PRIMÓRDIOS DO CINEMA ITALIANO

outubro 6, 2021

Em 11 de novembro de 1895, Filoteo Alberini patenteou um aparelho denominado Kinetografo Alberini, mas esta invenção rudimentar foi rapidamente ultrapassada pelo Cinematógrafo dos irmãos Lumière, máquina usada como câmera, projetor e copiadora, portátil, e acionada manualmente, não dependendo de uma fonte de eletricidade.

Filoteo Alberini

 O primeiro representante dos Lumière na Itália foi Vittorio Calcina, treinado pelo chefe dos operadores de câmera da fábrica de Lyon, Jean Alexandre Louis Promio, que viajou por vários países da Europa para divulgar o Cinematógrafo, inclusive na Itália, onde filmou a cidade de Veneza de uma gôndola em movimento. Enquanto Promio continuava suas viagens pela Europa, Vittorio Calcina registrava eventos e visitas reais e ajudava a enriquecer o catálogo dos Lumière.

Em 1896 um imitador dos Lumière, Italo Pacchioni, inventou uma máquina semelhante ao cinematógrafo, com a qual filmou um inevitável Arrivo del treno ala Stazione di Milano, algumas “vistas” cômicas (v. g. La Gabbia dei Matti, Il Finto Storpio, La Bataglia di Neve) e atualidades como I funerali de Umberto I e I funerali di Giuseppe Verdi a Milano.

Ainda em 1896, Leopoldo Fregoli, o famoso transformista (muito popular em nosso país onde se apresentou em 1895 no Teatro Lyrico, em 1915 no Palace-Theatre e em 1925 no Teatro Recreio) encontrou-se com Louis Lumière e obteve alguns filmes deste último para usá-los como parte de seus espetáculos. O sucesso destes encorajou-o a filmar seus próprios números no palco. Ele usou muitos truques e teve ainda a idéia de projetar seus filmes ao contrário. Além disso criou um acompanhamento vocal dos bastidores imitando as vozes dos personagens na tela.

Arturo Ambrosio

Porém o primeiro sinal de uma atividade cinematográfica mais significativa veio de Turim, para onde o fotógrafo Edoardo Di Sambuy trouxe uma câmera que havia comprado na França. Ele a repassou para um revendedor de equipamentos óticos e fotográficos, Arturo Ambrosio, sob cuja égide Roberto Omegna filmou os primeiros cinejornais italianos (v. g. La prima corsa automobilista Susa Moncenisio, Manovre degli alpini Colle Ranzola). Em 1904 a Società Anonima Ambrosio ergueu o primeiro estúdio cinematográfico italiano.

No mesmo ano, Filoteo Alberini abriu o Cinema Moderno em Roma e em 1905 fundou com Dante Santoni o “Primo Stabilimento Italiano di Manufattura Cinematografica Alberini e Santoni”. No final deste ano, Alberini e Santoni construiram na via Appia Nuova um estúdio, que diziam ter o equipamento mais avançado importado da França e da Alemanha, e nele produziram um filme com enredo, La Presa di Roma. Este filme, uma evocação da conquista de Roma pelas tropas italianas em 1870 (com sete cenas, 250 metros) teve a colaboração do renomado ator Carlo Rosaspina e, mais importante ainda, a cooperação do Ministro da Guerra “para uniformes, artilharia e armamento”.

La Presa di Roma

De repente o cinema italiano começou a se tornar uma indústria e, no início de 1906, Alberini e Santoni tornou-se uma sociedade anônima, Società Anonima per Azioni Cines, administrada pelo engenheiro Adolfo Pouchain, tendo como secretário o Barão Alberto Fassini, magnata da indústria têxtil. Santoni deixou a empresa pouco tempo depois e Alberini passou a ocupar o cargo de diretor técnico. No mesmo ano, a Cines contratou um dos melhores técnicos da Pathé, Gaston Velle, que trouxe vários assistentes consigo. Como diretor artístico, Velle realizou filmes de vários gêneros entre eles Viaggio in una Stella, La malia dell’oro, Pierrot innamorato. Em 1907, Mario Caserini, que havia entrado para a Cines como ator, iniciou suas atividades como diretor e Velle retornou para a França. A Cines começou então a se especializar na produção de dramas shakespereanos e filmes históricos.

Inspirado nesses filmes históricos da Cines e com o êxito da Ambrosio Film em Turim com Os Últimos Dias de Pompéia / Gli Ultimi Giorni di Pompei / 1908, os industriais Carlo Rossi e Guglielmo Remmert, o sogro deste, Carlo Sciamengo, e o inventor Lamberto Pineschi, fundaram a Carlo Rossi & C. Oito meses depois, por divergências entre os sócios, a empresa entrou em liquidação. Com a ajuda do então jovem contador, Giovanni Pastrone, Sciamengo reavivou-a e, em setembro de 1908, ela foi transformada em Itala Film, que obteve muitos triunfos com O Conde Ugolino / Il Conte Ugolino / 1908 e Máscara de Ferro / La Mascara de Ferro / 1909 e se saiu muito bem nas comédias de Cretinetti e Tontollini, respectivamente interpretadas pelos cômicos franceses André Deed e Ferdinand Guillaume. Quanto a Rossi, ele foi contratado pelo Barão Fassini para ocupar um cargo de direção na Cines. Em 1913 a Cines absorveu a Celio Film, fundada em 1912 pelo advogado (e depois deputado) Gioacchino Mecheri, o diretor Baldassare Negroni e o marquês Alberto Del Gallo.

O sucesso das primeiras “fábricas de filme” em Turim e Roma logo atraíram a atenção em outros lugares, surgindo várias firmas em 1908, notadamente em Milão onde se distinguiu a Saffi-Comerio (depois Milano Film) presidida por Luca Fortunato Comerio, ex-fotógrafo oficial da Casa Real e do Rei Vittorio Emanuelle III. Em Turim foi fundada a Aquila Film do empresário Camilo Ottolenghi e a Pasquali Film do ex-jornalista e empregado da Ambrosio Film, Ernesto Maria Pasquali. Em Roma, os irmãos Azaglio e Lamberto Pineschi organizaram uma companhia que em 1909 tornou-se a Latium Film. Em Nápoles surgiu a Fratelli Troncone (Partenope Film). Em outras cidades como Veneza, Florença, Velletri, Palermo, companhias mais ou menos efêmeras, filmaram eventos locais. No começo da Primeira Guerra Mundial novas produtoras foram fundadas: Caesar Film, Palatino-Film, Medusa-Film, Tiber Film, Nova-Film em Roma; Lombardo Film em Nápoles; Armenia Film em Milão etc.

Esta grande expansão da indústria de cinema italiana foi marcada por um florescimento precoce do drama de época extraído da literatura ou da história, emergindo diretores importantes: Luigi Maggi (Os Últimos Dias de Pompéia / Gli Ultimi GIorni di Pompei / 1908, La Gioconda / 1911), Giuseppe De Liguoro (Il Conte Ugolino / 1909, O Inferno / L´Inferno / 1909); Giovanni Pastrone (Giordano Br uno / 1908, A Queda de Tróia / La Caduta di Troia / 1910, Cabiria / Cabiria / 1914); Mario Caserini (Romeu e Julieta / Romeo e Giuletta / 1908, Os Três MosqueteirosI Tre Moschettieri / 1909); Enrico Guazzoni (Brutus / Brutus / 1910, Agrippina / 1910, Jerusalem LIbertada / La Gerusalemme LIberata / 1911, Quo Vadis? / Quo Vadis? / 1912, Marco Antonio e Cleópatra / Marcantonio e Cleopatra / 1913, Grandeza e Decadência de Roma ou No Tempo dos Césares / Caius Julius Caesar / 1914; Nino Oxilia (Joana D ´Arc – A Donzela D´Orleans / Giovanna d´Arco / 1913, Com Este Sinal Vencerás / In Hoc Signo Vinces / 1913).

O filme mais famoso foi Cabiria, superprodução dirigida por Giovanni Pastrone com cenografias espetaculares que teriam influenciado David Wark Griffith na realização do seu monumental Intolerência / Intolerance / 1917 e lançado o personagem de Maciste, o gigante de uma força hercúlea e bom coração, visto depois em uma série de filmes de aventura interpretado por Bartolomeo Pagano.

Preocupado com a competição italiana, Charles Pathé decidiu enfrentá-la no seu próprio terreno e fundou uma subsidiária, a F.A.I. (Film d´Arte Italiano), para funcionar nos moldes da Le Film D´Art francêsa (companhia criada para realizar, com o concurso de eminentes escritores e atores e filmes de qualidade artística capazes de interessar a um público mais exigente), nomeando o empresário teatral Adolfo Re Riccardi, como diretor geral e com Gerolamo Lo Savio e Ugo Falena exercendo função administrativa e funcionando também como diretores ou argumentistas. Este triunvirato contratou atores famosos do palco como Ettore Berti, Ermete Novelli, Ruggero Ruggeri, Cesare Dondini, Ferrucio Garavaglia, Vittoria Lepanto etc. e lançou as jovens atrizes Francesca Bertini e Maria Jacobini, que se tornariam duas das mais famosas “divas” do cinema italiano mudo. Entre os filmes incluíam-se Otello / 1909, Carmen / Carmen / 1909, A Dama das Camélias /  La Signora delle Camelie / 1909, Rei Lear / Re Lear / 1910, Lucrécia Borgia / Lucrezia Borgia / 1912 etc. Em 1917, a maioria das ações da F.A.I. foi adquirida por Gioacchino Mecheri, que a afiliou à Tiber Films, companhia cinematográfica romana que ele havia fundado em 1914.

Francesca Bertini

Pina Mennichelli

No período 1909-1916, além do filme histórico-literário e da linha cômica podemos apontar o divismo e a tendência realista. Assim como Cabiria instalou a tradição do super-espetáculo cinematográfico, o divismo italiano precedeu e provocou o estrelismo hollywoodiano. Entre as grandes divas podemos citar os nomes de Francesca Bertini, Lyda Borelli, Maria Jacobini, Lina Cavalieri, Hesperia, Pina Menichelli, Rina de Liguoro Italia Almirante Manzini etc. e, para serví-las, apareceram novos diretores como por exemplo: o roteirista Baldassare Negroni (História de um Pierrot / Histoire d´un Pierrot / 1913 com Francesa Bertini) e os atores Emilio Ghione (Esposa na Morte / Sposa nella morte / 1915 com Lina Cavalieri), Gustavo Serena (Assunta Spina ou Sangue Napolitano / Assunta Spina / 1915 com Francesca Bertini) e Febo Mari. Outra diva, mas do teatro, Eleonora Duse, que estava ausente dos palcos há sete anos, aceitou o convite da Ambrosio Film para atuar em Cinzas / Cenere / 1916 ao lado de Febo e dirigida por ele. Os dois escreveram o roteiro e a grande atriz dramática esperava que esta experiência lhe abrisse uma nova carreira no cinema, porém ficou desapontada tanto com a produção quanto com sua interpretação. Já Perdidos nas Trevas / Sperdutti nel Buio / 1914 e Teresa Raquin / Thérèse Raquin / 1915, realizados pelo jornalista, poeta, autor e produtor teatral Nino Martoglio, representam a corrente realista, geralmente ignorada de uma produção paralela à dos filmes colossais e grandiloquentes e que mais tarde inspiraria o neorealismo.

Eleonora Duse 

Outro gênero, chamado commedia brillante (alta comédia), revelou Lucio D´Ambra, roteirista que se tornou diretor, cuja obra mais estimada parece ter sido a opereta Echec ao Rei ou Cheque Ao Rei! / Il Re, le Torri, gli Alfieri / 1916. As comédias silenciosas de D´Ambra suscitaram comparações com os filmes de seu contemporâneo alemão Ernst Lubitsch e ele foi cognominado “o Goldoni do Cinema Italiano”.

Il Re, le Torri, gli Alfieri

Entre os diretores que fizeram sua estréia antes do ínicio da Primeira Guerra Mundial ainda estavam Gennaro Righelli (vários filmes estrelados por Maria Mauro, sua esposa na época), Carmine Gallone (O Beijo de Cyrano / Il Bacio di Cirano / 1913, A Mulher Nua / La Donna Nuda / 1914) e Augusto Genina (La Moglie di sua eccelenza / 1913, A Palavra que Mata / La Parola qui uccide / 1914) cujas carreiras prosseguiriam com vigor no cinema sonoro. Outro ator, Mario Bonnard, parceiro das divas mais famosas, progrediria para a direção um pouco mais tarde,.

Nos primeiros tempos do cinema as empresas francesas, italianas e dinamarquesas dominavam o mercado internacional sem que existisse uma colisão frontal de interesses. Foi exatamente o oposto que ocorreu com a importação massiva de filmes americanos que tomaram o velho mundo de assalto a partir dos anos 1916-1917. Apesar desta nova situação, o cinema italiano tentou continuar como antes. Em 1916 Guazzoni filmou São Sebastião, O Mártir ou Fabiola / Fabiola, drama edificante da Roma Cristã; Caserini, um Ressureição / Resurrezione, baseado no romance de Tolstoi; Negroni, A Princesa de Bagdad / La Principessa di Bagdad, e Febo Mari, após o realismo de Cenere, rodou um ambicioso Attilla – Flagellum Dei / Attila, flagello di Dio seguido por Judas em 1917. Ainda neste ano, a Tespi Film de Roma, recentemente fundada por Eugenio Sacerdotti, produziu A Vida de São Francisco de Assis / Frate Sole, a vida de São Francisco de Assis em quatro episódios, dirigida por Mario Corsi e Ugo Falena.

Porém o cinema americano havia conquistado o mercado mundial, que pretendia manter.

 

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