HANS FISHERKOESEN, O “DISNEY” DE HITLER

setembro 4, 2023

Apaixonados pelos desenhos animados de Walt Disney, Adolf Hitler e seu ministro da propaganda Joseph Goebbels decidiram formar uma poderosa indústria de animação, criando um estúdio parecido com o do americano. Entre os convocados para este empreendimento estava Hans Fischerkoesen, um dos animadores mais destacados da Alemanha ente 1933 e 1945, cujo trabalho incluía um trio de filmes notáveis: Verwitterte Melodie, Der Schneemann e Das dumme Gänslei

Hans Fisherkoesen

Hans Fisher (1896 – 1973) nasceu em Bad Koesen, cidade perto de Naumburg na Saxônia. Como o sobrenome Fisher fosse muito comum no meio cinematográfico, ele acrescentou o nome da cidade de nascimento ao seu próprio, passando a se chamar Hans Fischerkoesen, para se distinguir de outros.  Quando criança, Hans e sua irmã Leni satisfaziam seu gôsto por fantasia, criando um teatrinho de marionetes e outros entretenimentos domésticos. Ambos estudaram na Lepzig Art Academy e, posteriormente, ela trabalhou com Hans e muitos filmes.

Ele foi dispensado do serviço militar durante a Primeira Guerra Mundial por sofrer de asma, porém serviu em hospitais do exército perto das linhas de frente, onde sentiu a insanidade da guerra nas trincheiras. Quando a guerra acabou, FIscherkoesen voltou para a casa de sua família e, depois de muito esforço e determinação, conseguiu realizar o primeiro desenho animado da Alemanha, Das Loch in Western  (O Buraco no Ocidente) / 1919, expondo as pessoas que tiravam proveito da população com a pobreza e destruição depois da guerra.

Fisherkoesen fez um filme de publicidade de muito sucesso, Bummel-Petrus (Pedro Passeador ) / 1921 para a fábrica de sapatos de Nordheimer, que levou a um contrato de dois anos com Julius Pinschew, pioneiro da utilização de comerciais de animação nos cinemas em 1911. Depois, montou seu Fisherkoesen Studio em Leipzig e se especializou em filmes de publicidade, algo para o qual parecia perfeitamente adequado, pois possuía inegável senso de humor, bom senso de ritmo, e um estilo de desenho animado flexível – bem como uma concentração obsessiva necessária para fazer filmes animados perfeitos em todo o sentido.

Em 1931, um jornal de Leipzig celebrizou Fischerkoesen como “o queridinho do público com um artigo de página inteira intitulado “Tomem cuidado, Mickey Mouse, Gato Felix, e companhia!”, que continha imagens deliciosas de uma vaca com uma lira embutida nos seus chifres, um touro de smoking, e uma dança cangurú em um estilo art-deco encantador, figuras populares de seus anúncios. Em 1937, quando ele arrebatou ambos o primeiro e o segundo prêmios em uma competição internacional de filmes de publicidade patrocinada pela Dinamarca (da qual participaram inclusive George Pal e Alexander Alexeieff), Fisherkoesen havia feito cerca de mil filmes de publicidade. Infelizmente, todos salvo uns poucos se perderam ou permanecem não identificados em coleções que não consideram importantes os filmes comerciais.

Durante muitos anos, Fisherkoesen manteve sua produção confinada ao tipo de filmes de publicidade que fazia tão bem; mas, em 1941, o Ministro de Propaganda do Reich, Joseph Goebbels, exigiu que ele transferisse seu estúdio e pessoal para Postdam, perto dos estúdios Neubabelsberg da UFA e ficasse disponível para consultas ou efeitos especiais sobre filmes de longa-metragem ou documentários. Entre as coisas específicas que Goebbels determinou para a nova indústria de desenho animado foi o desenvolvimento de efeitos “tri-dimensionais” que pudessem competir com o processo Stereo-Óptico de Max Fleischer ou com a câmera multiplano de Walt Disney.

A Melodia Desgastada

O primeiro desenho animado (curto) que Fisherkoesen fez para o seu novo chefe foi Scherzo – Die Verwitterte Melodie (Scherzo – A Melodia Desgastada) / 1942, sobre uma abelha que descobre uma vitrola em pleno campo e consegue tocar os discos antigos (com música no estilo swing) usando o seu ferrão. Para se apreciar a ousadia de Fisherkoesen, devemos lembrar que os nazistas haviam proibido o jazz e o swing, considerando-os como uma trama para minar a cultura germânica tradicional. Além disso, toda a comunidade de animais descrita no filme é pacífica, amigável, divertida, imaginativa e altruísta, exatamente o oposto da exigência nazista para um dedicado cidadão Ariano.

Nos outros dois cartoons curtos de Fisherkoesen durante a Segunda Guerra Mundial, Der Schneemann / 1944 (Boneco de Gelo) e Das dumne Gänslein (O Gansinho Parvo) / 1945, ele também criou uma narrativa complexa e ambígua que confunde e contradiz a política nazista. FIsherkoesen demonstrou que, mesmo na hora mais escura, mais ameaçadora de depravação humana, os homens de princípios podem resistir, subvertendo com sutileza as regras e preconceitos do tirano.

Boneco de Gelo

O Gansinho Parvo

No final da guerra, as tropas invasoras russas prenderam Fisherkoesen como um possível colaborador nazista. Embora pudesse provar que não era realmente um simpatizante nazista, mas sim um membro de um grupo de artistas da resistência, ele foi mantido no campo de concentração de Sachsenhauser por três anos, antes de ser libertado. Durante este tempo, trabalhou na cozinha e pintou murais irônicos e alegóricos usando criaturas vegetais, os quais se encontram agora preservados como um monumento histórico nacional.

Quando foi finalmente sôlto, havia provado que não era um nazista, mas também que não era comunista; assim, não foi autorizado a trabalhar privativamente nos seus próprios filmes, mas somente como funcionário do estúdio DEFA, controlado pelo Estado. Em 1948, Fisherkoesen e sua família fugiram da Alemanha Oriental, carregando apenas uma câmera; ele então reinstalou seu estúdio perto de Bonn, na Alemanha Ocidental.

Conforme informações de William Moritz, professor do California Institute of Arts (que foram fundamentais para a elaboração deste artigo), Fisherkoesen continuou fazendo filmes de propaganda até 1969, conquistando prêmios importantes nos festivais de filmes comerciais em Roma, Milão (três vezes), Veneza, Monte Carlo e Cannes.

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