A OBRA DE F. W. MURNAU I

setembro 15, 2016

Ele exerceu um papel fundamental sobre a evolução da arte cinematográfica e foi um dos diretores mais influentes do cinema mudo, contando-se entre seus discípulos nada mais nada menos do que Alfred Hitchcock, John Ford e Frank Borzage.

F. W. Murnau

F. W. Murnau

Friedrich Wilhelm Plumpe nasceu em 28 de dezembro de 1888 na cidade alemã de Bielefeld, Província da Westafia, filho do dono de uma fábrica de tecidos, Heinrich Plumpe. Heinrich tivera duas filhas de seu primeiro matrimônio (Ida e Anna) enquanto que os três filhos varões (Robert, Friedrich Wilhelm e Bernhard) nasceram de sua segunda esposa, Ottilie Volbracht. Em 1892, a familia mudou-se para os arredores de Kassel, perto do castelo de Wilhelmshoehe.

A família Plumpe

A família Plumpe

No extenso jardim familiar dos Plumpe, Friedrich Wilhelm e seus irmãos representavam peças de teatro ao ar livre, para as quais eram convidadas as famílias vizinhas. Friedrich Wilhelm dirigiu esse teatrinho até que a família teve que se transferir para a cidade, indo morar em uma casa alugada. O prazer do teatro continuou no ambiente dos Plumpe graças a um presente de natal que deram para Friedrich Wilhelm: um teatro de marionetes. Logo este teatrinho ficou pequeno para os espetáculos que ele tinha em mente. Seus irmãos o ajudaram a construir um teatro na medida de seus sonhos e se colocaram às suas ordens para encenar as representações familiares de cada domingo. Por este teatro de marionetes desfilaram contos clássicos de Andersen e dos irmãos Grimm, mas também adaptações que Friedrich Wilhelm fazia das obras em cartaz que ele mesmo admirava naqueles dias.

Murnau

Murnau

Sua outra paixão, a leitura, foi propiciada pelo acesso à biblioteca de sua irmã por parte de pai, Anna. Leitor voraz, aos onze anos já havia lido dramaturgos como Shakespeare e Ibsen ou pensadores como Schopenhauer e Nietzsche. Ele tinha grande interesse tanto pelo texto como pelas ilustrações dos clássicos literários que caíram em suas mãos. Sempre foi um aficionado pelas gravuras e, em boa parte, seus filmes baseados em obras literárias se apoiaram na recordação dessas imagens que figuravam nos livros que leu na sua infância e juventude.

Todas essas paixões culturais chocaram-se com seu pai, cuja mentalidade de homem de negócios via em tais atividades muita frivolidade e pouco benefício. Ele teria preferido que seu filho, em vez do teatro, se tivesse dedicado ao magistério, porém foram em vão suas intenções de encaminhá-lo para esta profissão. O mau relacionamento entre pai e filho piorou, quando o futuro cineasta se afastou do ambiente familiar durante seu período de estudante de filologia em Berlim e de história da arte em Heildelberg.

Max Reinhardt

Max Reinhardt

Apesar do apoio de sua mãe, seus primeiros anos como ator transcorreram na clandestinidade e motivaram a adoção de vários pseudônimos. Um deles, Murnau, adotado por volta de 1910, ficou para sempre. Era o nome de uma localidade alpina, na qual Friedrich Wilhelm havia passado momentos agradáveis junto a seus amigos, a maior parte deles vinculados de um modo ou de outro com a arte de vanguarda (e com o expressionismo). Convidado por Max Reinhardt para ingressar na sua escola de teatro, formou-se como ator, mas se destacou mais como assistente de direção de algumas montagens do Deutsche Theater, interessando-se também pela pintura e pela fotografia.  

Murnau participou da Primeira Guerra Mundial, primeiro na infantaria e depois na aviação; como piloto, foi feito prisioneiro em 1918, desorientado pela neblina, segundo a versão difundida por sua mãe através de seu diário, embora pudesse tratar-se de uma deserção. Ele passou o final do conflito confinado em Andermatt, Suiça, onde escreveu um roteiro para o cinema, Teufelsmädel, que não chegaria a dirigir.

Hans Ehrenbaum-Degele

Hans Ehrenbaum-Degele

No seu regresso para a Alemanha, Murnau foi acolhido na casa do banqueiro e colecionador de arte Friedric Ehrenbaum e sua esposa Emilie Degele, progenitores de Hans Ehrenbaum-Degele, seu colega de universidade em Berlim e companheiro de longo tempo, que havia sido morto na frente russa. O casal ajudou-o financeiramente a fundar um estúdio com Conrad Veidt (Murnau Veidt Filmgesellschaft), e a realizar seu primeiro filme, Der Knabe in blau / 1919 (O Menino Azul), que tinha como motivo de suas intrigas o quadro The Blue Boy do pintor Thomas Gainsborough.

Cena de Der Knabe in blau

Cena de Der Knabe in blau

No enredo, o nobre Thomas van Weerth (Ernst Hoffman) vive isolado em um castelo, que lhe coube de herança, tendo apenas a companhia de um servente (Karl Platen). Segundo uma lenda familiar, neste castelo está escondida uma esmeralda, representada no retrato de um menino vestido de azul. Durante um sonho, o menino azul sai do quadro e o conduz até a jóia. Ao mostrar a pedra preciosa a seu servente, este lembra-lhe da maldição que tal objeto trouxe a várias gerações da família van Weerth, e pede a Thomas que se desfaça da pedra; mas ele se nega a fazer isso. Um dia, chega ao castelo um grupo de ciganos, que se apresentam como músicos ambulantes, entre eles uma linda cigana (Blandine Ebinger), por quem o nobre se apaixona. A cigana aproveita-se da ingenuidade de seu anfitrião, para furtar-lhe a jóia enquanto os outros que a acompanhavam roubam vários pertences do fidalgo, incendeiam o castelo e destroem a pintura do garoto vestido de azul. Após a partida dos ciganos, Thomas percebe a gravidade de todo o ocorrido, e cai doente. Entrementes, aparece no castelo uma jovem atriz (Margit Barnay) que, com sua devoção, devolve ao rapaz a alegria de viver e a esperança de um futuro melhor.

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Na equipe técnica destacava-se o nome do fotógrafo Carl Hoffmann (muitos anos antes de se ocupar com os claros-escuros do Fausto / Faust de Murnau), porém seu trabalho não pode ser apreciado hoje, porque o filme se perdeu, existindo apenas 27 fotografias.

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Do segundo filme de Murnau, Satanás / Satanas / 1919, com roteiro de Robert Wiene e fotografia de Karl Freund, só restou um breve fragmento. O tema proposto era a presença do diabo através dos tempos, que constava de três episódios de ambientação histórica, um prólogo e um epílogo. Em cada um dos episódios, Conrad Veidt se tranformava em um personagem chave para conduzir os protagonistas para a desgraça.

Cena de O Tirano / Satanas

Cena de O Tirano / Satanás

No primeiro episódio, intitulado Der Tyrann / O Tirano, Satanás era um ermitão que desencadeava a tragédia nas relações amorosas entre o faraó Amenhotep (Fritz Kortner) e sua amante, a arpista Nouri (Sadjah Gezza), um serviçal chamado Jorab (Ernst Hoffman), e Phahi (Margit Barnay), a esposa do faraó. Amenhotep está apaixonado por Nouri. Esta usa de sua influência para empregar Jorab, seu verdadeiro amor como serviçal do faraó. Entretanto, Jorab ama na realidade Phahi, uma das esposas do faraó, a qual impediu no passado, que a mãe de Nouri fosse morta por apedrejamento. O faraó acaba por descobrir o adultério e condena Phahi à morte, desposando Nouri em seu lugar.

Cena de O Príncipe / Satanas

Cena de O Príncipe / Satanás

No segundo episódio, Der Fürst / O Príncipe (baseado na peça “Lucrèce Borgia” de Victor Hugo), Satanás, sob os traços de Gubetta, propagava um rumor relacionado com a moral de Lucrécia Borgia (Else Berna), que levaria a um fim trágico seu amor pelo jovem Gennaro (Kurt Ehrle), que na realidade era seu filho.

Cena de O Ditador / Satanas

Cena de O Ditador / Satanás

No terceiro episódio, Der Diktator / O Ditador, ambientado em 1917, Satanás encarnava-se no revolucionario russo Grodski que influenciava Hans Conrad (Martin Wolgang), estudante de direito em Zurique, na Suiça, que lidera jovens extremistas de ideologia esquerdista em uma revolução na sua cidade natal e vai ficando fascinado com o poder, a ponto de ordenar a execução de sua namorada Irene (Marija Leiko), após ela ter sido detida atentando contra Grodski.

Estreado em janeiro de 1920, a crítica do seu tempo praticamente ignorou Murnau e teceu elogios a “um filme de Robert Wiene” que, quase um mês depois veria estreado o seu O Gabinete do Dr. Caligari / Das Cabinet des Dr. Caligari. O trecho diminuto que se conserva de Satanas é um momento de amor apaixonado do episódio egípcio entre o faraó e sua amante.

Cena de Sehnsucht

Cena de Sehnsucht

Do terceiro filme de Murnau (iniciado em 1919 e lançado em 1920), Sehnsucht (Nostalgia), conserva-se apenas uma fotografia. Trata-se de um drama (fotografado por Carl Hoffmann) envolvendo Ivan (Conrad Veidt), violinista russo sem recursos na Suiça. Um dia ele recebe um convite de uma parente distante, a Princesa Wirsky (Gussy Holl) para ser hóspede na Russia. A fim de financiar a viagem Ivan aceita cumprir uma missão que lhe foi dada por revolucionários que estão planejando uma conspiracão contra o Grão Príncipe. Ele leva uma mensagem para um homem em Moscou e imediatamente se apaixona pela filha deste, Marja (Margarete Schlegel); porém, o pai de Marja ama a Princesa Wirsky, e quer trair os revolucionários. Entrementes, a princesa  se apaixona por Ivan e, enciumada, ordena a remoção de Marja para a Sibéria. Ivan então estrangula a princesa e passa o resto de sua vida procurando por Marja. Quando um dia fica sabendo da morte de Marja, Ivan comete suicídio.

Cena de Der Bucklige und die Tänzerin

Cena de Der Bucklige und die Tänzerin

Der Bucklige und die Tänzerin

Der Bucklige und die Tänzerin

O primeiro filme que Murnau rodou em 1920 foi Der Bucklige und die Tänzerin (O Corcunda e a Dançarina), fotografado por Karl Freund, que marcou a primeira colaboração do diretor com Carl Mayer, responsável pelo argumento e pelo roteiro, autor crucial na trajetória do cineasta e de todo o cinema mudo alemão. É mais outro filme perdido do diretor.

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No entrecho, James Wilton (John Gottowt), um corcunda sempre rejeitado pelas mulheres, retorna de Java rico, após ter descoberto uma mina de diamantes. O corcunda corteja a dançarina Gina (Sasha Gura) – que está se recuperando de um trauma causado pelo rompimento com seu amante, -, encantando-a com os óleos e unguentos, cujos segredos de preparação ele aprendera com os javaneses. Gina por sua vez usa Wilton para causar ciúme no antigo amante, porém depois se reconcilia com este, e para de ver Wilton. O corcunda então cria um veneno para misturar com seus óleos e unguentos, que matará todo homem que a beijar, mas prepara também um antídoto para ela. O amante de Gina morre e outro é afetado pelos sintomas. Gina procura Wilton para saber a verdade, e obter o antídoto. Ele tenta dominá-la, beija-a, e morre quando ela arrebata o antídoto das mãos dele, e corre para aplicá-lo no seu amigo afetado.

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Cena de Pavor – Conrad Veidt

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Cena de Der Janus-Kopf

Cena de Pavor

Dos filmes perdidos de Murnau realizados em 1920, o mais atraente é PavorDer Janus-Kopf, fotografado por Karl Freund, versão não autorizada do romance de Robert Louis Stevenson, “The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde” (1886). A fim de evitar o pagamento de direitos pelo uso da obra original, os nomes do personagem duplo e certos detalhes foram mudado. O Dr. Warren (Conrad Veidt) não inventa uma poção capaz de separar o lado mal do lado bom da humanidade, mas age através dos poderes sobrenaturais de uma estatueta amaldiçoada de Janus (o deus romano de duas faces que olham em direção oposta, que ele comprara para dar de presente à sua noiva, Jane Lanyon (Margarete Schlegel). Quando Jane, horrorizada, não aceita o presente, o Dr. Warren tenta vender a peça em um leilão, mas o poder que ela exerce sobre ele, obriga-o a comprá-la de volta. A esta altura, o Dr. Warren transforma-se pela primeira vez em Mr. O’Connor (Conrad Veidt), homem repulsivo, capaz de praticar os atos mais horríveis. Este aluga um quarto em Whitechapel, um distrito de Londres, e comete  todo tipo de crime, inclusive espancando um idoso até a morte e estuprando Grace (Margarete Schlegel). Com a ajuda de um antídoto é possível Mr. O’ Connor voltar a ser o Dr. Warren, porém ele descobre que a transformação começa a se dar incontroladamente. Quando o antídoto acaba, ele não consegue fabricar mais doses e só poderá usar a figura de Dr. Warren uma última vez. O Dr. Warren então se tranca no seu laboratório, revela tudo para seus amigos em uma carta, e põe fim à sua vida.

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O filme foi distribuido pela Decla-Bioscop, companhia comandada por Eric Pommer, que voltou a distribuir outro trabalho de Murnau no mesmo ano, Abend – Nach – Morgen (Tarde-Noite-Manhã) drama policial (fotografado por Eugen Hamm) cuja intriga girava em torno do roubo de um colar de pérolas. Maud (Gertrude Welcker), mora na companhia de seu amante Chester (Bruno Ziener) um milionário. Brilburn (Conrad Veidt), é um inútil, que vive às custas de Maud, sua irmã. Prince (Carl von Balla), amigo de Chester, é um jogador sem sorte, que necessita de dinheiro.  Ele penetra na casa para roubar o colar de pérolas e, ao fazer isto, ataca e acha que matou Chester. Pouco depois, Brilburn tenta cometer o mesmo ato criminoso, mas encontra o corpo de Chester desfalecido e foge horrorizado do local, deixando porém provas que o identificam. A polícia procura ambos os homens. Chester reaparece vivo e a verdade vem à tona.

Murnau

Murnau

Cena de Der Gang in die Nacht

Cena de Regresso às Trevas

O primeiro filme de Murnau que sobreviveu completo foi Regresso às TrevasDer Gang in die Nacht / 1921, adaptação por Carl Mayer de um argumento da escritora e roteirista dinamarquesa Harriet Bloch. Olaf Fönss, que  interpreta o personagem principal, era um ator reputado, que havia obtido um grande êxito na sua Dinamarca natal e na Alemanha,  onde foi o Homúnculus da célebre série de filmes dedicada ao personagem, dirigidas por Otto Ripper em 1916.

Cena de Der Gang in die Nacht

Cena de Regresso às Trevas

Para festejar o aniversário de sua noiva Helene (Erna Morena), o reputado oftalmologista, Dr. Eigil Borne (Olaf Fönns), assiste com ela a um espetáculo de cabaré. A bailarina principal, Lily (Gudrum Bruun) sente-se atraída pelo Dr. Eigil, e simula um acidente, para que ele a atenda em seu camarim. O oftalmologista enamora-se dela, e rompe com sua prometida. Em uma viagem para um lugar perto do mar, os dois amantes encontram-se com um pintor cego, Der Maler (Conrad Veidt), que o Dr. Eigil cura milagrosamente. Mas eis que Lily e Der Maler se apaixonam para desespêro do Dr. Eigil, que ainda recebe a notícia da morte de Helene, ficando definitivamente sem noiva e sem amante. Embora amargurado, ele continua a clinicar, e um dia Lily aparece no seu consultório, implorando-lhe que cuide de Maler, pois este perdeu novamente a visão. A resposta do Dr. Eigil é: “Não! Eu te matarei! Então vou curá-lo!”. Mais tarde, ele se arrepende, vai até a casa de Lily, e percebe que ela se suicidou. No dia seguinte, lê uma carta de Maler: “Não o acuso. Nenhum de nós é culpado. As leis estão acima de nós. Não precisa me curar de novo. Por um breve tempo você me deu luz e eu pude vê-la. Volto para a minha noite”. Maler é o único sobrevivente do drama pois em dois planos curtos e estáticos vemos o último suspiro de Helene, consumida pela melancolia e do Dr. Egil, que teve seu derradeiro momento de vida sentado na  cadeira  de seu consultório.

Cena de Der Gnag in die Nacht

Cena de Der Gang in die Nacht

Depois que a ação se transfere para o lugar perto do mar, nota-se a influência do cinema sueco no uso da paisagem com a missão descritiva dos sentimentos dos personagens (por exemplo, a cena em que Lily e o Dr. Eigil contemplam o oceano do alto de uma colina, assemelha-se com uma cena vista no filme de Victor Sjöstrom, Berg-Ejvind och hans hustru / 1918, exibido nos EUA como The Outlaw and his Wife). Em outra cena, aparece a silhueta de um desconhecido chegando pelo mar em pé sobre um barco, que o espectador percebe logo como uma ameaça, imagem que lembra o quadro “A Ilha dos Mortos” do pintor suiço Arnold Böcklin. A silhueta é a do cego que vai atrair a atenção de Lily, e depois do próprio Dr. Eigil, ao ver o pintor sentado diante de seu cavalete, sem poder pintar.  Uma sequência admirável ocorre quando, em uma noite de tempestade, Lily desperta assustada pelo vento que irrompe em sua casa através das janelas e cortinas. Ela tenta se acalmar, vestindo sua roupa de bailarina e dando alguns passos de dança. Todos esses momentos (proporcionados pela fotografia de Max Lutze e pela direção de arte de Heinrich Richter) são intercalados por tomadas do mar enraivecido, o vento nos campos, e um relógio que vai marcando a hora em diferentes momentos da noite.

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Cena de Marizza

Cena de Marizza

Heinrich Richter foi o cenógrafo de Marizza, gennant Schmugglermadonna (Marizza, dita Senhora dos Contrabandistas), mais um filme de Murnau  do qual não se conservou nenhuma cópia, apenas um trecho de 13 minutos. O que se sabe hoje da trama “Carmeniana” é o seguinte: a cigana Marizza (Tzwetta Tzatscheva) está cansada de cumprir as ordens de sua patroa, a velha Yelina (Maria Forescu), para flertar com os guardas alfandegários, a fim de que seus homens possam exercer tranquilamente o contrabando. Ela vai embora e se emprega na fazenda de uma aristocrata empobrecida, Sra. Avricolos (Adele Sanrock) e de seus dois filhos, Christo (Harry Frank) e Antonino (Hans Heinrich von Twardowski). Marizza é descoberta no quarto de Christo por sua mãe e esta expulsa a jovem, que foge com Antonino. A Sra. Avricolos põe os contrabandistas no seu encalço e eles são encontrados, pobres e famintos. Marizza adula os guardas, especialmente Haslinger (Toni Zimmerer), a fim de conseguir dinheiro; porém Antonino fica com ciúmes e ataca Haslinger. Marizza mata este último e salva Antonino, que assume o crime. No final do filme ocorre o resgate de Marizza e seu bebê de uma cabana em chamas. Os comentaristas da época louvaram o uso expressivo da paisagem, do claro-escuro e da profundidade de campo.

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O filme seguinte de Murnau, Schloss Vogelöd / 1921 (O Castelo Assombrado), com o subtítulo A Descoberta de um Segredo (Die Enthüllung  eines), é em substância, um drama criminal. Um grupo de amigos encontra-se para uma caçada no castelo da família Vogelöd, sendo recepcionados pelo castelão Lord von Vogelschrey (Arnold Korff), porém uma chuva incessante interrompe seus planos, e eles passam seu tempo dentro da residência senhorial. A chegada de Johann Oetsch (Lothar Mehnert), sem ter sido convidado, causa surpresa entre os presentes e um incômodo para o anfitrião, porque estão sendo esperados o Barão (Paul Bildt) e a Baronesa Safferstätt (Olga Tschekowa), e o conde fôra acusado do assassinato de seu próprio irmão, Peter (Paul Hartmann), primeiro marido da Baronesa. Esta deseja ir embora mas, avisada de que o Padre Faramund, está para chegar, ela resolve ficar. Quando o padre chega, a Baronesa se confessa com ele, revelando que, há quatro anos Peter partiu, e quando voltou, estava diferente: só queria saber de livros e de levar uma vida espiritual, e ela então conheceu o Barão.

Cena de Schloss Vogelöd

Cena de Schloss Vogelöd

Cena de Schloss Vogelöd

Cena de Schloss Vogelöd

Cena de Schloss Vogelöd

Cena de Schloss Vogelöd

A Baronesa conta ainda para o padre que seu marido queria doar os bens da família o que o levou a brigar com seu irmão Johann. Na noite seguinte Peter foi morto. Pouco depois, o Padre Faramund desaparece, e o juiz suspeita do conde. Amendrontados, alguns hóspedes vão embora e, na hora do almoço, os que ficaram ouvem o conde perguntar ao Barão:”Você já cometeu um crime?” Todos se espantam mas o conde explica que foi só uma brincadeira; porem o Barão deixa o salão angustiado. Mais tarde, a Baronesa conta para todos o que revelara para o padre e,apontando para o conde,  reafirma: “Ele matou meu marido após uma discussão!”. O conde olha firmemente para ela e sai. De repente surge de novo o padre e a Baronesa resolve lhe contar a verdade, lembrando-lhe de que ele deverá manter o silêncio. Certo dia, ela disse para o Barão que detestava a santidade e que gostaria de ver algo de mal, como um crime. Entretanto, o Barão não entendeu suas palavras e matou seu marido. “Dois dias depois ele confessou sua culpa para mim. Eu reconhecí  minha culpa também, o conde não foi condenado, e eu e o Barão nos casamos. Este é o nosso casamento!”  Depois de ouvir a confissão, o Padre entra na sala onde está o Barão, tira seu disfarce, mostra que é o conde. E diz para ele: Agora conduza-se como um homem!”. O conde apresenta-se a todos sem o disfarce. Ouve-se um tiro. A Baronesa exclama: Ele está morto!”.

Cena de Schloss Vogelöd

Cena de Schloss Vogelöd

Cena de Schloss Vogelöd

Cena de Schloss Vogelöd

O roteiro de Carl Mayer e Berthold Viertel, extraído de um romance de Rudolf Stratz, publicado em folhetim no Berliner Illustrieten Zeitung, desenvolve um enigma de caráter policial, resultando na identificação de um assassino escondido entre as pessoas reunidas no castelo. A ação é confinada em interiores luxuosamente decorados e focalizados em planos gerais e enquadramentos elegantes, sendo eliminada a movimentação de câmera extravagante (que seria inovada em A Última Gargalhada / Der Letzte Mann / 1924) e reforçada a profundidade de campo. A unidade de lugar só é rompida por duas cenas breves (quando os convidados saem para caçar; uma recordação da baronesa) e duas cenas de sonho, que fazem surgir o medo ou o desejo reprimido (v.g. a mão gigante que entra pela janela de um dos hóspedes; o menino que se vinga do chefe de cozinha que o repreendera se fartando de doce). Auxiliado por técnicos de elite (fotógrafos László Schäffer e Fritz Arno Wagner; diretor de arte Hermann Warm) e intérpretes muito controlados (quase estáticos), Murnau cria um suspense permanente, um sentimento de que uma tragédia iminente está para acontecer.

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O Lobisomem / Nosferatu /1922, com o subtítulo de Eine Symphonie des Grauens (Uma Sinfonia do Horror), sancionou a maturidade artística e poética de Murnau. O roteiro, assinado por Henrik Galeen, adaptou o romance “Dracula” de Bram Stoker, tomando a liberdade de mudar o nome dos personagens e de muitas situações, mas também a de não pagar direitos ao autor, o que provocou, pouco depois da estréia do filme em março de 1922, uma disputa legal com a viúva de Stoker, Florence, que se prolongou até 1925. Florence Stoker conseguiu finalmente que os negativos de Nosferatu fossem destruídos e empeendeu uma cruzada pessoal contra todas as cópias alemãs e as que foram aparecendo no exterior nos anos seguintes, luta que continuou até sua morte em 1937, através de uma rede de agentes que iam localizando e destruindo essas cópias. Entretanto, algumas cópias se salvaram, uma das quais foi manipulada na sua montagem e acrescida  de uma sequência (a Missa dos Mortos), rodada por um tal Dr. Waldemar Roger, e exibida em 1930 sob o título de Die zwölfte Stunde (A Duodécima Hora). Outras cópias geraram restaurações feitas por Enno Patalas e, mais recentemente, Luciano Berriatúa aceitou uma proposta da Fundação F. W. Murnau para providenciar uma nova restauração, finalmente apresentada em 2006, que preenchia as carências das anteriores.

Cena de Nosfearatu

Cena de Nosferatu

Nosferatu

Nosferatu

Nosferatu

Nosferatu

Cena de Nosferatu

Nosferatu

Em 1838, no porto sueco de Wisborg, o corretor de imóveis Knock (Alexander Granach) recebe de um tal de Conde Orlock (Max Schreck), a missão de lhe encontrar uma casa naquela cidade. Ele envia seu empregado Thomas Hutter (Gustav von Wangenheim) para os Montes Cárpatos, a fim de levar o contrato de compra e venda para o conde assinar. Porém a casa a ser vendida, situada em frente da residência  de Hutter, está em um estado lamentável. Ellen (Greta Shoreder), sua jovem esposa, desconfia, e fica muito preocupada com os planos de viagem de seu marido. Hutter confia Ellen aos cuidados de seus amigos, o armador Harding (George H. Schnell) e sua irmã Annie (Ruth Landshoff), e parte. Antes de chegar ao castelo do Conde, para em uma hospedaria. Os habitantes locais temem Orlock, e alertam o jovem quanto ao perigo de seguir em frente. No seu quarto, Hutter encontra o “Livro dos Vampiros’, que ele folheia, mas não se intimida com seu conteúdo. Na manhã seguinte, segue viagem, mas o cocheiro entra em pânico ao chegar perto do castelo, e o abandona. Logo depois, a carruagem do conde chega inesperadamente, e conduz  Hutter ao seu destino. O conde lhe oferece um jantar durante o qual, acidentalmente, Hutter corta o dedo com a faca, momento em que seu anfitrião se lança com furor para sugar o sangue de sua ferida. Após uma noite de sono, Hutter acorda com duas marcas de mordida em seu pescoço. Quando o conde vê o retrato de Ellen em um medalhão, ele aceita imediatamente a proposta do corretor. Ao explorar o castelo, Hutter encontra o conde dormindo cadavericamente em um caixão. Ele foge do castelo, fica inconsciente, e é salvo, por alguns populares, que tratam de sua febre em um hospital. O conde parte para Wisborg a bordo de um veleiro, o Empusa, enquanto Hutter, já recuperado, se apressa para chegar em casa por terra.

Nosferatu

Nosferatu

Cena de Nosferatu

Cena de Nosferatu

A bordo do Empusa, os tripulantes vão morrendo um a um de uma doença misteriosa. Quando os marujos vasculham a embarcação e abrem o caixão, surge uma horda de ratos. Todos os marujos morrem, e o Empusa chega como um navio fantasma ao porto de Wisborg. Entrementes, Knock, internado em um manicômio, passa o tempo comendo moscas vivas, e se regozija com a chegada do “mestre”. As autoridades locais encontram no Empusa o diário de bordo, relatando sobre a doença mortal. Eles declaram estado de emergência, mas a peste se alastra em Wisborg, provocando inúmeras vítimas. Knock foge do manicômio, sendo perseguido por uma multidão, que o culpa pela epidemia. Hutter consegue chegar a Wisborg, trazendo consigo o “Livro dos Vampiros”. Ellen lê que somente uma mulher pura teria o poder de deter “o Vampiro”, oferecendo-lhe o próprio sangue, e lhe causando “o esquecimento do “Canto do Galo”. O conde se acomoda na sua nova morada, e consegue espiar o quarto de Ellen pela janela. Ele se infiltra nesse aposento, e se aproxima dela, para beber seu sangue.  Ellen se sacrifica , deixando-se vampirisar. O conde cai em si, e se apavora com o fato de que o amanhecer se aproxima. Ao primeiro canto do galo, assim como ao primeiro raio de sol, o vampiro se desfaz em cinzas. Capturado e amarrado dentro de sua cela, Knock, sabe que o “mestre” está morto. Hutter chega com o médico paracelsiano, Professor Bulwer (John Gottowt), e examina o braço de Ellen, mas já é tarde –  ela morre nos braços de seu marido. Porém, com o fim do vampiro, a peste é vencida.

Cena de Nosferatu

Cena de Nosferatu

Cena de Nosferatu

Cena de Nosferatu

O que há de mais original no filme está no campo formal: ele se afasta do caligarismo. Diferentemente da estética da época (cenários pintados, perspectivas quebradas, linhas oblíquas), Murnau filma em exteriores, movendo sua câmera para as ruas e paisagens verdadeiras, introduzindo as distorções próprias do expressionismo, não através da pré-estilização dos prédios e panoramas, mas pela maneira de fotografá-los (ângulos de visão inusitados, sombras, lentes especiais, telas, filtros, uso de negativos, ação acelerada etc.) ou pela maneira de montar o que foi fotografado.

Cena de Nosferatu

Cena de Nosferatu

Desse modo, com a ajuda do fotógrafo Fritz Arno Wagner e do diretor de arte Albin Grau,com o qual colaborou seu amigo Walter Spies, o cineasta faz os cenários reais tornarem-se aterrorizantes. A casa em ruínas na qual Nosferatu se instala, a rua por onde o funcionário público caminha, colocando marcas de giz nas portas atrás das quais a peste surgiu, a procissão de caixões cada qual conduzido por duas figuras vestidas de preto, suscitam tanto terror quanto as imagens sombrias da paisagem carpatiana e do castelo no topo da montanha. O clima sinistro e mórbido é complementado por símbolos (a hiena à espera de sua presa, os cavalos enlouquecidos, a aula do Professor Bülwer sobre a planta carnívora e sobre o pólipo translúcido, os ratos, a aranha que Knock contempla, a praia enigmática cheia de cruzes), evocando algo maléfico ou sobrenatural.

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Der brennende Acker /1922 (Terra em Chamas) foi realizado no mesmo ano de Nosferatu, mas esteve perdido até 1978, quando se descobriu uma cópia quase completa do filme na posse de um padre italiano, que organizava sessões de cinema em hospitais psiquiátricos. Subintitulado Das Drama eines Ehrgeizigen (O Drama de um Ambicioso), trata-se de um melodrama, envolvendo conflitos de amor e de interesse por um pedaço de terra rico em petróleo. O “Campo do Diabo” é um lugar amaldiçoado, que assusta a população de uma pequena aldeia da Silesia, porque um ancestral da família Rudenburg faleceu vitimado por uma misteriosa explosão, quando cavava um poço em busca de um tesouro escondido. O Conde von Rudenburg (Eduard von Winterstein), detentor atual do título, passa o tempo inspecionando o local, agora transformado em uma capela. Ele mora em seu castelo com sua esposa, Helga (Stella Arbenina), e uma filha do seu primeiro casamento, a caprichosa Gerda (Lya De Putti). Na aldeia próxima, um velho agricultor, Rog (Werner Krauss), morre, deixando dois filhos, Peter (Eugen Klöpfer), muito apegado às terras da família, e o ambicioso Johannes (Vladimir Gajdarov), que não se conforma em levar uma vida de lavrador. Ele torna-se secretário particular do conde e chama a atenção de Gerda e Helga. Um dia, Peter escuta uma conversa de que o conde descobriu um campo de petróleo sob o solo do “Campo do Diabo”. Pouco depois, o conde, que está com uma doença terminal, dita-lhe seu testamento, de acordo com o qual Gerda herdará toda a sua fortuna, menos o usufruto do castelo e o “Campo do Diabo”, que ele deixará para Helga. Gerda e o conde ficam sabendo do relacionamento amoroso entre Johannes e Helga, mas o conde lhes diz que não se importa, porque está prestes a deixar este mundo. Após a morte do conde, Johannes se casa com Helga e, pouco depois, vai para cidade negociar com os donos de uma grande companhia de exploração de petróleo. Ele recusa a soma de 25 milhões de marcos pelo “Campo do Diabo”, e os convence a lhe emprestar o dinheiro, para que possa explorar o campo por conta própria. Entrementes, Helga, sentindo que o interesse de Johannes por aquela terra maldita afasta-o de seu amor, vende o “Campo do Diabo” para Peter por 12 mil marcos. Ao saber da venda, Johannes fica furioso revelando a Helga o imenso valor do local. Johannes procura Peter e quer que este anule a venda mas Helga já o fizera e, percebendo que Johannes nunca a amara, afoga-se em um rio gelado. Gerda que, por despeito, ficara noiva do Barão von Lellewel (Alfred Abel), rompe o noivado, e espera conquistar o amor de Johannes, mas ele lhe diz que nunca amou nenhuma das duas mulheres, e agiu somente por ambição. Para se vingar, Gerda incendeia o poço de petróleo, e morre na explosão que se segue. Finalmente, ciente dos infortúnios que causou, Johannes retorna para a fazenda, onde é recebido de braços por seu irmão e por Maria (Grete Diercks), a jovem criada que sempre foi apaixonada por ele.

Cena de Der brenneden Acker

Cena de Der brennende Acker

Murnau transforma o melodrama (escrito por Thea von Harbou, Willy Haas e Arthur Rosen) em um conto moral sobre a ambição e a felicidade, mostrando o contraste entre a vida simples e autêntica do ambiente rural, apegado às sua tradições e um mundo sofisticado de progresso, ligado à ganância e à busca do poder a qualquer custo.

Cena de Der brennende Acker

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Cena de Der brenneden Acker

Cena de Der brennende Acker

Para sublinhar essa diferença, o cineasta faz com que predominem as composições acolhedoras (apesar de sua rudeza) no interior da morada dos Rog e destaca a frieza arquitetônica do castelo de Rudenbur. A decoração (a cargo de Rochus Gliese) é  muito variada, ajudada por uma decupagem que passa de um lugar para outro: a fazenda dos Rog, o “Campo do Diabo” e sua capela maldita, as margens desoladas e cobertas de neve de um rio gelado, o salão suntuoso da alta sociedade no qual Johannes aguarda um futuro prestigioso. A câmera (comandada por Karl Freund e Fritz Arno Wagner) está quase sempre estática, mas a montagem alterna vários tipos de planos e algumas tomadas em iris chamam a atenção para parte de uma cena, preservando-se afinal um bom ritmo.

Cena de Der brennende Acker

Cena de Der brennende Acker

Tal como Nosferatu, Johannes traz a morte (Maria – atingida por uma morte espiritual, o desprêzo  – , Helga, depois Gerda) por onde passa mas, ao contrário do que aconteceu com o vampiro, em vez de um raio de luz, é o fogo que vai acabar com tudo o que ele queria construir.

Cena de Der brennende Acker

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Murnau conclui o filme com o retorno do Johannes arrependido ao seu ambiente familiar, um final de ressonância bíblica, exposto em uma cena linda: quando Johannes chega amargurado ao seu antigo lar, Peter o abraça, dá a outra mão para Maria e conduzem para o seu quarto.  Johannes olha ao seu redor, percebe que continua tudo bem arrumado, e pergunta: “Vocês por acaso sabiam que eu viria para casa hoje?”. Maria responde: “Nós estivemos te esperando todos os dias. Seu quarto esteve sempre pronto para você”.

 

 

 

 

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