A CRÍTICA CINEMATOGRÁFICA

junho 1, 2022

Quase todo mundo vê filmes. Vistos em cinemas, na televisão, em aparelhos de dvd ou blu-ray, no avião, no computador e agora até no celular, eles fazem parte da vida contemporânea. Para a maioria dos espectadores, a crítica de filmes é apenas uma expressão de satisfação ou dessatisfação com um filme ora em cartaz. Gostei ou não gostei, diz o espectador médio após a visão de uma obra cinematográfica. Porém existe um outro público com uma idéia diferente sobre filmes e sua apreciação crítica. Este outro grupo de espectadores leva mais a sério a experiência de ver filmes, achando-a tão importante e significativa quanto a arquitetura, pintura, escultura, música, dança, teatro ou literatura, as chamadas belas-artes.

Quanto ao público podemos distinguir dois tipos: 1. O público inadvertido que vai ao cinema para se distrair, ver seus atores prediletos, passar o tempo ou se evadir do cotidiano. 2. o público esclarecido que procura na 7ª Arte algo mais.

Na elaboração de uma cultura cinematográfica o papel da crítica é primordial. A crítica jornalística, que deve ser mais propriamente chamada de resenha, fornece informação para o público cinematográfico de massa. A função principal do resenhista é dar ao leitor inadvertido a informação de que um determinado filme foi lançado e está disponível para ser visto, indicar qual o assunto abordado pelo filme e quem está envolvido diante a atrás das câmeras na sua produção e avaliar o filme, a fim de que os espectadores que simpatizam como o gôsto dos resenhistas, tenham uma idéia se devem ou não gastar seu tempo e dinheiro para assistí-lo. As resenhas são escritas para um prazo quase imediato e não permitem que o resenhista veja o filme mais de uma vez. Além disso, o espaço é limitado. O resenhista, restringido por um prazo e pelo espaço, geralmente pouco pode fazer mais do que uma sinopse do enredo do filme, comentar brevemente sobre a produção e fazer algumas considerações gerais sobre o valor do filme. No Brasil, encontramos a crítica jornalística também em revistas mensais como, por exemplo, A Scena Muda (1921- 1955) e Cinearte (1926-1942).

É importante lembrar que alguns resenhistas conseguem transcender sua função básica, merecendo o título de crítico. Para citar apenas dois nomes, James Agee nos Estados Unidos e Moniz Vianna no Brasil foram exemplos marcantes deste tipo de resenhista. Mas convém esclarecer que, no tempo em que eles escreviam, o espaço para crítica jornalística era maior do que hodiernamente, ela era diária e o seu exercício exigia dedicação integral.

James Agee

James Agee foi considerado por muitas pessoas – tanto dentro e fora de Hollywood -como o crítico de cinema mais brilhante e perceptivo de sua época. Do final de 1941 a meados de 1948 ele era resenhista do Time e do outono de 1942 a 1948 escreveu também uma coluna de cinema para The Nation. Além do mais foi responsável pelo famoso artigo sobre a comédia muda, matéria de capa da revista Life em 3 de setembro de 1949. Suas resenhas e comentários foram reunidos no livro Agee on Film (Beacon Press, 1958). Foi também escritor (ganhou o Prêmio Pulitzer de ficção por seu romance Death in the Family) e roteirista do filme Uma Aventura na África / The African Queen / 1951, dirigido por John Huston.

Agee postulou quatro condições para ser crítico: 1. Defender o Cinema da esnobação dos intelectuais. 2. Julgar o Cinema por seus próprios e difíceis padrões. 3. Ter considerável experiência desde a infância, de assistir aos filmes e pensar e falar sobre eles. 4. Aumentar a capacidade do espectador de “ver” o que está no filme, tanto técnica quanto substantivamente.

Antonio Moniz Vianna

Antonio Moniz Vianna era médico, mas suas principais atividades sempre foram o jornalismo e o cinema. Ele foi o primeiro resenhista brasileiro a abordar todos os aspectos técnicos de uma realização e não hesitou, com independência e coragem, em contraditar os lugares-comuns da crítica (v. g. detestava a Nouvelle Vague e esnobava o chamado “cinema de autor”). Com seu estilo incisivo e polêmico formou várias gerações de cinéfilos. Exerceu seu ofício de cronista cinematográfico no Correio da Manhã (1946-1973); organizou grandes retrospectivas dos cinemas americano, francês, italiano, inglês e russo (1958-1962), dirigiu dois Festivais Internacionais de Cinema no Rio de Janeiro (1965-1967), contribuições substanciais para o aprendizado de Cinema em nosso país. As críticas de Moniz Viana foram reunidas no livro Um Filme Por Dia: Crítica de Choque (Companhia das Letras, 2004), selecionadas por Ruy Castro, que também assina a introdução

Um outro tipo de crítica, mais detalhada e analítica, que não tem nenhum vínculo particular com o jornalismo, tende a aparecer em revistas especializadas (v. g. as americanas Film Quarterly, fundada em 1945 e publicada pela University of California Press e Film Comment, fundada em 1962 e publicada pelo Film at Lincoln Center; as britânicas Sight and Sound, fundada em 1932 e distribuída pelo British Film Institute, Monthly Film Bulletin, fundada em 1934 e depois fundida com a Sight and Sound e Movie, fundada em 1962 por Ian Cameron; as italianas Bianco e Nero, fundada em 1937 por Luigi Chiarini e Cinema Nuovo, fundada em 1952 por Guido Aristarco; a espanhola Objetivo, fundada em 1953 por Luis Garcia Berlanga e Juan Antonio Bardem; as francêsas La Revue du Cinéma, fundada em 1928 por Jean George Auriol, Cahiers du Cinéma, fundada em  1951  por Jacques Doniol Valcroze, André Bazin e Lo Duca, Positif, fundada em 1952 por Bernard Chardère  e Téléciné, publicação de inspiração católica criada em 1947 tendo como redator-chefe Gilbert Salachas; as brasileiras Revista de Cinema, fruto das atividades do Centro de Estudos Cinematográficos de Belo Horizonte, fundada em 1954 por Cyro Siqueira, Jacques  do Prado Brandão,  Guy de Almeida e José Roberto Duque de Novais; Filme Cultura, fundada em 1966 e publicada pela Embrafilme) ou livros publicados pela imprensa universitária.

Podemos apontar duas formas de abordagem processadas por este tipo de crítica cinematográfica: a abordagem do autor e a abordagem de gênero.

A abordagem do autor é a identificação da pessoa mais responsável pela criação do filme, usualmente o diretor, descrevendo e avaliando seu trabalho em termos de singularidade ou consistência de conteúdo, estilo ou excelência de artesanato.  A abordagem de gênero estuda grupos de filmes populares que usam enredos, personagens e cenários semelhantes como, por exemplo, filmes de horror, westerns, filmes de ficção científica.

A teoria do autor foi formulada nos anos 50 por críticos francêses da Cahiers du Cinéma e promovida nos EUA por Andrew Sarris no seu livro The American Cinema (1968). Inicialmente estes críticos discutiam a possibilidade somente de diretores serem considerados como autores; eles eram as pessoas cujo papel articulado no processo de produção parecia envolver o controle mais absoluto sobre todo o filme. Em suma, celebravam o diretor do filme como um autor – um artista cuja personalidade ou visão criativa pessoal podia ser lida, temática e estilisticamente através de sua obra. A finalidade da ‘Política de Autores” era distinguir entre diretores como artistas (auteurs) e diretores como meros técnicos (metteurs-en-scène). Assim, para os críticos autoristas, por exemplo, Alfred Hitchock era auteur e Michael Curtiz, metteur-en-scène. Posteriormente, eles destacaram a força criativa e “autoral” de roteiristas, fotógrafos, atores e montadores. Ocasionalmente, até produtores foram vistos como moldando artística e criativamente o estilo dos filmes: o produtor Irving Thalberg da MGM é um exemplo clássico.

A teoria do autor foi criticada por ignorar frequentemente realizadores cujos filmes individuais não faziam parte de uma obra. Ela omitia também realizadores cujos excelentes filmes individuais pareciam não ter nenhuma conexão estilística entre si.  Por outro lado, o crítico autorista às vezes supervalorizava um determinado realizador por causa de seu estilo consistente e identificável, mesmo quando ele era esteticamente banal ou tematicamente desinteressante.

Tal como o sistema de estúdio e o de astros, o sistema de gêneros ajudou a regularizar a produção de filmes e a minimizar os riscos econômicos inerentes à indústria. Os responsáveis pelos estúdios perceberam que, fazendo vários filmes do mesmo gênero por ano, dentro de determinadas fórmulas, poderiam economizar tempo e dinheiro, pois utilizariam os mesmos cenários e figurinos e geralmente as mesmas equipes, criando-se uma rotina que daria maior rapidez às filmagens. Por outro lado, os espectadores sabiam o que esperar de um filme de determinado gênero, porque já estavam familiarizados com o ambiente e o assunto tratado, de modo que o sucesso de cada novo filme era sempre ensejado pela popularidade dos filmes anteriores. O. público que apreciou o primeiro filme voltaria para ver os similares subseqüentes, os quais, portanto, seria de certo modo vendidos antecipadamente.

O filme de gênero é uma forma de expressão coletiva, um espelho voltado para a sociedade, que incorpora e reflete os problemas em comum e valores dessa sociedade. A crítica de gênero, por exemplo, considera que os musicais dos anos 30 podem ser explicados como uma fantasia escapista da Depressão; que o filme noir nos anos 40 expresssa primeiramente as mudanças sociais e sexuais ocasionadas pela Segunda Guerra Mundial e, depois, a desilusão reinante após o conflito etc. O critíco pode examinar os gêneros e sua relação com a cultura na qual eles foram feitos (v. g.   relação entre um western e o verdadeiro Oeste). Um determinado filme pode sugerir que a chegada da civilização no Oeste trouxe consigo toda corrupção e ganância associada com a vida na cidade – banqueiros, xerifes desonestos – tirando a pureza e inocência associada à vida vivida mais próxima da natureza.

Os ensaios seminais de Robert Warshow sobre o filme de gangster (The Gangster as Tragic Hero) e o western (Movie Chronicle: The Westerner) reunidos no livro The Immediate Experience (Doubleday, 1962) trouxeram uma nova compreensão de filmes há muito ignorados por críticos de cinema mais sofisticados, que não percebiam o seu impacto e as razões de sua popularidade duradoura. Warshow analizou tanto o gênero western como o de gângster como reflexos da sociedade americana e como uma expressão artística sem igual.

Outras formas de abordagem podem ser feitas tais como o estudo das implicações sociais ou psicológicas de um determinado filme ou ciclo de filmes. Por exemplo: ver violência em um filme induz um a pessoa a se tornar violenta? De acordo com a idade, a sensibilidade e demais predisposições cada espectador sofrerá, em diferentes medidas, o impacto daquilo que vê na tela. Naturalmente a receptividade da criança, do adolescente e do imaturo é muito mais aguda.

A percepção de que os filmes produzem efeitos sobre o espectador, sendo capaz de influenciar as massas, fez com que fôsse usado para fins de propaganda política. Embora cineastas como Leni Riefenstahl, Eisenstein e Pudovkin tivessem feito filmes artisticamente importantes, seus filmes eram, antes de tudo, carregados de significado político.

A primeira tentativa de compreender a sociedade descobrindo seus desejos inconscientes reproduzidos na tela foi feita por Sigfried Kracauer no seu estudo From Caligari to Hitler (1957) no qual ele mostra como as forças em ação nos filmes germânicos dos anos 20 e 30 refletem a psique alemã e podem explicar a ascensão de Hitler ao poder. Martha Wolfestein e Nathan Leite em Movies: A Psychological Study (1950) examinaram o filme como representação das fantasias da platéia. Parker Tyler, nos seus livros The Hollywood Hallucination (1944) e Myth and Magic of the Movies, (1967), utilizando a teoria de Freud do subconsciente, analisou o filme como uma corporificação do mito. Hortense Powdermaker em Hollywood, The Dream Factory (1950), abordou o filme do ponto de vista de uma antropologista social.

Os cientistas sociais frequentemente analizam o filme como uma instituição que reflete a estrutura da sociedade na qual foi feito. Eles também tentam descobrir como esta instituição influencia a sociedade em geral, que então, por sua vez, influencia a produção de filmes. Além do livro de Hortense Powdermaker, Film: The Democractic Art (1976) de Garth Jowett mostra o alcance possível deste método.

Existe ainda a abordagem histórica. No seu livro Film History, Theory and Practice (1995, Robert C. Allen e Douglas Gomery identificaram quatro abordagens da história do cinema, que eles denominaram de estética, tecnológica, econômica e social. Kristin Thompson e David Bordwell, no seu Film Art: An Introduction (2003), acrescentam uma quinta categoria – biográfica – àquelas usadas por Allen e Gomery. De fato, não existe uma história do cinema, mas várias histórias possíveis, cada qual adotando uma perspectiva diferente.

A história biográfica é provavelmente a mais popular para o leitor comum. Biografias de astros do cinema, diretores, produtores e chefes de estúdio proliferam, a maioria exaltando-os ou revelando os escândalos nos quais porventura estiveram envolvidos. Mesmo nas biografias mais acadêmicas, há uma tendência para reduzir a história do cinema a histórias de “grandes homens” (v.g. inventores como Thomas Alva Edison e realizadores como D.W. Griffith) aos quais são atribuídos importantes desenvolvimentos tecnológicos ou artísticos no meio, ressaltando a qualidade de “gênio”, que eles supostamente possuem.

A história estética é, simplesmente, a história do filme como uma forma de arte. Os historiadores escolhem os “melhores filmes”, que eles consideram obras de arte, separando-os do resto. Allen e Gomery chamam isto de “a tradição da obra-prima”, que resultou na criação de um cânone de filmes “clássicos” sempre privilegiados nas histórias de cinema, e se tornou evidente na moda das listas dos “maiores” filmes de todos os tempos, propostas em determinadas ocasiões por revistas especializadas na matéria.

A história tecnológica diz respeito à invenção e ao aperfeiçoamento de processos mecânicos necessários para a projeção de imagens em movimento. A maioria das histórias tecnológicas focaliza os momentos-chave no desenvolvimento da tecnologia do cinema (v. g. a introdução do som, cor, tela larga etc.).

A história econômica tem a ver com a organização da indústria cinematográfica como uma prática comercial. Como observaram Allen e Gomery, “deve ser salientado que nenhum filme jamais foi criado fora de um contexto econômico “. Isto é uma verdade tanto para o filme de arte ou de vanguarda como para os recentes blockbusters de Hollywood.  Embora existam muitos exemplos de realizadores para os quais o motivo do lucro não é necessariamente a primeira preocupação, as companhias produtoras e a indústria de cinema como um todo funcionam de acordo com o imperativo comercial de que os filmes são feitos para se ganhar dinheiro.

A história social focaliza o lugar do cinema no âmbito mais vasto da sociedade e da cultura. Ela envolve questões tais como: quem faz os filmes e como eles são feitos (modos de produção); que espécie de filmes são feitos; quem vê os filmes e como eles são avaliados (estudo do público e da crítica); que constrangimentos são impostos ao conteúdo dos filmes (censura); e quais as relações entre a indústria cinematográfica e outras instituições (agências governamentais, grupos de pressão, e assim por diante). Investiga também até que ponto os filmes podem ser vistos como reflexos dos valores, crenças e preocupações das sociedades nas quais são produzidos. E inclui ainda o uso do filme como um instrumento de propaganda e controle social.

Nas últimas décadas, o número de revistas de cinema e os jornais existentes em nosso país foi diminuindo, o espaço reservado às resenhas ou críticas de cinema ficando cada vez menor, e hoje elas só encontram um lugar razoável na internet sob a forma de centenas de blogues, sites ou teses de mestrado. O problema é que a web ensejou a democratização de opiniões, mas também permitiu a manifestação de pessoas sem qualificação suficiente para expor a matéria sobre a qual se expressam ou para produzir um texto claro, preciso e sucinto, sem pedantismo.

 

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