ELEMENTOS DE LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA CLÁSSICA

junho 29, 2022

O Cinema, como toda arte, exige uma iniciação. É preciso conhecer a linguagem do cinema para que se possa entender bem o que o diretor do filme quís dizer, ou seja, as idéias ou os sentimentos que ele quís exprimir.

Podemos começar pela unidade fílmica, que é o Plano. O que é um plano? É a imagem vista na tela e o tempo que ela permanece diante dos nossos olhos. Se a imagem permanece muito tempo diante dos nossos olhos, temos um Plano Longo (Long Take). Se passa rapidamente diante do nosso olhar, temos um Plano Curto (Short Take). Esta distinção é importante porque, normalmente, uma sucessão de planos longos cria um ritmo lento e uma sucessão de planos curtos cria um ritmo rápido.

Entre 1930 e 1960 a maioria dos filmes de longa-metragem de Hollywood continham entre 300 e 700 planos com uma média de duração entre 8 e 11 segundos. Isto mudou consideravelmente durante os anos 1970 e no final dos anos 1980 maioria dos filmes continha 1.500 planos com uma média de duração entre 4 e

6 segundos. Este aumento continuou nos anos 1990 e 2000, gerando o que foi chamado por David Bordwell de Continuidade Intensificada (Intensified Continuity), um método de montagem que agrada ao público habituado com a televisão, vídeo games e internet. Filmes como X-Men – o filme / X-Men / 2000 de Bryan Singer tinham em média 2 a 3 segundos por plano.

Planos Ambientais:

Plano Geral (Extreme Long Shot). Quando a câmera mostra um amplo cenário sem nenhuma figura humana ou com figuras humanas vistas bem de longe, sem que se possa distinguir seus traços ou expressões faciais. Este plano serve para situar o local da ação, tendo, portanto, primordialmente, uma função descritiva. Porém às vezes pode ter uma função dramática como é o caso do final de um clássico do cinema, Ouro e Maldição / Greed / 1924 de Erich von Stroheim.

Plano de Conjunto (Long Shot). Quando a câmera mostra um cenário mais restrito, no qual já aparecem figuras humanas mais de perto. Por exemplo, um grupo de pessoas em uma praça. Este plano serve para situar os personagens no cenário.

Plano de Expressão Corporal:

Plano Médio (Full Shot). Quando a câmera mostra um personagem de corpo inteiro. Este plano serve para o ator mostrar todos os recursos de seu corpo. Por exemplo, nos filmes musicais, a câmera apanha o dançarino dos pés à cabeça.

Plano de Diálogo:

Plano Americano (Medium Shot). Quando a câmera mostra o personagem do joelho ou da cintura para cima. Este plano serve muito para as cenas de conversação e apresenta variações: o Two Shot ou Tomada de Dois, quando aparecem duas figuras, Three Shot ou Tomada de Três, quando aparecem três figuras e assim por diante.

Planos de Intimidade:

Primeiro Plano (Close-Up). Quando a câmera mostra um personagem dos ombros para cima.

Primeiríssimo Plano (Big Close-Up, Extreme Close-Up). Quando a câmera mostra um detalhe do corpo humano, o rosto, a boca, os olhos etc. Quando o primeiríssimo plano se refere a um objeto, chama-se Plano de Detalhe ou Insert. Por exemplo, um revólver, uma faca, uma chave etc. Nos filmes de suspense estes planos assumem particular importância. Ex: o plano da chave nas mãos de Ingrid Bergman em Interlúdio / Notorius / 1946 de Alfred Hitchcock.

Estes planos mais próximos têm uma função dramática ou psicológica e em geral são reservados para os momentos de alta intensidade emocional, para mostrar as reações íntimas dos personagens. Exemplo: no filme O Martírio de Joana D’Arc / La Passion de Jeanne D’Arc / 1928 de Carl Dreyer mostrando a tortura moral de Joana D’ Arc espezinhada pelos seus julgadores. O Plano de Detalhe pode ter também uma função simbólica. Por exemplo, uma panela com leite fervendo que transborda.

É precisamente esta escala de planos, a variação quase infinita de pontos de vista do espectador, que difere o Cinema do Teatro e que dá ao Cinema um poder extraordinário de análise e de impacto.

Temos ainda:

Plano Referencial (Establishing Shot ou Master Shot), que é um plano que o diretor faz para dar uma visão geral da cena, antes de começar a cortar para os planos mais próximos, a fim de que o espectador tenha a noção de onde estão os personagens ou os objetos no ambiente. E, na medida em que a narrativa se desenvolve, pode ser necessário repetir esse plano para que o espectador não perca aquela noção. É o que se chama de Reestablishing Shot.

Plano de Reação (Reaction Shot). Quando vemos um acontecimento e depois o efeito que produziu ou, alternativamente, quando vemos o efeito produzido em alguém e depois o acontecimento. Por exemplo: vemos uma cobra toda enroscada, pronta para dar o bote e depois uma jovem assustada ou então vemos a jovem assustada e depois a cobra.

Plano de Transição (Bridging Shot). Que é um plano usado para cobrir um salto no tempo ou no espaço. Por exemplo: as folhas que caem de um calendário ou a rodas de uma locomotiva em movimento.

Fazendo uma orquestração de Planos, Cenas (que são um conjunto de planos) e Sequências (que são um conjunto de cenas), é que o diretor vai organizar a construção dramática e o ritmo do filme, dando-lhe uma palpitação e uma expressão.

Vamos ver então o esquema mais amplo dos elementos estéticos que o cineasta usa para construir sua obra:

Elementos Estéticos Visuais: Plano – Angulação – Enquadramento – Movimentos de Câmera – Cenário – Iluminação – Ator – Cor. Elementos Estéticos Auditivos: Som – Música – Diálogo.

Já vimos o Plano, vejamos agora a Angulação. Existem, basicamente, oito tipos de angulação:

Câmera Normal (Eye Level Angle). Quando a câmera é colocada na altura dos personagens, seguindo a linha horizontal dos seus olhos. Ex: nos filmes de Ozu.

Câmera Alta (High Angle ou Plongé ou Plano Imergente). Quando a câmera é colocada acima do que está sendo filmado e a imagem é vista de cima para baixo. Com esta angulação costuma-se sugerir abatimento psíquico ou físico, inferioridade, humilhação, abandono, desprêzo, derrota etc. Ex: em Na Estrada da Vida / La Strada / 1954 de Federico Fellini, Zampano (Anthony Quinn) na praia chorando com saudade de Gelsomina (Giulietta Masina), um bruto adquirindo condição humana.

Câmera Baixa (Low Angle ou Contre-Plongé ou Plano Emergente).  Quando a câmera é colocada abaixo do que está sendo filmado e a imagem é vista de baixo para cima. Com esta angulação costuma-se sugerir superioridade, triunfo, exaltação, orgulho, autoridade, domínio, majestade etc. Ex: os generais do tzar nos filmes soviéticos dos anos vinte. Robert Wise no seu filme Punhos de Campeão / The Set-Up / 1948, usa a câmera baixa para ressaltar o contraste entre vencedor e o vencido.

Câmera Oblíqua, Inclinada ou Diagonal (Oblique Angle). Quando vemos tudo em plano inclinado. Ex: Julien Duvivier no filme Um Carnê de Baile / Un Carnet de Bal / 1937 usou esta angulação para mostrar que o personagem do médico epilético (Pierre Blanchar) era um desequilibrado. Em Vidas Amargas / East of Eden / 1955 Elia Kazan usou a câmera inclinada para indicar o relacionamento conturbado entre o jovem interpretado por James Dean e seu pai (Raymond Massey). Este tipo de angulação também é muito usado em sequências frenéticas de perseguição, porque as linhas inclinadas sugerem agitação, inquietação, desequilíbrio.

Câmera Diretamente do Alto (Bird´s Eye View). Quando a câmera fotografa uma cena diretamente do alto. Ex: no filme Psicose / Psycho/ 1960 de Alfred Hitchcock na cena da segunda morte, quando o detetive acaba de subir a escada casa de Norman Bates (Anthony Perkins) e é assassinado por ele vestido de mulher.

Câmera Subjetiva (Point of View Shot). Quando vemos tudo pelos olhos do personagem. No filme Vidas Sêcas / 1963 de Nelson Pereira dos Santos, há o emprego da câmera subjetiva na morte da cadela Baleia. O seu delirio mortal é visto em câmera subjetiva. Exemplo de um filme todo em câmera subjetiva: A Dama no Lago / Lady in the Lake / 1947 de Robert Montgomery.

Câmera Circular (Circular Camera). Quando a câmera faz movimentos circulares para sugerir vertigem, tontura ou mesmo paixões desenfreadas como no filme Um Corpo Que Cai / Vertigo / 1958   de Alfred Hitchcock na cena em que “Scottie” (James Stewart) e Judy (Kim Novak) se beijam apaixonadamente, depois que Judy é retransformada em Madeleine.

Câmera Invertida ou Campo e Contra-Campo (Reverse Angle, Shot-Countershot). Esta é uma angulação usada geralmente em cenas de dialogação. Ex: um casal conversando. No campo vemos o homem de frente e a mulher de costas para a câmera; no contracampo, que vem logo a seguir por meio de um corte, a mulher será vista de frente e o homem de costas para a câmera.

A angulação pode ser usada para obter um efeito cômico. Ex: em O Imigrante / The Immigrant / 1917, Charles Chaplin mostra um navio muito balouçante no qual todos os passageiros sentem-se enjoados. Vemos então Carlitos debruçado sobre a amurada, balançando as pernas e pensamos que ele está vomitando. Mas ele se vira de repente e mostra um peixe que pescou com a bengala. O diretor conseguiu este efeito cômico colocando a câmera atrás das costas de Carlitos.

É muito importante lembrar que, quaisquer que sejam as angulações, o diretor deve tomar cuidado para não cair no artificialismo, no esteticismo. Não usar as angulações apenas pelo seu aspecto formal e sim funcionalmente. Muito embora saibamos que não existem regras fixas para a criação artística. O artista pode usar sua imaginação à vontade, sua imaginação criadora. Estamos apenas estudando as regras para um filme bem-comportado, regras que, muitas vezes, podem ser brilhantemente transgredidas. A linguagem do cinema está sempre evoluindo e esta evolução se faz precisamente com a quebra das regras estabelecidas.

Prosseguindo no estudo dos elementos estéticos visuais, vejamos agora o Enquadramento, que inclui a Composição de cada plano, isto é, como o diretor distribui a imagem dentro do quadro, dando-lhe uma arquitetura, um equilíbrio e um significado. A Composição é chamada de Ritmo Interior em contraposição à Montagem, que é o Ritmo Exterior. Aí o Cinema se aproxima da pintura. As artes plásticas fornecem muitos modelos aos cineastas no que diz respeito ao jogo de proporções e movimento de linhas.

Sabemos, por uma série de experiências psicológicas que linhas verticais causam a sensação de força e estabilidade; linhas horizontais causam uma sensação de calma e repouso; linhas oblíquas ou em espiral causam uma sensação de atividade, agitação, instabilidade, inquietação, nervosismo; linhas circulares sugerem convergência ou ordem. Assim como o cruzamento de linhas verticais com linhas horizontais sugere prisão ou isolamento.

Os cineastas usam essas linhas, e as lentes, para fazer a composição. Ex: a lente grande angular aumenta o tamanho do cenário e dá maior profundidade de campo enquanto a teleobjetiva faz o contrário, diminui o tamanho do cenário e dá menor profundidade de campo. A grande angular separa a frente do fundo do quadro: a teleobjetiva os aproxima – a imagem aparece achatada na tela. Além da variação de perspectiva há uma variação de velocidade. Em uma tomada de grande angular, o personagem parece andar mais rápido; com a teleobjetiva, parece andar mais lentamente.

Um dos exemplos mais marcantes do enquadramento está no filme Pérfida / The Little Foxes / 1941 de William Wyler. Há uma cena famosa na qual o marido (Herbert Marshall) discute com a mulher (Bette Davis) e tem um ataque cardíaco. Ele pede o remédio e ela não se move. Fica sentada na frente do quadro, vendo-se ao fundo o marido subindo a escada, cambaleando, para pegar o remédio até cair. Este enquadramento transmite com intensidade a indiferença absoluta da esposa, que nem sequer vira a cabeça para trás, para ver o que está acontecendo com o marido. Nesta cena foi usada a técnica da Profundidade de Campo (Deep Focus, Pan Focus) aperfeiçoada pelo grande fotógrafo Gregg Toland. Esta técnica permite que o diretor mostre ao mesmo tempo o que ocorre na frente e no fundo do quadro com igual nitidez e sem necessidade de se fazer mudanças de planos. A profundidade de campo permite a feitura de planos mais longos com períodos maiores de ação contínua, que são chamados de Planos-Sequência (Sequence Shots). É o que o crítico francês André Bazin chamou de “democratização da mise-en-scène” e que dava também maior realismo. Um exemplo marcante de plano sequência é a abertura de A Marca da Maldade / Touch of Evil / 1958 de Orson Welles.

Em suma, em vez da decupagem clássica, analítica, baseada na fragmentação de diversos planos, temos a decupagem sintética que deixa o espectador com liberdade para escolher o foco de sua atenção. Ele não fica mais tão prisioneiro da montagem como na decupagem clássica. Foi realmente uma revolução importante para o cinema moderno.

Com relação ao enquadramento temos ainda o Estreitamento do Quadro também denominado Recorte ou Máscara, usado quando se quer chamar atenção para determinado fato. Ex: no filme Intolerância / Intolerance / 1916 de David Wark Griffith, para realçar a queda de um soldado das altas muralhas da cidade, o diretor deixou os cantos da tela no escuro e mostrou ele caindo no centro iluminado. Às vezes é um personagem que se vê no fundo de um quarto através da porta semiaberta, sendo o resto do quadro tomado pelas paredes. Ou então se mostra a ação através de um binóculo ou de um buraco de fechadura.

Os Movimentos de Câmera são:

Travelling (Dolly, Track Shot, Carrinho), que é quando a câmera se desloca, havendo travelling para a frente, para trás, lateral, circular e vertical quando a câmera se aproxima, se afasta, corre paralelamente aos objetos ou personagens filmados, circula em torno deles e sobe e desce com um elevador. Usa-se também a Lente Zoom ou Varifocal, que produz quase o mesmo efeito do travelling e por isso é chamada de Travelling Ótico. Eu disse, quase, porque há uma diferençazinha: o travelling nos aproxima ou afasta das coisas enquanto a lente zoom traz as coisas até nós ou as afasta de nós. A lente zoom chama muito atenção sobre si mesma. É muito artificial e por isso é preciso ser usada com cautela. Ex: no filme Umberto D / Umberto D / 1952 de Vittorio de Sica temos o emprego correto do zoom em uma cena em que o velho, só e desesperado, olha para fora de sua janela. O diretor faz um zoom para a frente e a calçada parece se projetar sobre nós, causando uma impressão vívida do súbito, impulsivo pensamento de suicídio. Em Um Corpo Que Cai / Vertigo / 1958 Hitchcock faz uma combinação de um zoom para trás com um travelling para a frente, para causar a impressão subjetiva da vertigem do personagem.

Panorâmica, que é quando a câmera gira sobre seu próprio eixo horizontal (Pan) ou verticalmente (Tilt). Pode ser lenta ou rápida (Zip Pan, Chicote), descritiva ou dramática. Exemplo de panorâmica dramática e rápida ocorre no filme de John Ford No Tempo das Diligências / Stagecoach / 1939, quando vemos a diligência correndo pela planície e, subitamente, a câmera passa velozmente para o alto de um monte, focalizando um grupo de índios se preparando para o ataque. Quando se realizam várias panorâmicas sucessivas isto se chama Fiadura. Ex: a partida de tênis em Pacto Sinistro / Strangers on a Train / 1951 de Alfred Hitchock ou final de Os Pecados de Todos Nós /   Reflections in a Golden Eye / 1967 de John Huston.

Pano-Travelling, que é a combinação da panorâmica com o travelling realizada com o auxílio de uma grua, isto é, a câmera em um guindaste que pode rodopiar em todas as direções (Crane Shot).

No período do final dos anos 1960 a meados dos anos 1970, que ficou conhecido como A Nova Hollywood, os realizadores utilizaram o Steadicam, um braço hidráulico preso a um colete vestido pelo cinegrafista tornando ainda mais manejável a câmera na mão e as gruas Louma e Wesscam dirigidas por controle remoto, ambas usando monitores de vídeo como visores. Nessa época, foram também utilizadas as câmeras reflex, que permitiam ao operador ver e enfocar seus planos diretamente através da lente, sem precisar de um visor e se desenvolveu cada vez mais a Video Assist Technology, ou seja, o vídeo usado primeiramente para monitorar a qualidade da produção e depois como uma espécie de “story board eletrônica”.

Roll. Quando objetos e os atores vão virando de cabeça para baixo.

Vejamos agora, de modo sucinto, os outros elementos estéticos visuais: o Cenário, a Iluminação, o Ator e a Cor.

Cenário, que os franceses chamam de Décor, para distinguir de Scenario (que em francês quer dizer Roteiro), tanto o Cenário Natural como o Cenário Artificial, isto é, o cenário construído em estúdio ou ao ar livre, ajuda a criar o ambiente, o clima, a atmosfera, dar dramaticidade a uma cena ou caracterizar um personagem. O cenário varia de acordo com o assunto tratado ou a tendência estilística do diretor, podendo ser, por exemplo, Realista ou Expressionista. Em uma outra classificação o cenário pode ser: Despojado, quando se reduz ao máximo, sendo quase abstrato (ex: nos filmes de Robert Bresson e Carl Dreyer) e Ostensivo, quando assume maior relevância (ex: nos filmes de época, históricos ou de ficção cientifica).

Além disso, um simples fenômeno da natureza ou um objeto de decoração podem se tornar altamente dramáticos. É muito comum as cenas mais dramáticas ocorrerem durante uma tempestade (ex: a batalha na chuva em Os Sete SamuraisShichinin no Samurai / 1954 de Akira Kurosawa. A lua cheia nos filmes de lobishomem é outro exemplo. E, quanto aos objetos, temos exemplos nos filmes de Hitchcock: a tesoura em Disque M Para MatarDial M for Murder/ 1954, o isqueiro em Pacto Sinistro / Strangers on a Train /1951, os pratos da orquestra em O Homem Que Sabia Demais / The Man Who Knew To Much / 1956 etc. Por outro lado, um objeto pode se tornar até um personagem (v. g. o fusca no filme Se o Meu Fusca Falasse / The Love Bug / 1968 é de fato um personagem e tem até nome, “Herbie”). E há filmes visivelmente inspirados no cenário como é o caso de O Gabinete do Dr. Caligari / Das Cabinet des Dr. Caligari / 1920 de Robert Wiene ou então os filmes de Antonioni como A Aventura / L’Avventura / 1960, A Noite / La Notte / 1961, O Eclipse / L´Eclisse / 1962, nos quais se percebe uma forte relação entre os caracteres dos personagens e a paisagem. Para dar um exemplo bem nítido do cenário caracterizando um personagem, temos o filme Herança da Carne / Home from the Hill / 1960 de Vincente Minelli, no qual o personagem principal é um fazendeiro, dono de vasta propriedade rural e caçador. O cenário reflete isto, definindo o personagem. Na sua casa ele tem uma sala, que é uma espécie de santuário, decorada com poltronas de couro, tapetes de pele de lobo, troféus de caça pendurados na parede, coleção de rifles, sem falar nos cães que, em um estalar de dedos, chegam perto do dono.

Resta mencionar o Matte Painting que é a combinação de um cenário pintado com cenas reais. Um elemento da cena filmada é ação ao vivo e o remanescente é uma imagem pintada. Ex: Em Cidadão Kane, na cena em que os empregados do Inquirer têm o primeiro vislumbre da noiva de Kane, apenas um detalhe do cenário foi realmente construído. O edifício e seus arredores foram pintados.

Mas atenção: não devemos confundir o Matte Painting com a Retroprojeção (Back ou Rear Projection) também chamada Transparência que é o processo de filmagem que permite, por exemplo, filmar cenas de exteriores dentro dos estúdios. Emprega-se para isso um telão transparente em que se projeta um findo ou uma paisagem filmada anteriormente. Diante deste telão os personagens atuam. e a câmera roda, como se tudo se desenrolasse ao ar livre.

É bom lembrar que, nos filmes coloridos, as cores claras dão a sensação de amplitude e as cores escuras condensam, apertam o cenário. Há toda uma psicologia das cores e o cenógrafo tem que ser também um psicólogo, para poder fazer o que recomendou o grande diretor de arte inglês Edward Carrick: “The design should always be the background to an emotion”, ou seja, o cenário deve sempre servir de pano de fundo para uma emoção.

Entretanto, não é somente com o cenário que o cineasta cria a atmosfera, dá dramaticidade a uma cena ou caracteriza um personagem. Ele pode fazer isto também com a Iluminação, com o jogo de luzes e sombras. É muito comum no cinema o uso do simbolismo da luz e da sombra, do contraste entre a claridade e a escuridão, do branco e do preto. No filme Sindicato de Ladrões / On the Waterfront / 1954 de Elia Kazan, por exemplo, o rosto branco e os cabelos louros de um claro luminoso da mocinha interpretada por Eva Marie Saint, fazem um contraste com as figuras pretas ou cinzentas dos estivadores e dos criminosos do sindicato. O efeito íntimo de uma paisagem ou de um interior depende completamente da luz. A luz, por exemplo, torna um quarto agradável, hospitaleiro ou frio, limpo ou sujo, conforme as proporções de claridade.

Há dois tipos de iluminação muito usados no cinema: a Chave Alta e a Chave Baixa. Chave Alta (High Key Lighting) é a técnica da iluminação difusa com poucos contrastes de luz e sombra, geralmente usada nos filmes de tom alegre, otimista, como as comédias e os musicais. Chave Alta (Low Key Lighting) é a técnica de iluminação contrastada com muito contraste de luz e sombra, geralmente usada nos filmes noir e nos filmes de horror. O caráter de um rosto pode ser transformado pela iluminação vinda de baixo, que dá um aspecto sinistro ou perverso ao ator. E quando o ator se situa entre a fonte de luz e a câmera (a câmera encarando a fonte de luz), na técnica chamada de Back Lighting (Contraluz), dá-se o efeito da silhueta ou então se forma uma auréola em torno do personagem.

As sombras, por sua vez, podem assumir valor simbólico. Quantas vezes não vimos na tela uma sombra negra simbolizando o Mal? A iluminação também pode embelezar uma estrela, geralmente por meio de filtros. Há, por exemplo, um filtro suavizador que confere à imagem um efeito flou ou de nebulosidade. As grandes estrelas de Hollywood sempre tinham seus fotógrafos prediletos (v. g. Bette Davis / Ernest Haller).

Existem ainda a Fill Light (Luz de Preenchimento ou Lateral), luz que se localiza ao lado do ator ou atriz que está sendo filmado, com a finalidade de suavizar sombras causadas no rosto dele ou dela pela luz principal (Key Light ou Luz Frontal) e de preencher os vazios que causam essas sombras, evitando um contraste excessivo; o Spot, Spotlight ou Follow Shot (Jato), luz de efeito que projeta um facho brilhante sobre uma pessoa, grupo de pessoas ou objeto por intermédio de um pequeno refletor; e os Shaft of Light, que são fachos de luzes que podem ser vistos penetrando janelas como a luz que invade a sala de projeção em Cidadão Kane.

Já com relação ao Ator, o diretor espera dele criações, mas não a criação cinematográfica. A criação cinematográfica é do diretor. O ator deve, antes de tudo, ser fotogênico, isto é, representar-se bem pela fotografia, ter boa dicção e o dom de se projetar, de ter uma presença que estala na tela, que concentra todas as atenções. Se souber representar, tanto melhor. Porém é simples objeto nas mãos do diretor, elemento de grande valor muitas vezes, mas completamente dependente do diretor.

Ficou célebre a experiência de montagem feita pelo teórico russo Leon Kulechov. Ele colocou a imagem do ator Ivan Mosjoukine sucessivamente ao lado de um prato de sopa, de uma moribunda e de uma criança sorrindo. O rosto do ator impassível parecia exprimir em cada caso, fome, pena ou ternura. Outra coisa: o ator não constrói seu papel como o ator de teatro, pois as cenas não são filmadas na ordem de desenrolar da ação do filme. Além disso, de cada cena fazem-se várias tomadas, mas apenas uma é escolhida – a critério do diretor, não pelo ator.

No final do século dezenove, o grande dramaturgo Bernard Shaw, escreveu um ensaio famoso, comparando as duas atrizes mais em evidência na época, Sarah Bernhardt e Eleonora Duse. A comparação de Shaw é muito útil para a discussão dos tipos de interpretação no cinema. Sarah Bernhardt impunha a sua grande personalidade em cada papel Era sempre ela mesma. Já a Duse, era diferente em cada papel que interpretava. Era totalmente a personagem. Está aí a diferença entre a grande estrela e a grande atriz. De acordo com as expressões usadas no teatro nós podemos dizer que a Duse era uma atriz de composição e a Sarah Bernhardt uma atriz de natureza.

A posição dos atores de cinema é bem diferente da posição dos artistas no teatro. Um ator de teatro aparece no palco e sente a primeira emoção ao ver a casa cheia ou vazia. Quando começa o espetáculo, estabelece-se uma certa ligação entre a platéia e ele, ator. À medida que a peça se vai desenrolando, o ator vai criando em si um outro personagem; há um crescendo que contribui para a sua própria emoção. No cinema, é diferente: não existe estímulo da platéia, as cenas são repetidas muitas vezes e assistidas somente pelo diretor e pelos técnicos. A continuidade da emoção é quebrada pela filmagem fora da ordem cronológica.

Para encerrar a matéria sobre os elementos estéticos visuais vamos falar sobre a Cor. E lembramos que a cor pode ser usada como decoração ou como função, isto é, empregada em função do contéudo, ajudando a sublinhar a idéia, o sentimento ou qualquer emoção expressa. Nos seus estudo teóricos Eisenstein falava de um “significado da cor” e Van Gogh, ao comentar o seu quadro “Café de Nuit” disse: “Procurei exprimir com o vermelho e o verde terríveis paixões humanas”. Enfim, há toda uma psicologia das cores que as denominações cores quentes, cores frias deixam a entender. As Cores Quentes (vermelho, amarelo, laranja) sugerem agressividade, energia, estímulo; as Cores Frias (azul, verde, cinza) sugerem tranquilidade, serenidade, calma. Podemos citar vários filmes nos quais há o emprego funcional da cor. Por exemplo, Marnie: Confissões de uma Ladra / Marnie / 1964 de Alfred Hitchcock. A heroína neste filme é tremendamente afetada pela cor vermelha. O vermelho do vestido ou do pôr do sol provocam-lhe uma crise nervosa. Em outro filme de Hitchcock, Quando Fala o Coração / Spellbound / 1945, filmado em preto e branco, há um efeito interessante com a cor na cena do suicídio do assassino, quando ele dá o tiro, e a tela é tomada por mancha vermelha. Nos filmes musicais a cor assume uma importância especial e ela também pode servir para diferenciar o presente do passado. Existem vários filmes nos quais as cenas do presente são coloridas e as do passado em preto e branco. Exemplos: Voltar a Morrer / Dead Again / 1991 de Kenneth Branagh, A Lista de Schindler / Schindler´s List / 1993 de Steven Spielberg  No filme Laranja Mecânica / A Clockwork Orange / 1971, Stanley Kubrick fez o seguinte: na primeira parte, que lida com as agressões sexuais e sociais do protagonista, ele usou cores quentes (vermelhos e laranjas); na segunda parte, quando o herói é domesticado, ele usou cores frias especialmente azuis e cinzas).

Vamos falar agora dos elementos estéticos auditivos: o Som, a Música e os Diálogos. O Som pode ser utilizado de uma maneira realista ou de uma maneira expressionista. No filme Miracolo a Milano / Milagre em Milão / 1951 de Vittorio de Sica, as palavras ditas por dois capitalistas discutindo sobre a posse de um terreno se transformam pouco a pouco em latidos. Em Cidadão Kane / Citizen Kane / 1941 de Orson Welles a lâmpada de cena que se apaga em um decrescendo sonoro delirante, exprime o esgotamento da personagem, incapaz de suportar por mais tempo a vida de cantora medíocre, imposta por seu marido. Já o som real pode ser sincrônico quando o som que ouvímos corresponde à imagem que vemos ou assincrônico, quando o som que ouvímos não corresponde à imagem que vemos. Por exemplo no filme M – O Vampiro de Düsseldorf / M – Eine Stadt Such einen Mörder / 1931 de Fritz Lang, o comissário de polícia lê um relatório sobre um roubo e nós vamos vendo as imagens do roubo que fora praticado. As palavras do comissário são assincrônicas com as imagens do roubo. Há também o silêncio. Em certos filmes de suspense como Rififi / Du rififi chez les hommes / 1955 de Jules Dassin, por exemplo, na sequência do assalto ao banco, a gente chega a “ouvir” o silêncio. E às vezes o som pode substituir as imagens com vantagem. Por exemplo, no filme Amor sem Fim / Peter Ibbetson / 1935 de Henry Hathaway, nós vemos o herói moribundo na prisão, pronunciando as suas últimas palavras A tela escurece e ouvimos o baque do corpo que cai. Com isso termina o filme e sabemos que o herói morreu. A imagem não poderia ser mais eloquente do que o baque surdo na escuridão.

A Música pode ser utilizada de várias maneiras no cinema. Geralmente é empregada apenas para acompanhar a ação ou como ambiente de fundo. É a chamada Música Incidental. E às vezes vai até o exagero, seguindo a imagem segundo por segundo. Se um personagem desce uma escada na ponta dos pés, cada passo é acompanhado por uma nota musical. Ou então, por exemplo, em uma briga, cada sôco é assinalado por um golpe de tambor. Nos anos 40 a gente ouvia muito esse tipo de música no cinema. Que era também usada nos desenhos animados. Este acompanhamento musical contínuo era sem dúvida irreal e sempre foi criticado.

A música também pode ser usada:

Na apresentação dos letreiros, para marcar a época e o espírito do filme. É o chamado Main Title.  Por exemplo, no filme As Aventuras de Tom Jones / Tom Jones / 1963 de Tony Richardson, a música legre tocada em um cravo, que se ouve na apresentação, caracteriza o século dezoito e o tom jocoso do relato.

Para caracterizar um personagem ou estado d’alma. É o chamado Leit Motiv ou Motivo Condutor, espécie de “marca sonora” do personagem. No filme de Carol Reed, O Terceiro Homem / The Third Man /1949, o som da cítara marca a presença do personagem vivido por Orson Welles. No filme de Fritz Lang, M – O Vampiro de Düsseldorf, a presença do tarado, personificado por Peter Lorre, é sugerida pelo assobio de um tema musical de Grieg. O tema de Lara recorda a personagem de Julie Christie em Doutor Jivago / Doctor Zhivago / 1965 de David Lean.

Em contraponto às imagens. Exemplo, no filme Millions Like Us / 1943 de Frank Launder e Sidney Gilliat, ficamos sabendo que o marido da heroína foi morto em combate. Depois, quando a vemos novamente, ela está no meio de uma festa barulhenta em uma cantina de operários da fábrica de munições. Enquanto a câmera se fixa na moça, que está em silêncio, completamente desligada de todo o barulho, pensando no marido morto, ouvimos o canto turbulento dos operários e este contraste realça o efeito da cena.

Como interlúdios musicais, que é quando se interrompe a narrativa com um número musical. Por exemplo, em Butch Cassidy / Butch Cassidy and The Sundance Kid / 1969 de George Roy Hill, a cena de. Paul Newman andando de bicicleta ao som da música “Raindrops Keep Fallin´on My Head”.

Um dos diretores mais criativos no uso da música no cinema foi Stanley Kubrick. Basta citar o uso da valsa Danúbio Azul em 2001, Uma Odisséia no Espaço / 2001, a Space Odyssey / 1968 e de “Singin in the Rain” em Laranja Mecânica, na cena do estupro. Nesta cena, a impropriedade do trecho musical serve para amenizar o realismo e a violência.

E para encerrar quanto à música, nós temos que deixar claro o significado de três termos usados com relação à música no cinema: Score é o fundo musical; Sound Track é a trilha sonora (incluindo música, efeitos sonoros e diálogos) e Source Music é a música que os atores escutam no filme tal como, por exemplo, a que vem de um aparelho de rádio.

Finalmente nós temos os Diálogos, abrangendo em um sentido amplo:

Monólogo Interior, quando o ator fala consigo mesmo e uma voz fora de cena traduz o pensamento de seu personagem. Pode servir para substituir o aparte do teatro como em Mentiras da Vida / Strange Interlude / 1932 de Robert Z. Leonard.

Solilóquio, quando o ator fala consigo mesmo. Exemplo: a cena do Ser ou Não Ser em Hamlet / Hamlet / 1948 de Laurence Olivier.

Narração, que vem geralmente em voice over. Há uma distinção entre Voice Off e Voice Over. A voz off é usada para um personagem que fala sem ser visto, mas está presente no espaço da cena. A voz over é usada para uma narração (de um documentário, por exemplo) ou em um flashback. A narração pode assumir a forma de comentário v. g. nos filmes de Sacha Guitry.

Diálogos Justapostos (Overlapping) quando várias pessoas falam ao mesmo tempo, um personagem interrompendo o outro a todo instante. Ex: em Cidadão Kane.

Locução e Imagem Defasada, quando o diálogo continua enquanto os personagens que conversam entre si estão em lugares a cada momento diferente. Exemplo: em Acossado / A bout de souffle / 1960 de Jean Luc Goddard.

Com relação ao diálogo surge a questão do teatro filmado, da validade de filmes como os de Marcel Pagnol, para quem o cinema era “o teatro em conserva”; das experiências shakespereanas de Laurence Olivier; dos filmes de Woody Allen nos quais se fala muito, mas não deixam de ser cinema.

 

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