para a equipe foi o fotógrafo Tony Gaudio, que mais tarde filmaria As Aventuras de Robin Hood / The Adventures of Robin Hood / 1938 e outras obras importantes. Gaudio fotografou muito bem tanto as cenas de multidão como as cenas intimistas. As angulações pouco usuais e a frequente movimentação de câmera mostram a influencia do cinema alemão sobre a realização de filmes  americana. Gaudio empregou também a iluminação claro-escura, criando sombras profundas e um marcante contraste de luz e sombra.

A outra mulher na história foi interpretada por Eve Southern (A Garota do Santuário), tendo sido cogitada Dolores Del Rio para fazer o papel da fogosa “garota da montanha”, que finalmente coube a Lupe Velez, então com 17 anos de idade. No elenco estavam ainda Nigel de Brulier (Padre), Gustav von Seiffertitz (Ruiz), Geraine Greear, depois conhecida como Joan Barclay (A Garota do Santuário quando menina) e Mary Pickford numa breve aparição não creditada como a Virgem Maria.

Desta vez, Fairbanks não maneja a espada, o chicote ou o arco e flecha mas as boleadoras, a arma dos vaqueiros dos pampas argentinos, e ele o faz com a mesma perícia com que usou os outros tipos de instrumentos de defesa ou de ataque.

Tal como os outros filmes de aventuras de Fairbanks, O Gaúcho é notável pelo seu estilo visual, graças à colaboração do diretor de arte supervisor, Carl Oscar Borg. Os cenários que ele e seus assistentes criaram  – a gruta escarpada e coberta de hera, os degraus brancos e imaculados que conduzem ao santuário, a complexidade das várias lojas dentro da Cidade do Milagre, as tavernas enfumaçadas e a prisão escura são apresentados romanticamente em belas imagens.

O derradeiro filme silencioso de Fairbanks, O Máscara de Ferro é tão dark quanto O Gaúcho. D’Artagnan ainda é capaz de realizar feitos extraordinários mas agora  tem seus cabelos prateados e pela primeira vez paga o derradeiro preço de seu heroísmo: ele morre.

Em acréscimo a Allan Dwan (dirigindo seu décimo e último filme para Fairbanks), Fairbanks reuniu uma equipe de alta categoria: Henry Sharp foi contratado como fotógrafo e Fred Cavens novamente encarregado de coreografar as lutas de espada. Muitos dos atores que compuseram o elenco de Os Três Mosqueteiros repetiram seus papéis em O Máscara de Ferro: Marguerite de la Motte (Constance), Nigel de Brulier (Cardeal Richelieu e Léon Bary (Athos), ficando ausentes o Aramis, original, Eugene Pallette, que foi substituído pelo ator italiano Gino Corrado. O Porthos original, George Siegmann morreu na fase de pré-produção e Stanley J. Sanford entrou no seu lugar. Outros novatos no cast foram: Dorothy Revier (Milady de Winter) e Belle Bennett (Ana D’Austria). Adolphe Menjou, impulsionado pelo seu sucesso em Casamento ou Luxo? / A Woman of Paris / 1923  de Charles Chaplin, não pôde repetir o seu pequeno papel de Louis XIII, que ficou para Rolfe Sedan. Completava o grupo de artistas o jovem ator William Bakewell no papel duplo de Louis XIV e de seu irmão gênio. Na direção de arte Fairbanks contou com um corpo de colaboradores fabuloso: o pintor inglês Laurence Irving como supervisor da direção de arte; o artista septuagenário francês Maurice Leloir, ilustrador da edição de 1894 do romance de Alexandre Dumas; o desenhista de produção William Cameron Menzies; os diretores de arte Carl Oscar Borg, Wilfred Buckland e Ben Carré.

O Máscara de Ferro foi lançado em duas versões  para garantir o maior sucesso possível. A versão “sonora” tinha uma trilha musical soberba de Hugo Riesenfeld que incluía um coro masculino cantando o canção tema, “One for All – All for One”, efeitos sonoros, e dois discursos sincronizados, ditos por Fairbanks, gravados em som ótico, usando o Western Electric System. Para os cinemas ainda não equipados para o som, foi oferecida uma versão silenciosa sem os discursos.

Quando o primeiro palco de som da United Artists estava sendo erguido, Fairbanks chamou o diretor de arte Laurence Irving para ir lá, dar uma olhada. Laurence recordaria: “Nós descemos, e em vez de encontrarmos um lugar bem iluminado, onde todos estavam alegres trabalhando, vimos uma espécie de caverna horrível forrada de cobertores, nenhuma luz, todo o piso coberto de fios torcidos e cabos, e então aqueles microfones ameaçadores … Douglas pôs a mão no meu braço, como sempre fazia quando falava comigo, e disse: “Laurence, o romance de fazer filmes termina aqui”.

SERIADOS MUDOS AMERICANOS

O seriados estavam entre as primeiras tentativas de desenvolver narrativas mais longas e complexas e serviram como uma ponte útil entre o filme curto e o filme de longa-metragem. Por um período relativamente curto de 17 anos, de 1913 a 1930, eles cativaram o público da cena silenciosa, tanto o infantil quanto o adulto, preenchendo sua única finalidade: divertir as massas, oferecendo-lhes um puro escapismo.

Os serials nasceram da competição entre as empresas jornalísticas para aumentar as circulações de seus jornais e revistas.  What Happened to Mary? / 1912, considerado o precursor dos seriados, surgiu como resultado de um acordo entre a revista The Ladies’ World da McClure e a Edison Company, para a realização de um série de filmes de um rolo, que seriam lançados simultaneamente com a publicação de um grupo de histórias contendo os mesmos enredos. A capa da revista anunciava: “Cem dólares para você, se adivinhar o que aconteceu com Mary”. Estrelado por Mary Fuller, a série apresentava grande quantidade de ação física excitante nos seus 12 episódios de um rolo porém não havia a conexão necessária entre os segmentos, daí porque não pode ser classificada como serial mas sim como series.

As Aventuras de Catarina / The Adventures of Kathlyn / 1913, com Kathlyn Williams, este sim, é que pode ser considerado o primeiro seriado, com um fio narrativo continuando diretamente de um episódio para o seguinte, semana após semana, cada episódio terminando com um lance em que o mocinho ficava numa situação de perigo, do qual normalmente não conseguiria escapar (“cliff-hanger”), fazendo com que os espectadores aguardassem ansiosos o próximo capítulo. O jornal The Chicago Tribune fez o inverso da Ladies’ World: serializou no papel esta produção da Selig Polyscope, como meio de aumentar suas vendas. O filme não alcançou um êxito estrondoso mas o Chicago Tribune obteve um aumento de dez por cento na sua circulação em consequência dele.

Com os mesmos propósitos da McClure e do Chicago Tribune, William Randolph Hearst produziu, através dos irmãos Wharton, As Aventuras de Elaine / The Perils of Pauline / 1914 (com capítulos completos e não “cliff-hangers” devendo por isso ser classificado como série e não seriado), que foi estrelado por Pearl White, sendo distribuído pela Eclectic  da Pathé.

Charles Pathé havia começado a produção de filmes nos Estados Unidos em 1910,  primeiro em várias locações e depois nos estúdios em Jersey City perto de Bound Brook e Edendale, na California. Westerns e algumas comédias foram feitos em ambos os estúdios porém a companhia só conquistou uma posição segura no mercado americano com a aquisição da Eclectic e de seu sistema de distribuição nacional. A certa altura de sua existência, a Pathé passou a comprar seriados de companhias produtoras independentes ou subsidiar pequenas firmas, adiantando a quantia necessária para o início das produções, tudo sob o controle de qualidade do seu Comitê do Filme (Film Committee).

Entre suas primeiras fornecedoras de seriados estavam a Balboa e a Astra. Tecnicamente, o produto da Balboa, (fundada em 1913 em Long Beach, Califórnia por H. M. Horkheimer) era de boa qualidade porém no que dizia respeito aos valores de produção, histórias e aspecto dramático deixavam muito a desejar. A Balboa forneceu apenas quatro seriados para a Pathé. Uma produtora mais importante foi a Astra (formada em 1916 por Louis J. Gasnier, George B. Seitz, Edward Jose e George Fitzmaurice), que produziu dez seriados para a Pathé, ajudando-a a se firmar como líder na distribuição deste tipo de filme.

Entre os outros fornecedores da Pathé (Diando, Brunton e Western Photoplay) destacavam-se os imãos Wharton, Theodore e Leopold.  Sob vários nomes (Star Company, Feature Film Company, International Film Service e Wharton Inc.) eles produziram sete seriados, incluindo quatro com Pearl White e o famoso Patria / Patria / 1917 com Irene Castle, a parceira de dança  e irmã de Vernon Castle.

A entrada da Universal no campo do seriado foi ditada pela imediata aceitação pelo público de As Aventuras de Elaine mas se a Pathé tentava elevar o nível artístico de seus seriados, a companhia de Carl Laemmle não se preocupava com nenhuma forma de controle de qualidade. O primeiro seriado da Universal foi uma expansão de um western de dois rolos intitulado A Rapariga Misteriosa Lucille Love, Girl of Mystery / 1914 com Francis Ford e Grace Cunnard nos papéis principais, formando uma dupla que funcionaria em quatro chapter plays, dos quais o mais famoso foi A Moeda Quebrada / The Broken Coin / 1915.

A Vitagraph chegou a uma posição de proeminência atrás da Universal durante algum tempo. Seu primeiro seriado foi uma paródia da histórias de detetives em três episódios, intitulada The Fates and Flora Fourflush / 1915. A Vitagraph gastou tanto dinheiro com o próximo seriado da companhia, A Deusa The Goddess / 1915, anunciado como “a suprema realização no mundo dos seriados”, que se passaram dezoito meses antes que o seriado seguinte, The Scarlet Runner / 1916, pudesse ser exibido. Em 1917, Antonio Moreno e William Duncan tornaram-se os astros principais da companhia, levando muitos espectadores ao cinema. Duncan especializou-se em seriados passados em exteriores com um sabor de western e Moreno fazia seriados de mistério. As façanhas fílmicas desses dois astros mantiveram a Vitagraph no campo dos seriados até o final de 1921.

Entre as outras firmas que fizeram seriados (Thanhauser, American, Mutual, Lubin, Reliance), a Kalem foi a mais importante, tendo sido a produtora da série (porque continha capítulos completos e não “cliff-hangers”) mais longa (119 episódios de um rolo) e mais popular, Façanhas de Helen / The Hazards of Helen / 1914, cuja protagonista foi primeiramente interpretada por Helen Holmes e depois por Helen Gibson.

Um número representativo de seriados foram produzidos por pequenas companhias independentes (Great Western, Beacon, Burston, Hallmark, Canyon, etc.), das quais se destacavam três: Arrow, Rayart e a Mascot. A Arrow, formada pelos irmãos Shallenberger, logo alcançou uma posição de relevância. Os irmãos Shallenberger ingressaram no negócio cinematográfico com uma ativa participação na  Thanhouser Company, produtora do seriado de muito sucesso O Mistério de Um Milhão de Dólares / The Million Dollar Mystery / 1914. Os Shallenberger perceberam o valor financeiro de um seriado bem feito e fundaram a Arrow.

Enquanto estavam filiados à Thanhouser, o destino dos Shallenberger se misturou com o de W. Ray Johnston, um jovem que iria aumentar o valor dos seriados como uma forma de entretenimento e gerador de lucros. Quando a Thanhouser cessou suas atividades, Johnston se juntou aos irmãos Shallenberger na Arrow e logo se tornou vice-presidente da empresa. Em 1914, Johnston sentiu que sua experiência era suficiente para deixar a Arrow e fundar a sua própria companhia, Rayart, inaugurando seu programa de seriados com O Mistério de Ouro e Sangue / Battling Brewster / 1924.

O terceiro realizador independente de seriados foi Nat Levine, que fundou a Mascot Pictures Corporation em 1926. Os seriados da Mascot, embora realizados com poucos recursos, eram tecnicamente superiores aos das outras companhias. Eles davam primazia à ação em detrimento das intrigas e fizeram bom uso do talento de Yakima Cannutt, um criador audacioso de sequências perigosas e bem movimentadas.

Entre as firmas independentes existia ainda a Artclass dos irmãos Weiss, Max e Adolph. Estes não se preocupavam com a qualidade do seu produto e os três seriados que produziram no final dos anos vinte tinham histórias incrivelmente ruins, elenco pobre, diretores ineptos e seu tratamento cinematográfico  suscitou reações de incredulidade por parte dos verdadeiros fãs de seriados.

Situado muito acima de seus contemporâneos, George B. Seitz foi o decano dos diretores de seriados. Somente seu assistente, Spencer G. Bennet chegou a se aproximar dele em termos de habilidade com o megafone. Seitz foi também roteirista, ator, e confirmou seu talento atrás das câmeras com The Exploits of Elaine / 1914, que dirigiu juntamente com Louis J. Gasnier, continuando sozinho no comando nas continuações The New Exploits of Elaine e The Romance of Elaine. Estes três seriados foram estrelados por Pearl White e receberam o mesmo título em português: Os Mistérios de Nova York. Em 1916, Seitz fez excelentes seriados na Astra para a Pathé distribuir e, em 1919, formou sua própria companhia. Depois de dirigir  o último seriado de Pearl White, O Tesouro Oculto / Plunder / 1923 e mais alguns de Allene Ray, ele foi trabalhar como diretor de longas-metragens na  Paramount.

Spencer Gordon Bennet teve sua grande chance quando Seitz deixou de produzir seriados para a Pathé distribuir. Colaborando com Seitz durante anos, ele costumava estudar a montagem dos seriados do seu mestre, tornando-se um dos raros diretores que podia montar quase todo o seu filme com a câmera – poupando tempo, esforço, película e dinheiro. A capacidade de Bennet ficou mais do que comprovada em O Fantasma Verde / The Green Archer / 1925, o melhor seriado – baseado numa história de Edgar Wallace e com Allene Ray no papel principal – que ele fez.

Os diretores que exerciam suas funções na Universal tinham várias desvantagens, como a de trabalhar com histórias fracas e poucos recursos, porém o canadense Robert F. Hill sempre conseguiu extrair o máximo do mínimo, realizando os melhores seriados da companhia. Ele começou sua carreira nos serials com O Mistério do Radium / The Great Radium Mystery / 1919, estrelado por Cleo Madison e entre os seus sucessos estão As Aventuras de Tarzan / The Adventures of Tarzan / 1921 com Elmo Lincoln e Louise Lorraine (produzido pela Great Western e distribuído pela Numa Films dos irmãos Weiss) e  O Rei dos Detetives / Blake of Scotland Ward / 1927 com Hayden Stevenson e Gloria Grey, este último um dos mais rentáveis da Universal.

Dentre os diretores que filmavam seriados rápidamente e com baixo orçamento durante os anos 20, um dos melhores foi W.S. Van Dyke, oficialmente conhecido como Woodbridge Strong Van Dyke II, apelidado de “Woody” ou Van. Van, órfão de pai no dia seguinte do seu nascimento, “Woody” e a mãe trabalhavam como atores numa companhia teatral quando um amigo, Walter Long, lhe arranjou um emprego de figurante em Intolerância / Intolerance / 1916 de David Wark Griffith. Passando a maior parte do seu tempo livre observando Griffith dirigir, “Woody” decidiu que o seu futuro estava no cinema.  Após adquirir experiência, dirigindo  Jack Dempsey em  Vivo ou Morto / Daredevil Jack / 1920 e King Baggot em O Homem de Ferro / The Hawk’s Trail / 1920 , “Woody” firmou sua reputação conduzindo (juntamente com Fred Jackman) Ruth Roland em A Águia Branca / White Eagle / 1922, um seriado produzido pela companhia da própria Ruth (Ruth Roland Serials) e supervisionado por Hal Roach.

Outro diretor dos seriados de ação, Francis Ford, estreou em  A Rapariga Misteriosa, no qual atuou também como ator ao lado de Grace Cunnard, com quem se casaria em 1913. Os dois formaram uma dupla em quatro seriados que estiveram sempre na lista dos melhores dos primeiros tempos deste tipo de filme. Ford dirigiu onze seriados durante a sua carreira e interpretou facilmente tanto heróis quanto vilões. O seu melhor seriado sem Grace Cunnard foi O Silêncio Misterioso / The Silent Mystery / 1918. No período sonoro, até sua morte em 1953, Francis dependeu de seu irmão John para obter alguns papéis como coadjuvante.

A contribuição de Henry McRae para os seriados da Universal não foi tão expressiva quanto a do seu conterrâneo Robert F. Hill mas ele teve o mérito de ajudar a abrir as portas para os filmes em episódio falados com a realização de Índios do Oeste / The Indians are Coming / 1930. Trabalhando arduamente com os técnicos de som e solucionando ele próprio muitos problemas, McRae realizou o primeiro seriado-western falado que, estrelado por Tim McCoy e Allene Ray e baseado na história de William F. Cody, “The Great West That Was”, custou 160 mil dólares e deu ao estúdio um lucro de quase 1 milhão de dólares, tendo sido o primeiro filme dessa espécie a estrear em primeiro lançamento no gigantesco e luxuoso Cinema Roxy de Nova York. Will Hays escreveu para Laemmle: “Toda a indústria cinematográfica tem uma dívida de gratidão para com The Indians are Coming. Este filme trouxe vinte milhões de crianças de volta para os cinemas”.

Além desses diretores de seriados em destaque houve muitos outros, entre os quais os mais produtivos foram: J. P. McGowan, Jacques Jaccard,  William Duncan, Ray Taylor, Paul C. Hurst, Stuart Paton, Richard Thorpe, Jay Marchant, Duke Worne e James W. Horne.

Os principais mocinhos (ou “daredevils” ) dos seriados mudos foram: Charles Hutchinson, Eddie Polo, William Duncan, William Desmond e Joe Bonomo.

Charles Hutchinson tinha um sorriso cativante, capacidade atlética e era um exímio motociclista, anunciado como “The Thrill-A-Minute Stunt King”. Essas qualidades foram demonstradas em seriados como A Dupla Aventura / Double Adventure / 1921 e A Mantilha Prateada / Hurricane Hutch / 1921 dirigidos respectivamente por W.S. Van Dyke e George B. Seitz.

O acrobata de circo Eddie Polo (Edward W. Wyman), de origem austríaca, começou sua carreira cinematográfica como coadjuvante em A Moeda Quebrada / The Broken Coin e fez poucos seriados; mas sua popularidade foi insuperável enquanto esteve em atividade. Baixo e moreno, Eddie conquistou o público, por exemplo, em: O Fantasma Pardo / The Gray Ghost / 1917 de Stuart Paton, Sedução do Circo / Lure of the Circus / 1918, O Rei do Circo / King of the Circus / 1920 e O Sinete de Satanás / Do or Die / 1921, dirigidos por J. P. Mc Gowan, ficando conhecido como “Hercules of the Screen”. Aquí no Brasil seu prestígio era imenso: os fãs referiam-se a ele como Rolleaux, nome do seu personagem em A Moeda Quebrada, que estava sempre ajudando a heroína a se livrar de alguma dificuldade.

William Duncan, além de diretor, foi também ator. Escocês robusto e de cabelos pretos, ele estreou em O Rastro Sangrento / The Fighting Trail / 1917, e logo no seu segundo seriado, A Vingança e a Mulher / Vengeance and the Women / 1917, atingiu o topo da lista dos grandes mocinhos. A maioria dos seriados foram filmados em locação nas montanhas e ele nunca precisou de dublês.

Irlandês, com um rosto sério e sobrancelhas cerradas, que lhe aumentavam a aparência viril, William Desmond iniciou sua carreira nos seriados em Os Perigos do Yukon / Perils of the Yukon / 1922 mas nesta sua primeira aparição ele se machucou seriamente ao fazer uma cena arriscada e, daí em diante, sempre precisou ser dublado pelos stuntmen. Em 1925, Desmond era o principal mocinho da Universal, distinguindo-se em seriados como O Ás de Espadas / Ace of Spades / 1925 e Tentáculos de Aço / Strings of Steel / 1926, ambos sob direção de Henry McRae.

Joe Bonomo foi um dos raros dublês de cenas arriscadas que se tornou um astro dos seriados. Quando ainda era menino, Joe não se conformava com seu corpo magro e frágil e decidiu se submeter a um  programa de exercícios árduos, que o transformou num excelente atleta, dotado de um físico  muito bem desenvolvido. Em 1921, ele passou à frente de muitos rapazes num concurso intitulado “Modern Apollo”, ganhando  mil dólares de premio e um contrato para o cinema. Bonomo começou como stuntmen e coadjuvante de vários seriados, recebendo a cada dia mais cartas dos fãs, notadamente depois de ter feito O Sansão do Circo / The Great Circus Mystery / 1925, dirigido por Jay Marchant. Este seriado foi um tremendo sucesso, sendo logo seguido por Perigos das Florestas / Perils of the Wild / 1925, adaptação de The Swiss Family Robinson, dirigido por Francis Ford. Depois de outros trabalhos, Bonomo foi escolhido para ser o Tarzan no seriado da Universal de 1928, porém quebrou a perna e foi substituído por Frank Merrill. Bonomo ficou famoso por seu saltos fantásticos através de grandes distâncias, suas incríveis execuções de transferência de um veículo em movimento para outro, e a sua capacidade de segurar um homem sobre sua cabeça com uma das  mãos enquanto lutava contra outros agressores. Por curiosidade, foi Bonomo quem dublou Lon Chaney em O Corcunda de Notre Dame / The Hunchback of Notre Dame / 1923 e, vestido de gorila, assustou as pessoas em Assassínios na Rua Morgue / Murders in the Rue Morgue / 1932.

Além desses mocinhos em destaque houve outros, entre os quais os mais assíduos nos seriados foram: Ben Wilson, Walter Miller, Jack Daugherty, Elmo Lincoln, Art Acord, Cullen Landis e Antonio Moreno.

As principais heroínas dos seriados mudos foram: Pearl White, Ruth Roland, Helen Holmes, Allene Ray, Louise Lorraine, Ethlyne Clair, Eileen Sedgwick.

As Aventuras de Elaine tornou Pearl White famosa internacionalmente e continua sendo o seriado sobre o qual todo mundo ouviu falar. Ela foi a campeã de bilheteria da Pathé no campo dos seriados e ninguém a ultrapassou em termos de popularidade. Pearl fez mais nove seriados entre 1914-1919 (destaque para O Correio de Washington / Pearl of the Army / 1916, O Enigma da Máscara ou A Garra de Ferro / The Iron Claw / 1916 ,  A Jóia Fatal / The Fatal Ring / 1917, A Casa do Ódio / The House of Hate / 1918), antes de se transferir para a Fox,  a fim de participar de longas-metragens. Todos os seus seriados deram um lucro imenso porém Pearl pensou que poderia obter o mesmo sucesso em papéis dramáticos. Foi um erro grave. O drama não era o seu forte e os filmes da Fox na sua maioria foram um fracasso. Após uma viagem ao exterior e uma semi-aposentadoria, ela retornou à Pathé para fazer O Tesouro Oculto, seu último e memorável seriado.

Ruth Roland, a segunda rainha do seriado da Pathé (“Queen of the Trhriller Serials”), era dublada em todas as cenas que envolviam risco ou sofrimento. Robert Rose, um ex-cowboy franzino, foi um perfeito substituto para Ruth. Usando uma peruca, ele conseguia se fazer passar por ela até mesmo nos planos mais próximos. Como atriz, Ruth compunha bem os tipos que interpretava, e melhor do que as sua colegas dos seriados, sabia transmitir fortes emoções no meio das  situações mais excitantes. Aparentemente destemida e atlética, ela conseguia ao mesmo tempo manter o seu encanto feminino, apesar de aparecer invariavelmente com trajes de montaria, calças e botas.  Entre seus melhores seriados estavam: Cavaleiro Fantasma / Hands Up / 1918, O Rastro do Tigre / The Tiger’s Trail / 1919, As Aventuras de Ruth / The Adventures of Ruth / 1919) e a Flecha Vingadora / The Avenging Arrow / 1921.

A maior rival de Pearl White e Ruth Roland era uma jovem de Indiana chamada Helen Holmes. Ela ganhou fama como estrela do seriado mais longo de todos, Façanhas de Helen, explorando suas qualidades atléticas e sua paixão pelas estradas-de-ferro. Sua especialidade era perseguir os vilões pelo topo dos vagões  e pular para um cavalo ou automóvel ou de um cavalo ou automóvel para um trem ambos em movimento. Depois de filmar 48 capítulos de Façanhas, Helen e seu marido- diretor, J. P. McGowan, transferiram-se da Kalem para a Universal, onde ficaram apenas algumas semanas antes de sucumbirem aos apelos de Samuel S. Hitchinson da Mutual, que formou a Signal Film Corporation para produzir os seriados da atriz. O primeiro seriado de Helen na Signal, Mulher Audaciosa The Girl and the Game / 1915, foi um grande sucesso, seguindo-se Lass of the Lumberlands / 1916, The Lost Express / 1917 e The Railroad Raiders / 1917, cada qual contando uma historia sobre ferrovia mais popular do que o anterior.

Nos meados dos anos vinte surgiu Allene Ray. Esta bela loura de olhos cor-de-mel era extremamente séria com relação ao seu trabalho mas muito introvertida. Por causa de sua natureza calma, ela tinha dificuldade em expressar o medo, quando colocada numa situação perigosa, um grave defeito para uma serial queen; porém, como excelente atleta, nunca se recusou a fazer uma cena fisicamente difícil.  Em 1924, Allene estrelou quatro seriados e sua reputação foi aumentando aos poucos. Mas ela realmente deslanchou, quando formou uma dupla muito bem sucedida com Walter Miller em 10 seriados (sendo 8 consecutivos) entre os quais sobressaíram: O Fantasma Verde / The Green Archer / 1925, As Dobras de Prata / Sunken River / 1925,  No Deserto da Neve / Snowed In / 1926 e O Terrível Bandoleiro / Hawk of the Hills / 1927.

Umas das atrações mais sólidas da Universal nas bilheterias no início dos anos 20, Louise Fortune quase não conseguiu penetrar no mundo do cinema. Quando foi convidada para trabalhar em Hollywood, sua mãe foi contra. Porém, após algum tempo, ela obteve o consentimento de sua progenitora e começou como figurante nos filmes de Clara Kimball Young, passando depois para as comédias de dois rolos da Century. Louise recebeu um grande impulso e também um novo nome, quando substituiu Grace Cunnard em Elmo, o Destemido / Elmo, the Fearless / 1920, um seriado da Great Western, distribuido pela Universal. Depois de fazer Elmo, o Poderoso / Elmo the Mighty, Grace estava escalada para contracenar novamente com Elmo Lincoln mas não pôde fazer o seriado por motivo de saúde e Louise entrou no seu lugar. O êxito de Louise nesse papel a levou a um contrato com a Universal como heroína de seriado, aparecendo também em muitos westerns de dois rolos da companhia. Em Elmo, o Destemido Louise Fortune tornou-se Louise Lorraine. Seus seriados mais expressivos podem ser citados: As Aventuras de Tarzan / The Adventures of Tarzan / 1921 com Elmo Lincoln e O Sansão do Circo com Joe Bonomo.

A bela e extrovertida Ethlyne Claire, vencedora de um concurso de beleza em Atlanta, Georgia, iniciou sua carreira em Hollywood numa série de comédias chamada The Newlyweds and Their Baby. Depois de fazer na Universal seu primeiro seriado, O Cavaleiro Invisível / The Vanishing Rider / 1928, ela foi contratada pela Pathé, onde estrelou, com Walter Miller, O Lobo Sinistro / Queen of the Northwoods. Repleto de ação e suspense, este thriller muito bem construído utilizou um dos vilões mais misteriosos que chegou os seriados nos anos vinte. Ele aparecia quase sempre disfarçado (sob uma cabeça de lobo) no papel do Wolf-Devil. Dominando com um poder quase sobrenatural uma alcatéia de lobos, ele aterrorizava toda a região do Noroeste. Embora dublada nas cenas mais arriscadas, Ethlyne impressionou bem o público com o seu desempenho, demonstrando que tinha uma carreira promissora. Entretanto, a Pathé estava no processo de abandonar a produção de seriados, e Ethlyne não encontrou mais emprego neste campo. Ela obteve certa popularidade contracenando com alguns astros-cowboys como Hoot Gibson mas suas aparições nos serials, embora breve, foi marcante.

Pertencente a uma família de atores, que se apresentava como The Five Sedgwicks, Eileen Sedgwick trabalhou nos teatros de vaudeville através do país com seus pais, o irmão Edward e a irmã gêmea, Josie. Ed Sedgwick foi o primeiro a entrar para o cinema, trabalhando como cômico; posteriormente tornar-se-ia um diretor de seriados para a Universal (vg. Fantomas / Fantomas / 1920). A grande chance de Eileen surgiu em 1918, quando substituiu Molly Malone em Sedução do Circo, o segundo seriado estrelado por Eddie Polo. Este foi o primeiro dos seus doze seriados e ela logo se tornou a heroína principal da Universal no lugar de Marie Walcamp, que se aposentara em 1920. Eileen manteve-se ocupada durante os próximos doze anos, aparecendo em inúmeros westerns curtos, realizados entre os seriados nos quais participou. Exímia cavaleira, ela assemelhava-se a Ruth Roland no que dizia respeito à interpretação mas a Universal não tinha intenção de fazer dela uma estrela do mesmo calibre. Sua melhor aparição foi em O Cavaleiro das Sombras / The Riddle Rider / 1924) ao lado de William Desmond e Helen Holmes. Sua irmã Josie também participou de seriados como Vivo ou MortoDaredevil Jack / 1920  com o  pugilista Jack Dempsey no papel principal.

Aliás, outros campeões mundiais de boxe  integraram o elenco de seriados: James J. Corbet em O Homem da Meia-Noite / The Midnight Man / 1919 e Gene Tunney em Punhos de Aço / The Fighting Marine / 1926.  O mágico  húngaro Harry Houdini também atuou como ator em O Homem de Aço / The Master Mystery / 1919 mas o público teve dificuldade em aceitar um  ridículo autômato como um sério vilão. Segundo consta, um produtor independente tentou em vão contratar os astros do basebol, Babe Ruth e Lou Gehrig para estrelar em dois seriados.

Neva Gerber (Obs. no anúncio do filme no Brasil sai o nome da atriz errado), uma garota linda da alta sociedade de Chicago, formou com Ben Wilson uma dupla de muito sucesso. Eles fizeram juntos nove seriados excitantes preenchendo o vazio criado pelo fim dos quatro chapter plays protagonizados por outra dupla, Francis Ford e Grace Cunnard. Os seriados de  Neva-Ben eram muito movimentados e continham uma mistura de mistério e violência. Vale a pena mencioná-los todos: O Navio Fantasma / The Mystery Ship / 1917, O Telefone da Morte / The Voice on the Wire / 1917, O Rastro do Polvo / Trail of the Octopus / 1919, As Quatro Virgens Marcadas / The Branded Four / 1920, O Grito da Sombra / The Screaming Shadow / 1920, A Pérola Misteriosa / The Mysterious Pearl / 1921, A Caixa dos Mistérios / The Mystery Box / 1925, O Deus da Energia / The Power God / 1925 e  O Oficial 444 / Officer 444 / 1926.

Além dessas heroínas em destaque houve outras, entre as quais as mais assíduas nos seriados foram: Grace Cunnard, Marie Walcamp, Juanita Hansen, Marguerite Courtot, Mollie King, Cleo Madison , Edna Murphy e Ann Little.

Em 1929, começaram a surgir seriados feitos em duas versões, muda e sonora, esta com um score musical sincronizado e diálogo. Os dois primeiros foram O Às da Polícia Londrina / The Ace of Scotland Yard / 1929 e O Uivar das Feras ou O Rei do Congo / King of the Kongo / 1929. O último seriado silencioso foi O Livro Negro / The Black Book, lançado em 21 de julho de 1929.

Ao terminar este artigo, devo esclarecer que eu não ví nenhum seriado mudo na sua íntegra mas apenas condensações ou trechos de alguns episódios, que foram oferecidos pela Grapevine ou pela Serial Squadron pois, contra a minha vontade, não nascí no tempo do cinema silencioso. A maioria das informações contidas no meu texto foram extraídas dos livros Continued Next Week – A History of the Motion Picture Serial (University of Oklahoma, 1964) e Bound and Gagged – The Story of the Silent Serials (Castle Books, 1968) de autoria de Kalton C. Lahue, o maior especialista no assunto e também da esplêndida e abrangente filmografia de Buck Rainey, Serials and Series – A World Filmography (McFarland, 1999).

ALESSANDRO BLASETTI

Nino Frank no seu livro “Cinema dell’Arte (Editions d’Aujourd’hi, 1982) caracterizou Alessandro Blasetti com precisão: “Extraordinário compositor e orquestrador de imagens, pintor sobre a película”. Além de ser um grande estilista visual, ele era um artesão muito competente, que abordava os temas mais variados, conduzido por um  notável instinto cinematográfico.

Blasetti nasceu em Roma no dia 3 de julho de 1900, filho de Giulio Cesare, musicista e professor de obóe e corne inglês e de Augusta Lulani pertencente a uma família de advogados. Em 1913, no colégio Rosi  dos padres Somaschi em Spello, onde completou o curso primário, ele assistiu à projeção do Quo Vadis? de Guazzoni, apaixonando-se pelo cinema. Finda a Primeira Guerra Mundial, na qual se alistou como voluntário, Alessandro teve o primeiro contato com um estúdio cinematográfico, participando como figurante de um filme de Mario Caserini; de um drama histórico, I Borgia, de Luigi Caramba; e de um filme de Lucio D’Ambra. Em 1920, sujeitando-se à tradição da família materna, matriculou-se na Faculdade de Direito, onde se formou em 1924 porém declarando que não iria exercer a advocacia.

Após o final do conflito 1914-1918, o cinema italiano entrou numa crise financeira e criativa profunda, por causa principalmente da incapacidade de renovar os velhos esquemas dramatúrgicos e de enfrentar eficazmente a concorrência estrangeira, principalmente hollywoodiana. Para tentar remediar esta grave situação foi fundada em 1919 a U.C.I. (Unione Cinematografica Italiana) que, entretanto, faliu quatro anos depois, frustrando-se o sonho de restituir o cinema italiano ao fausto de antes da guerra.

Durante os anos 30, a produção cinematográfica permaneceu no seu conjunto qualitativamente bem modesta e economicamente deficitária; o regime fascista por um momento não interveio de modo significativo, mas começou a considerar o meio audiovisual como instrumento de propaganda: em 1924 foi formado o Instituto LUCE com o objetivo de produzir cinejornais e documentários de sustento da ideologia e política governamentais.

Depois da metade dos anos 20, um grupo de jovens intelectuais e artistas fascistas – que incluía Alessandro Blasetti, Umberto Barbaro, Aldo Vergano, Francesco Pasinetti, A. G. Bragaglia, etc. – projetou, nas páginas de vários jornais e revistas, os lineamentos de um cinema “moderno” que pudesse sustentar a concorrência das produções estrangeiras. Alessandro Blasetti foi o mais ativo e ousado desses “agitadores”, empenhados na batalha pelo “renascimento” do cinema italiano. Em 1923, Blasetti exerceu a crítica cinematográfica no jornal “L’Impero”; entre 1926 e 1927 fundou e dirigiu a revista “Lo Schermo”, depois transformada em Cinematografo, publicada concomitantemente com Lo Spettacolo d ‘Italia.

Nas páginas desses dois periódicos foi lançada uma subscrição para financiar a Sociedade Anônima Augustus, constituída no ano consecutivo. O primeiro filme da Augustus, Sole /1929, dirigido por Blasetti e com roteiro dele e de Aldo Vergano, pondo em prática as idéias expressas nas revistas, foi um grande sucesso de crítica, tendo sido considerado como exemplo concreto do cinema “de qualidade” italiano.

Esta obra, produzida graças a uma iniciativa cooperativista, abordava um tema da atualidade (o saneamento de uma zona pantanosa no Agro Pontino pelo governo fascista), foi inteiramente rodada em ambientes naturais e utilizava atores não profissionais. Hoje restam apenas alguns fragmentos do primeiro filme de Blasetti  porém, segundo os que puderam vê-los, neles se percebe um uso sábio e original da paisagem como um verdadeiro protagonista, que interage com os outros personagens. Entretanto, o público não respondeu com o mesmo entusiasmo ao filme Sole e a Augustus, com dificuldades econômicas, entrou em liquidação.

No início dos anos 30, o advento do cinema sonoro trouxe novos problemas econômicos, técnicos e expressivos, que foram enfrentados com eficácia sobretudo pela companhia produtora Cines, dirigida primeiramente por Stefano Pittaluga e depois por Emilio Cecchi, conhecido literato, que tentou elevar o nível cultural do mercado, chamando para perto de si artistas, intelectuais e professionais, entre os quais figurava também Blasetti. Este realizou, no decorrer de mais de vinte anos – inicialmente com a Cines e depois com outras produtoras -, muitos documentários e filmes de ficção, aventurando-se em diversos gêneros cinematográficos: afrescos históricos imponentes, comédias sentimentais e sofisticadas, dramas contemporâneos, obras empenhadas politicamente, etc., impondo-se como um dos mais respeitados cineastas italianos.

Dos 44 filmes (incluindo filmes de ficção e documentários) que Blasetti realizou entre 1929 e 1969, eu ví 18: Terra Mater /Terra Madre / 1931, Ressurrectio / 1931, 1860 / 1934, Vecchia Guarda / 1934, Contessa di Parma / 1937, Ettore Fieramosca / Ettore Fieramosca / 1938, Retroscena / 1939, Romântico Aventureiro / Un’Avventura di Salvator Rosa / 1939, A Coroa de Ferro / La Corona di Ferro / 1941, A Farsa Trágica / La Cena delle Beffe / 1942, O Coração Manda / Quatri Passi Fra la Nuvole / 1942,  Instituto Grimaldi / Nessuno torna Indietro / 1945, Um Dia na Vida / Un Giorno nella Vita / 1946, Fabiola / Fabiola / 1950, Sua Majestade, o Sr. Carloni / Prima Comunione / 1950, Outros Tempos / Altri Tempi / 1952, A Bela e Canalha / Peccato che sia una Canaglia / 1954, A Sorte de ser Mulher / La Fortuna di essere Donna / 1955 e Europa de Noite / Europa di Notte / 1959. Entre eles estão os melhores filmes do diretor e os meus preferidos: 1860, Ettore Fieramosca, Uma Romântica Aventura, A Coroa de Ferro, A Farsa Trágica e O Coração Manda.


Pittaluga convidou Blasetti para fazer quatro documentários porém o diretor lhe propôs realizar um longa-metragem, e assim nasceu Resurrectio, o primeiro filme falado italiano embora tivesse sido precedido nos cinemas pelo filme de Gennaro Righelli, La canzone  dell’amore, pois somente foi exibido em 1931. Na trama, um maestro está prestes a se suicidar por causa de uma paixão infeliz mas é salvo pelo encontro fortuito com uma doce mocinha. O seu “retorno” à vida ocorrerá por ocasião de um concerto, durante o qual irrompe um temporal violento, que provoca pânico no Conservatório. Como observou Gian Piero Brunetta em Il Cinema Italiano di Regime (Laterza,2009), com este filme Blasetti quís mostrar o sentimento de pânico social, de perda de controle e de poder que se apossou da burguesia  – simbolizada pelo referido vendaval – e a necessidade de restabelecer a ordem graças à intervenção decidida e decisiva de um só indivíduo. O maestro, neste caso. Graças à sua capacidade de controlar a situação, continuando a reger a orquestra, a calma se restabelece.

Para Pitaluga, Blasetti fez ainda Nerone /1930, a única documentação visual do grande ator Ettore Petrolini, mostrando trechos de alguns de seus espetáculos, evitando ao máximo o teatro filmado e Terra Mater Terra Madre / 1931, o segundo filme no filão ruralista caro à política do fascismo, inaugurado em Sole. O tema agora é “a volta à terra” e, para defender a causa de tal “retorno”, Blasetti construiu a obra sob a fundamental oposição entre a vida citadina corrompida e a vida rural “sã”.

Um nobre romano, quase na miséria por causa de uma vida falsa e estúpida na cidade, encontra na terra de seus antepassados, na terra que o viu nascer, uma razão melhor para viver, ajudando os camponeses.

Na sua luta teórica em favor do cinema italiano,  Blasetti constituiu em Roma o Grupo Central de Cultura Cinematográfica, que solicitou ao governo uma Escola Nacional de Cinema. Pouco depois, ele colaborou com a Commissione per l’instituzione dela Prima Scuola di Cinematografia, nascida sob o patrocínio do Ministério de Educação Nacional, na qual lecionou. Entre seus alunos: Maria Denis, Andrea Checchi, Otello Toso, Luigi Zampa.

Em 1932, Blasetti  fez Palio, baseado em alguns contos de Luigi Bonelli e dois filmes para Cecchi: La Tavola di poveri, baseado numa peça em um ato de Raffaele Viviani e o documentário em curta-metragem, Assisi. A respeito de Palio, disse Blasetti: “Lembro-me com prazer de algumas sequências inspiradas na maravilhosa cidade de Siena e na sua festa épica e bizarra, sobretudo porque foi então que comecei a perceber o prazer musical do ritmo na sequência”. Ele manifesta seu gosto pelos belos enquadramentos, pelos figurinos, sua complacência com o efeito decorativo, em suma, pelos  elementos que usará nos seus filmes históricos. La Tavola di poveri foi um dos pouquíssimos filmes interpretados por Raffaele Viviani, um dos maiores intérpretes da tradição cômica napolitana do novecento.

Escrito por Viviani e adaptado para a tela com a colaboração de Mario Soldati,  a história, cheia de paradoxos e de ironia, gira em torno de um marquês  arruinado. Por um equívoco, o dinheiro acumulado – durante anos pedindo esmola – que um mendigo deu para o marquês, vem a ser considerado como uma doação ao Comitê de Beneficência dos Pobres, presidido pelo nobre. Ninguém sabe da indigência do marquês que, para manter a sua dignidade, deixa os outros pobres convencidos de que a quantia é naturalmente do seu próprio bolso.

Depois de Il caso Haller / 1933, versão italiana de Der Andere / 1930 de Robert Wiene, (em cuja intriga um procurador, conhecido por sua rigidez e intransigência, se transforma à noite em um ladrão e rufião), estrelado por Marta Abba (a companheira de Pirandello), Blasetti filmou no mesmo ano na Sicília, 1860, a primeira de suas obras-primas.

O filme conta a história da unificação da Itália sob o ponto de vista pessoal de um montanhês siciliano patriota, Carmelo (Giuseppe Gulino), que cumpre a missão de chegar ao quartel-geral de Garibaldi e pedir sua ajuda para libertar a Sicília dos ocupantes Bourbons Espanhóis e alemães mercenários. No caminho, ele encontra vários personagens italianos representando dialetos e pontos de vista com relação ao clima político em ebulição. Não se trata de um filme sobre Garibaldi, nós quase não o vemos durante o desenrolar da narrativa; para Blasetti, o Risorgimento tinha mais a ver com as pessoas comuns que, apesar das diferenças culturais, juntaram suas forças.

Anos mais tarde, o cineasta recordaria: “O objetivo de 1860 era exortar os italianos muito pouco unidos a se conhecerem e a se amarem. E a coisa que me faz mais orgulhoso do filme foi ter reunido o parmesão que fala com o toscano, com o romano, com o siciliano. Foi ter juntado todos esses dialetos,  sustentado que éramos todos italianos e que nos batíamos pelo mesmos ideais”.

Blasetti retrata a epopéia garibaldina num estilo seco mas pictoricamente belo, manifestando uma técnica apurada  na utilização da paisagem em forte chave simbólica, na busca de enquadramentos requintados expressivamente funcionais, na eficácia da montagem, na construção dramática hábil da trama espetacular, elementos que concorreram para criar uma obra fundamental na história do cinema italiano. As cenas finais da batalha de Calatafimi em contraponto com a imagem da jovem esposa de Carmelo, que acompanha os combates do alto de uma colina e tenta reconhecer seu marido entre os soldados, são inesquecíveis.

Bastante apreciado pela crítica da época, considerado depois da guerra uma das origens do neorrealismo (pela utilização de atores não-profissionais e pelo tom realista), o filme foi objeto de uma polêmica levantada pela sua consonância com a propaganda do regime fascista (na exaltação do “fascismo perene” implícito  dos heróis nacionais da antiga Roma do Risorgimento). Parece que os sinais mais evidentes de propaganda apareciam nos cinco minutos que estavam na edição original do filme e foram extirpados numa nova edição em 1951, exibida com o titulo de I Mille de Garibaldi.

Em 1934, os lucros relativamente modestos de 1860, compeliram Blasetti a realizar L’Impiegata di papá, versão italiana do filme alemão Heimkehr ins Glück / 1933, de Carl Boese (em cujo enredo a filha de um banqueiro emprega-se no banco do pai, escondendo dos colegas sua verdadeira identidade), rodado em 14 dias e, como Il caso Haller, hoje considerado como perdido. Em 22 de abril desse mesmo ano, Blasetti encena 18BL Spettacolo di Masse, espetáculo de proporções colossais, para celebrar os Littoriali della cultura e dell’arte (competição cultural da época do fascismo). Ele voltaria à direção teatral nos anos de 1945 a 1952, levando aos palcos peças de J.B. Priestley, Pirandello, Robert Sherwood, Ugo Betti, Alfred De Musset e Prosper Merimée.

Quando foi criada a Direzone Generale dela Cinematografia em 1935, considerada a primeira intervenção direta verdadeira do estado fascista no cinema italiano, Blasetti filmava Vecchia Guarda que, embora celebrando os tempos heróicos do fascismo (o filme terminava com a marcha sobre Roma)  não agradou ao regime. Iniciou-se então um período de tensão, no qual o diretor recusou uma série de projetos como Scipione l’Africano, dirigido depois por Carmine Gallone e Condottieri, realizado por Luis Trenker. Blasetti explicou: “Eu tinha acreditado no fascismo … o desejo de ordem me levou ao erro de optar por um regime ditatorial, que parecia o menor dos males. Descreví um momento da história italiana em Vecchia Guardia. Não se tratava de um elogio ao esquadrismo, à imposição da ditadura. O tom dos sentimentos era diverso, sem o som de fanfarra”.

Blasetti aceitou fazer Aldebaran / Aldebaran / 1935, um filme exaltando a Marinha italiana em tempo de paz, que assinala o encontro com dois atores fundamentais em sua filmografia: Gino Cervi e Elisa Cegani. No mesmo ano, nasceu o Centro Sperimentale di Cinematografia, onde Blasetti assumiu a cátedra de direção e roteiro por muitos anos, vendo desfilar entre seus alunos: Luigi Zampa, Domenico Paolella, Folco Quilicci, Giuseppe De Santis, Tonino Valerii, Pietro Ingrao e Pietro Germi.

Na noite de 26 de setembro de 1935 um incêndio destruiu os estúdios da Cines e pouco meses depois foi iniciada a construção da Cinecittà, cujos palcos mais amplos foram desenhados segundo a indicação e a necessidade de Blasetti, que ali realizaria os filmes mais espetaculares e de maior investimento financeiro da cinematografia italiana dos anos 30 e 40.

Em 1936, Blasetti começou a filmar Contessa di Parma, comédia de equívocos (entre uma modelo e um jogador de futebol), um exercício no gênero, que o próprio Blasetti chamou de “il film più cretino che avesse mai fato”. No ano seguinte, a Cinecittà foi inaugurada e começou a se afirmar no cinema italiano um profissionalismo de estúdio, cuja manifestação tornar-se-ia mais evidente nos filmes históricos e de época.

Em 1938, Blasetti realizou seu filme predileto, Ettore Fieramosca (do qual eu gosto muito) acolhendo o convite do regime para evidenciar os momentos mais gloriosos da história nacional através das façanhas do famoso condottiero, que serviam para estimular a unidade do povo italiano contra as potências estrangeiras. As qualidades figurativas do filme são evidentes: o afresco histórico é vigoroso e dramático, e parece citar continuamente os espaços, a perspectiva, os claros-escuros e a plasticidade das formas de certa pintura renascentista. Tal como em 1860, os exteriores em locação desempenham um papel surpreendentemente notável com momentos líricos eficazes como, por exemplo, a visita da  nobre dama ao acampamento perto do mar  ou a descida da tropa do castelo vista em plano longuíssimo; são espetaculares as cenas de batalha e as cavalgadas e muito bem coreografados os duelos, que evocam os filmes americanos de capa-e-espada.

No mesmo ano, Blasetti  fez a primeira experiência italiana com um filme em cores, o documentário Caccia alla volpe nella campagna romana, no qual tinha a seu lado o grande fotografo inglês Jack Cardiff.

Em 1939, Blasetti rodou Retroscena, comédia que o diretor considerou “alimentar” e Romântico Aventureiro, filme de aventura exemplar com uma narrativa jocosa e uma elegância requintadíssima da mise-en-scène. Blasetti reconheceu com humildade o auxílio prestado por seus dois co-roteiristas e pelo dialoguista: “O sucesso de Salvator Rosa eu o devo fundamentalmente ao cérebro luminoso, ao gosto e à sensibilidade de Corrado Pavolini, à fantasia surpreendente do meu novo colaborador Renato Castellani e à já antiga colaboração do autor de Vecchia Guarda: Giuseppe Zucca”.

A ação do filme transcorre em Nápoles, após o fracasso da revolta de Masaniello, quando o peso da dominação espanhola torna-se cada vez mais insuportável. O pintor Salvator Rosa (Gino Cervi), conhecido e admirado pelos espanhóis, tem uma outra identidade, a de Formica, um herói do povo, tipo Robin Hood ou Zorro, que luta em favor dos oprimidos e trama contra os poderosos. O espetáculo tem um bom ritmo, uma ótima cenografia de Virgilio Marchi e dos figurinos de Gino Sensani, o todo bem integrado com imagens autênticas da paisagem e dos castelos napolitanos.

Em 1940, Blasetti começou a fazer o documentário Napoli e le terre d’oltro mare, interrompido por causa da guerra e jamais completado. Em 1941, surgiu A Coroa de Ferro, fábula simbólica com intenções pacifistas, que contrastavam com a entrada da Itália no conflito mundial. O filme, grandioso exemplo do sistema de produção nacional daqueles anos, foi premiado na IX Mostra de Cinema de Veneza. Blasetti recordou: “La Corona di Ferro dizia não à violência, dizia não à vingança, dizia não à contínua guerra entre as nações … Goebbels, em perfeita coerência com a sua fé e o seu credo político, comentou na minha frente: ‘Se um diretor alemão tivesse feito este filme na Alemanha, iria para o paredão’. E fez tudo para que o filme não fosse premiado”.

O filme é uma verdadeira colcha de retalhos de mitos e histórias populares e fantásticos (Lenda do Santo Graal, contos de Andersen, Edipo Rei e a tragédia grega, etc.), passada numa Idade Média nórdica tardia e confusa, criada com uma cenografia delirante de Virgilio Marchi, extrema mobilidade da câmera e um ritmo rápido da montagem. Nino Frank considerou-o “obra-prima do cinema barroco de ontem” e eu concordo com ele.

Ainda em 1941, Blasetti fez A Farsa Trágica, baseado na peça homônima de Sem Benelli e com roteiro de Blasetti e Renato Castellani, suscitando um grande clamor com a famosa cena de seio nú de Clara Calamai, fugazmente descoberto por Amedeo Nazzari. O filme é um melodrama sombrio e compacto, de tom truculento e erótico, incrivelmente ambíguo e sanguinário para a época. O enredo, em síntese, expõe o confronto entre o prepotente Neri (Amedeo Nazzari) e o ardiloso Giannetto (Osvaldo Valenti), e a maquinação deste último, que consegue zombar de seu temível inimigo roubando-lhe a sensual Ginevra (Clara Calamai), fazê-lo passar por louco, encarcerá-lo e, finalmente, atraí-lo para uma terrificante e engenhosa armadilha noturna, na qual, pensando ter matado o odioso rival, assassina seu próprio irmão. Tudo isto é contado pelo diretor com um senso eficaz de ritmo, um cuidado com a ambientação em interiores elegantes renascentistas de Florença e uma capacidade de retratar com força dramática esse turbilhão de paixões incontroladas e demoníacas.

Em 1942, deixando de lado alguns projetos como, por exemplo, I tre moschettieri e Francesca da Rimini, Blasetti inicia sua colaboração com Cesare Zavattini, fazendo – na minha opinião – o seu melhor filme, O Coração Manda. O cineasta dá uma guinada radical, abandonando o estilo grandiloquente e realizando um filme muitas vezes apontado como um precursor do neorrealismo. A distância do fascismo é nítida e irrevogável. No filme não há nenhum traço de compromisso político, não há nada de retórico ou heroico, mas é mostrada a realidade cotidiana  de um personagem frustrado, deprimido pela desagregação social, pela perda dos valores humanos autênticos.

Paolo (Gino Cervi) vive uma existência monótona ao lado de uma esposa insuportável. Caixeiro-viajante, ele parte um dia para visitar seus clientes. No ônibus, conhece uma jovem, Maria (Adriana Benetti) cuja tristeza o comove. Grávida e abandonada por seu sedutor, ela não ousa voltar para a casa de seus pais. Atendendo às súplicas da moça, Paolo consente em se fazer passar pelo marido diante da família de rígidas idéias tradicionais. Após algumas dificuldades, Paolo obtém o perdão para Maria. Finda a comédia, ele retorna ao domicílio conjugal e reencontra a realidade banal.

José Lino Grunewald  (Cinema Italiano, Cinemateca do MAM, 1960), depois de se referir à colaboração de Blasetti com Zavattini, comentou: “Daí, não seria propriamente estranho vislumbrar algumas feições da nova escola: uma narrativa simples, um jogo de situações inspirado no mais puro cotidiano, do qual Blasetti, numa direção segura e meticulosa, mas anti-rebuscada, conseguiu aquela difícil extração de um fluxo de singeleza, a partir de um acontecimento banal”.

Cada vez mais distante do fascismo depois da virada belicista, Blasetti se recusa a filmar o filme de propaganda Bir El-Gobi e realiza, em vez de, Instituto Grimaldi, baseado no romance de Alba De Cèspedes, autora que não estava na linha do regime. O filme mostra sete moças que saem de um pensionato e vivem o seu primeiro impacto com a realidade, ocorrendo muita desilusão. A respeito de sua ligação com o regime fascista Blasetti declarou: “Na verdade eu era um fascista convicto. Mas depois veio a guerra etiópica. Mussolini demonstrou com os fatos que preferia a guerra até então. E o meu posicionamento com relação ao regime mudou”.

Após o 8 de setembro, sentindo que estava nos planos de Mussolini transferir também a indústria cinematográfica para Salò, Blasetti se refugia, disfarçado de monsenhor, na Basilica  di Sant’Angelo, sob a proteção de Don Mario Marchi, irmão do cenógrafo. Nos dois meses passados no convento, Blasetti escreve alguma poesia.

No momento da paralização geral do cinema, Blasetti organiza uma companhia teatral, da qual faziam parte Vittorio De Sica, Massimo Girotti, Roldano Lupi, Elisa Cegani, etc, e depois realiza Um Dia na Vida / Un Giorno nella Vita / 1946, no qual conta um episódio da luta partiagana, ganhando o premio Nastro d’argento de melhor  direção, empatado com De Sica (por seu trabalho em Vítimas da Tormenta /  Sciuscià).

Em 1947, Blasetti faz para a Universalia Film os documentários: La gemma orientale dei papi, Nel duomo di Milano e Castel Sant’Angelo e, em 1948, retorna ao filme de época, realizando um super-espetáculo, Fabiola, primeira co-produção franco-italiana no pós-guerra ambientada na Roma do século III com Michele Morgan. Henri Vidal e Michel Simon à frente do elenco.

Em 1950, Blasetti filma Sua Majestade, o Sr. Carloni, sátira aos costumes e ritos da pequena burguesia italiana, que assinala um novo encontro com Zavattini. O filme conquistou o Premio Internacional na XI Mostra de cinema de Veneza, ex aequo com Pânico nas Ruas / Panic in the Streets de Elia Kazan e Deus Necessita de Homens / Dieu a Besoin des Hommes de Jean Delannoy, e três Nastri d’argento pela melhor direção, roteiro e interpretação masculina (Aldo Fabrizzi).

Nos anos seguintes Blasetti realiza: os documentários Quelli che soffrono per noi / 1951 e MIracolo a Ferrara / 1953; dois filmes contando várias histórias, Outros Tempos / 1951 e Nossos Tempos / Tempi Nostri / 1953 (primeiros exemplos de filme em episódios” na Itália); A Labareda / La Fiammata / 1952 (drama passado às vésperas da guerra franco-prussiana); duas comédias com a dupla Loren – Mastroianni, Bela e Canalha / 1954 e A Sorte de ser Mulher / 1955; Com o amor não se brinca / Amore e chiacchiere / 1957 (comédia de costumes, com roteiro de Zavattini, acusando o prazer e a vaidade de falar dos italianos); Europa de Noite / 1958 (inventando um novo gênero cinematográfico: um pot-pourri de variados espetáculos de cabaré filmados ao vivo e montados um após o outro sem solução de continuidade); Eu amo, tu amas … / Lo amo, tu ami… / 1961 (filme enquete sobre o modo de amar rodado em vários países); As Quatro Verdades / Le Quattro Verità / 1963 (Episódio  A Lebre e a Tartaruga / La Lepre e la Tartaruga); O Sedutor Liolà / Liolà / 1963 (comédia baseada peça campestre de Luigi Pirandello); Eu, eu, eu … e os Outros / Io, io, io … e gli altri / 1966 (comédia analisando o egoísmo em vários episódios mas sempre com o mesmo personagem principal); Uma Noiva do Outro Mundo / La Ragazza del Bersagliere / 1967 (comédia fantástica) e Simon Bolivar, o Libertador / Simon Bolivar / 1969 (cinebiografia em co-produção ítalo-espanhola filmada na América do Sul). Neste período de sua carreira Blasetti participou, como ele mesmo, de Belíssima / Belissima / 1951 de Luchino Visconti, Uma Vida Difícil / Una Vita Difficile / 1961 de Dino Risi e Il Misterio di Cineccità / 1967 di Mario Ferrero, fez 12 filmes para a  televisão e colaborou como diretor de 2ª unidade em A Grande Guerra / La Grande Guerra / 1959 de Mario Monicelli (direção das cenas de batalha), O Melhor dos Inimigos / I Due Nemici / 1964 de Guy Hamiton (direção das cenas de incêndio do lago) e A Bíblia / The Bible … in the begining / 1966 de John Huston (direção da batalha de Siddim).

Em 1982, na Quinquagésima Mostra de Cinema de Veneza, ganhou um Leão de Ouro por sua carreira  que, por causa do seu estado de saúde, lhe foi entregue na sua residência  por Fellini, Lizzani, Suso Cecchi d ‘Amico e Gian Luigi Rondi.

Blasetti faleceu em 3 de fevereiro de 1987. Ao seu funeral, celebrado na igreja de Santa Maria del Popolo, estava presente todo o cinema italiano.

JEAN GABIN

Jean Gabin  morreu numa segunda-feira, dia 15 de novembro de 1976, vitimado por um ataque cardíaco causado por problemas de hipertensão, seis meses após ter completado 73 anos. Grande astro desde 1935, ele fez 95 filmes, dos quais pelo menos uma dezena honra a História do Cinema. Dos 95 filmes, eu vi 58, entre eles todos os citados neste artigo salvo La Belle Merinière, Sombras do Passado e L ‘Année Sainte.


Deixando de lado seus anos de aprendizagem no music-hall e em estúdio (1922 – 1934) e o breve parêntese americano durante a Segunda Guerra Mundial para as companhias Fox e Universal (1941 – 1943), podemos dividir seu itinerário artístico em quatro períodos (1935 – 1940), (1946 – 1953), (1954 – 1958) e (1959-1975), durante os quais seus personagens de ficção foram mudando e evoluindo de acordo com a idade do intérprete, os operários suburbanos com seus destinos trágicos cedendo gradualmente o lugar para os burgueses não conformistas e coléricos e depois aos patriarcas revoltados e autoritários.

Magnifico ator de composição, alternando uma variedade impressionante de papéis (caçador, trapezista, capitão de navio, Poncio Pilatos, legionário, operário, ladrão, chefe de quadrilha, soldado, desertor, condutor de locomotiva, gangster, treinador de boxe, camioneiro, diretor do Moulin Rouge, juiz, dono de restaurante, pintor, advogado, garagista, comissário Maigret, Jean Valjean, policial, presidente, patriarca rural, empresário, marceneiro, médico, banqueiro, mendigo, hoteleiro, falsário, inventor, antigo tipógrafo, etc., etc.), Gabin nunca deixou de ser ele mesmo o tempo todo, alimentando assim seu mito, o único que o cinema francês conheceu.

Como observou André Brunelin em Gabin (Robert Laffont, 1987), uma das melhores biografias jamais escrita sobre um artista de cinema, Jean Gabin conseguia “transportar” sua própria personalidade para o personagem e foi talvez por causa disto que ele parecia sempre muito verdadeiro na tela.

Jean-Alexis Gabin Moncorgé nasceu no dia 17 de maio de 1904 em Paris, filho de um cantor de café concerto,  Ferdinand Moncorgé, conhecido sob o nome de Gabin, e de uma cantora fantasista, Hélène Petit. Jean passou sua primeira infância em Mériel, pequena cidade campestre de Seine-et-Oise, ao lado de seu irmão, Bébé e de suas irmãs, Madeleine e Reine, mais velhos do que ele.

Em 1917, Bébé conseguiu empregar Jean como servente de escritório na Compagnie Parisienne d’Életricité; porém a descoberta do mundo do trabalho foi interrompida quando sua mãe faleceu em 1918 e seu pai resolveu matriculá-lo no liceu Janson-de-Sailly. Passado algum tempo, Jean fugiu do colégio e se refugiou na casa de sua irmã Madeleine e seu marido, o ex-campeão de boxe peso pluma Jean Poësy, decidido a ganhar a vida sozinho.

Entre 1921 e 1922, Jean exerceu vários pequenos ofícios numa estação ferroviária, numa fundição e em lojas de automóveis. Mas Ferdinand queria que seu filho entrasse para o teatro e, com a cumplicidade de Frejol, o administrador do Folies-Bergère, “empurrou com um ponta-pé no trazeiro” o jovem para cima do palco. Como não queria contrariar o pai, com quem havia se reconciliado recentemente, Jean foi em frente e acabou superando sua aversão pela profissão de ator e gostando daquele ambiente tão sedutor. Ele fez algumas participações secundárias numa revista de Rip no Vaudeville e nas operetas “Là-Haut” e “La Dame en Décolleté” no Bouffes–Parisiens, onde conheceu Gaby Basset, que se tornou sua primeira esposa no início de 1925 durante uma das licenças de Jean do seu serviço militar na Marinha.

Retornando à vida civil, Gabin subiu de novo ao tablado em “Trois Femmes Nues” ao lado de Gaby e foi com uma trupe ao Brasil; mais tarde, contratado por Mistinguett no Moulin Rouge, estreou na revista “Paris qui Tourne” em 18 de abril de 1928. Jean continuou no Moulin Rouge dançando e cantando em dueto com Mistinguett e, quando esta deixou esta casa de espetáculos, ele continuou trabalhando ali notadamente em “Allô, ici Paris”, contracenando com a americana Elsie Janis. Esta foi a última revista do  célebre Moulin Rouge que, vendido para  a Pathé-Natan, passou a ser uma sala de cinema. Contratado novamente para o Buffes-Parisien, Jean se apaixonou por sua parceira na opereta “Flossie”, Jacqueline Francell, e Gaby pediu o divórcio.

Segundo informação de Brunelin, Jean teria feito em 1929 dois curtas-metragens mudos, L’heritage de Lilette e Les lions ou le dompteur num estúdio da Gaumont na companhia de seu parceiro do Moulin-Rouge, o cômico Dandy; mas não se sabe se esses dois filmes chegaram a ser exibidos para o público. Nessa mesma época, a U.F.A. ofereceu-lhe o papel principal na versão francesa de um dos primeiros filmes sonoros que iria ser filmado pelo estúdio berlinense: Le Chemin du Paradis. Gabin não aceitou – porque não gostara da experiência dos curtas – , sendo substituído por Henri Garat.

Entretanto, o cinema não iria esquecê-lo. Pouco depois, ele recebeu um telegrama da Pathé-Natan, convidando-o para uma visita aos estúdios de Joinville-le-Point e ele saiu dali com um contrato de três anos, para fazer comédias cantadas. O primeiro filme foi Chacun sa Chance / 1930 inaugurando a sua fase de aprendizado, que compreendeu 15 filmes ao todo – entre os quais se destacou La Belle Marinière / 1932 -, e se encerrou quando ele fez, com Madeleine Renaud, Marie Chapdeleine / 1934, seu primeiro filme de peso, dirigido por Julien Duvivier. No ano anterior, Gabin conheceu uma jovem que dançava nua no Casino de Paris sob o  nome artístico de Doriane, mas que na realidade se chamava Jeanne Mauchain,  e eles se casaram.

Após Marie Chapdelaine iniciou-se o primeiro período (1935-1939) da carreira de Gabin, repleto de clássicos realizados por quatro grandes cineastas: Julien Duviviver (A Bandeira / La Bandera/ 1935, Gólgota / Golgotha / 1935, Camaradas / La Belle Equipe / 1936, O Demônio da Argélia / Pépé le Moko / 1936), Jean Renoir (Basfonds / Les Bas-fonds / 1936, A Grande Ilusão / La Grande Illuson, / 1937, A Besta Humana / La Bête Humaine / 1938), Marcel Carné (Caís das Brumas / Le Quai des Brumes / 1938, Trágico Amanhecer / Le Jour se Lève / 1939) e Jean Grémillon (Gula de Amor / Gueule D’Amour / 1937, Águas Tempestuosas / Remorques / 1939).

Em duas dessas obras-primas estava a bela Mireille Ballin, com a qual Gabin teve uma ligação efêmera. Na filmagem de Caís das Sombras, Gabin encontrou Michèle Morgan. Ela tinha 18 anos e olhos lindos. O destino de Doriane estava selado. Mas Gabin e Michèle só começaram seu romance – que todo mundo pensou que eles viviam secretamente – um ano depois, durante a filmagem de Águas Tempestuosas.

Com O Demônio da Argélia, disseram Jacques Siclier e Jean-Claude Missiaen (Jean Gabin, Henry Veyrier, 1977), “o mito Gabin já está definitivamente formado … Gabin, o Gabin de antes da guerra, está ali, todo inteiro, com seu coração terno e suas cóleras bruscas, sua presença física e suas reações instintivas, seu universo de vida sem futuro e de evasões frustradas, onde a mulher – fatal – passa como um sonho inacessível …”.

O filme marca a instalação oficial no cinema francês do romantismo de seres marginais e da mitologia do fracasso. Balbuciante em A Bandeira, aquele personagem atinge a sua plenitude e o seu apogeu em O Demônio da Argélia, que encontra no meio da multidão, mergulhada na desilusão do Front Populaire, na angústia das consequências da Guerra Civil espanhola e no crescimento do fascismo na Europa, um sucesso considerável, impulsionando Gabin para o zênite de sua glória e, ao mesmo tempo, encerrando-o no famoso “mito” de herói anti-social.

No dia 2 de setembro de 1939, Gabin, ou melhor, Jean Moncorgé, foi convocado. Ele serviu como fuzileiro naval em Cherbourg. Em maio de 1940, Gabin e alguns  técnicos obtiveram uma permissão excepcional para terminar Águas Tempestuosas. Nesse interim, Michèle havia assinado um contrato com a RKO para trabalhar em Hollywood. Com o recrudescimento da guerra, Michèle pensou que ela e Gabin não tinham futuro. Jean aconselhou-a a partir, lhe deu alguns conselhos e disse, brincando: “Você vai ver a Greta!”.

Após o armistício, ele decidiu ir também para os Estados Unidos, recusando a oferta para fazer filmes na Continental, a companhia produtora criada pelos alemães. Com a ajuda de seu amigo, José Samitié, um jogador de futebol espanhol da equipe de Nice, Gabin conseguiu atravessar a fronteira e, em Barcelona, obteve um visto americano em fevereiro de 1941.

A carreira americana do ator francês se limitou a dois filmes, Brumas / Moontide / 1942 de Archie Mayo com Ida Lupino e O Impostor / The Impostor / 1944 de Julien Duvivier com Ellen Drew. No plano sentimental, Gabin namorou Ginger Rogers (apresentado a ela por Michèle Morgan, agora apenas sua amiga), antes de encontrar Marlene Dietrich. Eles viveriam uma grande paixão até 1947.

Marlene estava casada com Rudi Sieberg com qual tivera uma filha, Maria. Rudi foi seu único marido, embora eles vivessem a maior parte do tempo separados. Rudi manteve um relacionamento longo com outra mulher, Tamara e Marlene com muitos homens. Apesar de ser protestante, o “Anjo Azul” chocava o puritanismo americano.

Marlene disse estas palavras a respeito de Gabin: “ … O mundo conhece o talento de Gabin como ator. Não preciso falar sobre isso.  Porém sua sensibilidade é muito desconhecida. Sua face dura como couro e sua atitude viril eram completamente artificiais. Ele era o homem mais sensível que eu conhecí: um pequeno bébé morrendo de vontade de se aninhar no colo de sua mãe, de ser amado, embalado, acariciado, esta é a imagem que eu conservo dele … Gabin era o homem – o super-homem – o “homem de uma vida”. Ele era o ideal que todas as mulheres procuram. Não havia nada de falso nele. Tudo era claro e transparente”.

Preocupada com a guerra, na qual os americanos estavam totalmente engajados,  Marlene deu a sua contribuição, principalmente nos espetáculos organizados para divertir os soldados na frente de batalha. Gabin, por sua vez,  se alistou nas Forças Francesas Livres, embarcando, nos meados de 1943, no navio Elorn, encarregado, com outras embarcações do mesmo tipo, de comboiar os petroleiros através do Atlântico até a Algéria. A bordo do Elorn, Gabin passou por maus momentos quando uma esquadrilha da Luftwaffe bombardeou o comboio. No outono de 1944, Gabin fez um treinamento especial e se tornou chefe do tanque Souffleur II da Divisão Leclerc. Gabin foi condecorado com a Cruz de Guerra e a Medalha Militar.

Findo o conflito mundial, Gabin e Marlene, de volta à França, fizeram um filme juntos, Mulher Perversa / Martin Roumagnac / 1946, iniciando-se o segundo período (1946 – 1953) da carreira do ator. O filme, dirigido por Georges Lacombe,  foi um fracasso. Marlene queria retornar à América. Gabin lhe deu um ultimato: ou ela ficava ou estava tudo acabado entre eles. Marlene partiu. Gabin não a perdoou e, desde então, para ele, a ruptura foi total.

Neste segundo período, com seus cabelos prematuramente grisalhos, Gabin fez três filmes importantes (Três Dias de Vida / Au-delà des Grilles / 1949 de René Clement, O Prazer / Le Plaisir / 1952 de Max Ophuls, Amor Traído / La Vérité sur Bébé Donge / 1953 de Henri Decoin) e uma obra-prima: Grisbi, Ouro Maldito / Touchez pas au Grisbi / 1953 de Jacques Becker.

Dominique surgiu diante de Gabin, quando ele estava ensaiando para a peça La Soif pouco antes da estréia, no final de janeiro de 1949. Ela era uma manequim da Lanvin e eles se casaram no dia 28 de março de 1949. Desde que Dominique entrou na sua vida, mais nenhuma outra mulher existiu para ele. Ela lhe deu duas filhas, Florence e Valérie e um filho, Mathias. De um primeiro amor, “um erro da juventude”, Dominique teve um filho, Jacky, nascido em 1940.

Depois da morte de Gabin, Dominique lembrou para Brunelin: “Jean era então muito bonito. Muito mais belo do que havia sido anteriormente nos seus filmes que o haviam tornado célebre. Porque era uma beleza mais madura, mais viril,  com os traços que a vida, a guerra, o medo haviam endurecido. Uma dureza suavizada por um sorriso generoso e um olhar azul, que tinha um brilho alegre, quase infantil, quando ele estava feliz”.

O terceiro período da carreira de Gabin (1954 – 1958) foi muito rico artisticamente, destacando- se: French Can Can / French Can Can / 1955 de Jean Renoir, Antro do Vício / Razzia sur la Chnouf / 1955 de Henri Decoin, Vidas sem Destino / Des Gens sans Importance / 1956 de Henri Verneuil, Sedução Fatal / Voici le temps des Assassins / 1956 de Julien Duvivier, Mães Modernas / Le Cas du Dr. Laurent / 1957 e Os Miseráveis / Les Misérables / 1958 de Jean-Paul le Chanois, Assassino de Mulheres / Maigret tend un Piège / 1958 de Jean Delannoy, Amar é minha Profissão / En Cas de Malheur / 1958 de Claude Autant-Lara, Vício Maldito / Le Desordre et la Nuit / 1958 de Gilles Grangier e Volúpia de Poder / Les Grandes Familles / 1958 de Denys de La Patellière.

Pôster de Màes Modernas

Em julho de 1952, Gabin comprou os 42 hectares de terra iniciais de sua fazenda, que ele batizou de La Pichonnière, dedicada primeiramente à criação de bovinos e depois também à criação de cavalos de trote. A casa que Gabin construiu nesta propriedade foi denominada de La Moncorgerie e ficou pronta no Natal de 1957. Foi a realização de um sonho de sua infância. Dez anos depois, durante o verão de 1962, na noite de sexta-feira 27 para sábado 28 de julho às cinco horas da manhã, 700 agricultores da região cercaram a Moncorgerie e, treze dentre eles, seus líderes e dirigentes sindicais, exigiram ser recebidos por  Jean Gabin, para lhe apresentar reivindicações que eram, na verdade, exigências.

Eles disseram que 150 hectares de terra eram o bastante para Gabin e exigiram que ele emprestasse para os jovens agricultores em dificuldade, as suas outras fazendas de Digny e de Merleraut. Gabin explicou que essas fazendas eram indispensáveis ao funcionamento da Pichonnière, porque elas lhe forneciam a aveia para seus cavalos. Gabin os enfrentou sozinho, calmo, lúcido. Em nenhum momento perdeu seu sangue-frio. Os líderes começaram a ficar com medo, quando as coisas não se desenrolaram como haviam previsto, e foram embora, dizendo para a multidão, que haviam conseguido o que queriam.

Mas Gabin sofreu uma grande decepção. Ele pensou que ia encontrar no meio rural e campesino o enraizamento profundo que ele não tinha no meio do espetáculo, deu tudo de si para isso, investiu quase todo o seu dinheiro porém, na madrugada do dia 28 de julho, ele se viu face à face com a mais cruel das realidades: a comunidade campesina de sua região o rejeitava. O caso terminou na Justiça quando, na abertura do processo, Gabin decidiu retirar sua queixa contra os invasores.

Trinta produções em dezesseis anos (1959 – 1976), ou seja, uma média anual de duas produções por ano, marcaram o quarto e último período (1959 – 1976) do percurso cinematográfico de Gabin, salientando-se: O Castelo do Medo / Maigret et l’affaire Saint-Fiacre / 1959 e O Vigarista / Le Baron de l’écluse / 1959 de Jean Delannoy, O Presidente / Le President / 1960 de Henri Verneuil, O Major das Barbadas / Le Gentleman d’Epsom / 1962 de Gilles Grangier, Gângsteres de Casaca / Melodie en sous-sol / 1963 de Henri Verneuil,  O Cavalheiro / Monsieur / 1964 de Jean-Paul le Chanois, Sombras do meu Passado / Le Tonerre de Dieu / 1965 de Denys de La Patellière, Le Pacha / 1968 de Georges Lautner, La Horse / 1969 e O Gato / Le Chat / 1970 de Pierre Granier-Deferre, O Caso Dominici / L’Affaire Dominici / 1973 de Claude Bernard-Aubert e, o melhor de todos e sucesso internacional, Os Sicilianos / Le Clan des Sicilians / 1969 de Henri Verneuil. Infelizmente, o filme que Gabin fez com seu grande amigo Fernandel, na companhia produtora que eles fundaram, a Gafer, intitulado L’Age Ingrat e dirigido por Gilles Grangier, não agradou o público, deixando-o um tanto amargurado.

Grangier (com quem Gabin fez doze filmes), no seu livro de recordações, Flash-back (Presses de la Cité, 1977), contou que um dia, depois de uma filmagem em exteriores, a equipe foi para um hotel. De repente, Gabin, apareceu vestido num roupão de banho como se fosse uma toga e, majestoso, começou a declamar, para surpresa de todos, uma série de versos alexandrinos de Corneille. Todos evidentemente se perguntaram onde ele havia aprendido os versos. Certamente não teria sido interpretando uma tragédia de Corneille na Comédie Française, porque senão eles teriam sabido. Lembrança de uma lição do tempo do colégio? Gabin costumava se gabar de sua cultura esportiva mas quanto à outra, a grande, ele gostava de passar por anti cultural.

Do mesmo modo, falando de cinema ou de sua profissão de ator ele dizia, “Minha Arte”, acentuando cada palavra e com uma entonação de escárnio, recusando ser reconhecido como um “artista”. Ele zombava gentilmente de Fernandel que, ao contrário, não pronunciava uma frase sem dizer “nós, artistas”. Gabin dizia para Fernandel: “Saltimbancos, Fernandel, é isso que somos”.

Em 1964, Gabin recebeu a Legion D’honneur. Em 1976, depois  de  seu último filme, L ‘Année Sainte, dirigido por Jean Girault, ele aceitou ser mestre de cerimônia na entrega dos César.

No dia 15 de novembro deste mesmo ano, Jean Gabin faleceu no hospital americano de Neully. Seu corpo foi cremado no cemitério Père Lachaise. No dia 19, a família e alguns íntimos como Gilles Grangier, Alain Delon e o almirante Gélinet  (que comandou o esquadrão de tanque de Gabin durante a guerra) e sua esposa, embarcaram num pequeno navio e, a vinte milhas da costa de Brest, diante da tripulação rendendo suas homenagens, o comandante Pichon jogou a urna cinerária nas águas do mar e Mathias e Florence um buquê de violetas, a flor predileta de seu pai.

FILMES DE GUERRA BRITÂNICOS 1939-1945

O potencial do cinema como meio de propaganda foi amplamente reconhecido antes do início da Segunda Guerra Mundial. Nos regimes totalitários da Europa entre as duas guerras mundiais o cinema havia sido adotado pelo Estado como instrumento de doutrinação política e controle social. Lenin fez a declaração  famosa “de todas as artes, o cinema é para nós a mais importante” enquanto Goebbels considerava o cinema como um dos meios mais modernos que existia para influenciar as massas.

Quando a indústria cinematográfica britânica estava sendo ameaçada pela hegemonia econômica e cultural de Hollywood nos anos 20, o Films Act, ou Quota Act, surgiu como uma medida protetora. Ele tinha a intenção de ajudar a produção de filmes, estabelecendo uma cota mínima de filmes britânicos, que os exibidores seriam obrigados a exibir. Um dos argumentos usados em favor da legislação de cotas, era o de que uma indústria de cinema doméstica saudável seria necessária, para garantir que imagens favoráveis da Inglaterra fossem mostradas na tela.

O próximo passo foi a criação de uma unidade oficial de produção de filmes, que operou primeiramente sob a direção da Empire Marketing Board e depois, do General Post Office. A Empire Marketing Board foi fundada em 1926 com a finalidade principal de promover o comércio dentro do Império Britânico e, para tal fim, tinha uma unidade de produção de filmes chefiada por John Grierson. Em 1932, a unidade de produção de filmes foi transferida para o Public Relations Department do General Post Office, dirigido por Sir Stephen Tallents, o ex-diretor da Empire Marketing Board. Os filmes foram então usados para divulgar os serviços dos Correios, para estimular uma maior utilização deles pelos usuários e para explicar as suas vantagens.

O valor do filme como instrumento de propaganda, que havia sido vigorosamente demonstrado pela Empire Marketing Board, foi logo reconhecido por outros departamentos governamentais e pelo comércio em geral. Grandes organizações encomendaram documentários para ajudar a vender alimentos, gasolina, máquinas, açúcar, e assim por diante. Algumas indústrias organizaram suas próprias unidades de produção de filmes e trabalharam de forma independente.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a GPO foi transferida para a Films Division do Ministry of Information (MOI), que se tornou o órgão responsável por toda informação e propaganda oficial. O MOI foi muito condenado por ter demorado a entrar no ritmo certo. De fato, os planejadores dedicaram pouca atenção à organização de uma máquina de propaganda, preocupando-se com outros assuntos tais como a questão da censura dos filmes durante a guerra, particularmente dos cinejornais, que iriam cobrir as ações militares ou com o fechamento dos cinemas, por causa dos bombardeios. Os primeiros dias do MOI foram frustrados por equívocos e erros graves, talvez devido às frequentes mudanças na sua administração, tendo recebido o apelido de “Ministério da Des-Informação”, por causa dessa ineficiência inicial.

As mesmas acusações foram feitas com relação à Films Division embora com menos razão, pois alguma coisa certa foi feita. Ali também houve constantes mudanças na administração: Sir Joseph Ball esteve no comando até o final de 1939, Sir Kenneth Clark até 1940 e, subsequentemente, Jack Beddington liderou a Films Division até 1946.

Sir Joseph Ball favoreceu claramente os “líderes” da indústria cinematográfica britânica, que para ele eram as companhias produtoras de cinejornais e alguns produtores-chave como Alexander Korda. Assim que tomou posse como chefe da Films Division, Ball concedeu um tratamento preferencial para os seus favoritos. Korda recebeu uma ajuda considerável para produzir O Leão tem Asas / The Lion Has Wings, o primeiro longa-metragem de guerra. O filme não foi comissionado oficialmente mas foi oficialmente sancionado e o MOI ganhou uma participação nos lucros pela assistência que deu. Os cinejornais receberam uma quantidade de comissões e indubitavelmente desfrutaram de um dos seus períodos mais influentes durante a guerra.

Entretanto, Ball não se interessou pelo movimento documentarista britânico, que havia conquistado uma boa reputação durante os anos 30. Seu mentor, John Grierson, encontrava-se no Canadá desde o começo da guerra mas muitos de seus membros e realizadores estavam por perto e prontos para contribuir para o esforço nacional. Ball não quís nada com eles.

Já o sucessor de Ball, Sir Kenneth Clark, logo fez circular pelo MOI um “Programa para a propaganda cinematográfica”, que pretendia  usar todas as espécies de filmes – longas-metragens, documentários e cinejornais – como parte de um esforço combinado para concretizar os princípios básicos da propaganda de guerra britânica. Apareceram comissões para a produção de documentários e, durante a sua gestão na Films Division, foram tomadas as providências iniciais para a realização de Invasão de Bárbaros / 49th Parallel, totalmente financiado pelo MOI.

Clark não ficou no posto de diretor o tempo suficiente para ver a consecução de seus planos; ele foi promovido após quatro meses no cargo. Muitos documentários não se materializaram e Invasão de Bárbaros somente viu a luz do dia depois de alguns retrocessos. Mas Clark abriu as portas da Films Division para mais do que apenas uma elite que Ball havia favorecido. Ele criou uma atmosfera saudável que incitava os realizadores a contribuir com idéias para a Division e alguns deles (como Michael Powell por exemplo) reconheceram o incentivo que Clark deu para o seu trabalho.

Felizmente, a cooperação foi também a marca da gestão de Jack Beddington e, sob sua direção, a Film Division progrediu muito. Beddington certamente se beneficiou do espírito de abertura que Clark havia trazido para a seção e do fato de que ele ficou no emprego o tempo suficiente para ver os planos e projetos até a sua conclusão.

Sob a instigação de Beddington, em junho de 1940, o programa de “theatrical distribution” (distribuição dos filmes de propaganda nos cinemas) e “non-theatrical distribution”(distribuição, por unidades móveis em 16mm, fora dos circuitos de cinemas, em igrejas, fábricas, etc.), foi reorganizado e expandido. Beddington nomeou Ian Dalrymple como supervisor da produção da GPO Film Unit (depois da saída de Alberto Cavalcanti – que havia substituído Grierson – para o Ealing Studios) e, em agosto de 1940, ela ressuscitou, rebatizada de Crown Film Unit, tendo, depois disso, uma participação mais significativa no processo de propaganda.

A virtude de Beddington foi que ele compreendeu que a Films Division tinha que trabalhar com ambos os polos da indústria cinematográfica: o negócio comercial de um lado e movimento documentarista do outro. A necessidade de equilibrar e reconciliar esses dois interesses diferentes tornou-se o princípio- condutor da sua administração.

A Crown Film Unit ocupou um lugar importante no mecanismo da propaganda cinematográfica durante a guerra. Ela foi responsável por inúmeros filmes para o MOI, uma produção que consistia principalmente de documentários curtos mas incluía também alguns longas-metragens. Embora esses filmes tivessem sido concebidos no contexto das exigências da propaganda do tempo de guerra, alguns deles obtiveram um grande sucesso crítico e popular e se tornaram clássicos do cinema britânico por força de suas qualidades estéticas.

Sob a direção de Dalrymple, a Crown Film Unit se especializou num certo tipo de filme – o documentário narrativo reconstruido – que teve origem na gestão de Alberto Cavalcanti durante os anos 30, servindo como exemplo North Sea / 1938, de Harry Watt, que descrevia o resgate de pescadores de um traineira avariada.

O que Dalrymple fez foi abraçar a tradição do documentário narrativo reconstruído e desenvolvê-lo ao máximo. Isso foi ilustrado na produção de uma série de documentários narrativos em longa-metragem como, por exemplo, Alvo para esta Noite / Target for Tonight / 1941, Comando da Costa / Coastal Command / 1942 e Western Approaches / 1944, que usaram cenários de estúdio e algumas das convenções formais narrativas do cinema comercial. Essas produções foram uma novidade no campo do documentário e elevaram o perfil deste tipo de filme diante do público frequentador dos cinemas.

No início de 1942, a Crown Film Unit foi transferida para o Pinewood Studios, um dos mais novos e melhor aparelhados estúdios na Inglaterra, que havia sido requisitado pelo governo. A mudança fazia parte de um processo de racionalização por meio do qual a Crown e as unidades de produção das Forças Armadas foram reunidas sob um mesmo teto, para compartilhar as instalações. Darlrymple continuou como supervisor da produção até maio de 1943, quando pediu demissão, ao sentir que sua influência estava se desvanecendo e o seu controle do Film Unit sendo corroído por alguns novos burocratas do funcionalismo público.

A Crown Film Unit não foi a única agência de produção oficial a fazer parte do mecanismo da propaganda cinematográfica durante a guerra. As Forças Armadas também tiveram as suas próprias unidades de produção de filmes, que realizaram filmes sobre os serviços militares. Estas Service Units  faziam parte das Forças Armadas mas procuravam o MOI para obter financiamento, orientação sobre o tipo de filme a ser feito e, uma vez que seu trabalho era direcionado ao público em geral, distribuição.

As atividades cinematográficas do Exército, que eram as mais extensivas, haviam aumentado bastante desde setembro de 1939, quando apenas um cameraman do War Office, Harry Rignold, estava vinculado à Força Expedicionária Britânica. A Army Film Unit (AFU) foi criada depois de Dunquerque; em outubro de 1941 ela foi reintitulada Army Film and Photographic Unit (AFPU). Mais ou menos em 1943, a AFPU havia aumentado tanto que passou a ter 80 cameramen e oito diretores, organizados em quatro seções ligadas a diferentes setores. Além da filmagem de instantâneos da frente de batalha a AFPU era também responsável pela produção de documentários, feitos com esse material. A maioria do pessoal recrutado pela APFU (tais como  David MacDonald, Roy Boulting e Hugh Stewart) veio da indústria do filme comercial.

De 1942 em diante, a AFPU estava alojada em Pinewood juntamente com a Crown e a RAF Film Production Unit, que havia sido criada em 1941. A RAF Film Production era responsável pela realização de filmes de treinamento de navegação e registros de operações importantes assim como de documentários, que eram exibidos para o público em geral. Havia ainda duas pequenas unidades de produção de filmes, que faziam alguns filmes de treinamento para uso interno das forças armadas: a Royal Navy Film Section, sediada em Plymouth e a AKS Production Unit, instalada no estúdio requisitado da Fox em Wembley. Esta última estava sob o controle do Army Kinematograph Service (AKS), que era responsável pela produção e distribuição de filmes no âmbito do Exército. A AFPU se distinguiu pela produção de documentários de longa-metragem sobre campanhas militares como Vitória no Deserto / Desert Victory 1943, Tunisian Victory / 1944, A Verdadeira Glória / The True Glory / 1945, Burma Victory / 1945, que ficaram conhecidos como “Victory Films”.

Em comparação com a AFPU, a RAF Film Production fez menos filmes para o público em geral. Esta unidade havia sido criada para fornecer registros fílmicos do papel da RAF na guerra, mas também para fazer filmes de treinamento e de informação. A maioria dos instantâneos filmados pela RAF era cedido gratuitamente aos cinejornais, que usaram muito as tomadas dos bombardeios das cidades alemãs. Entre o material mais espetacular filmado pela RAF foi o audacioso ataque pelos Mosquitos à prisão da Gestapo em Amiens em maio de 1944, para destruir as muralhas e ajudar a fuga de membros da Resistência Francesa e o afundamento do encouraçado alemão Tirpitz no Tromso Fjord em novembro de 1944 por aviões Lancasters. Quase no final da guerra, a RAF Film Unit começou a produzir documentários narrativos de longa-metragem como Journey Together / 1945 e School for Danger depois reintitulado Escola de Bravura / Now It Can Be Told /1947, filmado em 1944 mas só exibido posteriormente.

Se houve um tema que predominou sobre todos os outros na propaganda cinematográfica, foi o papel desempenhado na guerra pelos homens e mulheres comuns. A ideologia desta “guerra do povo” (The people’s war)  que emergiu dos filmes de guerra foi a da unidade nacional e coesão social: as diferenças de classe desapareceram e foram substituidas por um senso democrático de comunidade e camaradagem. Os filmes que Humphrey Jennings fez para a Crown Film Unit durante a guerra, representam bem o tema. Após ter colaborado nos documentários da GPO tais como The First Days e Londres Sabe SofrerLondon Can Take It!, Jennings fez, entre outros, os admiráveis Listen to Britain / 1942, Fires Were Started / 1943 e Diary for Timothy / 1946.

Os filmes de longa-metragem dos primeiros anos do conflito mundial eram thrillers ou  narrativas  românticas convencionais, que simplesmente usavam a guerra como pano de fundo. Este foi o período de filmes como Gestapo / Night Train to Munich / 1940 de Carol Reed no qual Rex Harrison resgata a heroína Margaret Lockwood dos vilões da Gestapo e Mister VPimpernel Smith / 1941 de Leslie Howard no qual o ator interpretava um Pimpinela Escarlate moderno, salvando refugiados da Alemanha Nazista. Embora estes filmes tivessem sido populares nas bilheterias, eles não retratavam o esforço de guerra das pessoas comuns

Foi somente em 1942 que surgiu um novo tipo de narrativa de guerra, como Querer é Vencer / The Foreman Went to France / 1942, de Charles Frend (e tendo Alberto Cavalcanti como produtor associado), inaugurando o “estilo Ealing” de produção de filmes de baixo orçamento derivados de incidentes reais da guerra, mostrando a “guerra do povo”.

Das três forças armadas, a Royal Navy foi a mais representada em filmes de guerra entre 1940 e 1943. A preferência dos produtores de filmes pelos assuntos navais explica-se em parte pela afeição e respeito tradicionais que os britânicos têm por este serviço militar e em parte pela natureza da guerra no mar que permitia um amplo espectro de ação e drama numa época em que o Exército Britânico ainda não havia obtido nenhuma grande vitória. Filmes como  Convoy / 1940, Barcos com Asas /Ships With Wings / 1941,  Nosso Barco, Nossa Alma / In Which We Serve / 1942, We Dive at Dawn / 1943 e O Navio Mártir / San Demetrio London / 1943 ilustraram aspectos da guerra no mar, alguns baseados em acontecimentos reais, outros  inteiramente ficcionais.

Em contraste com os numerosos dramas navais feitos durante os primeiros anos e meados da guerra, os assuntos relacionados com o Exército foram relativamente pouco representados pelos filmes de propaganda. Uma das razões para isso, como eu disse linhas atrás, foi que nesse tempo não houve vitórias em terra dignas de serem dramatizadas. Outro motivo, mais profundo, foi que provavelmente o Exército nunca tivesse desfrutado da mesma afeição que os ingleses tinham pela Marinha Real. Posso citar, entre os filmes relacionados ao Exército: Alguém Falou / The Next of Kin / 1942, Nine Men / 1943 e The Life and Death of Colonel Blimp / 1943 e Têmpera de Aço / The Way Ahead / 1944.

A última das três forças armadas, a Royal Air Force foi tema de menos narrativas ainda do que o Exército e a marinha real. A RAF, havia sido objeto do pioneiro O Leão tem Asas de Alexander Korda  enquanto o Bomber Command em particular havia sido o foco de um tratamento documentarista mais rigoroso no filme da Crown, Alvo para Esta Noite; porém enquanto dramas sobre aviação proliferassem em Hollywood durante a guerra, houve relativamente poucos saídos dos estúdios britânicos. Os três filmes principais envolvendo a RAF foram Luar Perigoso / Dangerous Moonlight /1941, Por Um Ideal The First of the Few /1942 e Além das Nuvens / The Way to the Stars /1945, todos muito bem recebidos pelos espectadores e pelos críticos.

Durante  a guerra, a Ealing, a Gaisnborough e a British National foram a espinha dorsal da produção britânica. Quando a Ealing foi fundada em 1931 por Basil Dean, ele declarou que ela seria “o estúdio com um espírito de equipe”. Michael Balcon, que assumiu o cargo de chefe da produção em 1938, continuou esta tradição, contratando um grupo de diretores – Basil Dearden, Charles Crichton, Robert Hamer, Charles Frend, Serguei Nolbandov e os documentaristas Albert Cavalcanti e Harry Watt. Na Ealing foram feitos Comboio Convoy, Alguém Falou / The Next of Kin, 48 Horas / Went the Day Well?, Nine Men, Querer é Vencer, etc.

A Gainsborough foi fundada por Michael Balcon em 1924 e, três anos depois, associada à Gaumont-British Picture Corporation, que havia sido criada pelos irmãos Ostrer. Balcon tornou-se diretor de produção de ambas as companhias. A matriz Gaumont-British, sediada em Shepherd’s Bush, produzia “filmes de qualidade enquanto os Gainsborough Studios em Islington dedicavam-se a filmes mais baratos. Quando veio a guerra, a Gainsborough transferiu-se para os estúdios da Gaumont British em Shepherd’s Bush, que eram maiores e menos prováveis de serem bombardeados do que os seus próprios estúdios em Billington. Na Gainsborough foram feitos For Freedom, Um Grito de Rebelião / Uncensored, Millions Like Us, We Dive at Dawn, etc.

A British National foi criada em 1934 por J. Arthur Rank e seus associados, o produtor John Corfield e a milionária Lady Yule. A dificuldade de distribuir a primeira realização da companhia rodada no estúdio em Elstree, levou à criação da General Film Distributors, para cuidar dos filmes da companhia. Em 1935, Rank comprou metade do Pinewood Studios mas a British nunca se tornou uma grande companhia e fez a maioria dos seus filmes de rotina durante os anos 30 mais nos estúdios Welwyn ou Walton do que em Pinewood. Durante a guerra, Lady Yule adquiriu o Rock Studios e uma série de filmes  foram rodados ali até que a companhia se extinguiu em 1948. Na British National foram feitos Mister V Pimpernel Smith, The Seventh Survivor, Morreremos ao Amanhecer / Tomorrow We Live, Sabotage at Sea, Salute John Citizen, etc.

Após 1942, um rival mais importante surgiu, a Two Cities. formada em 1937 com o objetivo inicial de operar em duas cidades, Londres e Roma, daí a sua denominação. A força motriz da companhia foi o italiano Filippo Del Giudice, que produziu uma quantidade de “filmes clássicos quintessencialmente ingleses”, como Tempero de Aço / The Way Ahead, Além das  Nuvens / The Way to The Star, e inclusive o filme mais popular durante a guerra, Nosso Barco, Nossa Alma.

À medida em que a guerra se encaminhava para o quarto ano cada vez mais, ela se tornou na Frente Doméstica uma guerra de mulheres. Primeiramente, as mulheres desempenhavam o papel de manter a casa enquanto os homens  lutavam no exterior. Agora, toda mulher disponível estava sendo requisitada para trabalhar nas fábricas ou vestir um uniforme. Os dois filmes mais conhecidos sobre as mulheres britânicas durante a guerra foram Millions Like Us e The Gentle Sex, lançados em 1943.  Antes destes filmes, ambos feitos com a cooperação do MOI, o trabalho durante a guerra e as responsabilidades das mulheres inglesas haviam sido apresentados principalmente através de documentários curtos (de cinco minutos) entre os quais posso apontar A Call to Arms / 1942 mostrando duas voluntárias para o trabalho numa fábrica de munições e Night Shift / 1942, sobre as condições de trabalho para as mulheres nas fábricas.

É preciso esclarecer que não foi somente o esforço de guerra britânico que serviu de tema para a propaganda cinematográfica mas também o papel dos aliados da Inglaterra contra o Nazismo. Jiri Weiss, documentarista tcheco exilado na Inglaterra após a ocupação do seu país, propôs que a cobertura documentarista britânica durante a guerra fosse extendida para cobrir todas as nações aliadas. A criação de uma Allied Film Unit para produzir os filmes como ele propunha não se concretizou porém os documentários britânicos cobriram os esforços de guerra de seus aliados como, por exemplo, em filmes curtos como Guests of Honor / 1941, Diary of a Polish Airman / 1942, Free French Navy / 1942, Fighting Allies / 1942 e Men of Norway / 1942.

Em acréscimo, um ciclo de filmes de longa-metragem dramatizou as histórias de resistência ao nazismo na Europa ocupada, abordando um dos temas principais da propaganda cinematográfica britânica: o contraste entre os povos democráticos e amantes da liberdade e o barbarismo agressivo da Alemanha Nazista. O mais sóbrio e sincero dos filmes anti-nazistas da guerra foi O Mártir / Pastor Hall / 1940 e depois vieram outros filmes que contavam histórias sobre a resistência nos países ocupados, prestando um tributo à coragem de seus habitantes que continuavam a enfrentar o Nazismo (vg. E Um Avião Não Regressou / One of Our Aircrafts is Missing / 1942, Surgirá a Aurora / The Day Will Dawn / 1942, Um Grito de Rebelião / 1942, Secret Mission / 1942, Guerrilhas / Undercover / 1943, The Silver Fleet / 1943, Escape to Danger / 1943, The Flemish Farm / 1943).

Com exceção das Channel Islands nenhuma parte das ilhas britânicas caíram sob a ocupação nazista durante a guerra. Enquanto as narrativas sobre a resistência mostravam como os estrangeiros heroicos enfrentavam seus opressores, algumas vezes com a ajuda dos ingleses, era muito mais difícil transmitir o que aconteceria se o povo inglês estivesse na mesma posição do que os aliados franceses, belgas, holandeses ou noruegueses. Existiram apenas dois filmes durante a guerra que consideraram seriamente as possibilidades do que poderia acontecer na Inglaterra sob ocupação inimiga: 48 Horas / 1942, dirigido por Cavalcanti e The Silent Village / 1943, dirigido por Humphrey Jennings.

FILMOGRAFIA

Marquei com um + entre parêntesis os filmes que eu ví,  graças à colaboração de vários colecionadores estrangeiros, do acervo do Imperial War Museum, da Ealing, da Granada Venture Pictures, e outras companhias que lançaram em dvd muitos filmes britânicos produzidos durante a Segunda Guerra Mundial. Consultei o The British Film Catalogue: 1895-1970 de Denis Gifford (McGraw-Hill, 1973) de onde recolhí os títulos dos filmes curtos. Incluí nesta filmografia apenas os filmes feitos para entretenimento,  extirpando-se os documentários feitos por órgãos públicos, alguns dos quais foram citados no texto. Os filmes curtos são assinalados por uma letra c entre parêntesis.

1939: O ESPIA SUBMARINO / The Spy in Black (+); INVASÃO / An Englishman’s Home (c); O LEÃO TEM ASAS / The Lion Has Wings (+); MARES SEM DONO / Sons of the Sea. 1940: All Hands Up (c); Dangerous Comment (c); Now You’re Talking (c); NAS SOMBRAS DA NOITE / Contraband (+); For Freedom (+); COMBOIO / Convoy (+); Bringing it Home (c); Miss Grant Goes to the Door (c); Channel Incident (c); Miss Knowall (c); John Smith Wakes Up (c); Neutral Post (c); Down Guard (c); Telefootlers (c). 1941: UMA VOZ NAS TREVAS / Freedom Radio (+); Home Guard (c); MISTER V / Pimpernel Smith (+); LUAR PERIGOSO / Dangerous Moonlight (+); Night Watch (c); An Airman’s Letter to His Mother (c); The Seventh Survivor; INVASÃO DE BÁRBAROS / 49th Parallel (+); BARCOS COM ASAS / Ships With Wings (+). 1942: This Was Paris (+); O GRANDE BLOQUEIO / The Big Blockade (+); Unpublished Story (+); FORTALEZAS VOADORAS Flying Fortress (+); E UM AVIÃO NÃO REGRESSOU / One of Our Aircraft is Missing (+); The Owner is Aloft (c); QUERER É VENCER / The Foreman Went to France (+); POR UM IDEAL / The First of the Few (+);  SURGIRÁ A AURORA/ The Day Will Dawn (+); ALGUÉM FALOU / The Next of Kin (+); Sabotage at Sea; UM GRITO DE REBELIÃO / Uncensored; Salute John Citizen; Secret Mission (+); NOSSO BARCO. NOSSA ALMA / In Which We Serve (+); 48 HORAS / Went the Day Well? (+); Squadron Leader X; Morreremos ao Amanhecer / Tomorrow We Live. 1943: Nine Men (+); The Silver Fleet (+); The Night Invader; We Dive at Dawn (+); The Gentle Sex (+); The Bells Go Down (+); The Life and Death of Colonel Blimp (+); GUERRILHAS / Undercover (+); Escape to Danger; The Flemish Farm (+); TARTU / The Adventures of of Tartu (+); Millions Like Us (+); The Volunteer, A ESPIÃ DA ARGÉLIA / Candlelight in Algeria (+); O NAVIO MÁRTIR  /  San Demetrio London (+); There’s a Future in It (c). 1944:  O  MÁRTIR / Pastor Hall (+); Browned Off (c); For Those in Peril (+); TEMPERO DE AÇO / The Way Ahead (+); VINTE MIL MULHERES / Twenty Thousand Women (+); The Two Fathers (c); ESCOLA DE BRAVURA / Now It Can be Told (lançado em 1946 mas filmado em 1944) (+); 1945: The World Owes Me a Living (c); The Man from Morocco; ALÉM DAS NUVENS / The Way to the Stars (+); Journey Together (+).

TIM MCCOY

Ele sabia cavalgar e atirar muito bem mas o atributo que o distinguia era uma retidão moral e o seu olhar duro como aço, que causava o terror entre os  bandidos.

Assim era Tim McCoy, um dos astros do western mais populares dos anos 20 e 30, compondo, ao lado de Tom Mix, Buck Jones, Ken Maynard e Hoot Gibson, o quinteto de ouro do gênero nessa época.

Tim McCoy nasceu, com o nome de Timothy John Fitzgerald McCoy, em Saginaw, Michigan em 10 de abril de 1891, filho de irlandeses. Seu pai, Timothy H. McCoy, era um soldado da União na Guerra Civil que depois  se tornou chefe de polícia. Tim estudou no St. Ignacius College em Chicago, preparando-se para ingressar na Academia de West Point, como desejava seu progenitor. Entretanto, fascinado por um Wild West Show saiu da escola e arrumou emprego num rancho no Wyoming, onde se tornou um exímio cavaleiro e conviveu com os índios, estudando seus costumes e  aprendendo seus dialetos.

Passado algum tempo, McCoy alistou-se no Exército, sendo rapidamente promovido a Segundo Tenente, graças aos conhecimentos que acumulara dos assuntos relacionados com os pele-vermelhas. Como oficial da Cavalaria, adido ao Departamento do Interior dos Estados Unidos, Tim trabalhou como tradutor-intérprete para o Escritório dos Negócios Indígenas e adquiriu o respeito e a admiração de membros de algumas nações indígenas, que lhe deram o nome de Nee-Hee Cha Uth (em inglês, High Eagle). Durante a Primeira Guerra Mundial, Tim prestou serviços em outras áreas do Exército, até dar baixa em 1919 no posto de Tenente-Coronel, voltando ao Wyoming como agente do governo federal junto a várias tribos.

Em 1922, quando a Famous Players-Lasky / Paramount estava preparando a produção de Os Bandeirantes / The Covered Wagon, o diretor James Cruze sentiu a necessidade de ter a seu lado um elemento de ligação entre a equipe do filme e os muitos índios autênticos que nele trabalhariam. Cruze solicitou a colaboração do Exército e o nome de Tim McCoy foi recomendado e imediatamente aceito.

Jovem e bem apessoado, McCoy foi contratado para um papel de coadjuvante em Almas Bravias / The Thundering Herd, dirigido por William K. Howard e baseado num romance de Zane Grey com Jack Holt, Lois Wilson, Noah Beery e Fred Kohler e também aproveitado como conselheiro técnico em Alma Cabocla / The Vanishing American, que George B. Seitz dirigiu para a mesma companhia, em 1926, com Richard Dix, Lois Wilson, Noah Beery e Malcolm McGregor nos papéis principais.

Percebendo o lucros que outros estúdios estavam tendo com Tom Mix, Buck Jones, Ken Maynard, Hoot Gibson e outros astros de filmes ambientados no Oeste, Irving Thalberg decidiu que era chegada a hora da MGM também fazer seus westerns e escolheu Tim McCoy para ser o astro-cowboy da Marca do Leão. Entre 1912 e 1919, McCoy foi o intérprete de 16 westerns, todos dentro do padrão de qualidade da MGM, a maioria com argumentos sobre a história americana.

Para dirigir o primeiro filme, Surpresas de um Beijo / War Paint / 1926, Thalberg escolheu W. S. “Woody” Van Dyke que já vinha trabalhando na indústria cinematográfica há muitos anos em seriados e westerns (principalmente com Buck Jones na Fox) e era capaz de filmar de uma maneira rápida e econômica. Van Dyke levou McCoy para a sua residência, pediu que ele se sentasse e insistiu para que ele falasse durante duas horas sobre índios, tudo o que sabia a respeito doa indios. Graças à essa conversa, muito do sucesso obtido pelo filme foi devido à autenticidade do seu cenário e à  exatidão histórica. Jon Tuska, no seu excelente livro, The Filming of the West (Robert Hale, 1978) conta que, na trama, Iron Eyes, interpretado por Chief Yowlachie, fica descontente com a vida na reserva Araphoe, e é preso pelo Exército por anarquia. Ele foge e assedia o quartel com um bando de bravos renegados. Após penetrar nas linhas inimigas, o personagem de McCoy, Tenente Tim Marshall, enfrenta Iron Eyes num emocionante duelo a faca e o derrota. Depois, ele convence os chefes da tribo que a guerra é uma solução trágica e só poderá levar à sua extinção; e faz isto por meio de uma linguagem de sinais, numa das pantomimas mais fascinantes da tela.

No segundo filme, Espadas e Corações / Winners of the Wilderness / 1926, também dirigido por Van Dyke,  McCoy faz o papel de um oficial irlandês, Coronel Sir Dennis O’Hara, lutando ao lado dos soldados de George Washington. O roteiro baseia-se em fontes históricas, sobretudo na descrição do próprio Washington da batalha na qual o general Edward Braddock é derrotado pelos franceses e pelos índios Pontiac, seus aliados, sendo um dos momentos mais importantes do espetáculo. Tuska diz que nenhum outro filme conseguiria detalhar uma derrota com a mesma precisão ou objetividade.

O terceiro filme, California / Califórnia / 1927, mudou o local da ação para o Sudoeste, abordando o conflito entre os Estados Unidos e o Mexico. McCoy continuou interpretando um militar, Capitão Archibald Gillespie, e Van Dyke conseguiu incluir novamente algumas cenas de batalha impressionantes, particularmente na emboscada do batalhão do General Kearney pelas tropas mexicanas.

O Terror das Selvas / The Frontiersman / 1927, dirigido por Reginald Barker, foi outro western de época ou pré-western com McCoy como  John Dale, membro  da milícia do Tennessee de Andrew Jackson, tentando celebrar um tratado de paz com os índios Creek; porém seus dois filmes seguintes, na MGM, com Van Dyke de volta atrás das câmeras, Demônios Brancos / Foreign Devils / 1927 e  O Aventureiro / The Adventurer / 1928  não tinham nada a ver com o Oeste. Em Demônios Brancos, McCoy era o Capitão Robert Kelly, adido à embaixada americana na China durante a Rebelião dos Boxer; em O Aventureiro, ele era um engenheiro de mineração envolvido numa revolução na América Latina.

Despojadores do Deserto / Spoilers of the West / 1927 e Ódio Fraternal / Wyoming / 1928, respectivamente o sexto e o sétimo filme da MGM, e os dois últimos dirigidos por Van Dyke, iriam ser rodados em locação em Lander, onde McCoy  havia passado anos de sua vida e ainda possuía uma fazenda.  David O. Selznick, futuro genro de Louis B. Mayer foi nomeado produtor supervisor desses filmes e propôs a Louis B. Mayer filmar ambos os filmes simultaneamente, para reduzir as despesas. O bom resultado dessa manobra econômica encorajou Mayer a conter os custos dos westerns da Metro e Harry Rapf ficou encarregado dos filmes a partir de então. O primeiro filme sob sua responsabilidade, A Lei do Deserto / Law of the Range / 1928, dirigido por William Nigh, mostra bem o contraste com os filmes anteriores de McCoy. A partir de então seus filmes (O Cavaleiro das Serras / Beyond the Sierras / 1928, O Foragido / The Bushranger / 1928, O Cavaleiro das Trevas / Riders of the Dark / 1928, Cavaleiros Invictos / Morgan’s Last Raid / 1929, Sangue Índio / Sioux Blood / 1929, O Telégrafo Transcontinental / The Overland Telegraph /1929 e O Estafeta / The Desert Rider / 1929),  ficaram mais parecidos com os westerns B que ele faria na Columbia, basta ver inclusive os seus diretores: Nick Grinde, John Waters, etc.

Quando a MGM se recusou a renovar o contrato de McCoy em 1929, ele fez um short musical, dirigido por Nick Grinde, intitulado  A Night on the Range, no qual cantava junto com um grupo de vaqueiros em torno de uma fogueira; depois foi para a Europa de férias, voltando direto para Wyoming. Ele estava casado com Agnes Miller e tinha dois filhos e uma filha e pensou em se tornar fazendeiro quando recebeu um telegrama de seu amigo Edward Small, agente de talentos (e depois produtor), convocando-o para retornar a Hollywood. Resultado: em 1930, a Universal contratou Tim McCoy para estrelar Os Índios do Oeste / The Indians are Coming, um seriado em 12 episódios , ao lado de Allene Ray, sob a direção de Henry McRae, em versões muda e falada. A versão falada estreou no  monumental Cinema Roxy de Nova York, o primeiro serial a alcançar um lançamento na Broadway. Apoiado por uma força promocional fora do comum, o filme teve uma renda de quase um milhão de dólares em seus primeiros meses de exibição pelos Estados Unidos. Quaisquer que fossem as falhas artísticas da realização, Os Índios do Oeste fizeram avançar o western tecnicamente. Foi um dos primeiros westerns importantes a usar a música de fundo durante as cenas de ação. Esta prática desapareceria nos anos que se seguiram devido à crença de que o público ficaria confuso sem saber de onde a música vinha e só foi restabelecida com O Cavaleiro Vermelho / The Red Rider / 1934, o segundo seriado de Buck Jones na Universal e, logo depois, nos westerns em geral.

O segundo seriado de Tim McCoy na Universal foi O Herói das Chamas / Heroes of the Flames / 1931. Dirigido por Robert F. Hill, foi o primeiro não-western de McCoy com um cenário contemporâneo e ele no papel de um bombeiro. McCoy estava escalado para um terceiro seriado, Battling with Buffalo Bill, que seria baseado, tal como Os Índios do Oeste, nas memórias de William F. Cody, e ele seria Cody; porém o ator foi para a Columbia e quem fez o papel de Buffalo Bill foi Tom Tyler. No Brasil o seriado chamou-se As Aventuras de Buffalo Bill.

Em 1931, McCoy assinou contrato com a Columbia, fazendo ali 32 filmes, dos quais 24 eram westerns e os demais, dramas criminais ou filmes de aventura. O orçamento desses filmes variavam de 15 a 20 mil dólares e foi nesse estúdio que McCoy aperfeiçoou a sua rapidez no gatilho, maior do que a de todos os outros cowboys da tela. Inicialmente, McCoy usou roupa toda preta. A partir do seu terceiro filme, Desforra de um Fugitivo / The Fighting Marshal / 1931, ele passou a usar um Stetson branco; mas alternou chapéus brancos e pretos através dos anos 30, em dimensões bem maiores do que os habitualmente usados por outros cowboys.

Enquanto a carreira de McCoy estava de novo se tornando segura, sua vida pessoal passava por severas mudanças. Em 20 de julho de 1931, Agnes pediu o divórcio. A decisão judicial deu-lhe o controle da fazenda no Wyoming e a posse e guarda dos filhos.

No outono de 1932, McCoy fez sua obra-prima no período sonoro para a Columbia: O Fim da Trilha / End of the Trail. No papel do Capitão Tim Travers,  McCoy é designado para escoltar uma pequena caravana através do território indígena com um destacamento de doze homens. Os índios atacam a caravana e somente Tim e dois outros escapam. Um colega invejoso, Major Jenkins (Wheeler Oakman), que estava suprindo secretamente os índios com rifles, desperta suspeitas sobre Tim perante os olhos do comandante do forte, Coronel Burke (Lafe McKee). Quando Jenkins coloca uma carta com a letra de Tim no bolso de um contrabandista morto, Tim é levado para uma corte marcial e desligado da tropa com deshonra. Ao proferir a sentença, o Coronel Burke, culpa Tim pela sua simpatia para com os peles-vermelhas. Amargurado e humilhado, Tim deixa o forte com Sonny, um órfão cujos pais foram mortos por índios, e que ele adotou. Sonny é mortalmente ferido numa perseguição e morre antes de receber socorro.  Tim e seu amigo, Sargento O’Brien (Wade Boteler), são capturados pelos índios e levados para o acampamento deles. Tim saúda o cacique Red Cloud (Chief White Eagle) como amigo e faz um discurso para os chefes da tribo dizendo: “Meu filho foi morto  por meu próprio povo. Ainda assim, eu falo pela paz. Não pelo o que possa acontecer ao homem branco, mas pensando em vocês, meus irmãos vermelhos”. Convencido de que Tim é uma ameaça para os brancos e uma má influência sobre os índios, o Coronel Burke manda prendê-lo, para ser acusado de traição. Os índios, enraivecidos, cercam o forte e começam um cerco. A maioria dos soldados são mortos antes que Burke, tendo ouvido a confissão do Major Jenkins antes de morrer, de que fora o responsável pelos crimes imputados a Tim, pede ao seu ex-capitão que impeça o massacre. Surgindo do lado de fora dos portões do forte com um lenço branco na lâmina de sua espada, Tim põe fim à luta mas é alvejado nas costas por um soldado enlouquecido. Preocupados com a reação do público, principalmente o infantil, diante do final infeliz, os executivos substituíram-no por outro no qual Tim, com um dos braços na tipóia, recebia sua nomeação como comissário na Reserva Indígena de Powder River.

Poucas horas antes de a Columbia comunicar a McCoy a decisão de renovar seu contrato, ele aceitou o convite dos produtores das séries da Puritan Pictures Sigmund Neufeld e Leslie Simmonds e iniciou uma nova fase de sua carreira. McCoy havia trabalhado para a MGM, Universal e depois Columbia, companhias com fortes sistemas de distribuição e uma rêde de distribuidoras; de modo que, assumir um compromisso com uma pequena companhia independente, que usava o sistema de state’s rights de distribuição, foi um risco.

Ele fez dez filmes na Puritan em 1935 e 1936, todos westerns, recebendo 4 mil dólares por filme, sendo que apenas três chegaram aos nossos cinemas. Em 1938, McCoy foi para a Monogram, onde atuou em quatro westerns. No mesmo ano, assinou com a Victory Pictures de Sam Katzman, ali fazendo oito westerns, que não encontraram importadores brasileiros. Em 1940, McCoy estava na Producers Releasing Company (PRC), onde fez cinco filmes neste ano e outros dois em 1941, totalizando sete, três dos quais não exibidos no Brasil. Nos seus filmes da Puritan e da PRC, McCoy fez muitas vezes o personagem Bill Carson, homem da lei destemido, sempre na defesa dos fracos e dos oprimidos. Em 1937, assinou contrato com a Imperial, para uma série de oito filmes porém os filmes não foram feitos, obrigando McCoy a entrar com uma ação na justiça contra a firma.

Em 1935, entre o lançamento de seu último filme da Columbia e o seu primeiro para a Puritan, McCoy participou de uma temporada no Ringling Brothers & Barnum and Bailey Circus. No começo de 1938, ele organizou o seu próprio circo, Col. Tim McCoy Real Wild West Show, mas esta aventura durou pouco, dando um prejuízo de algumas centenas de dólares.

Em 1941, McCoy voltou à Monogram como integrante do trio “The Rough Raiders” ao lado de Buck Jones e Raymond Hatton. A trinca produziu oito westerns até 1942, quando McCoy dele se desligou alegando que, com a Segunda Guerra Mundial, mesmo aos 51 anos, pretendia voltar ao seviço ativo do Exército e iria se alistar como voluntário. Ele foi designado para a Força Aérea Tática, servindo na Inglaterra, França e Alemanha. McCoy tinha a seu cargo a responsabilidade de coordenar as operações de bombardeio de aviões leves e médios com as táticas avançadas do Sétimo Exército dos Estados Unidos contra as forças inimigas na parte oeste da Alemanha. Ele foi condecorado com a Estrela de Bronze e com a Legião de Honra. Desligou-se do Exército no posto de Coronel e retornou aos Estados Unidos, passando a viver na sua fazenda em Nogales, Arizona.

Quinze anos depois do divórcio de Agnes Miller, McCoy casou-se com Inga Arvad. Tiveram dois filhos – Ronald (homenagem ao amigo Ronald Colman) e Terry. Inga era uma jornalista dinamarquesa investigada no início dos anos 40 por causa de rumores de que ela seria uma espiã nazista, baseados em fotografias dela na companhia de Adolf Hitler durante as Olimpíadas de 1936 e pelo fato de que ela o entrevistou duas vezes.

McCoy faleceu em 1978 num hospital em Serra Vista, Arizona. Seu corpo foi cremado e as cinzas depositadas na sua casa em Nogales.

Enquanto preparava a produção de Around the World in 80 Days / A Volta ao Mundo em 80 Dias / 1956, Michael Todd foi procurado por numerosos atores, interessados no papel do valoroso comandante de Cavalaria do Forte Kennedy, sendo John Wayne o mais insistente. Todd porém já tinha escolhido um autêntico Coronel da Cavalaria: Tim McCoy. O grande produtor explicou sua preferência: “Porque ele tem todo o jeito de como um verdadeiro oficial de cavalaria deve ser”. Ao saber disso, McCoy disse com um sorriso: “E por que não? Afinal nos últimos 40 anos, mais de 30 tenho vivido sob sabres cruzados…”

FILMOGRAFIA

Ví poucos filmes de Tim McCoy – Os Índios dos Oeste, O Fim da Trilha, Lightning Carson Rides Again, O Vaqueiro do Arizona,  O Agente Encoberto e O Mistério da Cidade Fantasma – e, portanto, não me sinto qualificado para apontar quais os seus melhores filmes. Dos que ví, gostei mais de O Fim da Trilha.

1923 – OS BANDEIRANTES / The Covered Wagon. 1925 – ALMAS BRAVIAS / The Thundering Herd. 1926 – ALMA CABOCLA / The Vanishing American; SURPRESAS DE UM BEIJO / War Paint; ESPADAS E CORAÇÕES / Winners of the Wilderness. 1927 –  CALIFÓRNIA / California; O TERROR DAS SELVAS / The Frontiersman; DEMÔNIOS BRANCOS / Foreign Devils; DESPOJADORES DO DESERTO / Spoilers of the West; A LEI DO DESERTO / Law of the Range. 1928 – O CAVALEIRO MASCARADO / Beyond the Sierras; O AVENTUREIRO / The Adventurer; O FORAGIDO / The Bushranger; O CAVALEIRO DAS TREVAS / Riders of the Dark; ÓDIO FRATERNAL / Wyoming. 1929 – O ESTAFETA / The Desert Rider; CAVALEIROS INVICTOS / Morgan’s Last Raid; SANGUE ÍNDIO / Sioux Blood; O TELÉGRAFO TRANSCONTINENTAL / The Overland Telegraph. 1930 – OS ÍNDIOS DO OESTE / The Indians are Coming. 1931 – O HERÓI DAS CHAMAS / Heroes of the Flames; A TRILHA DA MORTE / The One Way Trail; Shotgun Pass; DESFORRA DO FUGITIVO / The Fighting Marshal. 1932 –  A LEI DO REVÓLVER / The Fightin’ Fool; O CAVALEIRO DO TEXAS / Texas Cyclone; DESAFIANDO A MORTE / Daring Danger; O CAVALEIRO CICLONE / The Riding Tornado; A LEI DA CORAGEM / Two-Fisted Law; O CERCO DA MORTE / Cornered; CÓDIGO DO OESTE / The Western Code; TRIUNFO JUSTICEIRO / Fighting for Justice; O FIM DA TRILHA / End of the Trail. 1933 – O MISTÉRIO DO BANCO / Man of Action; INIMIGOS LEAIS / Silent Man; COMPANHEIROS ERRANTES / The Whirlwind; O FORASTEIRO SOLITÁRIO / Rusty Rides Alone; O AUTO POLICIAL 17 / Police Car 17;

DETETIVE DE IMPRENSA / Hold the Press; Straightaway. 1934 – ASAS DA VELOCIDADE / Speed Wings; UM GRITO NA NOITE / Voice in the Night; DETETIVE INVISÍVEL / Hell Bent for Love; A Man’s Game; JUSTIÇA IMPLACÁVEL /Beyond the Law; O FORASTEIRO / The Prescott Kid; O CAVALEIRO DO FAR-WEST / The Westerner. 1935 – ATIRADOR JUSTICEIRO / Square Shooter; A LEI DO TERROR / Law Beyond the Range; VINGANÇA DE SANGUE / The Revenge Rider; SANGUE NA NEVE / Fighting Shadows; JUSTIÇA SERRANA / Justice of the Range; VINGANÇA A GALOPE / Riding Wild; O FALSO DELEGADO / The Outlaw Deputy; DUELO SANGRENTO / The Man from Guntown; HOMEM SEM MEDO / Bulldog Courage. 1936 – Roarin’Guns; Border Caballero; Lightnin’ Bill Carson: Aces and Eights; The Lion’s Den’; Ghost Patrol; The Traitor. 1938 – VISÕES DAS PLANÍCIES / West of Rainbow’s End; CÓDIGO DE HONRA / Code of the Rangers; JUSTIÇA ABERRANTE / Two Gun Justice; O FANTASMA DA PLANÍCIE / Phantom Ranger; Lightning Carson Rides Again; Six-Gun Trail. 1939 – Code of the Cactus; Texas Wildcats; Outlaw’s Paradise; The Fighting Renegade; Straight Shooter; Trigger Fingers. 1940  – Texas Renegades; PALADINOS DA FRONTEIRA / Frontier Cruzader; Gun Code; A QUADRILHA DO ARIZONA / Arizona Gangbusters; CAVALEIROS DO PERIGO / Riders of the Black Mountain. 1941 – BANDIDOS FRONTEIRIÇOS / Outlaws of the Rio Grande; The Texas Marshal; Série Rough Riders: O VAQUEIRO DO ARIZONA / Arizona Bound;

O AGENTE ENCOBERTO / The Gunman from Bodie; OURO FATAL / Forbidden Trails. 1942 – ALÉM DA FRONTEIRA / Below the Border; O MISTÉRIO DA CIDADE FANTASMA / Ghost Town Law; RUMO AO TEXAS / Down Texas Way; CENTAUROS VINGADORES / Riders of the West; À MARGEM DA LEI / West of the Law. 1956 – A VOLTA AO MUNDO EM 80 DIAS / Around the World in 80 Days. 1957 – RENEGANDO SEU SANGUE / Run of the Arrow. 1965 – DESAFIO À BALA / Requiem for a Gunfighter.

PRIMEIROS ESTÚDIOS AMERICANOS

Em dezembro de 1908, depois da chamada Guerra das Patentes, envolvendo centenas de processos judiciais, os representantes das nove companhias principais que atuavam na indústria cinematográfica americana – Edison, Biograph, Vitagraph, Essanay, Kalem, Selig, Lubin, as firmas francesas Pathé e Méliès, e a Kleine Optical de George Kleine, um importador de filmes, assinaram um acordo de paz.

Sob a liderança conjunta de Edison-Biograph, as companhias  se associaram em um consórcio intitulado Motion Picture Patents Company – MPPC e fizeram um pool de 16 patentes pertencentes a todos os produtores, que cobriam filmes, câmeras e projetores, estabelecendo o pagamento de royalties em troca de licenças para o uso destas patentes. Apesar desta primeira tentativa de concentração, os produtores e distribuidores independentes continuaram seus negócios, facilitados pela procura crescente de filmes.

Tomei a liberdade de chamar de Primeiros Estúdios Americanos as companhias americanas pertencentes ao MPPC e as companhias independentes, que emergiram naquele período de crescimento da indústria do cinema nos Estados Unidos, relacionando, de forma sucinta, as mais importantes. Minha pesquisa apoiou-se, principalmente em duas magníficas publicações (The New Historical Dictionary of the American Film Industry  de Anthony Slide (Scarecrow Press, 1998) e  History of the American Film, volumes 1 e 2, escritos respectivamente por Charles Musser e Eileen Bowser (University of California, 1994).

AMERICAN FILM MANUFACTURING COMPANY – Foi fundada em 1910 por John R. Freuler, Charles J. Hite, Samuel Hutchinson e Harry E. Aitken, para produzir filmes para as suas respectivas distribuidoras. Sediada em Chicago, a American conseguiu atrair artistas da Essanay Manufacturing Company, tais como os atores J. M. Kerrigan e Dot Farley, o roteirista Allan Dwan e os diretores Thomas Ricketts, Sam Morris e Frank Beal. Conhecida também pelo apelido de “Flying A”, por causa do seu símbolo, a American criou três companhias para realizar comédias, dramas e westerns. Em 1911, Frank Beal levou uma companhia para a Costa Oeste. Dwan substituiu-o como diretor quando a equipe se fixou em San Juan Capistrano, depois em La Mesa e, finalmente, em Santa Barbara. Em janeiro de 1914, a American começou a produzir a marca “Beauty” de comédias semanais e em 1915 realizou seu primeiro seriado, O Diamante do Céu / The Diamond from the Sky com Lottie Pickford, dirigido por Jacques Jaccard e William Desmond Taylor. No ano seguinte, a American adicionou mais marcas ao seu repertório, incluindo as comédias “Vogue”, os westerns “Mustang” e os dramas “Clipper”, estrelados por Harold Lockwood e May Allison. Em 1917, com seus astros Mary Miles Minter, William Russell e Margarita Fisher, tornou-se a principal fornecedora de filmes para a distribuídora Mutual.  O número de suas produções foi decrescendo, até que Fisher saiu da companhia em 1921, e ela acabou. Outros diretores dignos de nota da American foram Lloyd Ingraham, Henry King , Frank Borzage e Edward Sloman.

BIOGRAPH COMPANY – A mais conhecida das primeiras companhias produtoras americanas pelo fato de ter sido o estúdio onde D.W. Griffith começou a sua carreira diretorial (com Adventures of Dollie em 1908) e onde ele permaneceu até 1913. Na Biograph, Griffith formou uma equipe de atores que incluía: Mary Pickford, Blanche Sweet, Lillian and Dorothy Gish, Mae Marsh, Henry B. Walthalll e Robert Harron. A Biograph Company foi fundada em 1895 por Henry Norton Marvin como American Mutoscope Company. Seu objetivo inicial era fabricar uma máquina para competir com o Cinetoscópio, o Mutoscópio, juntamente com uma série de cartões com  imagens fotográficas em vez de tiras, para serem usados nela. Mais tarde, com o auxílio do ex-colaborador de Edison, W. K. L. Dickson, a companhia fabricou uma projetor que não infringia as patentes do “Mago da Luz” e apresentou seu primeiro programa em 12 de outubro de 1896 no Hammerstein’s  Olympia Music Hall em Nova York. Nesta época, a companhia passou a se chamar American Mutoscope and Biograph Company e depois abreviou sua denominação para Biograph Company. Em 1908, juntamente com a Edison, a Biograph ajudou a organizar o consórcio, Motion Pictures Patents Company e a distribuir seus filmes através da distribuidora do truste, General Film Company. O estúdio mais conhecido da Biograph situava-se na 11 East 14th Street em Nova York, onde a companhia produziu a maior parte de seus filmes entre 1908 e 1912.

Quando Griffith deixou a Biograph em 1913, basicamente contrariado pela recusa da companhia em permitir que ele fizesse filmes de longa-metragem, sem mencionar sua atitude de não dar publicidade ao seu nome como diretor nem aos nomes dos seus intérpretes, a Biograph perdeu sua importância. Ela permaneceu ativa até 1917, produzindo novos filmes por um curto período mas praticamente reprisando as velhas produções de Griffith.

CENTAUR FILM COMPANY / NESTOR FILM COMPANY – Fundada em 1908 por David Horsley, a Centaur Film Company localizou-se em Bayonne, New Jersey. Ela lançou seu primeiro filme  em 19 de setembro de 1908 mas como isto ocorreu algumas semanas depois da Kalem Company ter feito a mesma coisa, esta, e não a Centaur, foi selecionada para ser membro da Motion Picture Patents Company, enquanto a Centaur teve a distinção de se tornar a primeira companhia independente. A Centaur deixou de existir em 1910, quando a nova companhia de Horsley, a Nestor Film Company, foi formada com seu irmão William. Uma série baseada na história em quadrinhos “Mutt e Jeff” foi uma de  suas primeiras produções. Entre os atores da Nestor estavam: Violet e Claire Mersereau, Dorothy Davenport, Alice Davenport, e o cowboy Art Acord. Em outubro de 1911, a Nestor tornou-se a primeira companhia a se instalar em Hollywood, quando alugou um prédio no Sunset Boulevard e Gower Street. Em 1912, a maioria dos filmes da Nestor estavam sendo produzidos em Los Angeles e ela foi a primeira produtora a trazer três unidades de produção para a California: Thomas Ricketts dirigia os dramas; Milton Fahrney os westerns; e Al Christie as comédias. Quando a Universal foi organizada, a Nestor passou a distribuir seus filmes através desta companhia. Por causa de uma disputa pelo controle da Nestor com a Universal, da qual Horsley possuía ações, Horsley voltou para Bayonne em 1913 e ergueu ali um novo estúdio, onde reiniciou as produções da Centaur, especializando-se em comédias curtas sob a marca “Ace”.

EDISON MANUFACTURING COMPANY – Também conhecida como Thomas A. Edison, Inc., teve sua origem nos primitivos filmes para o Cinetoscópio, realizados no Black Maria Studio, em West Orange, New Jersey em 1893. A primeira apresentação pública do chamado Vitascópio de Edison, projetor construído por Thomas Armat e C. Francis Jenkins, teve lugar no Koster and Bial’s Music Hall em Nova York em 23 de abril de 1896. Embora o próprio Edison não tivesse muito interesse na produção de filmes, sua companhia floresceu e, em 1908 a Edison Company ergueu um estúdio na Decatur Avenue no Bronx em Nova York. O novo estúdio substituiu o estúdio provisório na  41 East 21st Street, onde Edwin S. Porter havia produzido e dirigido alguns dos primeiros filmes narrativos, entre os quais O Roubo do Grande Trem / The Great Train Robbery de 1903. Entre os artistas que trabalhavam na Edison estavam Viola Dana, Mary Fuller, Charles Ogle, Mabel Trunnelle, Marc McDermott, Gertrude McCoy, Bessie Learn e Herbert Prior. Mary Fuller estrelou o primeiro seriado da companhia, What Happened to Mary? / 1912. Como membro mais importante da Motion Picture Patents Company, a Edison Company gozou de considerável sucesso de 1908 a 1912 mas quando o poder do consórcio se dissipou, a companhia perdeu sua importância. A derradeira produção da Edison foi The Unbeliever, dirigido por Alan Crosland em 1918.

ESSANAY FILM MANUFACTURING COMPANY – Fundada em 1907, em Chicago, por George K. Spoor e Gilbert M. Anderson. Anderson (Max Aronson) era um artista do vaudeville que, após aparecer como um ladrão de trem em O Grande Roubo do Trem da Edison, continuou atuando em filmes. Spoor era dono do Kinodrome Circuit, que exibia filmes nos teatros de vaudeville Orpheum da Costa Oeste. Em 1909, Anderson, seu cameraman Jesse J. Robbins e um grupo de atores fixaram-se em Niles, Califórnia onde produziram uma série de westerns de Broncho Billy, estrelada por Anderson. A Essanay integrava o consórcio Motion Picture Patents Company e seus filmes eram distribuídos pela General Film Company. Em 1915, ela se uniu à Vitagraph, à Lubin e à Selig, formando a V-L-S-E, para distribuir seus filmes principais. Em 1911, Francis X. Bushman iniciou sua carreira cinematográfica na Essanay. Em 1913, William F. “Buffalo Bill” Cody assinou contrato com a Essanay, para aparecer em filmes descrevendo os seus dias de pioneiro do Oeste. Em 1915, a Essanay trouxe Charles Chaplin da Keystone mas Spoor não conseguiu impedir que o comediante fosse para a Mutual após o fim do seu contrato em 1916. Pouco depois, Spoor adquiriu a parte de Anderson na empresa e, embora tivesse contratado Max Linder como reforço em 1917, a companhia entrou em declínio, extinguindo-se em 1918. Outros astros (ou astros do futuro) que participaram do elenco da Essanay foram: Beverly Bane, Ben Turpin, Wallace Beery, Thomas Meighan, Gloria Swanson, Bebe Daniels, Tom Mix, Ann Little, Helen Dunbar, Harold Lloyd, Rod La Rocque.

FIRST NATIONAL PICTURES, INC. – Foi criada em 1917 como um circuito de exibidores independentes sob a denominação inicial de First National Exhibitors Circuit, Inc. Thomas L. Tally e J. D. Williams foram os dois homens responsáveis pela sua formação, aos quais se juntaram 25 outros exibidores fundadores. Por causa dos problemas envolvendo a obtenção de filmes dos produtores, o alto custo do aluguel, a venda por pacote e a qualidade inferior de algumas cópias, esses exibidores decidiram se unir e conseguir os filmes diretamente dos astros e diretores. A maior façanha da First National foi a assinatura de um contrato com Charles Chaplin, não somente oferecendo-lhe mais dinheiro do que a Mutual como também estabelecendo-o como produtor e com seu próprio estúdio em Hollywood na esquina de Sunset com La Brea. Chaplin fez seis filmes para a nova organização, entre eles, Ombro Armas / Shoulder Arms / 1918, O Garoto / The Kid / 1920 e O Emigrante / The Pilgrim / 1922. A First National atraiu também Mary Pickford da Paramount. Consta que, para evitar isso, Adolph Zukor ofereceu 250 mil dólares para Mary ficar afastada das telas por cinco anos mas ela rejeitou a proposta. A First National passou por uma reforma, adotando a denominação Associated First National Theatres Incorporated e conseguiu contratar Norma e Constance Talmadge, Marshall Neilan, Allan Dwan, Maurice Tourneur, Frank Borzage e outros.

Em 1921, a First National importou o filme alemão Madame du Barry / Madame du Barry / 1919, rebatizou-o de Passion, e o lançou com sucesso nos Estados Unidos, criando ao mesmo tempo uma carreira americana para a sua atriz Pola Negri e seu diretor Ernst Lubitsch. Em 1922, a First National resolveu criar a sua própria produtora e instalou estúdios em Burbank, California. Em 1928, a companhia foi comprada pela Warner Bros mas, como estipulado no contrato de compra e venda, os filmes da Warner Bros. foram chamados de “First National Pictures”. Os filmes da Warner Bros, e depois designados como First National Productions  até os anos 40.

FOX FILM CORPORATION – As raízes da companhia datam de 1904. Naquele ano, William Fox, um exibidor de Nova York, organizou a General Film Rental Company, para distribuir filmes, após ter sobrevivido a uma batalha legal com a General Film Company. Em 1913, William Fox decidiu entrar no ramo da produção e mudou o nome de sua companhia para Box Office Attractions Film Rental Company. O primeiro sucesso de Fox foi Escravo de uma Paixão / A Fool There Was, que fez de Theda Bara uma estrela da noite para o dia e deu novo significado à palavra “vampire”, criando toda uma geração de “vamps”. Em 1915, o nome da companhia foi mudado para Fox Film Corporation e instalado um estúdio permanente na California. Em 1919, foram abertos escritórios em Berlim, Londres e Dublin para distribuir os filmes da Fox e para ajudar na realização de jornais cinematográficos (uma vez que o Fox News havia sido lançado naquele mesmo ano). A companhia começou a se expandir durante os anos 20, para se tornar a 20th  Century-Fox, um dos grandes estúdios na Época de Ouro de Hollywood.

GEORGE KLEINE OPTICAL COMPANY – Fundada em 1907 em Chicago por George Kleine, para fabricar equipamento ótico, lentes, projetores e filmes virgens. Entretanto, Kleine ficou mais conhecido pela importação de filmes estrangeiros tais como Quo Vadis , Otello e Gli ultimi giorni di Pompei, trazidos da Itália. Em 1907,  Kleine organizou com Samuel Long e Frank Marion, a Kalem Company, Inc., que se juntou à Motion Picture Patents Company e distribuiu seus filmes pela Gerneral Film.

GOLDWYN PICTURES CORPORATION – Fundada em dezembro de 1916 por Samuel Goldfish e Archibald Selwyn (Goldwyn adotou o nome da companhia como seu em 1918). Com estúdios em Fort Lee, New Jersey, eles seguiram a política de Adolph Zukor, de utilizar grandes nomes do mundo teatral nas suas produções. Assim, foram contratados dramaturgos como Bayard Veiller, Avery Hopwood e Margaret Mayo; atrizes como Madge Kennedy, Maxime Elliott, e Jane Cowl; e cantoras de ópera como Mary Garden e Geraldine Farrar. Deste grupo, somente Geraldine Farrar e Madge Kennedy provaram a sua popularidade entre os espectadores. Uma outra personalidade do palco que iniciou uma carreira na Goldwyn foi Will Rogers. Percebendo a necessidade de ter no seu elenco personalidades do cinema já reconhecidas pelo público, Goldwyn contratou Mabel Normand e Mae Marsh porém nenhuma das duas alcançou o êxito esperado.

Igualmente decepcionante foi a Eminent Authors Pictures, Inc., organizada por Goldwyn em 1919, onde autores populares como Rex Beach, Gertrude Atherton, Gouverneur Morris, Rupert Hughes e Mary Roberts Rinehart, adaptariam suas obras para a tela. Os eminentes autores se recusavam a entender a técnica do filme e a experiência foi um fracasso embora tivesse ocasionado um filme superior, Satanás The Penalty / 1920, estrelado por Lon Chaney e baseado numa história de Gouverneur Morris. Em 1922, Goldwyn foi removido do cargo de presidente pelo voto dos acionistas. A Goldwyn Pictures Corporation se fundiu com a Metro Pictures Corporation e com a companhia produtora de Louis B. Mayer, para formar a Metro-Goldwyn-Mayer. Em 1924, Goldwyn fundou uma nova companhia, Samuel Goldwyn, Inc.

IMP (INDEPENDENT MOTION PICTURE CORPORATION) – Carl Laemmle fundou, com seu sócio num nickelodeon em Chicago, Robert Cochrane, a Laemmle Film Service, que se tornou uma das maiores distribuidoras do país. Quando a Motion Picture Patents Company começou a questionar a sua independência, Laemmle revidou, tornando-se produtor, formando, em 1909, a IMP Corporation.  O primeiro filme da companhia  foi uma versão em um rolo do poema “Hiawatha” de Longfellow, dirigida por William V. Ranous e protagonizada por Gladys Hulette. Um ano depois, Laemmle conseguiu atrair Florence Lawrence da Biograph, da qual ela era a atriz principal.

Ele institucionalizou o Star System , publicando num anúncio da Moving Picture World uma foto de Florence proclamando: “Ela é uma IMP”. Mary Pickford também trabalhou durante um curto período como atriz da IMP. Em junho de 1912, Carl Lammle fundou uma nova organização, Universal Film Manufacturing, Inc., fundindo a IMP com a Powers Picture Plays, Bison Life Motion Picture Company, Rex, Nestor e Champion.  A Universal operava dois estúdios em Los Angeles, um em Edendale e o antigo Nestor Studios no Sunset Boulvevard com Gower Street. Entre os filmes mais conhecidos desta primeira fase da Universal estavam: Traffic in Souls / 1913 e  A Filha de Netuno / Neptune’s Daughter / 1914. Em 15 de março de 1915,  a Universal City foi inaugurada no San Fernando Valley. A Universal se tornaria uma das grandes companhias do Sistema de Estúdio de Hollywood.

KALEM COMPANY, INC. – Fundada em 1907 em Nova York por George Kleine, Samuel Long e Frank J. Marion. Kleine era dono da Kleine Optical Company de Chicago; Long e Marion haviam sido respectivamente gerente de um estúdio da Biograph e promotor de vendas da mesma companhia. Sob a direção de Sidney Olcott, a Kalem realizou alguns filmes significativos como a primeira adaptação de Ben-Hur para a tela e uma versão de Dr. Jekyll and Mr. Hyde. A Kalem fazia parte da Motion Pictures Patents Company, distribuindo seus filmes pela General Film Company. Em 1910, Olcott, que tinha descendência irlandesa, levou para a Irlanda uma pequena unidade de produção, da qual faziam parte: Gene Gauntier (que além de ser a atriz principal exercia a função de roteirista), o ator Robert G. Eles Vignola e o cameraman George Hollister. A unidade se instalou em Beaufort, County Kerry e voltou lá no ano seguinte com uma equipe maior. Eles ficaram conhecidos com “os O’Kalem”. Em 1912, Olcott, Gauntier, Vignola e outros viajaram até a Palestina, para rodar Da Manjedoura à Cruz /  From the Manger to the Cross, considerado o filme mudo mais importante sobre a Vida do Cristo. Em 1914, J. P. McGowan produziu o primeiro dos 119 episódios do seriado As Façanhas de Helen / The Hazards of Helen com Helen Homes. Helen só trabalhou nos primeiros 26 episódios, sendo substituída por Elsie McLeod nos episódios 27-49, até que uma “Helen” permanente foi encontrada: Helen Gibson. Em 1917, a Kalem foi vendida para a Vitagraph.

KEYSTONE FILM COMPANY – Fundada em 1912 pelo ex-ator e diretor de comédias da Biograph, Mack Sennett, e pelos donos da New York Motion Picture Company, Adam Kessel, Jr. e Charles O. Baumann, esta companhia tinha escritórios em Nova York. Os filmes foram realizados inicialmente em Fort Lee, New Jersey. Depois, a companhia se fixou em Edendale, Califórnia. A procura pelas comédias da Keystone cresceu e logo Mabel Normand começou a dirigir uma segunda unidade de produção. Charles Chaplin fez sua estréia no cinema, em 1914, no filme da Keystone,  Carlitos Repórter / Making a Living. Antes de sair da companhia no final desse ano, Chaplin já havia criado o seu personagem do vagabundo e estava dirigindo e escrevendo seus próprios filmes. Em novembro de 1914, o filme de longa-metragem, Idílio Desfeito ou O Casamento de Carlitos ou Carlitos Casanova / Tillie’s Punctured Romance, estrelado por Mabel Normand, Marie Dressler, e Chaplin, foi exibido com grande êxito. Em 1915, a Keystone, juntamente com D.W. Griffith e Thomas H. Ince, formou a Triangle Film Corporation. Em 1917, a Keystone deixou de existir. No mesmo ano, Mack Sennett organizou a sua própria companhia e começou a produzir filmes independentes. Além dos artistas já citados, começaram suas carreiras na Keystone: Harold Lloyd, Gloria Swanson, Louise Fazenda, Raymond Griffith, Ford Sterling, Fatty Arbuckle, Ben Turoin, Harry Langdon e Chester Conklin.

LUBIN MANUFACTURING COMPANY – Siegmund Lubin, originariamente um perito em ótica e fotografia, construiu uma câmera / projetor, que batizou de “Cineograph” e,  em 1897, começou a fazer filmes para lançamento comercial no terraço de um edifício em Filadelfia. Neste mesmo ano, ele reencenou a luta pelo campeonato mundial de pesos pesados entre James Corbett e Bob Fitzsimmons, usando como “atores” dois ferroviários. Embora Lubin tivesse que cessar suas atividades de produtor por causa da ação proposta por Edison contra ele, sua companhia se juntaria mais tarde ao consórcio Motion Pictures Patents Company, distribuindo seus filmes através da General Film Company. Em 1904, Lubin refilmou O Roubo do Grande Trem de Edwin S. Porter com o título de The Bold Bank Robbery e, em 1910, construiu um estúdio bem moderno em Filadelfia, que ficou conhecido como “Lubinville”. A Lubin Manufacturing Company expandiu suas atividades de produção para Jacksonville, Los Angeles e Coronado e, em 1912, comprou terras em Betzwood no norte de Filadelfia, convertendo a propriedade num novo estúdio. Em 1915, a Lubin se uniu à Vitagraph, Selig e Essanay para formar a V-L-S-E. Alguns dos artistas que trabalharam na Lubin foram: Harry Myers, Florence Hackett, Alan Hale, Arthur Johnson, Lotte Briscoe, Florence Lawrence, Ethel Clayton, Gladys Brokwell Ormi Hawley, Billy Reeves, Rosemary Theby, Pearl White e Edwin Carewe e Frank Borzage, que começaram sua carreira como atores.

Em 19189,  o estúdio de Betzwood foi comprado por uma companhia récem-organizada, a Betzwood Film Company, da qual o genro de Lubin era o gerente geral. Devido a um incêndio que destruiu os negativos e vários de seus filmes ainda não lançados, à paralização das vendas para o exterior ao irromper a Primeira Guerra Mundial e ao fim do monopólio da Motion Picture Patents Company, a Lubin acabou pedindo falência e, em 1916, fechou as portas.

METRO PICTURES CORPORATION – A precursora da M-G-M foi fundada em 5 de março de 1915 com Richard Rowland como presidente da companhia. Ela teve origem na Alco Film Company constituída no ano anterior por Al Lichtman e W. H. Seeley, que servia de distribuidora para várias produtoras. Um ano após a sua fundação, a Metro havia se tornado uma importante produtora / distribuidora com astros como Francis X. Bushman, Mary Miles Minter e Olga Petrova sob contrato, além de atrair Mr. e Mrs. Sidney Drew da Vitagraph. Seus estúdios estavam localizados na Romaine Street em Hollywood, onde se originou uma série de filmes de alto orçamento, que a Metro chamava de “filmes de qualidade”, sob o nome de marca, Screen Classics, Inc. Apesar de produzir uma média de 60 filmes por ano, a Metro sofreu muito revezes financeiros, devido em parte pela enorme quantidade de dinheiro que ela estava disposta a pagar por direitos de adaptação de romances tais como The Four Horsemen of the Apocalypse. Em 1920, o acervo da Metro foi comprado pela Loews, Inc., o primeiro passo na transformação da companhia para Metro-Goldwyn-Mayer, um dos maiores estúdios de Hollywood na sua melhor fase.

MUTUAL FILM CORPORATION – Organizada em março de 1912 como um sistema de distribuição independente, para funcionar numa maneira semelhante à General Film Company. Harry Aitken, o presidente da Mutual e John R. Freuler, o vice-presidente, obtiveram o apoio dos financistas Crawford Livingston e Otto Kahn (da Kuhn, Loeb and Company) no empreendimento. Em 1911, Aitken havia fundado a Majestic com Thomas Cochrane como gerente geral e Mary Pickford e Owen Moore como astros. No mesmo ano, Aitken comprou a Reliance de Charles  O. Baumann. Em 1912, Adam Kessel e Baumann, formaram a Keystone Film Company com Mack Sennett para produzir filmes para a Mutual. Em outubro de 1913, a Mutual contratou D. W. Griffith como encarregado dos estúdios Reliance e Majestic. No mês seguinte, o cameraman de Griffith, Billy Bitzer, entrou para a Mutual juntamente com os diretores Edward Dillon e Christy Cabanne, o ator Courtenay Foote e o roteirista Frank Woods. Griffith logo se estabeleceu com sua companhia num estúdio na Sunset Boulevard em Hollywood. Os filmes supervisionados por Griffith eram denominados Fine-Arts Productions. No final de 1913, foi formada a Continental Feature Film Company, subsidiária da Mutual, para distribuir os filmes realizados pela Reliance.

Em janeiro de 1914, a Mutual acertou com Pancho Villa a  permissão e cooperação para a filmagem das batalhas da Guerra do México. De acordo com Terry Ramsaye (A Million and One Nights), Villa retardava o início das hostilidades, até que os cameramen da Mutual estivessem prontos para rodar, lutava durante o dia e não à noite para propiciar uma boa filmagem e se certificava de que a sua imagem estivesse sempre em destaque  no filme. Mais tarde, a Mutual usou algumas das cenas no filme de ficção Life of Villa, estrelado por Raoul Walsh. Em 1926, a Mutual contratou Charles Chaplin para produzir comédias para a companhia. A nova companhia de Chaplin, Lone Star Film Corporation, produziu 12 filmes e encerrou suas atividades em 1917, quando Chaplin foi para a First National. Em 1918, a Affiliated Distributor’s Corporation adquiriu 51% da Mutual, que estava perdendo dinheiro na ocasião em uma proporção alarmante. Pouco depois, foi constituída a Exhibitor’s Mutual Distributing Company, que era praticamente uma descendente da Mutual e da Affiliated.

NEW YORK MOTION PICTURE COMPANY – Fundada por Adam Kessel, Jr. e Charles O. Baumann. Eles se uniram ao cameraman Fred J. Balshofer para fazer seu primeiro filme, estreado em maio de 1909. Os filmes da NYMPC, conhecidos como ”Bison” Life Motion Pictures, usavam o emblema de um bisão na sua publicidade. Em 1909, a NYMPC tornou-se a distribuidora americana das companhias Itala e Ambrosio da Itália. Kessel e Baumann organizaram, com outros produtores, a Universal Film Manufacturing Company mas logo se separaram desta companhia, filiando-se à Mutual Film Corporation. No verão de 1909, a NYMPC mandou uma equipe sob a direção de Balshofer para Los Angeles, a fim de produzir filmes da “Bison” em Edendale. Faziam parte do grupo: J. Barney Sherry, Charles K. French, Jane Darrell, Evelyn Graham, William Edwards, William Gibbons, Charles Avery, Charles Inslee, James Youngdeer e Red Wing.  Em 1912, Kessel e Baumann chamaram Thomas H. Ince, para  assumir a função de diretor. Ele fez apenas alguns filmes antes de tomar posse de um rancho nas montanhas de Santa Monica, que ficou conhecido como “Inceville”. Nesta ocasião, Ince sugeriu a Kessel e Baumann que contratassem o Miller Brothers Ranch, um espetáculo do Velho Oeste itinerante muito popular. Depois que a companhia abandonou a Universal e teve que deixar as marcas Bison e Bison 101 para os filmes feitos com o Miller Brothers, ela criou novas marcas como Kay-Bee e Broncho. Em julho de 1912, Kessel e Baumann formaram a Keystone Film Company com Mack Sennett. Em 1913, a NYMPC criou uma nova marca, Domino. Em 1915, com a criação da Triangle Film Corporation e o fim do contrato da NYMPC com a Mutual, os estúdios Ince mudaram–se para Culver City. Ince formou sua própria companhia, para produzir os filmes Artcraft da Famous Players-Lasky Corporation.

PARAMOUNT PICTURES, INC. – Fundada em 1914, exclusivamente como  distribuidora, por W.W. Hodkinson. Como produtora, ela teve suas origens na Famous Players Film Company, organizada em 1 de junho de 1912 por Adolph Zukor e na Jesse L. Lasky Feature Play Company, organizada em 26 de novembro de 1913, por Lasky. A Famous Players Film Company foi responsável pela importação do filme francês, Elizabeth, Rainha da Inglaterra / La Reine Elizabeth / 1912,  com Sarah Bernhardt, o primeiro a dar respeitabilidade à indústria e um dos primeiros filmes de longa-metragem levado às telas nos Estados Unidos. A Jesse L. Lasky Feature Film Company produziu Amor que Sofre / The Squaw Man / 1914, dirigido por Cecil B. DeMille e Oscar Apfel, que foi a primeira produção de longa-metragem importante filmada em Hollywood. Como distribuidora, a Paramount cuidava não somente dos filmes da Lasky e da Famous Players como também dos filmes da Bosworth, Inc. (formada em 1913 pelo ator Hobart Bosworth) e Oliver Morosco Photoplay Company (formada em 1914 pelo produtor teatral Morosco). Em maio de 1916, 50% das ações da Paramount foi adquirida por Zukor e Lasky e, um mês depois, Hodkinson pediu demissão como presidente da companhia (para ser sucedido por Hiram Abrams). Em junho de 1916, foi incorporada a Famous Players-Lasky Corporation com Zukor como presidente mas a denominação Paramount permaneceu para fins comerciais.

Em julho de 1916, a companhia organizou a Artcraft Pictures Corporation, para lançar os filmes de Mary Pickford  porém mais tarde o nome Artcraft foi utilizado para toda grande produção da Paramount. Em maio de 1919, foi fundada a Realart Pictures Corporation, para cuidar das produções menores da Paramount.  Adolph Zukor foi o responsável pelo sucesso financeiro da companhia. Ele construiu uma cadeia de cinemas e tentou, sem êxito, dar à Paramount o monopólio da indústria cinematográfica. Jesse L. Lasky era a força criativa nos bastidores do estúdio, responsável pela contratação de astros como Mary Pickford, Rudolph Valentino, Geraldine Farrar, Wallace Reid, Pola Negri, Gloria Swanson e Thomas Meighan e diretores como Cecil B. DeMille, Maurice Tourneur e D. W. Griffith. A Paramount seria um dos grandes estúdios da Terra do Cinema nos seus melhores dias.

SELIG POLYSCOPE COMPANY – Fundada em 1896 em Chicago por William N. Selig, ex-mágico itinerante e  empresário de shows de menestréis, quando inventou uma câmera-projetor chamada Polyscope. Foi primeiramente denominada Mutoscope & Film Co. e, seis meses depois, Selig Polyscope Company. Selig realizou filmes de atualidades locais, comédias pastelão, filmes de viagem (travelogues) e industriais (um de seus clientes foi o frigorífico Armour and Company). Em 1904, Selig produziu o que ele chamou de  “realmente seu primeiro filme”, a comédia Humpty Dumpty. Ele se juntou com Edison e outras companhias para formar a Motion Picture Patents Company.  Em 1908, Selig enviou o ex-diretor de teatro Francis Boggs para a California com uma equipe que incluía: Thomas Santschi, James L. McGee, James Crosby, Harry Todd, Gene Ward e Mrs. Boggs. Eles filmaram algumas cenas de exteriores para The Count of Monte Cristo, razão pela qual a Selig costuma ser apontada como a primeira grande companhia  a rodar um filme em locação na área de Los Angeles (e depois voltar ali para abrir um estúdio em Edendale).  Em 1909, a Selig produziu, no seu estúdio em Chicago, Hunting Big Game in Africa, que recriava a recente expedição de caça do Presidente Theodor Roosevelt, obtendo um grande sucesso.

Em 1911, foi inaugurado o Selig Jungle Zoo, em Los Angeles. Este jardim zoológico acabou se tornando a maior coleção de animais selvagens do mundo. Mais tarde, foi aberto um estúdio em Glendale, onde Tom Mix dirigiu e estrelou seus western.

Em 1913, a Selig lançou o primeiro episódio daquele que foi considerado o primeiro seriado verdadeiro, As Aventuras de Catarina / The Adventures of Kathlyn, estrelado por Kathlyn Williams. Em 1915, juntamente com a Vitagraph, Lubin, e Essanay, a Selig formou a V-L-S-E. No ano seguinte, foi formado o grupo distribuidor K-E-S-E com Kleine e Edison substituindo Vitagraph e Lubin. A Selig Company cessou a produção em 1918, embora o “Colonel Selig  (como William Selig era chamado) continuasse a se envolver em várias atividades cinematográfica durante os anos 30. Entre os diretores que trabalharam para Selig podemos destacar: Colin Campbell, Tom Mix, Lawrence Marston, Thomas Santschi, George Nicholls, Lloyd Carleton, Marshall Neilan, Jack Le Saint e Frank Beal; entre os intérpretes: Kathlyn Williams, Thomas Santschi, Tom Mix, Wheeler Oakman, Charles Clary, Hobart Bosworth, Betty Harte, William V. Mong, Al Garcia, Herbert Rawlinson, Bessie Eyton, Nick Cogley, Baby Lilian Wade, Myrtle Stedman, Eugenie Besserer e Harold Lockwood.

LEWIS J. SELZNICK PRODUCXTIONS, INC – Fundada em 1916, depois que Selznick deixou seu cargo de vice-presidente e gerente geral da World Film Corporation e criou a Clara Kimball Young Film Corporation, com a ex-atriz principal da World. Selznick distribuiu filmes da Herbert Brenon Film Corporation da qual ele era metade sócio e que produzia filmes estrelados por Alla Nazimova e da Norma Talmadge Film Corporation. Em 1917, Adolph Zukor comprou secretamente 50% da companhia de Selznick. Este continuou presidindo a companhia mas ela adotou uma nova denominação, Select Pictures Corporation. Em janeiro de 1919,  o filho de Lewis, Myron, organizou a Selznick Pictures Corporation e começou a produzir filmes dirigidos por Ralph Ince e estrelados por Olive Thomas, Eugene O’Brien e Elsie James. O irmão de Myron, David era o tesoureiro. Em 10 de abril de 1919, Lewis J. Selznick comprou a outra metade da Select. Em maio de 1919, David Selznick, agora conhecido como David J. Selznick, tornou-se o gerente da Select em New England, que faliu em 1923.

THANHOUSER FILM CORPORATION – Fundada pelo empresário teatral Edwin Thanhouser em 1909 com estúdios em New Rochelle. A Thanhouser usava muitas crianças em seus filmes e entre as que ela mantinha sob contrato estavam: Helen Bagley, Marie Eline, e Marion e Madeline Fairbanks (as gêmeas da Thanhouser). Outros atores da Thanhouser eram: Florence La Badie, Mignon Anderson, Marguerite Snow, James Cruze e William Russell. Em 1912, a Thanhouser inaugurou um estúdio em Jacksonville, Florida e neste mesmo ano a companhia foi comprada por um sindicato liderado por C. J. Hite. No ano de 1913, houve a destruição dos estúdios da Thanhouser em New Rochelle num incêndio, a contratação da famosa atriz do teatro, Maude Fealy e o lançamento do primeiro seriado da companhia, O Mistério de Um Milhão de Dólares / The Million Dollar Mystery. Quando C. J. Hite foi morto em 1914 num desastre de automóvel, Edwin Thanhauser voltou como chefe do estúdio. Em 1916,  A Thanhouser realizou os filmes nos quais Jeanne Eagels fez sua estréia no cinema, The World and the Woman e Chamas da Juventude / Fires of Youth. Edwin Thanhouser aposentou-se em fevereiro de 1918 e o estúdio foi alugado por Clara Kimball Young. Em 1919, foi vendido para Crawford Livingston e Wilbert Shallemberger e, no mesmo ano, passo a ser  o local das filmagens da B.A. Rolfe Photoplays.

TRIANGLE FILM CORPORATION – Criada em 1915 por algumas figuras importantes associadas com a Mutual Film Corporation. Harry A. Aitken era o presidente, Adam Kessel, tesoureiro e os produtores D.W. Griffith, Thomas H. Ince e Mack Sennett, juntamente com Charles O. Baumann,  vice-presidentes. A companhia foi formada para produzir e distribuir filmes de múltiplos rolos realizados pelas firmas dos três produtores e alugar uma cadeia de cinemas de primeira classe nas maiores cidades dos Estados Unidos, para exibir suas produções mais elaboradas. A Triangle atraiu artistas do palco, vaudeville e comédia musical tais como Sir Herbert Beerbohm Tree, Mary Anderson de Navarro, Weber e Fields, DeWolf Hopper, William Collier, Billie Burke, Mario Doro, Elliott Dexter, Texas Guinan, Helen Ware, Jane Grey, Joe Jackson, Eddie Foy, Mary Boland e Julia Dean. Em 1916, a Triangle Distributing foi criada para administrar as produções da Fine Arts, Kay-Bee e Keystone. W.W. Hodkinson era o presidente e gerente geral. Quando Griffith, Ince e Sennnet deixaram a organização, a Triangle reteve o controle da marca da Keystone e H. O. Davis assumiu o controle da companhia. A Paralta Plays, Inc. (fundada em 1917 com Carl Anderson, Herman Katz e Robert T. Kane nos principais cargos de direção) distribuiu seus filmes pela Triangle por um curto período. Em setembro de 1917, houve um anúncio de que a Triangle estava planejando produzir filmes na India, China e Buenos Aires mas não se realizou nada de concreto. Nos meados de 1919, a Goldwyn comprou o estúdio da Triangle em Culver City.

VITAGRAPH COMPANY OF AMERICA – Foi a primeira a agrupar um elenco permanente de astros, a experimentar com êxito filmes de truques e de animação, a filmar clássicos de Shakespeare e Dickens e a usar o cinema como propaganda. Foi fundada por J. Stuart Blackton e Albert E. Smith em 1897; um terceiro sócio, o distribuidor William “Pop” Rock, aderiu à companhia na virada do século. O primeiro estúdio da Vitagraph estava localizado no terraço de um edifício na Nassau Street em Manhattan, onde foram produzidos dois filmes importantes: The Burglar on the Roof e The Battle of Manilla Bay. Em 1905, as operações da companhia foram transferidas para a área de Flatbush no Brooklyn e, pouco depois, constituiu-se um elenco de atores e diretores que incluía: Florence Turner, Maurice Costello, Paul Panzer, Lawrence Trimble (dono de Jean, o cachorro da Vitagraph), John Bunny (o mais famoso dos primeiros comediantes da tela), e Gladys Hulette (que apareceu no filme de truques de 1909, Princess Nicotine). Norma e Constance Talmadge iniciaram suas carreiras no cinema na Vitagraph assim como Anita Stewart e Corinne Griffith. Em 1913, a Vitagraph  inaugurou um estúdio em Santa Monica, California, que ficou sob a direção de Rollin Sturgeon.

Em 1915, a Vitagraph ajudou Theodore Roosevelt nos seus esforços de “prontidão” para a Primeira Guerra Mundial com a produção de The Battle Cry of Peace, o primeiro uso significativo do filme com propósito de propaganda. No mesmo ano, a Vitagraph formou com a Lubin, a Selig e a Essanay  a V-L-S-E. Em 1919, apoderou-se do que havia restado da Kalem Company. Blackton deixou a Vitagraph em 1917, para se dedicar à produção independente mas voltou ao estúdio em 1923. Nessa época, a Vitagraph havia perdido muito de sua importância graças ao crescimento da Paramount e da Metro, entre outras razões, porém ainda tinha grandes astros sob contrato como Antonio Moreno, Larry Semon, Alice Calhoun e Jean Paige e continuou a produzir filmes importantes como  Coração Imaculado / The Clean Heart / 1924 e Capitão Blood / Captain Blood / 1924. Entretanto, em 20 de abril de 1925 foi comprada pela Warner Bros. O nome da Vitagraph continuou a ser usado como marca pela Warner Bros, até os anos cinquenta.

WARNER BROS. PICTURES, INC. – A história dos quatro irmãos Warner – Harry, Albert, Sam e Jack – na indústria cinematográfica começou em 1906, quando eles adquiriram um Cinetoscópio Projetor, com o qual exibiram filmes nas cidades mineiras da Pennsylvania e Ohio. Em 1907, depois de terem aberto seu primeiro cinema, o Cascade Theater, em New Castle, os irmãos fundaram a Duquesne Amusement & Supply Company, sediada na Pennsylvania e, em poucos anos, estavam distribuindo filmes numa área que compreendia quatro Estados. Em 1918, os irmãos inauguraram o Warner Bros. Studio na Sunset Boulevard em Hollywood, California. Sam e Jack produziam os filmes enquanto Harry e Albert manipulavam as finanças e a distribuição. Neste ano, eles produziram o primeiro filme importante da companhia: My Four Years in Germany. Em 1923, os quatro  empreendedores incorporaram oficialmente a Warner Bros. Pictures, Inc.  Em 1925, a Warner comprou a Vitagraph Company  e, com a ajuda de  Rin-Tin-Tin, um cão pastor alemão, que arrebatou as platéias, tomou um impulso, que a colocaria entre os grandes estúdios da Idade de Ouro de Hollywood.

WORLD FILM CORPORATION – Fundada em fevereiro de 1914 por Emanuel  Mandelbaum com o apoio dos banqueiros W. A. Pratt e Van Horn Ely, para ser uma distribuidora de companhias independentes. Dentro de poucos meses, Mendelbaum saiu da companhia e a World se envolveu no ramo da produção, seguindo-se uma fusão com a Equitable Pictures Corporation, criada recentemente para produzir filmes para a ex-estrela da Vitagraph, Clara Kimball Young. O presidente da Equitable era Arthur Spiegel e o vice-presidente e gerente geral, Lewis J. Selznick., um vendedor de jóias agressivo com pouca experiência de cinema. Foi Selznick quem induziu o produtor teatral Lee Shubert a se tornar um grande investidor na World. Além da linha Equitable, a World administrava também o produto da Peerless, que fora fundada por Jules Brulatour., da Frohman Amusement Company de Daniel Frohman e do empresário da Broadway, William A. Brady. A maior parte dos filmes da World era produzida em Fort Lee, New Jersey no estúdio da Peerless ou no estúdio Paragon. Ali, Selznick e Brulatour, aproveitando-se do colapso das atividades francesas nos Estados Unidos, reuniram um grupo de artistas franceses do qual faziam parte os diretores Maurice Tourneur, George Archimbaud, Émile Chautard e Albert Capellani; o grande cenógrafo Ben Carré; e os cameramen René Guissart e Lucien Andriot. Selznick saiu da World em 1914 e foi substituído por William A. Brady. Entre os intérpretes que trabalharam na World estavam Clara Kimball Young, Alice Brady, Carlyle Blackwell, Maude Evans, Marie Dressler, Lillian Russell, Doris Kenyon, etc. ,